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retorica de aristotles
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| ARISTÓTELES | |
| OBRAS COMPLETAS | |
| RETÓRICA | |
| Título: Retórica | |
| 2.ª edição, revista | |
| Autor: Aristóteles | |
| Edição: Imprensa Nacional-Casa da Moeda | |
| Concepção gráfica: Branca Vilallonga | |
| (Departamento Editorial da INCM) | |
| Revisão do texto: Levi Condinho | |
| Tiragem: 800 exemplares | |
| Data de impressão: .evereiro de 2005 | |
| ISBN: 972-27-1377-9 | |
| Depósito legal: 221 943/05 | |
| OBRAS COMPLETAS DE ARISTÓTELES | |
| COORDENAÇÃO DE ANTÓNIO PEDRO MESQUITA | |
| VOLUME VIII | |
| TOMO I | |
| Projecto promovido e coordenado pelo Centro de .ilosofia da Universi- | |
| dade de Lisboa em colaboração com o Centro de Estudos Clássicos da | |
| Universidade de Lisboa, o Instituto David Lopes de Estudos Árabes e | |
| Islâmicos e os Centros de Linguagem, Interpretação e .ilosofia e de Estu- | |
| dos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra. | |
| Este projecto foi subsidiado pela .undação para a Ciência e a Tecnologia. | |
| ARISTÓTELES | |
| RETÓRICA | |
| Prefácio e introdução de MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR | |
| Tradução e notas de MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR, | |
| PAULO FARMHOUSE ALBERTO e ABEL DO NASCIMENTO PENA | |
| (Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa) | |
| CCEENNTTRROODDEEFFIILLOOSSOOFFIIAA DDAA UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEEDDEELLISISBBOOAA | |
| IMIMPPRREENNSSAA NNAACCIIOONNAALL--CCAASSAA DDAAMMOOEEDDAA | |
| LLIISSBBOOAA | |
| 22000035 | |
| PRE.ÁCIO | |
| Nunca antes a retórica se estudou com tanto interesse e | |
| em áreas tão distintas do saber, como nunca antes se estudou | |
| o fenómeno retórico em contextos tão distantes do mundo que | |
| aparentemente o viu nascer. A recente obra de George Ken- | |
| nedy, Comparative Rhetoric, é disso um bom exemplo ao disser- | |
| tar sobre a retórica não só em sociedades iletradas e sem es- | |
| crita como os aborígenes da Austrália, os índios das Américas | |
| e outras sociedade tradicionais, mas também em sociedades le- | |
| tradas da Antiguidade que, para além da grega e da romana, | |
| floresceram tanto na Mesopotâmia, em Israel e no Egipto, como | |
| na China e na Índia. A retórica está na moda, e os temas que | |
| acto contínuo se abordam em colóquios e congressos são os | |
| mais diversos e surpreendentes, situando-se praticamente em | |
| todas as áreas do saber humano. | |
| Para muitos, a retórica pouco mais é do que mera mani- | |
| pulação linguística, ornato estilístico e discurso que se serve de | |
| artifícios irracionais e psicológicos, mais propícios à verbaliza- | |
| ção de discursos vazios de conteúdo do que à sustentada ar- | |
| gumentação de princípios e valores que se nutrem de um racio- | |
| cínio crítico válido e eficaz. Mas a restauração da retórica ao | |
| seu velho estatuto de teoria e prática da argumentação per- | |
| suasiva como antiga e nova rainha das ciências humanas tem | |
| vindo a corrigir essa noção enganosa, revalorizando-a como | |
| ciência e arte que tão logicamente opera na heurística e na | |
| hermenêutica dos dados que faz intervir no discurso, como | |
| psicológica e eficazmente se cumpre no resultante efeito de | |
| convicção e mobilização para a acção. No fundo, a retórica é | |
| 9 | |
| um saber que se inspira em múltiplos saberes e se põe ao ser- | |
| viço de todos os saberes. É um saber interdisciplinar no senti- | |
| do pleno da palavra, na medida em que se afirmou como arte | |
| de pensar e arte de comunicar o pensamento. E como saber | |
| interdisciplinar e transdisciplinar, a retórica está presente no | |
| direito, na filosofia, na oratória, na dialéctica, na literatura, na | |
| hermenêutica, na crítica literária e na ciência. | |
| A retórica é uma das artes práticas mais nobres, porque o | |
| seu exercício é uma parte essencial da mais básica de todas as | |
| funções humanas. Daí a especial atenção que Aristóteles lhe | |
| dedicou, corrigindo tendências sofísticas e codificando princí- | |
| pios metodológicos e técnicos que, com o evoluir da tradição, | |
| se haveriam de consagrar num cânone retórico de grande for- | |
| tuna e proveito. | |
| Na retórica aristotélica nós encontramos o saber como teo- | |
| ria, o saber como arte e o saber como ciência; um saber teórico | |
| e um saber técnico, um saber artístico e um saber científico. No | |
| trânsito da antiga para a nova retórica, ela naturalmente trans- | |
| formou-se de arte da comunicação persuasiva em ciência | |
| hermenêutica da interpretação. O seu duplo valor como arte e | |
| ciência, como saber e modo de comunicar o saber, faz dela | |
| também um instrumento mediante o qual podemos inventar, | |
| reinventar e solidificar a nossa própria educação. O esforço | |
| transdisciplinar que hoje em dia se faz para melhor compreen- | |
| der o papel da retórica e da hermenêutica na crítica do texto | |
| filosófico e literário mostra-nos que estas são duas áreas do | |
| saber intrinsecamente ligadas à essência da praxis humana. | |
| O justo relevo dado por Chaïm Perelman à vertente | |
| argumentativa desta arte colocou mais uma vez a Retórica de | |
| Aristóteles na moda, e as traduções que dela se fazem suce- | |
| dem-se em ritmo acelerado nas mais diversas línguas. Desafio | |
| a que também respondeu a Imprensa Nacional-Casa da Moe- | |
| da, ao haver concretizado há poucos anos a feliz decisão de | |
| incluir obra tão representativa e actual na sua colecção «Clássi- | |
| cos de .ilosofia» e agora lançar a sua 2.ª edição, integrada na | |
| colecção «Biblioteca de Autores Portugueses». E com toda a jus- | |
| tiça o faz, pois não é só a causa da retórica que esta importan- | |
| te obra de Aristóteles serve enquanto teoria da comunicação ou | |
| argumentação persuasiva. Muitos a têm igualmente recomen- | |
| dado como obra filosófica de especial interesse para o estudo | |
| da hermenêutica, da phronesis e da razão prática; uma obra que | |
| merece ser lida no contexto e na interacção com as demais. | |
| 10 | |
| A Retórica de Aristóteles não é, como sabemos, um texto | |
| fácil. Escrita em linguagem densa e acentuadamente elíptica, | |
| esta obra torna por vezes árdua a tarefa de precisar com rigor | |
| o sentido do texto estabelecido e de o transmitir com clareza | |
| ao seu leitor. .oi esse o objectivo último dos tradutores no | |
| intento de superarem as dificuldades impostas pelo próprio | |
| texto. Se o conseguiram, foram eles também os primeiros | |
| beneficiários; pois o seu trabalho resultou numa experiência | |
| extremamente compensadora, e que tanto mais o será quanto | |
| melhor vier a servir os seus leitores. Aqui reiteram eles tam- | |
| bém a sua gratidão a quantos, directa ou indirectamente, con- | |
| tribuíram para a sua concretização. | |
| Lisboa, 2004. | |
| MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR | |
| 11 | |
| INTRODUÇÃO | |
| 1. Origem da retórica e formação do sistema retórico | |
| A retórica recebeu nas últimas três décadas uma cuidada atenção | |
| da parte de um notável número de estudiosos 1. Há uns cinquenta anos, | |
| .riedrich Solmsen publicou um artigo intitulado «The Aristotelian | |
| Tradition in Ancient Rhetoric», em que sublinhava a importância de | |
| Aristóteles para a história da retórica. Daí para cá, o interesse pela | |
| retórica antiga e a sua relevância para a sociedade moderna têm au- | |
| mentado dramaticamente. George Kennedy produziu, ao longo dos | |
| anos, uma série de volumes que traçam a teoria e a prática da retórica | |
| ao longo dos séculos desde a mais remota Antiguidade 2, e de ambos os | |
| lados do Atlântico se respondeu com entusiasmo ao estabelecimento da | |
| International Society for the History of Rhetoric. | |
| 1 Testemunham-no os 164 livros referidos por Brian Vickers na sua | |
| «Bibliography of Rhetorical Studies, 1970-1980», in Comparative Criticism: | |
| A Yearbook, 3, 1981, 316-322, e o interesse cada vez mais crescente pela | |
| disciplina nas décadas seguintes. | |
| 2 The Art of Persuasion in Greece, Princeton, Princeton University | |
| Press, 1963; Quintilian, New York, Twayne, 1969; The Art of Rhetoric in | |
| the Roman World, Princeton, Princeton University Press, 1972; Classical | |
| Rhetoric and its Christian and Secular Tradition from Ancient to Modern Ti- | |
| mes, Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1980; Greek Rhetoric | |
| under Christian Emperors, Princeton, Princeton University Press, 1983; New | |
| Testament Interpretation through Rhetorical Criticism, Chapel Hill, University | |
| of North Carolina Press, 1984; A New History of Classical Rhetoric, Prince- | |
| ton, Princeton University Press, 1994. | |
| 15 | |
| Sendo uma das disciplinas humanas mais antigas e mais verda- | |
| deiramente internacionais, a retórica, à semelhança da gramática, da | |
| lógica e da poética, não é uma ciência a priori. Como observa Edward | |
| Corbett 3, a Retórica de Aristóteles não é o produto da mera ideali- | |
| zação de princípios nascidos com ele e por ele convencionados para | |
| persuadir e convencer outras pessoas. É, sim, o produto da experiên- | |
| cia consumada de hábeis oradores, a elaboração resultante da análise | |
| das suas estratégias, a codificação de preceitos nascidos da experiên- | |
| cia com o objectivo de ajudar outros a exercitarem-se correctamente | |
| nas técnicas de persuasão. | |
| Se a literatura é o nosso melhor veículo de acesso à cultura e à | |
| civilização gregas, o facto é que essa literatura foi em larga medida mol- | |
| dada pela retórica. Já em Homero os Gregos se distinguiram pela fa- | |
| cúndia, e sempre gostaram de saborear a força e a magia das suas próprias | |
| palavras. A retórica brotou da sua genial capacidade para a expressão | |
| oral e inspirou-se no doce sabor da palavra usada com fins persuasivos. | |
| Desde Homero que a Grécia é eloquente e se preocupa com a arte | |
| de bem falar. Tanto a Ilíada como a Odisseia estão repletas de conse- | |
| lhos, assembleias, discursos; pois, falar bem era tão importante para o | |
| herói, para o rei, como combater bem 4. Quintiliano admira sem reser- | |
| 3 Classical Rhetoric for the Modern Man, New York, Oxford University | |
| Press, 1971, p. XI. | |
| 4 Essas eram as duas virtudes neles mais apreciadas. .énix, por | |
| exemplo, acompanhou Aquiles por ordem de seu pai, Peleu, para «o en- | |
| sinar a falar bem e a realizar grandes feitos» (Ilíada, 9.443). | |
| 16 | |
| vas essa eloquência da Grécia heróica reconhecendo nela a própria per- | |
| feição da oratória já a desabrochar 5. É a oratória antes da retórica; o | |
| que naturalmente supõe uma pré-retórica, uma «retórica avant la lettre» | |
| bem anterior à sua definitiva configuração como ciência do discurso | |
| oratório 6. O mesmo se passa com os poemas elegíacos e líricos, que se | |
| nos apresentam impregnados de estruturas discursivas de inspiração | |
| retórica e intenção persuasiva. Calino dirigindo-se aos seus concidadãos, | |
| e Safo a Afrodite são disso um exemplo bem significativo. Também na | |
| tragédia os discursos em forma de diálogo são complementados pelos | |
| do coro em forma de exposição. Até mesmo nos documentos históricos | |
| os discursos são um constante elemento de animação literária, nomea- | |
| damente em Tucídides, que ocupam uma larga percentagem da sua | |
| obra. Nos próprios tratados filosóficos, o autor socorre-se com assinalá- | |
| vel frequência do recurso ao discurso oratório. É, porém, Péricles que | |
| estabelece a transição entre o período da eloquência espontânea e o da | |
| eloquência erudita, adulta, simultaneamente dialéctica e filosófica. Os | |
| únicos discursos a ele atribuídos chegaram até nós pela pena de | |
| Tucídides, que colocou na sua boca três das mais importantes peças | |
| oratórias que a sua obra contém 7, entre elas a «Oração fúnebre». | |
| 5 Institutio oratoria, 10.1.4651. | |
| 6 Vide «Sobre los orígenes de la oratoria (I)», Minerva, Revista de | |
| .ilología Clásica, 1, 1987, 17. | |
| 7 Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, Brasília, HUCITEC, | |
| 1986, 1.140-145: «Os Atenienses decidem ir à guerra»; 2.35-46: «Oração fú- | |
| nebre»; 2.60-64: «Defesa conciliadora de Péricles». | |
| 17 | |
| Esta tríade admirável de discursos representa bem a síntese da | |
| sua motivação política, com especial destaque para o facto de que ele | |
| via no povo o colaborador voluntário dos seus chefes e não o ins- | |
| trumento cego das suas ambições, e em Atenas a escola da Grécia 8. | |
| É bem conhecida a imagem que um dia empregou, a propósito dos | |
| jovens soldados caídos na guerra: «o ano acaba de perder a sua Pri- | |
| mavera» 9. | |
| Atenas admirara em Péricles o seu primeiro orador, pois a pala- | |
| vra dele exercera sobre os espíritos dos Atenienses uma influência | |
| duradoura; tão duradoura como a própria independência. Pois, se | |
| antes dele Atenas realizou grandes feitos, foi sob a pressão das cir- | |
| cunstâncias, os favores da fortuna e a sagacidade dos seus chefes 10. | |
| .oi, porém, só com ele e por ele que a cidade tomou consciência de si | |
| mesma, do seu génio e do seu destino. | |
| Péricles é, por conseguinte, a ponte que liga o passado ao fu- | |
| turo, erguendo-se qual monumento vestido de glória sob a fronteira | |
| de dois mundos. De um lado, temos a Grécia de Homero e de | |
| Hesíodo, de Arquíloco, Safo e Alceu, de Píndaro e Ésquilo; a Grécia | |
| espontânea e poética, de que o drama trágico foi manifestação su- | |
| prema. Do outro lado, temos a Grécia que atinge a sua idade de | |
| reflexão, a Grécia da prosa, da história, da eloquência política, da | |
| 8 tÁj `Ell£doj (2.41). | |
| 9 Aristóteles, Retórica, I, 7, 1365a. | |
| 10 Georges Perrot, LÉloquence politique et judiciaire à Athènes, Paris, | |
| Hachette, 1873, pp. 44-45. | |
| 18 | |
| filosofia e da ciência. Péricles é, pois, a figura do orador que gover- | |
| na pela palavra uma cidade livre 11, mantendo-a firme à cabeça da | |
| Grécia. | |
| .oi, porém, na Sicília que a retórica teve a sua origem como | |
| metalinguagem do discurso oratório. Por volta de 485 a. C., dois ti- | |
| ranos sicilianos, Gélon e Hierão, povoaram Siracusa e distribuíram | |
| terras pelos mercenários à custa de deportações, transferências de | |
| população e expropriações. Quando foram destronados por efeito de | |
| uma sublevação democrática, a reposição da ordem levou o povo à | |
| instauração de inúmeros processos que mobilizaram grandes júris | |
| populares e obrigaram os intervenientes a socorrerem-se das suas fa- | |
| culdades orais de comunicação. Tal necessidade rapidamente inspirou | |
| a criação de uma arte que pudesse ser ensinada nas escolas e habili- | |
| tasse os cidadãos a defenderem as suas causas e lutarem pelos seus | |
| direitos. E foi assim que surgiram os primeiros professores da que | |
| mais tarde se viria a chamar retórica. | |
| .oi nesse decisivo momento histórico em que a democracia se | |
| impôs à tirania, precisamente no tempo em que Atenas conheceu | |
| Péricles, que Córax e Tísias de Siracusa conceptualizaram e publica- | |
| ram o primeiro manual de retórica 12. Na mesma altura em que a | |
| 11 Ibidem, pp. 45-46. | |
| 12 Platão, Isócrates, Aristóteles e Cícero parecem favorecer a atribui- | |
| ção da autoria do primeiro manual de retórica a Tísias (Cícero, Brutus, | |
| 46). Mas, como opina Hugo Rabe (Prolegomenon Sylloge, Leipzig, 1931, | |
| p. 26), nada custa a aceitar a contribuição de Córax, uma vez que este | |
| 19 | |
| retórica desabrocha na Sicília, a arte do diálogo desenvolve-se em Eleia | |
| com os filósofos idealistas e, graças a uma habilidade prodigiosa de | |
| articular estes dois métodos, a Grécia inteira adere ao fascínio e ao | |
| deslumbramento de ver discutir e dissertar sobre qualquer tema, quer | |
| se trate de metafísica, moral, política ou qualquer outro tema que | |
| mereça a defesa, o elogio ou a censura da comunidade. | |
| De todos os que seguiram a vertente retórica, o mais célebre, | |
| tanto pelos elogios dos seus admiradores como pelos ataques de Platão, | |
| foi Górgias. .oi com ele que este sistema de ensino penetrou na Ática. | |
| Natural da Sicília, como Córax e Tísias, Górgias reconhecia a força | |
| persuasiva da emoção e a magia da palavra expressiva e bem cuida- | |
| da, vendo no orador um psicagogo, um guia de almas mediante uma | |
| espécie de encantamento. Em 427 a. C., os seus conterrâneos de | |
| Leontinos enviaram-no a Atenas à cabeça de uma embaixada, e por | |
| aí ficou como professor de dialéctica e retórica, como mestre de não | |
| poucos oradores e educadores de Atenas. | |
| Com Córax e Tísias produziu-se uma retórica puramente sin- | |
| tagmática, uma retórica que se ocupa das partes do discurso e tem | |
| sobretudo a ver com a dispositio. Com Górgias valorizou-se na retó- | |
| rica uma nova perspectiva de natureza paradigmática, valorizaram-se | |
| o estilo e a composição que têm a ver com a elocutio. O seu princi- | |
| pal contributo foi «ter submetido a prosa ao código retórico, propa- | |
| fora seu mestre e entretanto havia desenvolvido a divisão tripartida dos | |
| discursos em proémio, ¢gèn, e epílogo (G. Kennedy, The Art of Persuasion | |
| in Greece, Princeton, Princeton University Press, 1963, p. 59). | |
| 20 | |
| gando-a como discurso erudito, objecto estético, linguagem sobe- | |
| rana, antepassado da literatura» 13. Numa palavra, abriu a prosa à | |
| retórica e a retórica à estilística. | |
| 2. Natureza e finalidade da retórica | |
| Definir a retórica não é tarefa fácil. Pois, como se crê, nunca | |
| existiu um sistema uniforme de retórica clássica 14, embora se multi- | |
| pliquem os esforços de a apresentar como um sistema 15. A retórica | |
| foi sempre uma disciplina flexível, mais preocupada com a persuasão | |
| dos ouvintes do que com a produção de formas de discurso; isto é, | |
| mais preocupada com a função retórica do que com a configuração do | |
| 13 Roland Barthes, «A Retórica antiga», in Pesquisas de Retórica, Pe- | |
| trópolis, Editora Vozes, 1975, p. 152. | |
| 14 Cf. L. Thurén, The Rhetorical Strategy of 1 Peter: With Special Regard | |
| to Ambiguous Expressions, Abo, Abo Academis .örlag, 1990, pp. 50-51; | |
| W. Wuelner, «Rhetorical Criticism and its Theory in Culture-Critical Pers- | |
| pective: The Narrative Rhetoric on John 11», in P. J. Hartin and J. H. Petzer | |
| (eds.), Text and Interpretation. New Approaches in the Criticism of the New | |
| Testament, Leiden, Brill, 1991, p. 171. | |
| 15 H. Lausberg, Handbuch der literarischen Rhetorik (2 vols.), München, | |
| Max Hüber, 1960; segunda edição revista, 1973; E. P. J. Corbett, Classical | |
| Rhetoric for the Modern Student, New York, New York University Press, | |
| 1965; A. D. Leeman e A. C. Braet, Klassieke rhetorika. Haar inhoud, functie | |
| en betekenis, Gröningen, Wolters-Noordhoff/.orsten, 1987. | |
| 21 | |
| próprio texto 16. Como acrescenta Kraftchick, «it is well to remember | |
| that ancient rhetoric, in its rules as well as the manifestation of those | |
| rules, was extremely fluid» 17. | |
| Ao dissertar sobre a natureza da retórica, Quintiliano reflecte | |
| sobre as várias definições desta, e deixa-nos perceber as seguintes qua- | |
| tro como as mais representativas das convenções retóricas clássicas 18: | |
| A definição atribuída a Córax e Tísias, Górgias e Platão: | |
| peiqoàj dhmiourgÒj (geradora de persuasão); | |
| A definição de Aristóteles: ¹ d r` htorik¾ per toà | |
| doqntoj æj e pen doke dÚnasqai qewren tÕ piqanÒn | |
| (a retórica parece ser capaz de descobrir os meios de per- | |
| suasão relativos a um dado assunto); | |
| Uma das definições atribuídas a Hermágoras: dÚnamij | |
| toà eâ lgein t¦ politik¦ zht»mata (a faculdade de | |
| falar bem no que concerne aos assuntos públicos); | |
| A definição de Quintiliano, na linha dos retóricos es- | |
| tóicos: scientia bene dicendi (a ciência de bem falar). | |
| 16 S. J. Kraftchick, «Ethos and Pathos Appeals in Galatians .ive and | |
| Six: A Rhetorical Analysis», tese de doutoramento, Emory University, | |
| Atlanta, 1985, pp. 69-94. | |
| 17 «Why do the Rhetoricians Rage?», in Text and Logos. The Huma- | |
| nistic Interpretation of the New Testament, Atlanta, Scholars Press, 1990, | |
| p. 61. | |
| 18 Institutio oratoria, 2.15.1-38. | |
| 22 | |
| Num aspecto todas estas definições concordam: que a retórica e | |
| o estudo da retórica têm em vista a criação e a elaboração de discursos | |
| com fins persuasivos. Mas, embora idênticas no essencial, elas real- | |
| çam quatro elementos retóricos importantes 19: 1) o seu estatuto me- | |
| todológico; 2) o seu propósito; 3) o seu objecto; e 4) o seu conteúdo | |
| ético. Em primeiro lugar, todas as definições entendem tcnh como | |
| um corpo de conhecimento organizado num sistema ou método, com | |
| o fim de atingir um determinado objectivo prático, mas nem em to- | |
| das se entende a retórica como arte/ciência (ars, tcnh/scientia, | |
| pist»mh). Para os mestres de retórica, esta era de facto uma arte, ou | |
| mesmo uma ciência, mas para os filósofos ela não passava de uma | |
| experiência da valor didáctico relativo (mpeira, usus). Em segundo | |
| lugar, no que toca à finalidade do discurso retórico, não resulta mui- | |
| to clara nos autores clássicos a diferença entre o nível teórico da re- | |
| tórica e o nível prático da eloquência. Normalmente, quando falam | |
| da finalidade persuasiva da retórica, estão a pensar na finalidade dos | |
| oradores e não na dos professores de retórica. Mas o facto é que o | |
| mestre ensina, não persuade. É só indirectamente que ele está envol- | |
| vido na finalidade persuasiva do discurso 20. Em terceiro lugar, no | |
| que concerne ao objecto da retórica, os autores clássicos têm de igual | |
| modo em mente a prática oratória e não a sua teoria. E por isso, tam- | |
| 19 A. D. Leeman e A. C. Braet, op. cit., pp. 52-57. | |
| 20 Curiosamente, para Aristóteles (Retórica, I, 1, 1354a), o fim da retó- | |
| rica é a capacidade de descobrir os meios de persuasão, e não a persuasão | |
| em si; para Quintiliano, o seu fim é não só persuadir, mas também falar bem. | |
| 23 | |
| bém aqui se dividem: enquanto uns, em termos teóricos, apenas con- | |
| templam no seu horizonte retórico os três géneros de discurso público | |
| (judicial, deliberativo e epidíctico) 21, outros admitem a aplicação das | |
| convenções retóricas a qualquer outro assunto 22. Para eles, a retórica | |
| transforma-se assim numa superciência, pois tem por objecto a reali- | |
| dade total e aplica-se a qualquer texto. Em quarto lugar, põe-se a | |
| questão de a retórica ser ou não ser eticamente neutra. Platão susten- | |
| ta que ela deve ser eticamente responsável e comprometida. Aristóte- | |
| les defende a sua neutralidade e faz depender do orador, não do sis- | |
| tema retórico, o uso responsável ou não das técnicas de persuasão. | |
| Quintiliano representa com a sua definição a posição intermédia: para | |
| ele a eloquência é uma virtude, e o orador é um uir bonus capaz de | |
| falar bem (dicendi peritus), isto é, de forma eticamente aceitável 23. | |
| Retórica é, pois, uma forma de comunicação, uma ciência que se | |
| ocupa dos princípios e das técnicas de comunicação. Não de toda a | |
| comunicação, obviamente, mas daquela que tem fins persuasivos. Não | |
| é, pois, fácil dar da retórica uma só definição. Quando dizemos que | |
| ela é a arte de falar bem e a arte de persuadir, a arte do discurso | |
| ornado e a arte do discurso eficaz, estamos simplesmente a tentar | |
| estabelecer a relação entre duas maneiras de definir a retórica, de li- | |
| 21 Vide a definição de Hermágoras. | |
| 22 Vide definições de Aristóteles e Quintiliano. Para Cícero, o ora- | |
| dor ideal deve ser capaz de falar adequadamente sobre qualquer assunto. | |
| 23 Cf. Jan Botha, Subject to whose authority?, Atlanta, Scholars Press, | |
| 1994, pp. 122-124. | |
| 24 | |
| gar o ornamento e a eficácia, o agradável e o útil, o fundo e a forma. | |
| Quando os antigos dizem que a retórica é a arte de bem falar, fazem- | |
| -no na consciência de que, para se falar bem é necessário pensar bem, | |
| e de que o pensar bem pressupõe, não só ter ideias e tê-las lógica e | |
| esteticamente arrumadas, mas também ter um estilo de vida, um vi- | |
| ver em conformidade com o que se crê. Como diz Bourdaloue, «a lei | |
| moral é a primeira e a última de todas, aquela pela qual cada uma | |
| das outras se fortifica e completa. É por isso que, com razão, os an- | |
| tigos faziam da virtude a condição essencial da eloquência, definindo | |
| o orador como um uir bonus dicendi peritus.» 24 Arte de bem di- | |
| zer, arte de persuadir, arte moral, eis os elementos implícita ou expli- | |
| citamente verificados em quase todas as definições de retórica. | |
| 3. Conflito entre a retórica e a filosofia | |
| Platão é considerado o maior escritor da prosa grega, «um mes- | |
| tre de estrutura, caracterização e estilo» 25. Os seus diálogos reflec- | |
| tem uma formação retórica esmerada. Mas, para ele, a retórica verda- | |
| deira, uma retórica digna dos próprios deuses 26, é necessariamente | |
| 24 A. Profillet (trad.), La rhétorique de Bourdaloue, Paris, Belin, 1864, | |
| pp. 45-46. Cf. Quintiliano, Institutio oratoria, 12.1-2. | |
| 25 George Kennedy, Classical Rhetoric and its Christian and Secular | |
| Tradition from Ancient to Modern Times, Chapel Hill, University of North | |
| Carolina Press, 1980, p. 42. | |
| 26 Platão, .edro, 273e. | |
| 25 | |
| filosófica e psicagógica, tendo sempre em vista o estabelecimento e a | |
| afirmação da verdade. Esse foi, aliás, o grande conflito travado na | |
| Antiguidade: o conflito de competência entre filósofos e retóricos. | |
| Enquanto a retórica foi vista apenas como uma doutrina técnica do | |
| discurso, entrou em declínio progressivo até que quase por completo | |
| se apagou. Mas, quando ela voltou a ser contemplada à luz da sua | |
| estrutura e da sua função filosófica, deu-se o seu ressurgimento e a | |
| afirmação renovada da sua importância 27. | |
| A forma é inseparável do fundo. Há, efectivamente, uma retóri- | |
| ca filosófica por oposição à puramente técnica dos sofistas; uma retó- | |
| rica que é o resultado combinado de natureza, conhecimento e práti- | |
| ca. Pois, tanto para a descoberta da verdade pela via filosófica da | |
| dialéctica como para a exposição persuasiva dessa verdade pela via da | |
| retórica é necessária a mesma estrutura lógica, observa G. Kennedy | |
| no seu comentário ao .edro 28. Diz, aliás, William Grimaldi 29 que | |
| tanto Aristóteles como Platão e Isócrates entendiam a retórica e o seu | |
| estudo como a articulação íntima de matéria e forma no discurso; que, | |
| para os Gregos, o estudo da retórica era um método de educação e, | |
| por conseguinte, uma actividade responsável e não a manipulação fácil | |
| da linguagem. | |
| 27 Cf. Chaïm Perelman, Le champ de largumentation, Bruxelles, Pres- | |
| ses Universitaires de Bruxelles, 1970, p. 221. | |
| 28 Classical Rhetoric, p. 57. | |
| 29 «Studies in the Philosophy of Aristotles Rhetoric», Hermes, | |
| Zeitschrift für klassische Philologie, 25, 1972, p. 1. | |
| 26 | |
| Para qualquer destas figuras, a retórica era uma arte e não uma | |
| técnica: a arte do lÒgoj. Todos eles reconheciam à retórica um funda- | |
| mental papel de relevo na vida do homem e da cidade. Para todos | |
| eles a retórica era, como arte do lÒgoj, o instrumento que habilitava | |
| o homem a exprimir e veicular os resultados da confluência do inte- | |
| lecto especulativo e prático, tornando-os acessíveis a todos para uma | |
| convivência melhor e mais responsável na pÒlij. Não uma mera téc- | |
| nica de elaboração de discursos, mas a essência do processo pelo qual | |
| o homem tenta interpretar e tornar significativo, para si a para os | |
| outros, o mundo real 30. | |
| Na sua expressão lógica, a verdadeira retórica define-se como | |
| articulação perfeita da mensagem nascida na mente, sendo de con- | |
| denar e repudiar a sua transfiguração ou falsificação sofística que, | |
| como técnica de aparência, negligencia a verdade profunda das coi- | |
| sas e se contenta com a adesão do auditório a meras opiniões de cir- | |
| cunstância ou conveniência. Quer isto dizer que ao lÒgoj interior 31 | |
| do homem se opõe o lÒgoj exterior 32; uma imitação corruptível do | |
| modelo original nascido e conservado na mente, mas discurso mes- | |
| mo assim útil e necessário como único intérprete de verbalização de | |
| que o homem dispõe, desde que consentâneo com a verdade e hones- | |
| tamente conformado ao pensamento na interpretação e na veiculação | |
| da mensagem. | |
| 30 William Grimaldi, op. cit., p. 54. | |
| 31 lÒgoj ndi£qetoj. | |
| 32 lÒgoj proforikÒj. | |
| 27 | |
| Platão está na origem desta «questão fundamental que se põe | |
| a propósito da retórica»: a da sua aparente ambiguidade 33. A retóri- | |
| ca que defende no .edro e aquela que rejeita no Górgias são intei- | |
| ramente diferentes. No Górgias trata-se de uma retórica sofística; no | |
| .edro, de uma retórica filosófica. | |
| Haverá um retórica puramente retórica? Uma retórica que não | |
| tenha raízes na sofística nem na filosofia? Essa possibilidade, fundada | |
| na ambiguidade da retórica, é estudada por Barbara Cassin 34 mediante | |
| a análise das obras de Platão, Aristóteles e Perelman. Mais pragmático | |
| do que Platão, Aristóteles contempla a retórica numa perspectiva dife- | |
| rente, mas não se distancia da visão retórica do .edro. Segundo Leo- | |
| nardo Spengel 35, «o locus classicus relativo à retórica de Aristóteles | |
| é inscrever a retórica na continuidade do .edro». Mas há uma outra | |
| linha de força bem mais evidente na concepção aristotélica da retórica: | |
| a retórica é sem dúvida uma tcnh, uma dÚnamij e mesmo uma | |
| pist»mh, pois é conhecimento que de modo algum se deve confundir | |
| com a sofística ou a filosofia. «Em termos aristotélicos, não é difícil | |
| explicar por que a retórica é análoga no campo argumentativo à dialéc- | |
| 33 Barbara Cassin, «Bonnes et mauvaises rhétoriques: de Platon à | |
| Perelman», in .igures et conflits rhétoriques, édité par Michel Meyer et Alain | |
| Lempereur, Bruxelles, Édition de lUniversité de Bruxelles, 1990, p. 17. | |
| 34 Op. cit., pp. 17-37. | |
| 35 Über die Rhetorik des Aristoteles, Munich, 1852. Cf. Antje Hellwig, | |
| Untersuchungen zur Theorie der Rhetorik bei Platon und Aristoteles, Götingen, | |
| 1975, pp. 19 e segs. | |
| 28 | |
| tica no campo demonstrativo.» 36 Como antístrofe da dialéctica, a retó- | |
| rica aristotélica nada mais é do que a antístrofe 37 da retórica filosófica | |
| do .edro. Só assim se compreende como a definição que ele dá da re- | |
| tórica intervém na determinação do seu rgon: «é claro que a sua fun- | |
| ção não é persuadir, mas é ver os meios de persuasão de que dispomos | |
| para cada caso» 38. Por conseguinte, não há duas retóricas: uma sofística | |
| e outra filosófica; uma de facto e outra de direito. O que poderá haver | |
| é um uso correcto ou incorrecto das suas convenções. A retórica pode | |
| sair dos seus limites de competência, mas não deixa de ser retórica 39. | |
| E nisso se distingue o bom do mau orador. | |
| Ora esta mudança de sentido entre o valor da retórica em Platão | |
| e o valor da retórica em Aristóteles foi de algum modo assumida por | |
| C. Perelman. Simplesmente, ao reescrever Aristóteles 40 ele abre ca- | |
| minho a uma nova retórica, fundindo por assim dizer a Retórica e | |
| os Tópicos. A um «tudo é filosófico» de Platão, Perelman contrapõe | |
| um «tudo é retórico», e insere a verbalização do próprio discurso fi- | |
| losófico no campo da retórica 41. | |
| 36 Barbara Cassin, op. cit., p. 27. | |
| 37 Loc. cit. | |
| 38 Retórica, I, 1, 1355b. Para Aristóteles, a função da retórica não é, | |
| pois, persuadir, como no Górgias e no .edro, mas sim ver, teorizar sobre o | |
| modo de persuadir. | |
| 39 Barbara Cassin, op. cit., pp. 27-28. | |
| 40 «Logique et Rhétorique», Rhétoriques, Bruxelles, Éditions de lUni- | |
| versité de Bruxelles, 1989, p. 71. | |
| 41 Barbara Cassin, op. cit., p. 31. | |
| 29 | |
| Actualmente, em resultado de uma longa evolução, a retórica | |
| apresenta-se dividida em dois ramos: uma retórica da elocução, o es- | |
| tudo da produção literária; e uma retórica da argumentação, o estudo | |
| da palavra eficaz ou produção persuasiva. Estas duas retóricas inti- | |
| tulam-se «novas retóricas»: tanto a que se passou a divulgar com | |
| Chaïm Perelman, a partir da década de 1950, uma Nova Retórica | |
| ou teoria da argumentação inspirada na essência da retórica de Aris- | |
| tóteles 42; como a assinalada por Paul Ricoeur no quinto estudo da | |
| sua Métaphore vive, «La métaphore et la nouvelle rhétorique», não | |
| só ignorando a empresa perelmaniana como também apenas se refe- | |
| rindo à retórica literária 43. | |
| Esta ignorância recíproca tem aliás a ver com a fractura original | |
| atrás referida. A definição aristotélica da retórica entra bem cedo em | |
| concorrência com a de Crisipo, Cleantes e os estóicos, que contemplam | |
| a retórica como ars bene dicendi, e assim promovem a tendência para | |
| o privilégio da componente estético-estilística, em detrimento da eficá- | |
| cia argumentativa. A retórica literariza-se e a dimensão argumentativa | |
| da persuasão é negligenciada. O que os primeiros retóricos clássicos | |
| entendiam como uma das suas partes a elocutio veio com o tem- | |
| po a assumir-se como a essência da própria retórica 44. | |
| 42 Chaïm Perelman e L. Olbrechts-Tyteca, La Nouvelle Rhétorique: | |
| Traité de lArgumentation, Paris, Presses Universitaires de .rance, 1958. | |
| 43 Paul Ricoeur, «La métaphore et la nouvelle rhétorique», in La | |
| métaphore vive, Paris, Seuil, 1975, pp. 173-219. | |
| 44 Como justamente observa Antonio García Berrio: «A lo largo de | |
| su historia de colaboración como disciplinas complementarias del discur- | |
| 30 | |
| Paul Ricoeur sublinha o fenómeno nos seguintes termos: «a re- | |
| tórica de Aristóteles cobre três campos: uma teoria da argumentação, | |
| que constitui o eixo principal e que fornece ao mesmo tempo o nó da | |
| sua articulação com a lógica demonstrativa e com a filosofia (esta | |
| teoria da argumentação cobre só ela dois terços do tratado) uma | |
| teoria da elocução , e uma teoria da composição do discurso. O que | |
| os últimos tratados de retórica nos oferecem é, segundo a feliz ex- | |
| pressão de G. Gennete, uma retórica restrita 45, restrita primeiro à | |
| teoria da elocução, depois à teoria dos tropos Uma das causas da | |
| morte da retórica está aí: ao reduzir-se a uma das suas partes, a re- | |
| tórica perdeu ao mesmo tempo o nexus que a ligava à filosofia me- | |
| diante a dialéctica; e, perdido este nexo, a retórica transformou-se em | |
| disciplina errática e fútil. A retórica morreu logo que o gosto de clas- | |
| so, la Retórica, ciencia de la expresividad verbal y la Poética, ciencia de | |
| la poeticidad expresivo-imaginaria, han actuado sobre un entendimiento | |
| cambiante y desigual de la naturaleza del linguage comunicativo | |
| estándar y del discurso literario y poético. La retorización de la poética | |
| clásica fue posible por la confusión imperante en la cultura greco-latina | |
| sobre la naturaleza del linguage artístico [] Podemos decir en síntesis, | |
| que si, a efectos del recorte de su contenido a la sola elocutio, se ha | |
| ablado de un proceso de poderosa poetización de la Retórica, la ten- | |
| dencia inversa de retorización de la Poética y de la Literatura es una | |
| realidad de alcance indiscutible» (Teoría de la Literatura, Madrid, Cáte- | |
| dra, 1989, pp. 22-23; 160). | |
| 45 Gérard Genette, «Rhétorique restreinte», Communications, 16, Pa- | |
| ris, Seuil, 1970. | |
| 31 | |
| sificar as figuras suplantou por completo o sentido filosófico que ani- | |
| mava o vasto império retórico, mantinha unidas as suas partes, e li- | |
| gava o todo ao organon e à filosofia primeira.» 46 | |
| Gérard Genette relaciona as origens modernas da chamada «re- | |
| dução tropológica» com os tratados retóricos de Dumarsais e .onta- | |
| nier nos séculos XVIII e XIX. A retórica passa assim a ser essencial- | |
| mente uma arte da expressão, ou melhor, uma arte da expressão | |
| literária convencionada. Na .rança, como na Itália e na Alemanha, a | |
| retórica em pouco mais se transformou do que em uma teoria da pro- | |
| sa literária. E, se na Inglaterra a velha tradição retórica conseguiu | |
| resistir, foi graças à importância da psicologia no empirismo de Bacon, | |
| Locke e Hume, e à influência da filosofia escocesa do bom senso, ob- | |
| serva Perelman 47. | |
| E acrescenta: «Ao lado da retórica, fundada sobre a tríade re- | |
| tórica-prova-persuasão, Ricoeur lembra-nos que Aristóteles elaborou | |
| uma poética, que não é técnica de acção mas técnica de criação, a qual | |
| corresponde à tríade poiesis-mimesis-catharsis. Ora Aristóteles | |
| ocupa-se da metáfora nos dois tratados, mostrando que a mesma fi- | |
| gura pertence aos dois domínios, ora exercendo uma acção retórica, | |
| ora desempenhando um papel na criação poética.» 48 Pois, como a | |
| 46 La métaphore vive, Paris, Seuil, 1975, pp. 13-14. | |
| 47 Chaïm Perelman, The New Rhetoric and the Humanities. Essays on | |
| Rhetoric and its Applications, London, Reidel, 1979, pp. 3-4. | |
| 48 Chaïm Perelman, Lempire rhétorique. Rhétorique et argumentation, | |
| Paris, Vrin, 1977, p. 13. | |
| 32 | |
| seguir sustenta, as figuras deixam de ser meras figuras ornamentais | |
| e passam a ser usadas como figuras argumentativas, sempre que in- | |
| tegradas numa retórica concebida como arte de persuadir e conven- | |
| cer. Caso contrário, elas transformam-se em meros ornamentos que | |
| apenas respeitam à forma do discurso, perdendo com isso a sua fun- | |
| ção dinâmica. | |
| 4. A Retórica de Aristóteles | |
| Aristóteles escreveu dois tratados distintos sobre a elaboração do | |
| discurso. A sua Retórica ocupa-se da arte da comunicação, do dis- | |
| curso feito em público com fins persuasivos. A Poética ocupa-se da | |
| arte da evocação imaginária, do discurso feito com fins essencialmen- | |
| te poéticos e literários. O que define a retórica aristotélica é precisa- | |
| mente a oposição entre estas duas tcnai autónomas, entre estes dois | |
| sistemas tão claramente demarcados, um retórico e outro poético. Os | |
| que, a partir dele, reconhecem e aceitam tal oposição enquadram-se | |
| na retórica aristotélica. Os que sustentam a fusão da retórica com a | |
| poética, e consequentemente aceitam a transformação da retórica numa | |
| arte poética de criação literária mediante a literaturização da própria | |
| retórica, enquadram-se no movimento que, com a Segunda Sofística, | |
| se viria a designar neo-retórica. | |
| A crítica que Aristóteles fez aos teorizadores de retórica que | |
| o precederam parece-nos ter assentado nas seguintes razões: na de eles | |
| terem centrado a sua atenção no discurso judicial, em prejuízo dos | |
| demais géneros; na de terem dado especial atenção ao estímulo das | |
| 33 | |
| emoções, com negligência evidente do uso da argumentação lógica; e | |
| na da excessiva importância dada à estrutura formal do discurso 49. | |
| A grande inovação de Aristóteles foi o lugar dado ao argumento | |
| lógico como elemento central na arte de persuasão. A sua Retórica é | |
| sobretudo uma retórica da prova, do raciocínio, do silogismo retórico; | |
| isto é, uma teoria da argumentação persuasiva. E uma das suas maio- | |
| res qualidades reside no facto de ela ser uma técnica aplicável a qual- | |
| quer assunto. Pois proporciona simultaneamente um método de tra- | |
| balho e um sistema crítico de análise, utilizáveis não só na construção | |
| de um discurso, mas também na interpretação de qualquer forma de | |
| discursos 50. | |
| A Retórica de Aristóteles parece ter resultado de três momen- | |
| tos distintos da sua vida. O livro 1.5-15 e partes do livro 3 foram | |
| aparentemente escritos por volta de 350 a. C., quando ainda era mem- | |
| bro da Academia e aí ensinava retórica. Entre 342 a. C. e 335 a. C., | |
| durante a sua estada na Macedónia, terá escrito a sua parte mais | |
| substancial. A conclusão e os retoques finais da mesma poderão ter | |
| sido realizados após o regresso do estagirita a Atenas em 335 a. C., e | |
| a consequente abertura da sua própria escola 51. A Retórica dá, efec- | |
| tivamente, sinais de se haver dirigido a diferentes audiências, reflec- | |
| tindo talvez diferentes contextos e momentos diversos do seu ensino. | |
| 49 Vide George Kennedy, Aristotle on Rhetoric: A Theory of Civic Dis- | |
| course, New York/Oxford, Oxford University Press, 1991, p. 9. | |
| 50 Ibidem, p. 309. | |
| 51 Cf. George Kennedy, Aristotle on Rhetoric, pp. 5-7. | |
| 34 | |
| É por isso que algumas partes parecem ter sido dirigidas primaria- | |
| mente a estudantes de filosofia e outras não. | |
| Entre os princípios que caracterizam o seu esquema retórico | |
| relevam-se os seguintes: | |
| 1) A distinção de duas categorias formais de persuasão: | |
| provas técnicas e não técnicas; | |
| 2) A identificação de três meios de prova, modos de apelo | |
| ou formas de persuasão: a lógica do assunto, o carácter | |
| do orador e a emoção dos ouvintes; | |
| 3) A distinção de três espécies de retórica: judicial, delibe- | |
| rativa e epidíctica; | |
| 4) A formalização de duas categorias de argumentos retó- | |
| ricos: o entimema, como prova dedutiva; o exemplo, | |
| usado na argumentação indutiva como forma de argu- | |
| mentação secundária; | |
| 5) A concepção e o uso de várias categorias de tópicos na | |
| construção dos argumentos: tópicos especificamente re- | |
| lacionados com cada género de discurso; tópicos geral- | |
| mente aplicáveis a todos os géneros; e tópicos que pro- | |
| porcionam estratégias de argumentação, igualmente | |
| comuns a todos os géneros de discurso; | |
| 6) A concepção de normas básicas de estilo e composição, | |
| nomeadamente sobre a necessidade de clareza, a com- | |
| preensão do efeito de diferentes tipos de linguagem e | |
| estrutura formal, e a explicitação do papel da metáfora; | |
| 7) A classificação e ordenação das várias partes do discurso. | |
| 35 | |
| 5. Plano e conteúdo da Retórica | |
| LIVRO I PROVAS OU MEIOS DE PERSUASÃO: PROVA LÓGICA | |
| 1.1-3 RETÓRICA, DIALÉCTICA E SO.ÍSTICA | |
| 1.1 Definição | |
| A verdadeira retórica é uma forma de argumentação compará- | |
| vel à dialéctica 52. Ao reflectir sobre a natureza da arte, e ao apresen- | |
| tar a retórica como arte genuína, Aristóteles está aqui a afirmar a | |
| sua racionalidade como forma de conhecimento prático e a identificá- | |
| -la com a dialéctica 53. | |
| Os manuais existentes: Negligenciam a argumentação lógica, | |
| e ocupam-se apenas da oratória judicial, quando a deliberativa lhe é | |
| superior. O estudante de retórica precisa sobretudo de compreender o | |
| uso do entimema como instrumento fundamental da arte retórica. | |
| Trata-se de um silogismo retórico, em tudo idêntico ao dialéctico como | |
| sîma tÁj pstewj. | |
| Utilidade da retórica: A retórica é útil, pois sem ela a verdade | |
| pode ser derrotada num debate. Ela permite-nos debater ambos os | |
| lados de uma questão. | |
| 52 !Antstrofoj é um termo tomado de empréstimo do movimento | |
| de um coro na execução das odes corais: a estrofe denota o seu movi- | |
| mento numa direcção; a antístrofe, o seu contramovimento. Significa a | |
| repetição do mesmo padrão métrico da estrofe por diferentes palavras. | |
| 53 Vide Ethica Nicomachea, VI, 3, 1140a21. | |
| 36 | |
| Natureza das provas: Ao contrário da retórica dos sofistas, a | |
| verdadeira arte retórica funda-se em provas (pstewj), entendendo-se | |
| por prova uma espécie de demonstração (¢pÒdeixij tij), ou seja, um | |
| raciocínio através de entimemas. | |
| Os dois modos de prova: Um, não técnico ou artístico, por- | |
| que não inventado pelo orador, socorre-se da evidência de testemu- | |
| nhos ou contratos escritos (as ¥tecnoi psteij); o outro, técnico ou | |
| artístico, porque se socorre de meios de persuasão criados pelo orador | |
| (as ntecnoi psteij). | |
| 1.2 Os três meios de persuasão | |
| Os meios artísticos de persuasão são três: os derivados do carác- | |
| ter do orador (Ãqoj); os derivados da emoção despertada pelo orador | |
| nos ouvintes (p£qoj); e os derivados de argumentos verdadeiros ou | |
| prováveis (lÒgoj). São estes três elementos de prova que juntamente | |
| contribuem para o raciocínio entimemático. | |
| As formas dos argumentos: Os argumentos lógicos tomam | |
| uma de duas formas: o entimema e o exemplo. É por meio deles que | |
| Aristóteles introduz a teoria da lógica na sua teoria retórica. | |
| Elementos de que derivam a matéria e a forma dos enti- | |
| memas: Probabilidades e sinais. As probabilidades são premissas ge- | |
| ralmente aceites, fundadas na experiência e no consenso. Os sinais | |
| são geralmente de dois tipos: uns apontam para uma conclusão ne- | |
| cessária; outros são refutáveis. | |
| A matéria e a forma dos entimemas: Os tópicos. Sendo os | |
| entimemas os veículos por excelência da argumentação retórica, as | |
| 37 | |
| suas premissas são materialmente constituídas por tópicos: os tópicos | |
| específicos, aplicáveis a cada um dos géneros particulares de discurso | |
| (judicial: justo/injusto; deliberativo: útil/inútil; epidíctico: belo/feio); | |
| e os tópicos comuns, aplicáveis indistintamente a qualquer um dos | |
| três géneros (possível/impossível; real/irreal; mais/menos). | |
| 1.3 As três espécies de retórica, ou géneros de discurso | |
| Judicial ou forense, deliberativo ou político e demonstrativo ou | |
| epidíctico. A situação do discurso consiste num orador, num discurso | |
| e num auditório. O auditório, ou é juiz (no tribunal), ou espectador | |
| (no conselho ou na assembleia). Os discursos deliberativos ou são exor- | |
| tações ou dissuasões e visam mostrar a vantagem ou desvantagem de | |
| uma determinada acção. Os discursos judiciais ou são acusações ou | |
| defesas sobre coisas feitas no passado e visam mostrar a justiça ou in- | |
| justiça do que foi feito. Os discursos epidícticos louvam ou censuram | |
| algo, visando mostrar a virtude ou defeito de uma pessoa ou coisa. | |
| 1.4-15 AS ESPÉCIES DE RETÓRICA E RESPECTIVOS TÓPICOS | |
| 1.4-8 Retórica deliberativa | |
| 1.4 Os cinco temas mais importantes de deliberação: | |
| .inanças, guerra e paz, defesa nacional, importações e exportações, e | |
| legislação. Seguem-se os tópicos úteis a cada um destes temas. | |
| 38 | |
| 1.5-6 Tópicos éticos: Definição de felicidade, como objectivo | |
| último de toda a acção humana; descrição dos factores que para ela | |
| contribuem, nomeadamente o bom nascimento, muitas e boas amiza- | |
| des, bons filhos, idade avançada, virtudes físicas, reputação, honra e | |
| virtude; explicação de cada um destes tópicos e valorização do tópico | |
| do bom. | |
| 1.7 Tópico do mais/menos aplicado à comparação de | |
| bens: Retomando um tópico comum a todas as espécies de retórica, | |
| Aristóteles considera agora a sua aplicação específica à oratória | |
| deliberativa. O orador precisa de mostrar que uma coisa é mais ou | |
| menos importante, mais ou menos vantajosa, da mesma maneira que | |
| precisará de mostrar que ela é possível ou impossível. | |
| 1.8 Tópicos sobre constituições políticas: Os relativos | |
| aos quatro regimes, democrático, oligárquico, aristocrático e monár- | |
| quico. | |
| 1.9 Retórica epidíctica | |
| Tópicos que convêm à retórica epidíctica: Tudo o que tem a | |
| ver com a nobreza e a virtude. Discutem-se as virtudes e o conceito | |
| do belo, do nobre, do honesto e seus contrários. Sugerem-se os res- | |
| pectivos tópicos. A vertente estética da retórica epidíctica é eviden- | |
| ciada pela especial atenção dada ao tópico da amplificação nos dis- | |
| cursos demonstrativos. | |
| 39 | |
| 1.10-15 Retórica judicial ou forense | |
| 1.10 Tópicos sobre delitos ou transgressão consciente | |
| das leis: As sete causas do delito e respectivos tópicos, tanto no que | |
| concerne à acusação como à defesa. | |
| 1.11 Tópicos sobre prazer: A natureza do prazer; catálogo | |
| de prazeres (quinze tipos de prazer) e respectivos tópicos. | |
| 1.12 Tópicos sobre agentes e vítimas de injustiça: De- | |
| pois de referir o tópico de possibilidade/impossibilidade como re- | |
| levante para este assunto, Aristóteles avança com uma lista de | |
| factores ponderados pelo criminoso, razões para o crime e tipos de | |
| crimes. | |
| 1.13 Tópicos sobre justiça e injustiça: Discutem-se os dois | |
| tipos de lei, particular e geral, a lei escrita e não escrita, a lei natu- | |
| ral; definem-se e classificam-se os crimes; reflecte-se sobre a justiça e | |
| a equidade. | |
| 1.14 Graus de injustiça: Lista de tópicos sobre como argu- | |
| mentar que algo é um mal maior. Quanto mais premeditado e brutal | |
| é o crime, maior e mais grave ele é. | |
| 1.15 Meios inartísticos ou não técnicos de persuasão: | |
| Aristóteles considera cinco os elementos de argumentação legal que | |
| já estão naturalmente presentes nas circunstâncias, e não são retori- | |
| camente criados pelo orador: leis, testemunhos, contratos, tortura e | |
| juramentos. | |
| 40 | |
| LIVRO II PROVAS OU MEIOS DE PERSUASÃO: | |
| LIVRO II EMOÇÃO E CARÁCTER | |
| 2.1-11 EMOÇÃO | |
| 2.1 O papel da emoção e o carácter | |
| Aristóteles mostra como os elementos de argumentação psicoló- | |
| gica também se podem usar como parte integrante da argumentação | |
| entimemática. O sofista estimula as emoções para desviar os ouvintes | |
| da deliberação racional. O orador aristotélico controla as paixões pelo | |
| raciocínio que desenvolve com os seus ouvintes 54. | |
| 2.2-11 Como estimular emoção no auditório | |
| Raciocínio com as emoções. | |
| 2.2-3 Ira e calma: A ira como emoção paradigmática; a ira e | |
| a calma definidas e analisadas, com o fim de proporcionar material a | |
| partir do qual se poderão construir argumentos entimemáticos. Aris- | |
| tóteles define e classifica cada emoção, considerando a razão ou causa | |
| de cada uma delas e o estado de espírito da pessoa que as experimenta. | |
| 54 Vide Larry Arnhart, Aristotle on Political Reasoning. A Commentary | |
| on the «Rhetoric», DeKalb, Northern Illinois University Press, 1981, p. 112. | |
| 41 | |
| 2.4 Amizade e inimizade | |
| 2.5 Temor e confiança | |
| 2.6 Vergonha e desvergonha | |
| 2.7 Amabilidade e indelicadeza | |
| 2.8-9 Piedade e indignação | |
| 2.10-11 Inveja e emulação | |
| 2.12-17 CARÁCTER | |
| Como adaptar o carácter do orador à emoção dos ouvintes. | |
| 2.12-14 Carácter e idade | |
| 2.12 O carácter do jovem | |
| 2.13 O carácter do idoso | |
| 2.14 O carácter dos que estão no auge da vida | |
| 2.15-17 Carácter e fortuna | |
| 2.15 O carácter dos nobres | |
| 2.16 O carácter dos ricos | |
| 2.17 O carácter dos poderosos | |
| 42 | |
| 2.18-26 ESTRUTURA LÓGICA DO RACIOCÍNIO RETÓRICO | |
| Regresso ao estudo das formas de argumentação lógica. Até aqui, | |
| ocupou-se da matéria ou das fontes do raciocínio entimemático. A par- | |
| tir daqui, ocupa-se das estruturas formais de inferência, dos tópicos | |
| como estratégias lógicas de argumentação. | |
| 2.18-19 .unção dos tópicos comuns a todas as espécies de retórica | |
| Retorno ao tema destes tópicos e resumo final: catálogo de quin- | |
| ze tópicos do possível/impossível, e referência aos do facto passado/ | |
| futuro, e do mais/menos importante. | |
| 2.20 Argumento pelo exemplo | |
| Síntese do tema de argumentação paradigmática, e referência a | |
| exemplos históricos, ou simplesmente criados. Incluem-se, neste caso, | |
| parábolas, comparações e fábulas. Os exemplos podem ser usados como | |
| evidência, e como epílogo para os entimemas. | |
| 2.21 O uso de máximas na argumentação | |
| A máxima corresponde a uma das premissas ou à conclusão de | |
| um entimema. Uma razão de apoio é por vezes expressa, e assim se | |
| 43 | |
| transforma em entimema. As máximas são de quatro tipos: as que | |
| correspondem à opinião geral são simples; as que não correspondem à | |
| opinião geral precisam de epílogo ou prova demonstrativa suplemen- | |
| tar; as que com epílogo são entimemas imperfeitos; e as que com ele | |
| têm conteúdo entimemático, mas não a forma. | |
| 2.22-25 O uso de entimemas | |
| Estes capítulos resumem a discussão dos entimemas em 1.1-2, | |
| expandindo a informação aí dada. .az-se referência a uma lista de | |
| vinte e oito lugares-comuns devidamente ilustrados; tópicos que igual- | |
| mente podem ser usados em qualquer um dos três géneros do dis- | |
| curso oratório. Apresentam-se classificados em quatro grupos distin- | |
| tos: antecedente/consequente, causa/efeito, mais/menos, qualquer outra | |
| forma de relação. Todos eles supõem uma forma de inferência que se | |
| move de uma coisa para outra: se isto, então aquilo. A partir do co- | |
| nhecido, tira-se uma conclusão que se aplica ao que é desconhecido 55. | |
| Descrevem-se, enfim, nove tópicos de entimemas aparentes ou fala- | |
| ciosos, e discute-se o modo de refutação de entimemas. | |
| 2.26 Conclusão dos dois primeiros livros | |
| 55 Larry Arnhart, op. cit., p. 148. | |
| 44 | |
| LIVRO III ESTILO E COMPOSIÇÃO DO DISCURSO | |
| Depois de um breve resumo dos dois primeiros livros e de algu- | |
| mas observações sobre a pronunciação do discurso (ØpÒkrisij), Aris- | |
| tóteles disserta sobre a lxij e a t£xij. | |
| 3.1 Introdução. Sumário dos livros 1 e 2 | |
| Referência à pronunciação do discurso e às origens da prosa ar- | |
| tística. A pronunciação ocupa-se dos cuidados a ter com o movimento, | |
| a expressão e a modulação da voz em função das seguintes qualidades: | |
| volume, altura e ritmo. O estilo é necessário, mas deve funcionar mais | |
| como auxiliar de argumentação do que como simples técnica de orna- | |
| mentação. O mesmo se passa com a disposição dos argumentos. | |
| 3.2 Qualidades da expressão. A clareza | |
| Define-se a principal virtude do estilo em prosa: a clareza. Afir- | |
| ma-se a necessidade de a expressão se adequar ao assunto. | |
| 3.3 A frivolidade do estilo | |
| Resulta da violação dos princípios de clareza e propriedade; nor- | |
| malmente provocada pelo uso inadequado de: palavras compostas, | |
| palavras estranhas e obsoletas, epítetos longos e numerosos, metáfo- | |
| ras fora do contexto. | |
| 45 | |
| 3.4 O uso de símiles | |
| O símile é tratado neste capítulo como uma forma expandida de | |
| metáfora. | |
| 3.5 A correcção gramatical | |
| Referem-se cinco normas que visam a correcção da linguagem e | |
| do estilo: emprego correcto das partículas, rigor no uso das palavras, | |
| omissão de termos ambíguos, uso correcto do género, uso correcto do | |
| número. Todas estas normas visam a clareza da linguagem, a recta | |
| observância das regras gramaticais e das convenções da língua. | |
| 3.6 A solenidade da expressão | |
| Entre as técnicas de amplificação, Aristóteles refere: o uso de | |
| uma definição em vez de uma palavra, o recurso a metáforas e epíte- | |
| tos, uso do plural pelo singular, uso do artigo, o recurso a estruturas | |
| conjuncionais em vez da frase concreta, a descrição. | |
| 3.7 Adequação da expressão ao assunto | |
| O estilo é apropriado se é patético, ético e proporcionado. | |
| 46 | |
| 3.8-9 O ritmo e o estilo periódico | |
| 3.8 O ritmo: A prosa retórica deve ser rítmica sem ser mé- | |
| trica. O discurso rítmico é mais agradável porque organiza as pala- | |
| vras de acordo com uma estrutura. Cada género literário tem o seu | |
| ritmo próprio. | |
| 3.9 A construção da frase; o estilo periódico: Período é, | |
| segundo Aristóteles, um todo estruturado, uma frase com princípio e | |
| fim em si mesmos e com uma extensão facilmente adaptável à capa- | |
| cidade respiratória; uma frase cujas partes se inter-relacionam para | |
| tornar o discurso mais inteligível e mais agradável ao ouvido; um todo | |
| estruturado em que a tensão gerada no princípio se resolve no fim. | |
| O estilo periódico é mais eficaz quando se estrutura antiteticamente. | |
| 3.10-11 A metáfora e a elegância retórica | |
| Aristóteles refere na Poética quatro tipos de metáfora 56, mas aqui | |
| considera apenas a metáfora por analogia. E um dos exemplos de me- | |
| táfora por analogia que usa é o da observação de Péricles: que a falta | |
| da juventude que pereceu na guerra foi tão sentida na cidade como no | |
| 56 Na Poética, 21, 1457b7-8, Aristóteles diz que usar uma metáfora é | |
| dar a uma coisa o nome que pertence a outra, podendo operar-se a trans- | |
| ferência do género para a espécie, da espécie para o género, da espécie | |
| para a espécie, ou por analogia. | |
| 47 | |
| ano seria sentido o facto de este haver perdido a sua Primavera. Por | |
| outras palavras, a juventude é para a vida o que a Primavera é para o | |
| ano. Aristóteles parece mesmo sugerir que o movimento metafórico do | |
| conhecido para o desconhecido por meio de uma semelhança entre os | |
| dois é a estrutura que subjaz a todo o raciocínio humano 57. Chama, | |
| aliás, a atenção para a correlação entre o raciocínio metafórico e o silo- | |
| gístico ao notar que as regras fundamentais para o uso retórico das metá- | |
| foras são as mesmas que para o uso dos entimemas: esse movimento | |
| do conhecido para o desconhecido, do familiar para o menos familiar. | |
| 3.12 A expressão adequada a cada género | |
| Aristóteles não faz aqui distinção explícita entre os diferentes | |
| tipos de estilo (genera dicendi), mas já os pressupõe. .az distinção | |
| entre o estilo de composições escritas e o estilo oratório. Ao discurso | |
| demonstrativo convém o estilo elevado, mais literariamente trabalha- | |
| do. Ao discurso judicial convém o estilo médio, exacto. Ao discurso | |
| deliberativo convém o estilo oral natural e espontâneo. | |
| 3.13-19 As partes do discurso | |
| 3.13 As duas partes necessárias: Aristóteles reconhece que, | |
| em alguns casos, o discurso pode ter de se dividir em quatro partes: | |
| 57 Cf. Larry Arnhart, op. cit., pp. 174-175. | |
| 48 | |
| proémio, narração, prova e epílogo. Mas as duas verdadeiramente | |
| necessárias são a narração e a prova. | |
| 3.14 O proémio: A função do proémio é tornar clara a fina- | |
| lidade do discurso. Tem por função tornar claro esse objectivo, prepa- | |
| rando os ouvintes para a narração e a prova. | |
| 3.15 Tópicos de refutação: Ocupando-se ainda das questões | |
| relacionadas com o proémio, Aristóteles avança com uma lista de onze | |
| tipos de argumentos para remover do auditório atitudes desfavorá- | |
| veis ao orador. Matéria que, em larga medida, foi posteriormente | |
| absorvida pela teoria da st£sij 58. | |
| 3.16 A narração: À semelhança do que fizera com o proémio, | |
| Aristóteles aprecia a narração e suas qualidades enquanto aplicável | |
| aos três géneros de discurso. | |
| 3.17 A prova e a demonstração: A prova é aqui tratada | |
| como parte fundamental do discurso oratório. Discute-se o seu uso | |
| no plano da oratória judicial, epidíctica e deliberativa, com a suges- | |
| tão de tópicos para cada um desses géneros. Comentam-se também as | |
| várias maneiras de apresentar o carácter do orador e estimular as | |
| emoções dos ouvintes. | |
| 58 Técnica de determinação do assunto em causa e do estado da | |
| questão apresentada. Tema que foi pela primeira vez sistematizado | |
| por Hermágoras de Temnos, no século II a. C., e veio a inspirar a teo- | |
| ria da inuentio tanto na Rhetorica ad Herennium, como nos escritos de | |
| Cícero e de Quintiliano (cf. George Kennedy, Aristotle on Rhetoric, | |
| pp. 265-266). | |
| 49 | |
| 3.18 A interrogação: Discute-se o uso da interrogação na | |
| confrontação do orador com o adversário em tribunal. Acentua-se a | |
| conveniência de brevidade tanto na interrogação como na afirmação | |
| dos entimemas. | |
| 3.19 O epílogo: A conclusão visa dispor favoravelmente os | |
| ouvintes em relação ao orador e desfavoravelmente em relação ao | |
| adversário. Visa também a amplificação do assunto e o despertar da | |
| memória dos ouvintes para os argumentos fundamentais. | |
| 6. A retórica peripatética | |
| O desaparecimento da maior parte da literatura antiga impede- | |
| -nos de fazer uma avaliação justa e completa do impacto que a Retó- | |
| rica de Aristóteles teve na tradição posterior. | |
| Uma coisa, porém, sabemos: que, como observa Roland Barthes, | |
| «todos os elementos didácticos que alimentam os manuais clássicos | |
| vêm de Aristóteles» 59. | |
| A obra de Aristóteles é fundamental para a consolidação histó- | |
| rica da retórica, não só porque define e aclara a sua função, mas tam- | |
| bém porque estabelece as categorias indispensáveis à constituição do | |
| sistema retórico. Os tratados retóricos posteriores irão complementar | |
| e aperfeiçoar aspectos concretos do esquema de base adoptado, assu- | |
| mindo-o como um marco teórico basicamente indestrutível e perma- | |
| 59 Op. cit., p. 155. | |
| 50 | |
| necendo fiéis à sua essência 60. O esquema simples e prático que Aris- | |
| tóteles desenvolveu acabou assim por se tornar embrionariamente um | |
| modelo para os mais ambiciosos e complexos manuais de retórica que | |
| foram surgindo ao longo do período helenístico e da época imperial. | |
| .oi sem dúvida a Aristóteles que Cícero e Quintiliano deveram | |
| a sua inspiração retórica. Mas foi sobretudo com o pragmatismo des- | |
| tes que complementarmente se produziu uma sistematização retórica | |
| ainda mais coerente e sólida. Em meados do século II a. C., os retóricos | |
| gregos começaram a fundar escolas de retórica em Roma, lançando | |
| com elas os fundamentos de uma fecundante tradição retórica latina. | |
| O tratado mais antigo em latim que dessa experiência resultou foi a | |
| Rhetorica ad Herennium, obra anónima de 84/83 a. C., ora atri- | |
| buída a Cícero ora a Cornifício 61. Oferece-nos uma sistematização | |
| exaustiva do fenómeno retórico, pouco se distanciando do paradigma | |
| aristotélico, mas proporcionando-nos, por acréscimo, uma síntese dos | |
| fenómenos que marcaram a experiência oratória helenística, com uma | |
| mais clara incidência nas teorias da st£sij e da elocução. | |
| Se, com Aristóteles se consolidaram os fundamentos da teoria | |
| retórica, com os seus discípulos e continuadores desenvolveu-se, apro- | |
| fundou-se o estudo da mesma, e dilatou-se o âmbito da sua aplicação. | |
| 60 As diferentes contribuições que se sucedem, nomeadamente a de | |
| Hermágoras de Temnos, no século II a. C., sobre os estados de causa, e a | |
| de Demétrio de .aleros Sobre o Estilo, são exemplo disso. | |
| 61 Vide Guy Achard, Rhétorique à Herennius, intr. e trad., Paris, Les | |
| Belles Lettres, 1989, pp. V-XIV. | |
| 51 | |
| Sendo o período helenístico conhecido como um tempo de cuidada | |
| expansão e sistematização do conhecimento humano, não é pois de | |
| admirar que o elevado valor atribuído à educação e o vínculo desta à | |
| retórica viessem a encorajar ainda mais o desenvolvimento das con- | |
| venções retóricas como importante ramo do saber. A atenção dada, | |
| quase até à exaustão, a todos os passos do sistema retórico é uma das | |
| suas grandes contribuições neste período. É o caso das inovadoras | |
| teorias da thesis/hypothesis e das staseis no âmbito da inuentio, o | |
| da especial atenção dada às técnicas de estilo e composição no âmbito | |
| da elocutio, e o dos mais diversos exercícios de retórica no âmbito da | |
| dispositio. | |
| Dos muitos escritos sobre teoria retórica produzidos nesses tre- | |
| zentos anos, à excepção do tratado de Demétrio Sobre o Estilo, pou- | |
| co mais nos resta do que citações fragmentárias, paráfrases e comen- | |
| tários obtidos a partir da obra de autores romanos e gregos do fim | |
| desse período ou época imperial que se seguiu. O desaparecimento | |
| desse riquíssimo filão literário impede-nos de fazer uma avaliação | |
| exaustiva do impacto que a Retórica de Aristóteles teve na tradição | |
| posterior, e do contributo avançado pelos seus continuadores na con- | |
| solidação do sistema. Permite-nos, contudo, sentir que a obra resul- | |
| tante permanece fiel à essência do modelo aristotélico. | |
| Não obstante a gradual adaptação e modificação a que esse mo- | |
| delo foi sendo sujeito, a Retórica de Aristóteles assume-se, de facto, | |
| como um marco teórico basicamente indestrutível. Mas esse esquema | |
| simples e prático de aplicação da lógica à retórica recebeu na época | |
| um tratamento de expansão quase tão completo como o que a tradi- | |
| ção retórica latina reflecte e perpetua. | |
| 52 | |
| Tal fenómeno deve-se, em parte, à tendencial aproximação dos | |
| sistemas aristotélico e isocrático, representando o primeiro a corrente | |
| da retórica filosófica e o segundo a da retórica técnica e sofística 62. | |
| .enómeno de que dão testemunho tanto o De inuentione de Cícero 63, | |
| como o autor da Rhetorica ad Herennium 64. Pois se, por um lado, | |
| assinalam os principais traços de evolução da teoria retórica, nomea- | |
| damente o aumento das partes do sistema de três para cinco 65, o | |
| aumento das partes do discurso de quatro para seis 66, a expansão | |
| lógica dos próprios esquemas de argumentação, e a descrição de cen- | |
| tenas de figuras, por outro relevam o carácter escolar dessa mesma | |
| 62 Cf. Cícero, De inuentione, 2.8. A tradição sofística é por vezes re- | |
| ferida como isocrática, não obstante Isócrates se haver demarcado dos de- | |
| mais sofistas no seu tratado Contra os Sofistas; tratado em que ataca ou- | |
| tros sistemas de educação e faz doutrina sobre os princípios e métodos | |
| da sua escola. | |
| 63 De inuentione, 1.16; 2.8. Como oportunamente observa Albrecht | |
| Diehl, «Cicero introduced to Rome what was then the most up-to-date | |
| system of philosophical rhetoric, as taught by the academicians Philo and | |
| Antiochus» (A History of Greek Literature: .rom Homer to the Hellenistic | |
| Period, London and New York, Routledge, 1994, p. 285). | |
| 64 Escrita por um contemporâneo de Cícero, esta obra reflecte subs- | |
| tancialmente a doutrina da fontes gregas anteriores e, segundo Guy | |
| Achard, «apparaît bien comme une synthèse entre la tradition aristotéle- | |
| cienne et la tradition isocratéenne». | |
| 65 Pelo acréscimo da actio e da memoria. | |
| 66 Pelo acréscimo da propositio ou diuisio, e da refutatio, confutatio ou | |
| reprehensio. | |
| 53 | |
| teoria 67, não só valorizando nos seus currículos as técnicas de imita- | |
| ção literária, mas também implementando a prática de exercícios de | |
| composição sobre os mais diversos temas. | |
| Hermágoras distingue-se, entre os muitos profissionais de retó- | |
| rica do seu tempo 68, por ter dado à teoria da inuentio a forma elabo- | |
| rada e sistemática que os retóricos latinos consagraram, e em especial | |
| por ter sido o primeiro a desenvolver a doutrina da stasis 69. Dis- | |
| tingue-se também pelo facto de haver atraído do campo da filosofia | |
| para a retórica o tratamento das questões gerais. Entre as modifica- | |
| ções que Hermágoras imprimiu ao sistema aristotélico, contam-se não | |
| só o tratamento das questões relativas à ordem dos argumentos e ao | |
| estilo num único capítulo a que deu o nome de o konoma 70, mas tam- | |
| bém a divisão das questões políticas 71 em duas classes: qseij e | |
| 67 Rhetorica ad Herennium, 1.1. | |
| 68 «The first distinguished professional teacher of rhetoric after | |
| Isocrates was Hermagoras of Temnos, who lived about the middle of the | |
| second century B. C.» (George Kennedy, The Art of Persuasion in Greece, | |
| Princeton, N. J., Princeton University Press, 1974, p. 303). | |
| 69 Vide Ray Nadeau, «Hermogenes On Staseis: A Translation with | |
| an Introduction and Notes», Speech Monographs, 31, 1964, p. 370. | |
| 70 Quintiliano, Institutio oratoria, 3.3-9. | |
| 71 Questão política, para Hermágoras, parece ter sido qualquer coi- | |
| sa que envolvesse o cidadão. «It would thus embrace all the traditional | |
| kinds of oratory and oratorical exercises, including whatever ethical or | |
| political matters might be involved in such speeches, but it would not | |
| include discussion of metaphysics or abstract philosophical subjects not | |
| 54 | |
| Øpoqseij 72. .oi ele, aliás, o primeiro retor a estender formalmente | |
| as teses ao campo retórico da argumentação e a fazer especial dou- | |
| trina sobre o assunto 73. .oi ele também quem enfatizou as dimensões | |
| heurística e política da retórica, subvalorizando a prova ética e emo- | |
| cional. Herdeiro de uma tradição em que a controvérsia entre filóso- | |
| fos e retóricos começa a dar sinais de alguma conciliação, Hermágoras | |
| parece estar a querer romper com tendências de origem platónica e | |
| estóica, seguindo a linha ecléctica da Academia e dividindo o campo | |
| das competências retóricas em questões gerais e controvérsias sobre | |
| casos particulares 74. Uma bipartição que tanto sustenta que as ques- | |
| somehow related to political life» (George Kennedy, The Art of Persuasion | |
| in Greece, pp. 304-305). | |
| 72 Quintiliano, Institutio oratoria, 3-5.4-16. | |
| 73 M. L. Clarke, «The Thesis in the Roman Rhetorical Schools of the | |
| Republic», Classical Quarterly, 45, 1951, p. 161. Há testemunhos em Cícero | |
| (De oratore, 3.79-80) e Diógenes Laércio (5.3) de que Aristóteles incluía o | |
| exercício de teses na formação retórica dos alunos, o que não supunha | |
| necessariamente uma formação retórica distinta da dialéctica (vide Jan van | |
| Ophuijsen, «Where are the Topics Gone?», in Peripatetic Rhetoric after | |
| Aristotle, New Brunswick and London, Transaction Publishers, 1994, | |
| pp. 149-150). | |
| 74 Cautelarmente, observa M. L. Clarke que, «whether Hermagoras | |
| was deliberatively and provocatively claiming for rhetoric what had | |
| hitherto belonged to philosophy is doubtful. He seems to have done | |
| nothing to implement his claim, and the rhetoricians continued to ignore | |
| general questions.» (Rhetoric at Rome: A Historical Survey, London and New | |
| York, Routledge, 1996, p. 9.) Cf. Cícero, De oratore, 1.86; 2.78; 3.110. | |
| 55 | |
| tões gerais não são património exclusivo do filósofo, como habilita o | |
| orador a fazer uso delas na generalização do seu próprio pensamento. | |
| Como resultado desta clarificação técnica, desenvolveu Hermá- | |
| goras a teoria da stasis 75 face à necessidade de o orador verificar se | |
| um determinado tema em discussão tem ou não consistência para o | |
| conveniente tratamento retórico. Antes dele, o assunto fora circuns- | |
| tancialmente referido ou tratado 76, mas só com ele recebeu o desen- | |
| volvimento e a sistematização que merecia. Toda a teoria da stasis | |
| depois dele reflecte as marcas da sua codificação 77. | |
| 75 A palavra o st£sij significa, em teoria retórica, o ponto em ques- | |
| tão em qualquer conflito verbal. Tanto o termo grego como o latino status | |
| ou constitutio significam postura, a posição em que cada parte em litígio | |
| se coloca na defesa da sua posição e no ataque da posição contrária; isto | |
| é, o ponto de partida dos respectivos argumentos. | |
| 76 Sobre os usos da stasis antes de Hermágoras, vide Richard Volk- | |
| mann (Die Rhetorik der Griechen und Römer, Leipzig, Teubner, 1885, pp. 38- | |
| -92), Octave Navarre (Essai sur la rhétorique grecque avant Aristote, Paris, | |
| Hachette, 1900, pp. 259-271) e, em especial, Quintiliano (Institutio oratoria, | |
| 3.6.3; 3.6.31). | |
| 77 Tanto em Cícero, como no autor da Rhetorica ad Herennium, e so- | |
| bretudo em Hermógenes de Tarso, que simplesmente a complementou e | |
| aperfeiçoou [o seu tratado Per st£sewn, escrito por volta de 176 a. C., | |
| esteve presente nos programas de educação retórica por mais de um mi- | |
| lénio e teve a primeira edição impressa em 1508 (vide Janet B. Davis, | |
| «Stasis Theory», in Encyclopedia of Rhetoric and Composition, New York and | |
| London, Garland, 1996, pp. 693-695)]. | |
| 56 | |
| Quanto à elocutio, Teofrasto é um dos exemplos mais eloquen- | |
| tes dos progressos que a teoria retórica experimentou nas escolas | |
| helenísticas. Diógenes Laércio atribui-lhe cerca de uma vintena de | |
| obras sobre retórica 78, e Cícero e Quintiliano dão-nos notícia dos seus | |
| conteúdos através de comentários, paráfrases e citações, mas o facto é | |
| que a maior parte da sua enorme produção literária se perdeu e dela | |
| apenas nos restam para o tema escassos fragmentos 79. | |
| A influência da sua doutrina fez-se não só sentir nas áreas do | |
| estilo e da pronunciação do discurso, mas também na definição do | |
| epiquirema como argumento completo 80 e na iniciação ao tratamento | |
| da tese como exercício retórico. .oi, todavia, o seu tratado Sobre o | |
| Estilo que mais acentuadamente contribuiu para lhe perpetuar a | |
| memória como educador e teorizador de retórica 81. Na linha da tra- | |
| 78 Teofrasto escreveu uma Arte Retórica, e estudos individuais sobre | |
| oratória forense, deliberativa e epidíctica, sobre entimemas, epiquiremas, | |
| máximas e exemplos, sobre invenção, narração, amplificação, estilo, hu- | |
| mor, pronunciação do discurso, etc. (Diógenes Laércio, 5.42-50). | |
| 79 Cf. W. .ortenbaugh, P. Huby, R. Sharples and D. Gutas (eds.), | |
| Theophrastus of Eresus: Sources for his Life, Writings, Thought and Influence, | |
| Leiden, Brill, 1992, pp. 667-670; W. .ortenbaugh, «Theophrastus, the | |
| Characteres and Rhetoric», in Peripatetic Rhetoric after Aristotle, p. 15. | |
| 80 Vide .riedrich Solmsen, «The Aristotelian Tradition in Ancient | |
| Rhetoric», in Aristotle. The Classical Heritage of Rhetoric, Keith Erickson | |
| (ed.), Metuchen, N. J., Scarecrow Press, 1974, pp. 278-309. | |
| 81 Talvez por ser o tratado mais vezes referido. São, contudo, pou- | |
| cos os fragmentos do Per lxewj, e lê-los não é fácil (cf. Maria Tanja | |
| 57 | |
| dição aristotélica, Teofrasto desenvolveu as ideias do mestre, introdu- | |
| zindo explicitamente pela primeira vez no sistema as quatro virtudes | |
| de estilo 82 e, porventura, inventando a doutrina dos três estilos 83. | |
| Sugere George Kennedy, com fundamento nos autores que o | |
| referiram e comentaram, que foi provavelmente Teofrasto quem enco- | |
| rajou o processo de identificação das figuras, o qual levou os seus su- | |
| Luzzatto, «Loratoria, la retorica e la critica letteraria dalle origini ad | |
| Ermogene», in Da Omero agli Alessandrini: problemi e figure della letteratura | |
| greta, ed. G. Arrighetti et al., Roma, NIS, 1988, p. 223). | |
| 82 Cícero, Orator, 33.79ss; De oratore, 3.10.37 ss; Quintiliano, Institutio | |
| oratoria, 8.1-11. Evolução linear de uma simples virtude presente em Aris- | |
| tóteles (a clareza, Retórica, 3, 1404b1) para as quatro de Teofrasto, as cin- | |
| co dos estóicos, as muitas virtudes acessórias de Dionísio de Halicarnasso, | |
| e finalmente para a ainda mais complexa classificação das dai de | |
| Hermógenes (J. Stroux, De Theophrasti virtutibus dicendi, Leipzig, 1912, | |
| pp. 125-126). | |
| 83 «If Theophrastus did invent the doctrine of the three styles it is | |
| not greatly to his credit.» (M. L. Clarke, op. cit., p. 6.) Mas Dionísio de | |
| Halicarnasso parece supô-lo, ao dizer num passo que, «três são os mo- | |
| dos, segundo Teofrasto, de obter o estilo elevado, digno, e não banal: | |
| a escolha das palavras, a sua composição harmoniosa e o uso das figu- | |
| ras» (Isócrates, 3), e noutro admitir que lhe é atribuída a origem do médio | |
| e misto (Demóstenes, 3). Como justamente observa George Kennedy, «since | |
| the third book of Ciceros De oratore is heavily indebted to Theophrastus | |
| On style, the presence of the theory of the three styles in Ciceros work is | |
| some indication that they may have been found in Theophrastus» (The | |
| Art of Persuasion in Greece, p. 279). | |
| 58 | |
| cessores à formulação de listas quase intermináveis 84. .oi, porém, | |
| Demétrio quem, na mesma linha de influência peripatética, mais | |
| aprofundou a matéria relativa ao estilo e à composição 85, e quem afi- | |
| nal deu os primeiros sinais de abertura ao fenómeno de que iria re- | |
| sultar a literaturização da própria retórica. | |
| A primeira parte do seu De elocutione (1-35), dedicada ao es- | |
| tudo das estruturas rítmicas e periódicas, reflecte como fonte primá- | |
| ria a doutrina aristotélica. Ao ocupar-se da caracterização dos vários | |
| tipos de período histórico, dialógico e oratório sustenta, com | |
| Aristóteles, que a prosa retórica tem toda a vantagem em ser rítmica. | |
| Sustenta também que o estilo periódico, organizado como um todo | |
| 84 The Art of Persuasion in Greece, pp. 276-278. | |
| 85 Até há bem pouco tempo creu-se que o autor do tratado De | |
| elocutione foi Demétrio de .aleros, mas os estudiosos põem cada vez mais | |
| em causa essa hipótese. A evidência interna do estilo ático levou acadé- | |
| micos como G. M. A. Grube (A Greek Critic: Demetrius on Style, Phoenix, | |
| suppl., vol. 4, Toronto, Toronto University Press, 1961) a argumentar a | |
| favor de uma composição da primeira fase do período helenístico (cerca | |
| de 270 a. C.), mas outros, como W. Rhys Roberts (Demetrius on Style, New | |
| York, Arno, 1979) e D. M. Schenkeweld (Studies in Demetrius on Style, | |
| Amsterdam, Hakkert, 1964), a sustentar uma autoria aticizante mais tar- | |
| dia (o século I a. C.). George Kennedy sugere uma data de composição | |
| que aponta para o princípio do século I a. C., muito embora .ilodemo | |
| ainda a atribua, por volta de 70 a. C., a Demétrio de .aleros (A New | |
| History of Classical Rhetoric, Princeton, Princeton University Press, 1994, | |
| p. 88, n. 10). | |
| 59 | |
| estrutural com princípio e fim, oferece ao discurso as mesmas proprie- | |
| dades que o ritmo, sendo ainda mais eficaz quando estruturado | |
| antiteticamente. Cada período terá idealmente entre dois e quatro mem- | |
| bros, mas mais significativas que a dimensão são a sua variedade e a | |
| sua coerência interna, mais importante do que o número das unidades | |
| que o integram é o equilíbrio homogéneo e harmónico da sua forma, | |
| como estratégia psicologicamente vitalizadora de um conteúdo. | |
| A parte mais substancial do De elocutione ocupa-se, entretan- | |
| to, da invulgar teoria dos quatro estilos, por oposição aos dois 86 ou | |
| três propostos pelos seus predecessores 87; nomeadamente, o estilo sim- | |
| ples, o médio ou elegante, o elevado, e o veemente. Este último, po- | |
| rém, pouco mais é do que uma variante do terceiro: ou, na classifica- | |
| ção de Hermógenes, uma forma de estilo que se distingue entre as | |
| demais como o uso correcto de todos os estilos 88. | |
| Em suma, a obra de Teofrasto sobre as virtudes do estilo, os | |
| estudos de Demétrio sobre o período oratório, o estilo e a composição, | |
| a contribuição de Hermágoras para a definitiva vinculação da tese à | |
| retórica e o desenvolvimento da teoria dos estados de causa, a con- | |
| 86 Cf. Demétrio, De elocutione, 2.36. | |
| 87 Aristóteles, Retórica, III, 1; cf. Cícero, Orator, 75-100. | |
| 88 DeinÒthj, a sétima forma ideal de estilo, é nada mais do que o | |
| uso adequado de todos os estilos. Uma forma de estilo tão importante | |
| que Hermógenes lhe promete dedicar um estudo em separado (Hermó- | |
| genes, Per dwn, 2.368-380. Cf. Cecil Wooten, Hermogenes on Types of Style, | |
| Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 1987, p. XVI). | |
| 60 | |
| cepção, enfim, de um cânone básico de exercícios retóricos são, no seu | |
| conjunto, um testemunho vivo do enriquecido e diversificado apro- | |
| fundamento do sistema aristotélico. O corpo de doutrina por eles | |
| desenvolvido e veiculado foi o fundamento teórico de todo o ensino | |
| que os mestres de retórica passaram aos seus discípulos ao longo de | |
| vários séculos. Deles nos dão notícia os grandes manuais de educa- | |
| ção oratória que então se usavam nas escolas do império romano. Pois, | |
| como justamente observa George Kennedy, neles se verificam varia- | |
| ções de ênfase e terminologia, mas pouco mais. Mesmo as contribui- | |
| ções pessoais de Cícero e Quintiliano estão longe de comprometer as | |
| convenções que enformam o cânone teórico da retórica helenística 89. | |
| Os valores da paideia isocrática inspiraram na época helenística | |
| uma forma de educação eminentemente retórica, dominante mesmo | |
| nas escolas de filosofia. Da tensão então gerada por força do convívio | |
| entre essas duas formas rivais de cultura uma oratória e outra | |
| filosófica resultou a experiência de síntese que os retóricos roma- | |
| nos encarnaram. Por um lado, a fronteira entre esses dois campos | |
| diluiu-se a partir de Hermágoras e ensaiaram-se os caminhos de uma | |
| retórica cada vez mais filosófica. Por outro lado, a experiência retó- | |
| rica dominante foi dando sinais de abertura crescente à elocutio e | |
| tendeu a afirmar-se como teoria literária. A forma adoptada pela cul- | |
| tura grega no seu nível mais elevado acabou, pois, por ser a eloquên- | |
| 89 George Kennedy, Classical Rhetoric and its Christian and secular | |
| Tradition from Ancient to Modern Times, Chapel Hill, The University of | |
| North Carolina Press, 1980, p. 89. | |
| 61 | |
| cia, a arte de falar e de escrever 90. De arte de persuadir, a retórica | |
| foi-se transformando em arte de criar. E, enquanto técnica ou arte do | |
| discurso, ela acabou por se usar não só para produzir textos de ca- | |
| rácter mais ou menos persuasivo, mas também para analisar os tex- | |
| tos produzidos 91. Esse era o objectivo dos exercícios retóricos: ler re- | |
| toricamente os textos, e exercitar-se na elaboração de temas com base | |
| nos modelos de estrutura que os próprios textos inspiravam 92. | |
| 7. A tradução da Retórica | |
| A presente tradução resulta do trabalho desenvolvido com a es- | |
| treita colaboração de dois outros colegas: Abel do Nascimento Pena, | |
| que traduziu o Livro II, e Paulo .armhouse Alberto, que traduziu o | |
| 90 H.-I. Marrou, «Educación y Retórica», in M. I. .inley (ed.), El Le- | |
| gado de Grecia: Una Nueva Valoración, Barcelona, Editorial Crítica, 1983, | |
| p. 206. | |
| 91 No capítulo sobre a educação dos jovens, Élio Téon diz que o | |
| professor devia começar por seleccionar bons exemplos de textos antigos | |
| para cada um dos exercícios e levar os alunos a estudá-los a fundo | |
| [Progymnasmata, James R. Butts (ed.), University Microfilms International, | |
| 1986, 2.1-10]. | |
| 92 Diz Téon de Alexandria mais adiante que «a prática dos exercí- | |
| cios é absolutamente necessária não só para os que se preparam para ser | |
| oradores, mas também para aqueles que desejam ser poetas ou prosado- | |
| res (ibidem, 2.138-143). | |
| 62 | |
| Livro III. A edição adoptada foi a de W. D. Ross, Aristotelis Ars | |
| Rhetorica, Oxford, Oxford University Press, 1959 93. E a tradução, | |
| no seu intento de superar as dificuldades impostas pelo próprio texto, | |
| responde a critérios hermenêuticos de clarificação que o visam tornar | |
| mais inteligível ao leitor moderno. Seguiu-se, para tanto, o método | |
| da equivalência dinâmica, e não o da pura correspondência formal, | |
| por aquele melhor permitir a transferência das ideias expressas na | |
| língua de origem para a nossa língua sem delas minimamente se | |
| perder a essência dos seus conteúdos. Tanto mais que a língua de | |
| Aristóteles se caracteriza pelas suas breuiloquentia e densidade elíp- | |
| tica, exigindo por vezes uma reestruturação mais consentânea com a | |
| dinâmica própria da língua receptora. | |
| Aparentemente a contrariar esta natural tendência para uma | |
| tradução pragmática, conservou-se por transliteração um pequeno | |
| número de termos técnicos, por se entender que eles têm raízes tão | |
| profundas na história das ideias que substituí-los poderia ainda tor- | |
| nar mais obscura a captação do seu real sentido; termos como, por | |
| exemplo, entimema, paradigma, silogismo, homeoteleuto, epidíctico, | |
| ético, patético, apodíctico, periódico, etc. O sentido destes e outros | |
| termos traduzidos é normalmente clarificado, ou mesmo comentado | |
| em nota de rodapé. | |
| 93 Relembra-se que este volume é uma reedição, o que justifica o | |
| afastamento em relação à norma fixada na Introdução Geral. (Nota do | |
| coordenador.) | |
| 63 | |
| À medida que o leitor se vai habituando ao estilo aristotélico de | |
| exposição e à forma como ele organiza e explicita os seus conteúdos, | |
| mais facilmente irá captando a doutrina veiculada e melhor compreen- | |
| derá o ritmo sequencial da mesma. | |
| MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR | |
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| 84 | |
| RETÓRICA | |
| LIVRO I | |
| 1 | |
| A NATUREZA DA RETÓRICA | |
| A retórica 1 é a outra face 2 da dialéctica; pois ambas se 1354a | |
| ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento | |
| comum e não correspondem a nenhuma ciência em particular. | |
| De facto, todas as pessoas de alguma maneira participam de | |
| uma e de outra, pois todas elas tentam em certa medida ques- | |
| tionar e sustentar um argumento 3, defender-se ou acusar 4. | |
| Simplesmente, na sua maioria, umas pessoas fazem-no ao | |
| acaso, e, outras, mediante a prática que resulta do hábito. | |
| E, porque os dois modos são possíveis, é óbvio que seria também | |
| possível fazer a mesma coisa seguindo um método. Pois é pos- | |
| 1 `H r` htorik», adjectivo usado como nome abstracto, correspondendo | |
| a ¹ tcnh r` htorik». | |
| 2 !Antstrofoj traduz-se normalmente por «correlativo». Na lírica co- | |
| ral, a estrutura métrica de uma strof» repete-se na ¢ntistrof», represen- | |
| tando a primeira o movimento numa direcção, e a segunda o movimento | |
| contrário. Ambos, porém, em coordenação oposta e complementar, como | |
| artes que têm semelhanças gerais e diferenças específicas. Como observa | |
| E. M. Cope, duas espécies de um mesmo género, a prova; dois modos de | |
| prova que afinal se distinguem pela diferença dos meios probatórios que | |
| empregam: um, o silogismo formal completo e a indução geral; o outro, o | |
| entimema formalmente incompleto e o exemplo (The Rhetoric of Aristotle, | |
| with a Commentary, Cambridge, University Press, 1877, p. 2). Este parale- | |
| lismo entre retórica e dialéctica é aliás aceite por Cícero, ao traduzir a | |
| afirmação de Aristóteles por «ex altera parte respondere dialecticae» (Ora- | |
| tor, 32.114). | |
| 3 Como na dialéctica. | |
| 4 Como na retórica. | |
| 89 | |
| sível estudar 5 a razão pela qual tanto são bem sucedidos os que | |
| agem por hábito como os que agem espontaneamente, e todos | |
| facilmente concordarão que tal estudo é tarefa de uma arte 6. | |
| Ora, os que até hoje compuseram tratados de retórica | |
| ocuparam-se apenas de uma parte dessa arte 7; pois só os ar- | |
| gumentos retóricos 8 são próprios dela, e tudo o resto é acessó- | |
| rio. Eles, porém, nada dizem dos entimemas 9, que são afinal o | |
| corpo da prova, antes dedicam a maior parte dos seus tratados | |
| a questões exteriores ao assunto; porque o ataque verbal 10, a | |
| compaixão, a ira e outras paixões da alma semelhantes a estas | |
| não afectam o assunto, mas sim o juiz 11. De sorte que, se se | |
| aplicasse a todos os julgamentos a regra que actualmente se | |
| aplica em algumas cidades, sobretudo nas bem governadas, | |
| aqueles autores nada teriam para dizer. | |
| 5 Qewren significa literalmente «ver», mas com a implicação de | |
| «teorizar», daquilo que pode ser objecto de teorização ou estudo. | |
| 6 Como tcnh, a retórica é, para Aristóteles, um corpo de regras e | |
| princípios gerais que a razão pode conhecer, uma forma de pist»mh, por | |
| oposição à mera mpeira, o grau intermédio entre a simples experiência | |
| prática e o conhecimento plenamente científico (cf. W. M. A. Grimaldi, | |
| Aristotle, Rhetoric I: A Commentary, New York, .ordham University Press, | |
| 1980, pp. 4-6). | |
| 7 Como observa Grimaldi, esta frase tem sido objecto de várias lei- | |
| turas, mas leituras que não põem em causa a essência do seu sentido. | |
| O próprio contexto explicita o que Aristóteles tem em mente, pois anun- | |
| cia a seguir que o que os tecnógrafos contemporâneos fizeram foi apre- | |
| sentar apenas uma pequena parte da tcnh. Ao criticá-los, por se concen- | |
| trarem basicamente no estímulo de uma resposta emocional, Aristóteles | |
| está simplesmente a dizer que eles apenas escreveram sobre uma peque- | |
| na parte da arte retórica. Não nega, portanto, que os p£qh sejam parte da | |
| arte retórica. O que põe em causa é o seu mau uso. | |
| 8 O termo pstij difere no sentido conforme os contextos: fé, meio | |
| de persuasão, prova. Em Aristóteles, significa normalmente «prova», «pro- | |
| va lógica», «argumentação», «argumento lógico» ou «argumento retórico». | |
| A partir daqui, traduzimo-lo simplesmente por «prova». Aristóteles dis- | |
| tingue duas categorias de provas artísticas e não artísticas e classifi- | |
| ca as primeiras em três espécies: prova ética, prova lógica e prova emo- | |
| cional ou patética. | |
| 9 Entimema é um silogismo retórico: a forma dedutiva de argumen- | |
| tação retórica que tem no paradigma a sua forma indutiva. | |
| 10 Diabol», ataque verbal calunioso, que inspira a suspeita. | |
| 11 Nada tem a ver com os factos essenciais, mas são meramente um | |
| aspecto pessoal do homem que está a julgar o caso. | |
| 90 | |
| Pois todos entendem que as leis o devem referir, e alguns | |
| adoptam mesmo a prática proibindo que se fale fora do assun- | |
| to, como também acontece no Areópago, e com toda a razão; | |
| pois está errado perverter o juiz incitando-o à ira, ao ódio ou à | |
| compaixão. Tal procedimento equivaleria a falsear a regra que | |
| se pretende utilizar. | |
| Além disso, é manifesto que o oponente nenhuma outra | |
| função tem que a de mostrar que o facto em questão é ou não | |
| é verdadeiro, aconteceu ou não aconteceu; quanto a saber se | |
| ele é grande ou pequeno, justo ou injusto, não havendo uma | |
| definição clara do legislador, é certamente ao juiz que cabe | |
| decidir, sem cuidar de saber o que pensam os litigantes. | |
| É, pois, sumamente importante que as leis bem feitas de- | |
| terminem tudo com o maior rigor e exactidão, e deixem o | |
| menos possível à decisão dos juízes. Primeiro, porque é mais | |
| fácil encontrar um ou poucos homens que sejam prudentes e | |
| capazes de legislar e julgar, do que encontrar muitos. Segundo, 1354b | |
| porque as leis se promulgam depois de uma longa experiên- | |
| cia de deliberação, mas os juízos se emitem de modo impre- | |
| visto, sendo por conseguinte difícil aos juízes pronunciarem- | |
| -se rectamente de acordo com o que é justo e conveniente. | |
| E, sobretudo, porque a decisão do legislador não incide sobre | |
| um caso particular, mas sobre o futuro e o geral 12, ao passo | |
| que o membro da assembleia e o juiz têm de se pronunciar | |
| imediatamente sobre casos actuais e concretos. Na sua apre- | |
| ciação dos factos, intervêm muitas vezes a amizade, a hostili- | |
| dade e o interesse pessoal, com a consequência de não mais | |
| conseguirem discernir a verdade com exactidão e de o seu | |
| juízo ser obscurecido por um sentimento egoísta de prazer ou | |
| de dor. | |
| Quanto ao mais, voltamos a dizê-lo, importa deixar à de- | |
| cisão soberana do juiz o mínimo de questões possível, mas não | |
| se lhe deve subtrair a tarefa de verificar se um facto ocorreu | |
| ou não, se virá ou não a ocorrer, se tem ou não existência real, | |
| pois não é possível que o legislador preveja todos esses casos. | |
| E, se o que dizemos é exacto, não resta a menor dúvida | |
| de que matérias externas ao assunto são descritas como arte por | |
| aqueles que definem outras coisas como, por exemplo, o que | |
| devem conter o proémio ou a narração, e cada uma das de- | |
| 12 Cf. Ethica Nicomachea V 14, 1137b13 ss. | |
| 91 | |
| mais partes do discurso 13; pois, ao ocuparem-se destas ques- | |
| tões, nada mais os preocupa senão o modo como poderão criar | |
| no juiz uma certa disposição. Mas, sobre as provas propriamen- | |
| te artísticas, nenhuma indicação avançam; isto é, sobre aquilo | |
| que afinal torna o leitor hábil no uso do entimema. | |
| É por isso que, embora o mesmo método convenha ao | |
| género deliberativo e ao judicial, e embora a oratória delibe- | |
| rativa seja mais nobre e mais útil ao Estado que a relativa a | |
| contratos, aqueles autores nada têm a dizer sobre o primeiro | |
| género, mas todos se esforçam por elaborar a arte do discur- | |
| so judicial, porque é menos útil dizer algo fora do assunto nos | |
| discursos deliberativos, e porque a oratória política é menos | |
| nociva que a judicial, por ser de interesse mais geral. No gé- | |
| nero deliberativo, o ouvinte julga sobre coisas que o afectam | |
| pessoalmente e, portanto, o conselheiro apenas precisa de de- | |
| monstrar a exactidão do que afirma. Mas nos discursos | |
| judicais isso não basta, antes há toda a vantagem em cativar | |
| o ouvinte; pois os juízes julgam sobre questões alheias e, por | |
| conseguinte, buscando o seu interesse e escutando com parcia- | |
| lidade, acabam por satisfazer a vontade dos litigantes mas não | |
| 1355a julgam como devem. Por isso, como já disse, a lei proíbe em | |
| muitos sítios falar do que é alheio ao assunto, ao passo que, | |
| nas assembleias deliberativas, são os próprios ouvintes que | |
| cuidam de o evitar. | |
| Ora, sendo evidente que o método artístico 14 é o que se | |
| refere às provas por persuasão 15 e que a prova por persuasão | |
| 13 Os manuais de retórica demoravam-se no tratamento de cada | |
| uma das partes do discurso: nomeadamente o proémio, a narração, as | |
| provas e o epílogo. | |
| 14 O estudo da retórica em sentido estrito. | |
| 15 Grimaldi (pp. 19-20) reconhece três significados no termo pstij: | |
| 1) o estado de convicção ou confiança subjectiva que resulta de um racio- | |
| cínio; 2) o método próprio da arte que produz esse estado de confiança | |
| mediante a redução do argumento retórico à sua forma lógica (entimema | |
| e exemplo); e 3) as fontes de que procedem as premissas dos argumen- | |
| tos, também assumidas como espécies de prova (Âqoj, p£qoj e lÒgoj). As- | |
| sim, pstij tanto significa lealdade, fé, confiança, como significa evidên- | |
| cia ou prova digna de fé, e as variantes específicas de natureza mais lógica | |
| ou psicológica que essas provas podem assumir (cf. David Hay, «Pistis as | |
| Ground for .aith in Hellenized Judaism and Paul», Journal of Biblical | |
| Literature, 108, 1989, pp. 461-476). | |
| 92 | |
| é uma espécie de demonstração (pois somos persuadidos so- | |
| bretudo quando entendemos que algo está demonstrado), que | |
| a demonstração retórica é o entimema e que este é, geralmente | |
| falando, a mais decisiva de todas as provas por persuasão; que, | |
| enfim, o entimema é uma espécie de silogismo, e que é do | |
| silogismo em todas as suas variantes que se ocupa a dialéc- | |
| tica 16, no seu todo ou nalguma das suas partes, e é igualmente | |
| evidente que quem melhor puder teorizar sobre as premissas | |
| do que e como se produz um silogismo também será o | |
| mais hábil em entimemas, porque sabe a que matérias se apli- | |
| ca o entimema e que diferenças este tem dos silogismos lógi- | |
| cos. Pois é próprio de uma mesma faculdade discernir o ver- | |
| dadeiro e o verosímil, já que os homens têm uma inclinação | |
| natural para a verdade e a maior parte das vezes alcançam-na. | |
| E, por isso, ser capaz de discernir sobre o plausível é ser igual- | |
| mente capaz de discernir sobre a verdade. | |
| .ica portanto claro que os outros autores tratam dentro | |
| desta arte o que é alheio ao assunto, como claras ficam as ra- | |
| zões por que eles sobretudo se inclinaram para a oratória judi- | |
| cial. | |
| Mas a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por | |
| natureza mais fortes que os seus contrários. De sorte que, se os | |
| juízos se não fizerem como convém, a verdade e a justiça se- | |
| rão necessariamente vencidas pelos seus contrários, e isso é | |
| digno de censura. Além disso, nem mesmo que tivéssemos a | |
| ciência mais exacta nos seria fácil persuadir com ela certos | |
| auditórios. Pois o discurso científico é próprio do ensino, e o | |
| ensino é aqui impossível, visto ser necessário que as provas por | |
| persuasão e os raciocínios se formem de argumentos comuns, | |
| como já tivemos ocasião de dizer nos Tópicos 17 a propósito da | |
| comunicação com as multidões. Além disso, é preciso ser ca- | |
| paz de argumentar persuasivamente sobre coisas contrárias, | |
| como também acontece nos silogismos; não para fazer uma e | |
| 16 Dialéctica é, em Platão e Aristóteles, um conceito abrangente. | |
| Apresenta-se na República de Platão (531-539) como elemento determinante | |
| e vital na educação do filósofo. Poderá definir-se como arte dialógica de | |
| argumentação que examina proposições hipotéticas e não certas, bem | |
| como as suas consequências. Aristóteles ocupa-se teoricamente dela nos | |
| seus Tópicos. | |
| 17 Tópicos I 1. | |
| 93 | |
| outra coisa pois não se deve persuadir o que é imoral mas | |
| para que nos não escape o real estado da questão e para que, | |
| sempre que alguém argumentar contra a justiça, nós próprios | |
| estejamos habilitados a refutar os seus argumentos. Ora nenhu- | |
| ma das outras artes obtém conclusões sobre contrários por meio | |
| de silogismos a não ser a dialéctica e a retórica, pois ambas se | |
| ocupam igualmente dos contrários. Não porque os factos de | |
| que se ocupam tenham igual valor, mas porque os verdadeiros | |
| e melhores são pela sua natureza sempre mais aptos para os | |
| silogismos e mais persuasivos. Além disso, seria absurdo que | |
| a incapacidade de defesa física fosse desonrosa, e o não fosse a | |
| 1355b incapacidade de defesa verbal, uma vez que esta é mais pró- | |
| pria do homem do que o uso da força física. | |
| E se alguém argumentar que o uso injusto desta faculda- | |
| de da palavra pode causar graves danos, convém lembrar que | |
| o mesmo argumento se aplica a todos os bens excepto à virtu- | |
| de, principalmente aos mais úteis, como a força, a saúde, a ri- | |
| queza e o talento militar; pois, sendo usados justamente, pode- | |
| rão ser muito úteis, e, sendo usados injustamente, poderão | |
| causar grande dano. | |
| É, pois, evidente que a retórica não pertence a nenhum | |
| género particular e definido, antes se assemelha à dialéctica. | |
| É também evidente que ela é útil e que a sua função não é | |
| persuadir mas discernir os meios de persuasão mais pertinen- | |
| tes a cada caso, tal como acontece em todas as outras artes; | |
| de facto, não é função da medicina dar saúde ao doente, mas | |
| avançar o mais possível na direcção da cura, pois também se | |
| pode cuidar bem dos que já não estão em condições de re- | |
| cuperar a saúde. Além disso, é evidente que pertencem a esta | |
| mesma arte o credível e o que tem aparência de o ser, como | |
| são próprios da dialéctica o silogismo verdadeiro e o silo- | |
| gismo aparente 18; pois o que faz a sofística não é a capaci- | |
| dade mas a intenção. Portanto, na retórica, um será retóri- | |
| 18 Como oportunamente observa G. Kennedy, «Rhetoric uses both | |
| logically valid arguments and probabilities. The jump to sophistry in the | |
| next sentence perhaps implies a recognition that the apparently persua- | |
| sive and an apparent syllogism include fallacious arguments that | |
| initially sound valid in an oral situation but will not hold up under | |
| scrutiny. Both the orator and the dialectician need to be able to recognize | |
| these» (op. cit., p. 35, n. 30). | |
| 94 | |
| co 19 por conhecimento e outro por intenção, ao passo que, na | |
| dialéctica, um será sofista por intenção e outro dialéctico, não | |
| por intenção mas por capacidade 20. | |
| Procuremos agora falar do método em si: do modo como | |
| e a partir de que fontes poderemos alcançar os nossos objecti- | |
| vos. Depois de novamente definirmos o que é a retórica, como | |
| fizemos no princípio, passaremos a expor o que resta do as- | |
| sunto. | |
| 2 | |
| DE.INIÇÃO DA RETÓRICA E SUA ESTRUTURA LÓGICA | |
| Entendamos por retórica a capacidade de descobrir 21 o | |
| que é adequado a cada caso com o fim de persuadir 22. Esta | |
| 19 Na época clássica, r` »twr era o orador, e circunstancialmente tam- | |
| bém o que desempenhava uma função de liderança na assembleia ou um | |
| papel activo no tribunal. No período romano, o termo significa por nor- | |
| ma retor, educador, professor de retórica. | |
| 20 A aparente obscuridade desta classificação resulta da falta de um | |
| termo diferenciador no campo semântico da retórica como acontece no | |
| da dialéctica. Como observa Quintín Racionero: «en la dialectica, quien | |
| usa rectamente de la facultad o capacidad es dialéctico y quien hace un | |
| uso desviado de la intención, sofista. En la retórica, en cambio, el nombre | |
| es el mismo en los dos casos esto es, rétor, retórico , de modo que | |
| solo cabe distinguir entre un rétor por ciencia (equivalente del dialéctico) y | |
| un rétor por intención (equivalente del sofista).» De sorte que, «lo que | |
| Aristóteles pretende, de todos modos, señalar aquí es que los perjuicios | |
| de la retórica, en contra de la crítica platónica, no están ligados al arte o | |
| a la facultad oratoria, sino a la intención moral del orador (Aristóteles, | |
| Retórica, Madrid, Gredos, 1990, n. 29, p. 173). | |
| 21 Sobre dÚnamij toà qewrÁsai, vide David Metzger, «Aristotles Im- | |
| perative for Rhetoric», in The Lost Cause of Rhetoric, Carbondale, Southern | |
| Illinois University Press, 1995, pp. 26-49. | |
| 22 Da reflexão que Quintiliano faz sobre as várias definições clássi- | |
| cas de retórica (Institutio oratoria, 2.1-21), quatro se distinguem como as | |
| mais representativas: 1) a definição atribuída a Córax e Tísias, Górgias e | |
| Platão (a retórica como peiqoàj dhmiourgÒj, criadora de persuasão; 2) esta | |
| de Aristóteles (retórica como «a capacidade de descobrir os meios de per- | |
| suasão no tratamento de qualquer assunto»); 3) a atribuída a Hermágoras | |
| de Temnos (retórica como «a capacidade de falar bem no que respeita ao | |
| tratamento e discussão das questões públicas»); 4) e a de Quintiliano, na | |
| 95 | |
| não é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada | |
| uma das outras apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas da | |
| sua competência; como, por exemplo, a medicina sobre a saú- | |
| de e a doença, a geometria sobre as variações que afectam as | |
| grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se pas- | |
| sando com todas as outras artes e ciências. Mas a retórica pa- | |
| rece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os meios de | |
| persuasão sobre qualquer questão dada. E por isso afirmamos | |
| que, como arte, as suas regras não se aplicam a nenhum géne- | |
| ro específico de coisas. | |
| Das provas de persuasão, umas são próprias da arte retó- | |
| rica e outras não 23. Chamo provas inartísticas a todas as que | |
| não são produzidas por nós, antes já existem: provas como tes- | |
| temunhos, confissões sob tortura, documentos escritos e outras | |
| semelhantes; e provas artísticas, todas as que se podem prepa- | |
| rar pelo método e por nós próprios. De sorte que é necessário | |
| utilizar as primeiras, mas inventar as segundas. | |
| 1356a As provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de | |
| três espécies: umas residem no carácter moral do orador; ou- | |
| tras, no modo como se dispõe o ouvinte; e outras, no próprio | |
| discurso, pelo que este demonstra ou parece demonstrar. | |
| Persuade-se pelo carácter quando o discurso é proferido | |
| de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de | |
| fé. Pois acreditamos mais e bem mais depressa em pessoas | |
| honestas, em todas as coisas em geral, mas sobretudo nas de | |
| que não há conhecimento exacto e que deixam margem para | |
| dúvida. É, porém, necessário que esta confiança seja resultado | |
| do discurso e não de uma opinião prévia sobre o carácter do | |
| orador; pois não se deve considerar sem importância para a | |
| persuasão a probidade do que fala, como aliás alguns autores | |
| desta arte propõem, mas quase se poderia dizer que o carácter | |
| é o principal meio de persuasão. | |
| linha dos retóricos estóicos (a retórica como «scientia bene dicendi», | |
| 2.15.21). São diferenças que reflectem preocupações distintas, tanto sobre | |
| a natureza e a finalidade da retórica como sobre os seus objecto e conteú- | |
| do ético. | |
| 23 As expressões ¥tecnoi psteij e ntecnoi psteij tanto se podem | |
| traduzir por provas não técnicas e provas técnicas, como prefere G. Ken- | |
| nedy, como por inartísticas e artísticas ou extrínsecas e intrínsecas, pois | |
| se trata das provas que respectivamente não pertencem ou pertencem, | |
| resultam ou não da técnica ou arte retórica. | |
| 96 | |
| Persuade-se pela disposição dos ouvintes, quando estes são | |
| levados a sentir emoção por meio do discurso, pois os juízos que | |
| emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria, amor ou | |
| ódio. É desta espécie de prova e só desta que, dizíamos, se ten- | |
| tam ocupar os autores actuais de artes retóricas. E a ela dare- | |
| mos especial atenção quando falarmos das paixões. | |
| Persuadimos, enfim, pelo discurso 24, quando mostramos | |
| a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persua- | |
| sivo em cada caso particular. | |
| Ora, como as provas por persuasão se obtêm por estes três | |
| meios, é evidente que delas se pode servir quem for capaz de | |
| formar silogismos 25, e puder teorizar sobre os caracteres, so- | |
| bre as virtudes e, em terceiro lugar, sobre as paixões 26 (o que | |
| cada uma das paixões é, quais as suas qualidades, que origem | |
| têm e como se produzem). De sorte que a retórica é como que | |
| um rebento da dialéctica e daquele saber prático sobre os ca- | |
| racteres a que é justo chamar política. É por isso também que | |
| a retórica se cobre com a figura da política, e igualmente aque- | |
| les que têm a pretensão de a conhecer, quer por falta de edu- | |
| cação, quer por jactância, quer ainda por outras razões ineren- | |
| tes à natureza humana. A retórica é, de facto, uma parte da | |
| dialéctica e a ela se assemelha, como dissemos no princípio 27; | |
| pois nenhuma das duas é ciência de definição de um assunto | |
| específico, mas mera faculdade de proporcionar razões para os | |
| argumentos. | |
| Sobre a função destas artes e o modo como elas se relacio- | |
| nam entre si, pouco mais nos resta para dizermos o suficiente. | |
| 24 LÒgoj significa tanto raciocínio como discurso, referindo-se mais | |
| propriamente aqui à vertente lógica do discurso persuasivo. | |
| 25 Raciocinar logicamente. | |
| 26 Compreender o carácter humano, a virtude em todas as suas for- | |
| mas e as paixões. | |
| 27 Não é sem razão que Aristóteles aqui evita o uso das categorias | |
| formais de género e espécie. Ao dizer que a retórica é uma actividade | |
| paralela à dialéctica, ele não está a afirmar que ela é uma espécie da dia- | |
| léctica, pois contém elementos que dela não são próprios nomeadamen- | |
| te o efeito persuasivo do carácter e a emoção. Também não afirma que a | |
| dialéctica é uma espécie da retórica, embora enfatize a vertente lógica | |
| desta e a sua directa relação com ela; e isto talvez porque a dialéctica se | |
| ocupa das questões universais e a retórica das particulares (cf. G. Kennedy, | |
| 1991, 39, n. 46). | |
| 97 | |
| Mas no que toca à persuasão pela demonstração real ou apa- | |
| 1356b rente, assim como na dialéctica se dão a indução, o silogismo e | |
| o silogismo aparente, também na retórica acontece o mesmo. | |
| Pois o exemplo é uma indução, o entimema é um silogismo, e | |
| o entimema aparente é um silogismo aparente. Chamo en- | |
| timema ao silogismo retórico e exemplo à indução retórica. | |
| E, para demonstrar, todos produzem provas por persuasão, | |
| quer recorrendo a exemplos quer a entimemas, pois fora des- | |
| tes nada mais há. De sorte que, se é realmente necessário que | |
| toda a demonstração se faça ou pelo silogismo ou pela indu- | |
| ção (e isso é para nós claro desde os Analíticos 28), então impor- | |
| ta que estes dois métodos sejam idênticos nas duas artes. | |
| Quanto à diferença entre o exemplo e o entimema, ela está | |
| clara nos Tópicos 29 (pois já aí se falou do silogismo e da indu- | |
| ção). Demonstrar que algo é assim na base de muitos casos | |
| semelhantes é na dialéctica indução e na retórica exemplo; mas | |
| demonstrar que, de certas premissas, pode resultar uma pro- | |
| posição nova e diferente só porque elas são sempre ou quase | |
| sempre verdadeiras, a isso chama-se em dialéctica silogismo e | |
| entimema na retórica. | |
| É também claro que cada uma destas espécies retóricas | |
| tem o seu mérito; pois, o que foi dito na Metódica 30 aplica-se | |
| igualmente aqui. De facto, uns exercícios retóricos são paradig- | |
| máticos e outros entimemáticos; e, de igual modo, uns orado- | |
| res são melhores em exemplos e outros em entimemas. Não | |
| são, portanto, menos persuasivos os discursos baseados em | |
| exemplos, mas os que se baseiam em entimemas são mais | |
| aplaudidos. Da causa destas diferenças e do modo como se | |
| deve usar cada um deles falaremos mais adiante. De momen- | |
| to, tentaremos definir um e outro com mais precisão. | |
| Atendendo a que o persuasivo é persuasivo para alguém | |
| (ou é persuasivo e crível imediatamente e por si mesmo, ou pa- | |
| rece sê-lo porque demonstrado mediante premissas persuasi- | |
| vas e convincentes), e atendendo a que nenhuma arte se ocupa | |
| do particular por exemplo, a medicina, que não especifica o | |
| 28 Analytica priora II 23; Analytica posteriora I 1. | |
| 29 Tópicos I 1; I 12. | |
| 30 Trata-se de uma obra perdida de Aristóteles. Temos dela notícia | |
| em Dionísio de Halicarnasso, Epistula ad Ammaeum., 1.6, 8; no Catálogo, | |
| 52, de Diógenes Laércio; e em Hesíquio Milésio, Vita Arist. | |
| 98 | |
| que é remédio para Sócrates ou Cálias mas para pessoas da sua | |
| condição (pois isso é que é próprio de uma arte, já que o indi- | |
| vidual é indeterminado e não objecto de ciência) , tão-pouco | |
| a retórica teorizará sobre o provável para o indivíduo por | |
| exemplo, para Sócrates ou Hípias , mas sobre o que parece | |
| verdade para pessoas de uma certa condição, como também faz | |
| a dialéctica 31. Pois também esta não forma silogismos de pre- | |
| missas tomadas ao acaso (ainda que assim pareça aos insensa- | |
| tos) mas das que o raciocínio requer, e a retórica forma-os da | |
| matéria sobre que estamos habituados a deliberar. | |
| A função desta consiste em tratar das questões sobre as 1357a | |
| quais deliberamos e para as quais não dispomos de artes espe- | |
| cíficas, e isto perante um auditório incapaz de ver muitas coi- | |
| sas ao mesmo tempo ou de seguir uma longa cadeia de racio- | |
| cínios. Nós deliberamos sobre as questões que parecem admitir | |
| duas possibilidades de solução, já que ninguém delibera sobre | |
| as coisas que não podem ter acontecido, nem vir a acontecer, | |
| nem ser de maneira diferente; pois, nesses casos, nada há a | |
| fazer. | |
| É possível formar silogismos e tirar conclusões, tanto de | |
| coisas antes estabelecidas pelo silogismo, como de premissas de | |
| que se não formou silogismo mas que o requerem por não se- | |
| rem correntemente aceites. Destas duas linhas de raciocínio, a | |
| primeira cadeia de silogismos é necessariamente difícil de se- | |
| guir devido à sua extensão (pois se supõe que o juiz é uma | |
| pessoa simples), e a segunda não é persuasiva porque as pre- | |
| missas nem são admitidas por todos nem são plausíveis. De | |
| sorte que é necessário que o entimema e o exemplo se ocupem | |
| de coisas que podem ser para a maior parte também de outro | |
| modo: o exemplo como indução, e o entimema como silogismo, | |
| formado de poucas premissas e em geral menos do que as do | |
| silogismo primário 32. Porque se alguma destas premissas for | |
| 31 Como assinala G. Kennedy, a dialéctica constrói a sua prova so- | |
| bre a opinião geral, da maioria ou dos sábios. Nos Tópicos I 10, 104 ss., | |
| estabelecem-se as condições para que uma proposição seja dialéctica: que | |
| ela pareça credível aos sábios, sem que ao homem comum pareça in- | |
| crível. | |
| 32 O silogismo plenamente expresso: com premissa maior, premissa | |
| menor e conclusão; o entimema: com menos uma premissa, geralmente a | |
| menor. | |
| 99 | |
| bem conhecida, nem sequer é necessário enunciá-la; pois o pró- | |
| prio ouvinte a supre. Como, por exemplo, para concluir que | |
| Dorieu recebeu uma coroa como prémio da sua vitória, basta | |
| dizer: pois foi vencedor em Olímpia 33, sem que haja necessi- | |
| dade de se acrescentar a Olímpia a menção da coroa, porque | |
| isso toda a gente o sabe 34. | |
| Como são poucas as premissas necessárias à formação dos | |
| silogismos retóricos (a maior parte dos assuntos sobre que | |
| incidem juízos e deliberações pode receber solução diferente, | |
| pois deliberamos e reflectimos sobre as acções, todas elas apre- | |
| sentam em comum esta particularidade, e nenhuma delas é, por | |
| assim dizer, necessária), e como as coisas que acontecem à | |
| maioria e são possíveis apenas se podem provar mediante silo- | |
| gismos formados de premissas semelhantes, tal como as neces- | |
| sárias se concluem das necessárias (o que também sabemos | |
| pelos Analíticos) 35, é evidente que, das premissas de que se for- | |
| mam os entimemas, umas serão necessárias, mas a maior parte | |
| é apenas frequente. E, posto que os entimemas derivam de | |
| probabilidades e sinais, é necessário que cada um destes se | |
| identifique com a classe de entimema correspondente 36. | |
| Com efeito, probabilidade 37 é o que geralmente acontece, | |
| mas não absolutamente, como alguns definem; antes versa so- | |
| bre coisas que podem ser de outra maneira, e relaciona-se no | |
| que concerne ao provável como o universal se relaciona com o | |
| 1357b particular. Quanto aos sinais 38, uns apresentam uma relação do | |
| 33 Os Jogos Olímpicos. | |
| 34 O entimema foi posteriormente entendido como um silogismo | |
| abreviado, em que uma das premissas, geralmente a maior, não se ex- | |
| pressava. Por exemplo: «Sócrates é mortal porque é homem»; ou, na or- | |
| dem inversa, «Se Sócrates é homem é mortal». Em ambos os casos se | |
| assume que «todos os homens são mortais». | |
| 35 Analytica priora I 8, 29b32-35. | |
| 36 O que significa que os entimemas necessários correspondem aos | |
| indícios (shmea ¢nagkaa ou tekm»ria), e os frequentemente verdadeiros | |
| correspondem às probabilidades (e kÒta). | |
| 37 A probabilidade é uma premissa plausível ndoxon), na medida | |
| em que coincide com uma opinião geralmente admitida. | |
| 38 Shmeon é um sinal, signo ou indício de que algo aconteceu ou | |
| existe. Por comparação com o conceito de probabilidade, o sinal supõe a | |
| relação entre dois factos. Se esta relação for necessária, o sinal chama-se | |
| tekm»rion (argumento concludente ou prova irrefutável). Se não for neces- | |
| 100 | |
| particular para o universal, outros uma relação do universal | |
| para o particular. Destes sinais, os necessários são argumentos | |
| irrefutáveis, e os não necessários não têm nome peculiar que | |
| traduza a diferença. Chamo, portanto, necessários àqueles si- | |
| nais a partir dos quais se pode formar um silogismo. E, por | |
| isso, é argumento irrefutável o que entre os sinais é necessário, | |
| pois quando se pensa que já não é possível refutar uma tese, | |
| então pensa-se que se aduz um argumento concludente ou | |
| irrefutável [tekmérion], como se o assunto já estivesse demons- | |
| trado e concluído; visto que tékmar [conclusão] e péras [fim] | |
| significam o mesmo na língua antiga. | |
| De entre os sinais, um é como o particular em relação ao | |
| universal; por exemplo, um sinal de que os sábios são justos é | |
| que Sócrates era sábio e justo. Este é na verdade um sinal, mas | |
| refutável, embora seja verdade o que se diz, pois não é suscep- | |
| tível de raciocínio por silogismo. O outro, o sinal necessário, é | |
| como alguém dizer que é sinal de uma pessoa estar doente o | |
| ter febre, ou de uma mulher ter dado à luz o ter leite. E, dos | |
| sinais, este é o único que é um tekmérion, um argumento con- | |
| cludente, pois é o único que, se for verdadeiro, é irrefutável. | |
| É exemplo da relação do universal com o particular se alguém | |
| disser que é sinal de febre ter a respiração rápida. Este, porém, | |
| é também refutável, embora verdadeiro, pois é possível ter a | |
| respiração ofegante mesmo sem febre. | |
| .ica, pois, até aqui explicado o que é uma probabilidade, | |
| um sinal e um tekmérion, bem como o que os distingue. .oi, | |
| porém, nos Analíticos 39 que estes foram mais explicitamente | |
| tratados, bem como a razão pela qual certas proposições são | |
| impróprias para o silogismo e outras são adequadas à sua for- | |
| mação. | |
| Já referimos que o exemplo é uma indução e de que coi- | |
| sas esta indução se ocupa. O exemplo não apresenta relações | |
| da parte para o todo, nem do todo para a parte, nem do todo | |
| para o todo, mas apenas da parte para a parte, do semelhante | |
| para o semelhante. Quando os dois termos são do mesmo gé- | |
| sária, a conclusão reduz-se a uma mera probabilidade. De sorte que tanto | |
| o e kÒj como o shmeon constituem modos da probabilidade real: no pri- | |
| meiro caso, da probabilidade de um facto; no segundo, da probabilidade | |
| de uma relação (cf. Quintín Racionero, op. cit., p. 186, n. 59). | |
| 39 Analytica priora II 27; Analytica posteriora I 30. | |
| 101 | |
| nero, mas um é mais conhecido do que o outro, então há um | |
| exemplo; como quando se afirma que Dionísio tenta a tirania | |
| porque pede uma guarda; pois também antes Pisístrato, ao | |
| intentá-la, pediu uma guarda e converteu-se em tirano mal a | |
| conseguiu, e Teágenes fez o mesmo em Mégara; estes e outros | |
| que se conhecem, todos eles servem de exemplo para Dionísio, | |
| de quem ainda se não sabe se é essa a razão por que a pede. | |
| Todos estes casos particulares se enquadram na mesma noção | |
| geral de que quem aspira à tirania pede uma guarda pessoal. | |
| 1358a Dissemos o que tínhamos a dizer sobre as fontes das pro- | |
| vas por persuasão que parecem demonstrativas. Mas, quanto | |
| aos entimemas, a maior diferença e a mais ignorada por quase | |
| todos é a mesma que existe entre os silogismos dentro do mé- | |
| todo dialéctico; pois alguns entimemas são formados de acor- | |
| do com o método retórico, como também alguns silogismos o | |
| são de acordo com o método dialéctico; outros entimemas, | |
| porém, são formados conforme outras artes e faculdades, umas | |
| já existentes, outras ainda não descobertas. É por isso que es- | |
| tas diferenças não são percebidas pelos ouvintes, e quanto mais | |
| se trata o assunto com método mais se sai dos limites da retó- | |
| rica e da dialéctica. O que dizemos ficará mais claro se o expu- | |
| sermos mais pormenorizadamente. | |
| Digo, pois, que os silogismos retóricos e dialécticos são | |
| aqueles que temos em mente quando falamos de tópicos 40; es- | |
| 40 Não é clara a doutrina aristotélica sobre os tÒpoi, pois Aristóteles | |
| nem nos Tópicos nem na Retórica nos dá deles um definição explícita. São | |
| princípios ou fontes de argumentação de natureza lógica ou retórica, e | |
| apresentam-se geralmente divididos em dois grupos distintos: os dioi | |
| tÒpoi e os koino tÒpoi. Os primeiros apresentam-se como os tópicos rela- | |
| tivos a determinadas artes ou ciências, e especificamente apropriados a | |
| cada um dos géneros do discurso oratório. Deles se forma o maior núme- | |
| ro de entimemas. Os segundos apresentam-se como tópicos caracteristi- | |
| camente retóricos, mais gerais, e aplicáveis a todos os géneros de discur- | |
| so. Mas esta divisão carece de alguma clarificação. Sendo edh o termo | |
| técnico privilegiado por Aristóteles para representar as proposições ade- | |
| quadas a cada género, Y. Pelletier sustenta que o primeiro livro da Retó- | |
| rica se ocupa das espécies próprias de cada género, e a maior parte do se- | |
| gundo ocupa-se das espécies comuns, pertinentes em comum aos três | |
| géneros oratórios. As primeiras proposições têm por objecto persuadir | |
| como útil, justa, bela, ou de qualidade contrária a acção argumentada. As | |
| últimas constituem os elementos preparatórios da argumentação princi- | |
| pal e têm por objecto persuadir essa acção como possível ou impossível, | |
| 102 | |
| tes são os lugares-comuns em questões de direito, de física, de | |
| política e de muitas disciplinas que diferem em espécie, como | |
| por exemplo o tópico de mais e menos; pois será tão possível | |
| com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre ques- | |
| tões de direito, como dizê-los sobre questões de física ou de | |
| qualquer outra disciplina ainda que estas difiram em espécie. | |
| São, porém, específicas as conclusões derivadas de premissas | |
| que se referem a cada uma das espécies e géneros; como, por | |
| exemplo, as premissas sobre questões de física, das quais não | |
| é possível tirar nem entimema nem silogismo aplicável à éti- | |
| ca; e outras sobre ética, de que se não pode tirar nem enti- | |
| mema nem silogismo aplicável à física. O mesmo se passa | |
| com todas as demais disciplinas. Aqueles raciocínios a nin- | |
| guém farão compreender qualquer género de ciência, pois não | |
| versam sobre nenhum assunto particular. Mas os específicos, | |
| quanto melhor escolha alguém fizer das suas premissas, mais | |
| construirá, sem se dar conta, uma ciência distinta da dialécti- | |
| ca e da retórica. Pois se, por acaso, volta aos princípios, não | |
| será já dialéctica nem retórica, mas a ciência de que tomou | |
| esses princípios. | |
| Ora a maior parte dos entimemas deriva destas espécies | |
| ditas particulares e específicas, sendo em menor número os que | |
| derivam das comuns. É portanto necessário fazer também aqui, | |
| como nos Tópicos, uma distinção entre as espécies e os lugares | |
| de que se devem tomar os entimemas. Eu chamo espécies às | |
| premissas próprias de cada género, e lugares às que são co- | |
| real ou irreal, com maior ou menor índice da grandeza. Mas só os tÒpoi | |
| de que Aristóteles se ocupa no final do segundo livro são, segundo | |
| Pelletier, os verdadeiros lugares-comuns, como fórmulas de selecção e | |
| estratégias de argumentação «useful for the discovery and construction | |
| of a number of different arguments» [«Aristote et la découverte oratoire», | |
| III, Laval Théologique et Philosophique, 37 (1981), p. 65. Cf. ibidem, I, 35 | |
| (1979), pp. 3-20; II, 36 (1980), pp. 29-46; III, 37 (1981), pp. 45-67]. Assim, e | |
| no seu entender, Aristóteles distingue três categorias de tÒpoi: os dia edh, | |
| que fornecem as premissas adequadas a cada um dos três géneros do dis- | |
| curso oratório; os koin£, que fornecem as premissas adequadas a qualquer | |
| dos três géneros; e os koino tÒpoi, que constituem os métodos formais de | |
| raciocínio «according to which enthymemes can be constructed through | |
| the use of the premises provided by the eide and koina» (L. Arnhart, | |
| Aristotle on Political Reasoning. A Commentary on the «Rhetoric», Decalb, IL, | |
| Northern Illinois University Press, 1981, p. 51). | |
| 103 | |
| muns igualmente a todos. .alaremos, pois, em primeiro lugar | |
| das espécies, mas, antes, definiremos os géneros da retórica | |
| para que, determinando quantos são, tomemos em separado os | |
| seus elementos 41 e premissas. | |
| 3 | |
| OS TRÊS GÉNEROS DE RETÓRICA: | |
| DELIBERATIVO, JUDICIAL E EPIDÍCTICO | |
| As espécies de retórica são três em número; pois outras | |
| tantas são as classes de ouvintes dos discursos. Com efeito, o | |
| discurso comporta três elementos: o orador, o assunto de que | |
| 1358b fala, e o ouvinte; e o fim do discurso refere-se a este último, | |
| isto é, ao ouvinte. Ora, é necessário que o ouvinte ou seja es- | |
| pectador ou juiz, e que um juiz se pronuncie ou sobre o passa- | |
| do ou sobre o futuro. O que se pronuncia sobre o futuro é, por | |
| exemplo, um membro de uma assembleia; o que se pronuncia | |
| sobre o passado é o juiz; o espectador, por seu turno, pronun- | |
| cia-se sobre o talento do orador. De sorte que é necessário que | |
| existam três géneros de discursos retóricos: o deliberativo 42, o | |
| judicial 43 e o epidíctico 44. | |
| Numa deliberação temos tanto o conselho como a dissua- | |
| são; pois tanto os que aconselham em particular como os que | |
| falam em público fazem sempre uma destas duas coisas. Num | |
| processo judicial temos tanto a acusação como a defesa, pois é | |
| necessário que os que pleiteiam façam uma destas coisas. No | |
| género epidíctico temos tanto o elogio como a censura. Os tem- | |
| pos de cada um destes são: para o que delibera, o futuro, pois | |
| aconselha sobre eventos futuros, quer persuadindo, quer dissua- | |
| dindo; para o que julga, o passado, pois é sempre sobre actos | |
| acontecidos que um acusa e outro defende; para o género epi- | |
| díctico o tempo principal é o presente, visto que todos louvam | |
| ou censuram eventos actuais, embora também muitas vezes ar- | |
| gumentem evocando o passado e conjecturando sobre o futuro. | |
| 41 Stoicea significa aqui tÒpoi, como em 2.22.13 e em 26.1. | |
| 42 Ou político. | |
| 43 Ou forense. | |
| 44 Ou demonstrativo. | |
| 104 | |
| Cada um destes géneros tem um fim diferente e, como são | |
| três os géneros, três são também os fins. Para o que delibera, o | |
| fim é o conveniente ou o prejudicial; pois o que aconselha reco- | |
| menda-o como o melhor, e o que desaconselha dissuade-o como | |
| o pior, e todo o resto como o justo ou o injusto, o belo ou o | |
| feio o acrescenta como complemento. Para os que falam em | |
| tribunal, o fim é o justo e o injusto, e o resto também estes o | |
| acrescentam como acessório. Para os que elogiam e censuram, o | |
| fim é o belo e o feio, acrescentando, eles também, outros racio- | |
| cínios acessórios. Sinal de que o fim de cada género é o que | |
| acabámos de referir, é que por vezes o orador sobre nenhuma | |
| outra coisa chega a disputar; por exemplo, o orador forense pode | |
| não negar que fez algo ou que agiu mal, mas nunca confessará | |
| que cometeu intencionalmente a injustiça, pois então não seria | |
| necessário o juízo. Do mesmo modo, os oradores que aconse- | |
| lham prescindirão muitas vezes do resto, mas jamais confessa- | |
| rão que recomendam coisas prejudiciais ou que dissuadem de | |
| algo que é proveitoso; não tomam sequer muitas vezes em con- | |
| ta que é injusto escravizar os povos vizinhos, mesmo quando | |
| não cometeram nenhuma injustiça. Semelhantemente, os que | |
| elogiam e os que censuram não consideram se uma pessoa fez | |
| acções convenientes ou prejudiciais, antes com frequência a lou- | |
| vam por haver descuidado os seus interesses pessoais só para 1359a | |
| cumprir o dever. Louvam, por exemplo, Aquiles por ter ido em | |
| socorro do seu amigo Pátroclo, sabendo que tinha por isso de | |
| morrer, quando, se o não fizesse, poderia continuar a viver. Para | |
| ele tal morte era mais honrosa, mas era conveniente viver 45. | |
| É evidente, pelo que acaba de ser dito, que é primeiramen- | |
| te necessário ter as premissas destas três coisas 46, pois as pro- | |
| vas irrefutáveis 47, as probabilidades e os sinais são premissas | |
| retóricas. Porque, em geral, todo o silogismo se constrói a par- | |
| tir de premissas, e o entimema não é mais do que um silogismo | |
| que se deduz das ditas premissas 48. Ora, visto que as coisas | |
| 45 Cf. Il., 18.79 ss. | |
| 46 O conveniente, o justo, o belo, e seus contrários. | |
| 47 Tekm»rion é o nome dado ao ¢nagkaon shmeon, a prova necessá- | |
| ria, concludente ou irrefutável, por oposição ao shmeon ¢nènumon, bem | |
| mais próximo do sentido de e kÒj. | |
| 48 Isto é, dos tekm»ria, dos e kÒta e dos shmea (evidências ou ar- | |
| gumentos irrefutáveis, probabilidades e indícios). | |
| 105 | |
| impossíveis não podem ter sido feitas no passado, nem se po- | |
| dem fazer no futuro, que apenas as coisas possíveis o podem, | |
| que as coisas irreais e irrealizáveis não podem ter sido feitas | |
| no passado ou fazer-se no futuro, é necessário que o orador | |
| deliberativo, o judicial e o epidíctico tenham premissas sobre o | |
| possível e o impossível, se algo aconteceu ou não, e se virá a | |
| ter ou não lugar. Além disso, como todos os oradores, quando | |
| elogiam ou censuram, exortam ou dissuadem, acusam ou de- | |
| fendem, não só se esforçam por provar o que disseram, mas | |
| também que o bom ou o mau, o belo ou o feio, o justo ou o | |
| injusto são grandes ou pequenos, quer falem das coisas em si, | |
| quer as comparem entre si, é evidente que seria também ne- | |
| cessário ter premissas sobre o grande e o pequeno, o mais e o | |
| menos, tanto em geral como em particular; como, por exem- | |
| plo, qual é o maior ou menor bem, a maior ou menor acção | |
| justa ou injusta; e o mesmo em relação às demais coisas. Aca- | |
| bámos de referir os lugares onde devemos necessariamente ir | |
| buscar as premissas. A seguir, devemos fazer distinção entre | |
| cada um deles individualmente; isto é, os que pertencem à | |
| deliberação, aos discursos epidícticos e, em terceiro lugar, aos | |
| judiciais. | |
| 4 | |
| O GÉNERO DELIBERATIVO | |
| Importa primeiramente compreender que coisas, boas ou | |
| más, aconselha o orador deliberativo, pois não se ocupa de | |
| todas as coisas, mas apenas das que podem vir a acontecer ou | |
| não. Sobre tudo o que necessariamente existe ou existirá, ou so- | |
| bre tudo o que é impossível que exista ou venha a existir, | |
| sobre isso não há deliberação. Nem mesmo há deliberação para | |
| tudo o que é possível; pois, de entre os bens que podem acon- | |
| tecer ou não, uns há por natureza e outros por acaso em que | |
| a deliberação de nada aproveitaria. Mas os assuntos passíveis | |
| de deliberação são claros; são os que naturalmente se relacionam | |
| 1359b connosco e cuja produção está nas nossas mãos. Pois desenvol- | |
| vemos a nossa observação até descobrirmos se nos é possível | |
| ou impossível fazer isso. Ora, não é necessário de momento | |
| enumerar com exactidão cada coisa sobre que se costuma deli- | |
| berar, nem dividi-la em espécies, nem mesmo dar dela uma | |
| 106 | |
| real definição conforme a verdade, porque tudo isso não é | |
| próprio da retórica, mas sim de uma outra arte mais pene- | |
| trante e verdadeira, e também porque actualmente lhe são | |
| atribuídas muitas mais matérias do que as que lhe são pró- | |
| prias. Com efeito, é certo o que atrás dissemos, que a retórica | |
| se compõe, por um lado, da ciência analítica e, por outro, do | |
| saber político relativo aos caracteres; além disso, ela é seme- | |
| lhante, por um lado à dialéctica, e por outro aos discursos | |
| sofísticos. E, quanto mais se tentarem imaginar a dialéctica ou | |
| a retórica não apenas como faculdades mentais mas como | |
| ciências, tanto mais se estará inadvertidamente a obscurecer | |
| a sua real natureza, passando-se com isso a construir ciências | |
| relativas a determinadas matérias estabelecidas e não só a | |
| discursos. Ocupemo-nos, porém, agora do que é útil analisar | |
| sobre o assunto, e ainda deixaremos campo de observação | |
| para a ciência política. | |
| Os temas mais importantes sobre os quais todos delibe- | |
| ram e sobre os quais os oradores deliberativos dão conselho em | |
| público são basicamente cinco, a saber: finanças, guerra e paz, | |
| defesa nacional, importações e exportações, e legislação. | |
| Por conseguinte, quem se dispuser a dar conselhos sobre | |
| finanças deverá conhecer os recursos que tem a cidade e qual | |
| o seu valor, a fim de, se algum for omitido, o repor, e se al- | |
| gum for insuficiente, o aumentar. Deve também conhecer to- | |
| das as despesas da cidade, a fim de eliminar o que for supér- | |
| fluo e reduzir o que for excessivo. Pois não só enriquecem os | |
| que aumentam os bens que já possuem, como também os que | |
| reduzem os gastos. E não é só pela experiência interna que se | |
| alcança uma visão geral destas coisas, é também necessário | |
| estar informado do que os outros povos descobriram para | |
| aconselhar sobre o assunto. | |
| Quanto à guerra e à paz, é preciso conhecer o poder da | |
| cidade, quanta força já tem e a quanta pode chegar, a natureza | |
| das forças que tem à sua disposição e as que pode acrescentar; | |
| e além disso, que guerras travou e como pelejou. É necessário | |
| saber estas coisas não só sobre a própria cidade, mas também | |
| sobre as cidades vizinhas. É necessário ainda saber com que | |
| povos se pode esperar fazer a guerra, a fim de manter a paz | |
| com as mais fortes e fazer a guerra contra as mais fracas. | |
| É também necessário saber se os recursos militares da cidade 1360a | |
| são iguais ou desiguais aos dos vizinhos, pois nisto também | |
| pode ser superior ou inferior. Além disso, é necessário ter es- | |
| 107 | |
| tudado não só as guerras da própria cidade, mas também as | |
| das outras em função dos seus resultados, pois de causas se- | |
| melhantes resultam efeitos semelhantes. | |
| Quanto à defesa do país, não se deve ignorar o modo | |
| como este é guardado, mas conhecer o número e a espécie das | |
| tropas que o defendem, bem como os lugares em que estão as | |
| fortalezas (o que é impossível para quem não tem experiência | |
| do território), a fim de que a defesa seja reforçada se for pe- | |
| quena, e removida se for em excesso, e se protejam os lugares | |
| mais convenientes. | |
| Também, quanto a provisões, é necessário conhecer | |
| quantos e quais os gastos suficientes à cidade, que alimen- | |
| tos são produzidos no seu solo e quais são importados, que | |
| exportações e importações são necessárias, a fim de se faze- | |
| rem os devidos tratados e acordos. Pois é necessário que os | |
| cidadãos não dêem motivo de queixa a duas classes de po- | |
| vos: aos que são mais fortes e aos que são úteis para o co- | |
| mércio. | |
| Para a segurança do estado é necessário observar todas | |
| estas coisas, mas não menos ser entendido em legislação; pois | |
| é nas leis que está a salvação da cidade. Portanto, é indispen- | |
| sável saber quantas são as formas de governo, o que convém a | |
| cada uma, e por que causas próprias de uma forma de go- | |
| verno ou contrárias a ela se corrompem. Digo que se cor- | |
| rompem por causas próprias, porque, exceptuando a melhor | |
| forma de governo, todas as demais se corrompem quer por | |
| afrouxamento quer por tensão excessiva. Como, por exemplo, | |
| a democracia, que se torna mais débil a ponto de finalmente se | |
| transformar em oligarquia, não só quando afrouxada, mas tam- | |
| bém quando tornada extremamente tensa; à semelhança do | |
| nariz aquilino e achatado, que não só se torna normal quando | |
| um destes defeitos abranda, como também se altera a ponto de | |
| não mais parecer nariz quando o nariz se torna aquilino e acha- | |
| tado em excesso. É útil para a legislação não só saber, pela | |
| observação do passado, qual é a forma de governo convenien- | |
| te, mas também conhecer as dos outros países e que formas de | |
| governo se lhes ajustam. É, por conseguinte, claro que os rela- | |
| tos de viagens pelo mundo são úteis para a legislação, pois | |
| neles se podem aprender as leis dos povos, como o são para as | |
| deliberações políticas as investigações daqueles que escrevem | |
| sobre as acções humanas. Mas tudo isso pertence ao domínio | |
| da política e não da retórica. | |
| 108 | |
| Estas são, pois, as questões mais importantes sobre as | |
| quais deve tirar premissas quem se propõe aconselhar. Volte- 1360b | |
| mos agora a referir as fontes de que devem derivar os argu- | |
| mentos de exortação ou dissuasão sobre estes e outros assuntos. | |
| 5 | |
| A .ELICIDADE, .IM DA DELIBERAÇÃO | |
| Pode dizer-se que cada homem em particular e todos em | |
| conjunto têm um fim em vista 49, tanto no que escolhem fazer | |
| como no que evitam. Este fim é, em suma, a felicidade e as | |
| suas partes 50. Indiquemos, portanto, a título de exemplo, o que | |
| em geral se entende por felicidade e quais os elementos das | |
| suas partes constituintes; pois é dela mesma, das acções que | |
| para ela tendem e daquelas que lhe são contrárias que versam | |
| todos os conselhos e dissuasões. De facto, deve fazer-se o que | |
| proporciona a felicidade ou alguma das suas partes, o que a | |
| aumenta e não diminui; mas não se deve fazer o que a destrói | |
| ou impede, ou produz os seus contrários. | |
| Seja, pois, a felicidade o viver bem combinado com a vir- | |
| tude, ou a auto-suficiência na vida, ou a vida mais agradável | |
| com segurança, ou a pujança de bens materiais e dos corpos | |
| juntamente com a faculdade de os conservar e usar; pois prati- | |
| camente todos concordam que a felicidade é uma ou várias | |
| destas coisas. | |
| Ora, se tal é a natureza da felicidade, é necessário que as | |
| suas partes sejam a nobreza, muitos amigos, bons amigos, a | |
| riqueza, bons filhos, muitos filhos, uma boa velhice; também | |
| as virtudes do corpo como a saúde, a beleza, o vigor, a estatu- | |
| ra, a força para a luta; a reputação, a honra, a boa sorte, e a | |
| virtude [ou também as suas partes: a prudência, a coragem, a | |
| justiça e a temperança] 51. Com efeito, uma pessoa seria intei- | |
| 49 O termo skÒpoj apenas ocorre aqui e mais duas vezes na Retórica | |
| (em 1362a18 e em 1366a24). É aparentemente sinónimo de tloj, mas | |
| designando o objectivo ou propósito geral. | |
| 50 Elementos constituintes. | |
| 51 Este passo é omisso nos melhores manuscritos. Trata-se segura- | |
| mente de uma adição posterior. | |
| 109 | |
| ramente auto-suficiente se possuísse os bens internos e exter- | |
| nos, pois fora destes não há outros. Os bens internos são os da | |
| alma e os do corpo; os externos são a nobreza, os amigos, o | |
| dinheiro e a honra. Cremos, contudo, que a estes se devem | |
| acrescentar certas capacidades e boa sorte, pois assim a vida | |
| será muito mais segura. Definamos agora da mesma maneira | |
| cada um destes bens em particular. | |
| Nobreza significa para um povo e uma cidade que a ori- | |
| gem dos seus membros é autóctone ou antiga, que os seus | |
| primeiros chefes foram ilustres, e que muitos descendentes se | |
| ilustraram em qualidades invejáveis. Para um indivíduo, a | |
| nobreza deriva do homem ou da mulher e tem legitimidade | |
| de ambos os lados; como no caso da cidade, significa que os | |
| seus primeiros antepassados se distinguiram pela virtude, pela | |
| riqueza ou por qualquer outra coisa honrosa, e que muitos | |
| foram os membros ilustres da sua linhagem, homens e mulhe- | |
| res, novos e velhos. | |
| 1361a O ter bons e numerosos filhos não é tema que ofereça | |
| dúvidas. Para a comunidade, isso consiste em ter uma juven- | |
| tude numerosa e boa; boa quanto às virtudes do corpo, como | |
| estatura, beleza, força e capacidade para a luta; quanto à alma, | |
| as virtudes do jovem são temperança e coragem. Para o indiví- | |
| duo, ter bons e numerosos filhos significa ter muitos filhos | |
| próprios, de ambos os sexos, e com as qualidades descritas. No | |
| caso das mulheres, as virtudes do corpo são a beleza e a esta- | |
| tura, e as da alma são a temperança e o amor ao trabalho sem | |
| servilismo. Os indivíduos e a comunidade devem semelhante- | |
| mente procurar desenvolver cada uma destas qualidades nos | |
| seus filhos e filhas; pois os povos em que há imoralidade nas | |
| mulheres, como os Lacedemónios, apenas se podem conside- | |
| rar meio felizes. | |
| Os elementos da riqueza são a abundância de dinheiro e | |
| terra, a posse de terrenos que sobressaiam pela sua quantida- | |
| de, extensão e beleza, e ainda a posse de móveis, escravos e | |
| gado superiores em número e em beleza, sendo todos estes | |
| bens seguros, dignos de um homem livre e úteis. São úteis | |
| sobretudo os bens produtivos, e dignos de um homem livre os | |
| de mero desfrute. Chamo produtivos aos bens que dão lucro, e | |
| de mero desfrute aqueles que nenhuma utilidade têm que | |
| mereça menção, além do seu uso. Segurança pode definir-se | |
| como posse de bens em lugares e condições cujo uso está nas | |
| nossas mãos; propriedade, como o direito de alienação ou não; | |
| 110 | |
| e por alienação entendo doação ou venda. Em geral, ser rico | |
| consiste mais em usar do que em possuir, pois o exercício e o | |
| uso de tais bens é a riqueza. | |
| A boa reputação consiste em ser considerado por todos | |
| um homem de bem, ou em possuir um bem tal que todos, a | |
| maioria, os bons ou os prudentes o desejam. | |
| A honra é sinal de boa reputação por fazer bem; são jus- | |
| tamente honrados sobretudo os que têm feito o bem, eles e | |
| também o que tem a capacidade de o fazer. A beneficência | |
| refere-se tanto à segurança pessoal e a todas as causas de exis- | |
| tência, como à riqueza, como ainda a qualquer outro bem cuja | |
| aquisição não é fácil, seja em geral, seja num tempo ou num | |
| lugar determinados; porque muitos ganham honras por cau- | |
| sas que parecem pouco importantes, mas isso depende dos lu- | |
| gares e das circunstâncias. As componentes da honra são: os | |
| sacrifícios, as inscrições memoriais em verso e em prosa, os | |
| privilégios, as doações de terras, os principais assentos, os tú- | |
| mulos, as estátuas, os alimentos concedidos pelo Estado; prá- | |
| ticas bárbaras, como a de se prosternar e ceder o lugar; e os | |
| presentes apreciados em cada país. Pois o presente é a dádi- | |
| va de um bem e um sinal de honra; e por isso os desejam | |
| tanto os que ambicionam riqueza como os que perseguem | |
| honras, pois com eles ambos obtêm o que buscam: bens ma- 1361b | |
| teriais, o que desejam os avarentos; e honra, o que buscam os | |
| ambiciosos. | |
| A virtude do corpo é a saúde; e esta consiste em poder | |
| usar o corpo sem enfermidade; pois muitos são saudáveis como | |
| se diz que foi Heródico, a quem ninguém consideraria feliz em | |
| matéria de saúde, uma vez que, [para a manter], tinha de se | |
| abster de todos ou quase todos os prazeres humanos. | |
| A beleza é diferente em cada idade. A beleza do jovem | |
| consiste em ter um corpo capaz de suportar as fadigas, tanto | |
| da corrida como da força, sendo agradável vê-lo em espectá- | |
| culo; por isso, os mais belos são os atletas do pentatlo, porque | |
| por natureza estão igualmente dotados para a força e a veloci- | |
| dade. A beleza do homem maduro consiste na aptidão para os | |
| trabalhos da guerra, e em parecer agradável inspirando temor. | |
| A beleza do velho consiste na suficiência para resistir às fadi- | |
| gas inevitáveis e em estar livre de dores para não sofrer ne- | |
| nhum dos inconvenientes da velhice. | |
| O vigor é a capacidade de mover um outro corpo como | |
| se quer; ora um corpo move-se necessariamente puxando-o, | |
| 111 | |
| empurrando-o, elevando-o, apertando-o ou comprimindo-o, de | |
| maneira que, quem é forte, é-o por poder fazer todas estas | |
| coisas ou algumas delas. | |
| A virtude da grandeza consiste em superar os outros em | |
| altura, extensão e largura, com a reserva de que o excesso não | |
| afrouxe os movimentos. | |
| A virtude agonística do corpo é composta de grandeza, | |
| vigor e rapidez (pois também o rápido é vigoroso); com efeito, | |
| quem puder impulsionar as pernas de uma certa maneira, e | |
| movê-las rápida e agilmente, é dotado para a corrida; quem | |
| puder apertar e conter é apto para a luta; quem conseguir | |
| defender-se a soco está apto para o pugilato; quem puder fa- | |
| zer estes dois exercícios é atleta do pancrácio; e quem os pu- | |
| der fazer todos é atleta do pentatlo. | |
| A boa velhice é uma velhice lenta e sem dor; pois não é | |
| boa velhice a do que envelhece rapidamente, nem a do que | |
| envelhece devagar mas com sofrimento. Ela depende das vir- | |
| tudes do corpo e da sorte, pois quem não é saudável nem forte | |
| não estará livre de sofrimento nem viverá uma vida longa e | |
| sem dor sem a ajuda da sorte. À parte o vigor e a saúde, existe | |
| ainda uma outra faculdade de longevidade, pois muitos têm a | |
| vida longa sem as virtudes do corpo. Mas a minúcia destas | |
| questões em nada seria útil para o presente propósito. | |
| O significado de muitos e bons amigos é fácil de com- | |
| preender a partir da definição de amigo: amigo é aquele que | |
| pratica a favor do outro o que julga que é bom para si. Quem | |
| tem muitos destes tem muitos amigos; e se estes são homens | |
| 1362a virtuosos, tem bons amigos. | |
| A boa sorte consiste na aquisição ou na posse daqueles | |
| bens cuja causa é a fortuna: de todos, da maior parte ou dos | |
| mais importantes. Ora a fortuna é a causa de algumas coisas | |
| que também as artes proporcionam, e de muitas outras que não | |
| dependem das artes como, por exemplo, as que a natureza | |
| dispensa (e também é possível que a fortuna seja contrária à | |
| natureza). Pois a arte é a causa da saúde, mas é a natureza a | |
| causa da beleza e da estatura. Em geral, os bens procedentes | |
| da fortuna são os que provocam a inveja. A fortuna é também | |
| a causa daqueles bens que não têm explicação lógica, como | |
| quando os restantes irmãos são feios e um deles é belo, ou | |
| quando um homem descobriu um tesouro que os outros não | |
| viram, ou quando a flecha atingiu o companheiro do lado e não | |
| o alvo, ou ainda quando um homem que sempre frequentou | |
| 112 | |
| um determinado lugar foi o único que faltou, precisamente no | |
| dia em que outros foram pela primeira vez e nele encontraram | |
| a morte. Todos estes casos parecem ser exemplos de boa sorte. | |
| Quanto à virtude, uma vez que ela é o lugar mais apro- | |
| priado para os elogios, defini-la-emos quando nos ocuparmos | |
| do elogio. | |
| 6 | |
| O OBJECTIVO DA DELIBERAÇÃO: | |
| O BOM E O CONVENIENTE | |
| .ica assim claro que coisas futuras ou presentes se devem | |
| ter em mente na exortação e na dissuasão, pois elas são con- | |
| trárias. Mas como o objectivo do que delibera é o conveniente, | |
| e as pessoas deliberam, não sobre o fim, mas sobre os meios | |
| que a ele conduzem, e como tais meios são o que é convenien- | |
| te sobre as acções e o conveniente é bom, importa dar uma | |
| definição geral dos elementos acerca do bom e do conveniente. | |
| Entendamos por bom o que é digno de ser escolhido em | |
| si e por si, e aquilo em função de que escolhemos outra coisa; | |
| também aquilo a que todos aspiram, tanto os que são dotados | |
| de percepção e razão, como os que puderem alcançar a razão; | |
| tudo o que a razão pode conceder a cada indivíduo, e tudo o | |
| que a razão concede a cada indivíduo em relação a cada coisa, | |
| isso é bom para cada um; e tudo o que, pela sua presença, ou- | |
| torga bem-estar e auto-suficiência; e a própria auto-suficiência; e | |
| o que produz ou conserva esses bens; e aquilo de que tais bens | |
| resultam; e o que impede os seus contrários e os destrói. | |
| As consequências são de dois tipos: simultâneas ou poste- | |
| riores; por exemplo, o conhecimento é posterior à aprendiza- | |
| gem, mas a saúde é simultânea à vida. As causas produtoras | |
| são de três tipos: umas, como o estar são, produzem saúde; ou- | |
| tras, como os alimentos, produzem a saúde; e outras, como o | |
| fazer exercício, dão, em geral, saúde. Estabelecido isto, segue- | |
| -se necessariamente que sejam boas tanto a aquisição de coisas | |
| boas como a perda de coisas más; pois neste caso a consequên- | |
| cia de não ter mais o mal é concomitante, e no primeiro a de | |
| ter o bem é subsequente. O mesmo se aplica à aquisição de um | |
| bem maior em vez de um menor, e de um mal menor em vez | |
| de um maior; pois, naquilo em que o maior excede o menor, 1362b | |
| 113 | |
| nisso está a aquisição de um e a privação do outro. Também | |
| as virtudes são necessariamente um bem; pois é graças a elas | |
| que os que as possuem desfrutam de bem-estar, e além disso | |
| elas são produtoras de bens e de boas acções. Deverá dizer-se | |
| à parte qual é a natureza e a qualidade de cada uma. O pra- | |
| zer também é um bem; pois todos os seres vivos por nature- | |
| za o desejam. De sorte que as coisas agradáveis e as belas são | |
| necessariamente boas; pois as primeiras produzem prazer e, | |
| das belas, umas são agradáveis e outras desejáveis por si | |
| mesmas. | |
| Ora, para as enumerar uma a uma, direi que as seguintes | |
| coisas são necessariamente boas. A felicidade, porque é desejá- | |
| vel em si mesma e auto-suficiente, e porque para a obter esco- | |
| lhemos muitas coisas. A justiça, a coragem, a temperança, a | |
| magnanimidade, a magnificência e outras qualidades semelhan- | |
| tes, porque são virtudes da alma. A saúde, a beleza e outras | |
| semelhantes, porque são virtudes do corpo e produtoras de | |
| muitos bens; por exemplo, a saúde é produtora do prazer e da | |
| vida, e por isso é tida como a melhor de todas, porque é a | |
| causa das duas coisas que a maioria das pessoas mais preza: | |
| o prazer e a vida. A riqueza, porque é a virtude da proprieda- | |
| de e produtora de muitos bens. O amigo e a amizade, porque | |
| também o amigo é desejável em si mesmo e produz muitos | |
| bens. A honra e a glória, porque também elas são agradáveis e | |
| geradoras de muitos bens, e geralmente se fazem acompanhar | |
| da posse daquelas coisas pelas quais se recebem honras. A ca- | |
| pacidade de falar e de agir, porque todas elas são produtoras | |
| de bens. Ainda o talento natural, a memória, a facilidade de | |
| aprender, a vivacidade de espírito e todas as qualidades do | |
| género, porque estas faculdades são produtoras de bens. De | |
| igual modo todas as ciências e as artes. Também a vida, pois | |
| ainda que nenhum outro bem dela resulte, ela é desejável por | |
| si mesma. E a justiça, porque é conveniente para a comunidade. | |
| Estas são, pois, mais ou menos, as coisas geralmente reco- | |
| nhecidas como bens. No caso de bens duvidosos, os silogismos | |
| formam-se das seguintes premissas. É bom aquilo cujo contrá- | |
| rio é mau. Também o contrário do que convém aos inimigos; | |
| por exemplo, se convém muito aos inimigos que sejamos co- | |
| vardes, é claro que a coragem é o que sobretudo convém aos | |
| cidadãos. E, em geral, o que parece conveniente é o contrário | |
| do que os nossos inimigos desejam ou daquilo de que se rego- | |
| zijam. Por isso se disse: «Certamente que Príamo se alegra- | |
| 114 | |
| ria.» 52 Nem sempre é o caso, mas geralmente é assim, pois | |
| nada impede que por vezes uma mesma coisa seja vantajosa | |
| para as duas partes contrárias. Por isso se diz que os males | |
| unem os homens, quando uma mesma coisa é prejudicial a um | |
| e a outro. Também o que não é excessivo é bom, e o que é 1363a | |
| maior do que deveria ser é mau. E igualmente o que causou | |
| muito trabalho ou despesa, pois é já um bem aparente, e o tipo | |
| de bem que se toma como um fim, e fim de muitos esforços; e | |
| o fim é um bem. Donde se disse o seguinte: «Para que Príamo | |
| tenha de que se gloriar» 53, e, «É vergonhoso ficares tanto tem- | |
| po» 54 e também o provérbio, «partir-se o cântaro à porta» 55. | |
| Também é bom o que a maioria deseja e o que parece | |
| digno de ser disputado; pois o que todos desejam é sem dúvi- | |
| da bom, e «a maioria» representa aqui «todos». É igualmente | |
| bom o que é objecto de elogio, visto que ninguém louva o que | |
| não é bom. E também o que os inimigos e os malvados lou- | |
| vam; porque, como todos os outros, eles já o reconhecem se | |
| também reconhecem os que sofrem o dano; pois é pela evidên- | |
| cia que o reconhecerão, como também que são maus os que os | |
| amigos censuram e bons os que os inimigos não censuram. | |
| Razão pela qual os Coríntios se sentiram injuriados por Si- | |
| mónides quando este escreveu: | |
| Ílion não censura os Coríntios. 56 | |
| É bom também aquilo a que uma mulher ou um homem | |
| sensato ou virtuoso deram a sua preferência, como por exem- | |
| plo Atena a Odisseu, Teseu a Helena, as deusas a Alexandre e | |
| Homero a Aquiles. E, em geral, as coisas preferidas são boas. | |
| Ora as pessoas preferem fazer as coisas que referimos: as más | |
| aos seus inimigos, as boas aos seus amigos, e as que são pos- | |
| síveis. Estas, porém, são de dois tipos: coisas que podem acon- | |
| tecer, e coisas que facilmente acontecem. E são fáceis todas as | |
| que se fazem sem esforço ou em pouco tempo; pois a dificul- | |
| 52 Il., 1.255. Dito por Nestor sobre a conveniência para os Troianos | |
| da querela entre Aquiles e Agamémnon. | |
| 53 Il., 2.176. | |
| 54 Il., 2.298. | |
| 55 É difícil precisar o sentido do provérbio. Desconhecido em grego. | |
| 56 .r. 36 Diehl. | |
| 115 | |
| dade define-se pelo esforço ou pela duração do tempo. Tam- | |
| bém o que se faz como se deseja é bom; pois deseja-se o que | |
| não é mau ou um mal menor do que o bem resultante, o que | |
| acontece se ignoramos o castigo ou se este é pequeno. É prefe- | |
| rível também o que é próprio, o que ninguém mais tem e o | |
| que é extraordinário, pois assim é maior a honra. Igualmente o | |
| que se harmoniza com a pessoa; ou seja, o que se lhe adequa | |
| em razão do seu nascimento ou da sua capacidade, e tudo o | |
| que ela pensa que lhe faz falta, por mais pequeno que seja, pois | |
| não deixa de preferir fazê-lo. Igualmente que é de execução | |
| fácil, porque isso é possível pelo facto de ser fácil. Ora são de | |
| fácil execução as coisas que todos, a maior parte, os iguais ou | |
| inferiores, levaram a bom termo. Ainda o que é agradável aos | |
| amigos e odioso aos inimigos. E tudo quanto preferem fazer | |
| os que admiramos. Também aquilo para que somos dotados e | |
| de que temos experiência, pois pensamos que isso será mais | |
| fácil de realizar. E também tudo o que nenhum homem vil | |
| preferiria, pois isso é mais louvável. E tudo o que se deseja, | |
| pois isso parece não só agradável mas também melhor. Acima | |
| de tudo, cada um considera bom aquilo que é objecto do seu | |
| 1363b gosto particular; por exemplo: os que gostam de vencer, se | |
| houver vitória; os que gostam de honras, se houver honra; os | |
| que gostam de dinheiro, se houver dinheiro; e assim por dian- | |
| te. No que respeita ao bom e ao conveniente, estas são as pre- | |
| missas de que se devem tirar as provas. | |
| 7 | |
| GRAUS DO BOM E DO CONVENIENTE | |
| Mas, porque muitas vezes se concorda que duas coisas são | |
| convenientes, e se discorda sobre qual delas o é mais, convirá | |
| em seguida tratar do maior bem e do mais conveniente 57. En- | |
| tendamos, pois, que o excedente é o excedido e algo mais, e que | |
| 57 O tópico do maior e menor em termos de grandeza ou importân- | |
| cia é identificado em I 3 1359a como um argumento comum a todas as | |
| espécies de retórica, análogo às questões de possibilidade ou de facto. | |
| Distingue-se do tópico do mais e menos referido em I 2 1358a, que se aplica | |
| a um argumento particular (cf. G. Kennedy, op. cit., pp. 66-67). | |
| 116 | |
| o excedido está contido no excedente. Maior e mais são sempre | |
| relativos a menos, mas grande e pequeno, muito e pouco são | |
| relativos a uma grandeza média: é grande aquilo que a excede, | |
| e pequeno o que a não atinge; e o mesmo se dirá do muito e do | |
| pouco. Portanto, visto chamarmos bom ao que é preferível em | |
| si e por si, e não por outra coisa, ao que todos os seres desejam | |
| e ao que todo o ser que adquirisse razão e prudência preferiria; | |
| ao que é próprio para produzir e conservar este bem, ou aquilo | |
| a que o bem segue; visto também que aquilo por que se faz algo | |
| é um fim, e o fim é a causa de todo o resto, e que é bom para | |
| cada indivíduo o que relativamente a ele apresenta estas condi- | |
| ções, então o maior número de boas coisas é necessariamente um | |
| bem maior do que uma só coisa ou um número mais pequeno | |
| delas, desde que essa uma ou essas poucas coisas se contem | |
| entre as muitas; pois o maior número excede-as e o que é conti- | |
| do é excedido. E se o máximo de um género excede o máximo | |
| de outro género, o primeiro excede o segundo; e quando o pri- | |
| meiro género é superior ao segundo, o maior do primeiro géne- | |
| ro é superior ao maior do segundo. Por exemplo, se o maior | |
| homem é maior do que a maior mulher, os homens são em ge- | |
| ral maiores do que as mulheres; e se os homens são em abso- | |
| luto maiores do que as mulheres, também o maior homem é | |
| maior do que a maior mulher. Pois a superioridade dos géneros | |
| e a dos seus representantes máximos são análogas. | |
| O mesmo acontece quando um bem é sempre acompanha- | |
| do por outro mas nem sempre o acompanha (a consequência | |
| pode ser concomitante, subsequente ou potencial), pois o uso | |
| da segunda coisa está implícita na primeira. Assim, a vida | |
| acompanha a saúde, mas não a saúde a vida; o conhecimento | |
| acompanha subsequentemente o estudo; e o roubo acompanha | |
| potencialmente o sacrilégio, pois quem comete sacrilégio tam- | |
| bém pode roubar. | |
| As coisas que excedem o que é maior do que algo tam- | |
| bém são maiores do que esse algo, pois são necessariamente | |
| superiores ao maior. E as coisas que produzem um bem maior | |
| são maiores; pois isso era o que entendíamos por causa produ- | |
| tora do maior 58. O mesmo acontece com aquilo cuja causa pro- | |
| dutora é maior; pois se a saúde é preferível ao prazer e um | |
| maior bem, então a saúde é um bem maior do que o prazer. | |
| 58 Vide Retórica I 7, 1363b. | |
| 117 | |
| 1364a E o que é mais desejável em si mesmo é superior ao que o não | |
| é em si; por exemplo, a força é um bem maior que a saúde, pois | |
| esta não é desejável por si mesma, ao passo que a força é, e isso | |
| era o que afirmávamos ser o bem. E se uma coisa é um fim e | |
| outra não, o fim é um maior bem; pois uma é desejável por | |
| causa de outra coisa, e a outra por si mesma; por exemplo, o | |
| exercício físico tem por fim o bem-estar do corpo. Igualmente o | |
| que necessita menos de uma ou várias coisas é um maior bem, | |
| porque é mais auto-suficiente, e ter menos necessidade é preci- | |
| sar de menos coisas ou de coisas mais fáceis. E quando uma | |
| coisa não existe ou não pode existir sem outra, mas esta outra | |
| pode existir sem aquela, a que não precisa da outra é mais auto- | |
| -suficiente e, por conseguinte, parece ser um maior bem. Se uma | |
| coisa é princípio e outra não, ela é maior. E se uma coisa é cau- | |
| sa e outra não, ela é maior pela mesma razão; pois sem causa | |
| ou princípio é impossível que uma coisa exista ou venha a exis- | |
| tir 59. Se há dois princípios, a que procede do maior princípio é | |
| maior; e se há duas causas, a que procede da maior causa é | |
| maior. E, inversamente, havendo dois princípios, o princípio da | |
| maior é maior; e havendo duas causas, a causa da maior é maior. | |
| .ica, pois, claro pelo que se disse que uma coisa pode ser maior | |
| em dois sentidos; porque, se uma coisa é princípio e outra não, | |
| a primeira parece ser maior, e igualmente se uma não é princí- | |
| pio mas fim, mas a outra o é; pois o fim é maior, e não o prin- | |
| cípio; como Leódamas disse, acusando Calístrato, que o que | |
| aconselhou cometeu mais injustiça do que o que realizou a ac- | |
| ção, pois não teria havido acção se não tivesse havido quem a | |
| aconselhasse. Inversamente, acusando Cábrias, declarou que o | |
| que tinha executado a acção era mais culpado do que aquele que | |
| a tinha aconselhado; porque a acção não teria sido praticada se | |
| não tivesse havido quem a executasse; pois por esta razão se | |
| aconselha, para que se executem os actos. | |
| O que é raro é também maior do que o abundante. Como | |
| o ouro em relação ao ferro, embora seja menos útil; pois a sua | |
| 59 Na Metaph. V 1 Aristóteles regista sete significados da palavra | |
| ¢rc», dizendo contudo que todos têm a propriedade comum de ser «o | |
| ponto de partida» de qualquer coisa que existe ou se conhece. Todas as | |
| causas são ¢rca, mas nem todas as ¢rca são causas: a quilha de um | |
| navio, por exemplo, ou o alicerce da uma casa (cf. G. Kennedy, op. cit., | |
| p. 69, n. 132). | |
| 118 | |
| posse constitui um maior bem, por ser de mais difícil aquisi- | |
| ção. Mas, de um outro modo, o abundante é preferível ao raro, | |
| porque a sua utilidade é maior, pois «muitas vezes» excede | |
| «poucas»; donde se diz, o melhor é a água 60. | |
| Em geral, o mais difícil é maior que o mais fácil, pois é | |
| mais raro. Mas, de outro modo, o mais fácil é maior que o mais | |
| difícil, pois corresponde ao que desejamos. É também mais | |
| importante aquilo cujo contrário é maior e cuja privação é | |
| maior. A virtude supera o que não é virtude, e o vício o que | |
| não é vício, pois as virtudes e os vícios são fins e os contrários | |
| não. E aquelas coisas cujas obras são mais nobres e mais feias | |
| são também maiores, e as obras daquelas coisas cujos vícios e | |
| cujas virtudes são maiores serão também maiores, pois tal | |
| como são as causas e os princípios assim são os efeitos, e tal | |
| como são os efeitos assim são também as causas e os princí- | |
| pios. Coisas cuja superioridade é mais desejável e mais bela são | |
| também preferíveis; por exemplo: é preferível ter acuidade vi- | |
| sual a ter a olfactiva, pois a visão é melhor do que o olfacto. | |
| É mais belo amar mais os amigos do que o dinheiro, de sorte 1364b | |
| que o amor aos amigos é mais belo do que o amor ao dinhei- | |
| ro. Inversamente, o excesso das coisas melhores é melhor, e o | |
| das coisas mais belas, mais belo. Igualmente, as coisas cujos de- | |
| sejos 61 são mais belos ou melhores; pois os maiores apetites são | |
| os dos objectos maiores; e os desejos dos objectos mais belos | |
| ou melhores são, pela mesma razão, melhores e mais belos. | |
| E quanto mais belas e virtuosas são as ciências, tanto mais | |
| belos e virtuosos são os seus objectos; pois, assim como é a | |
| ciência, assim é a verdade, e cada ciência é soberana no seu | |
| próprio domínio. E as ciências das coisas mais virtuosas e be- | |
| las são análogas pelas mesmas razões. E o que as pessoas sen- | |
| satas todas, muitas, a maioria, ou as mais qualificadas | |
| julgariam ou têm julgado como um bem ou um bem maior, é- | |
| -o necessariamente assim, ou em absoluto ou na medida da | |
| sensatez com que emitiram o seu juízo. Mas isto é comum tam- | |
| bém às outras coisas; pois a substância, a quantidade e a qua- | |
| lidade de uma coisa são como as podem definir a ciência e a | |
| 60 Píndaro, O., 1.1. | |
| 61 !Epiquma é o desejo que nasce dos apetites, o desejo concupis- | |
| cente, por relação a boÚlhsij ou desejo intencional. | |
| 119 | |
| sensatez. Mas nós temo-lo dito a respeito dos bens, pois defini- | |
| mos como bem o que cada um escolheria para si se fosse sen- | |
| sato. É, pois, claro que é maior o que a sensatez aconselha mais. | |
| É preferível também o que existe nos melhores, ou em absolu- | |
| to, ou na medida em que são melhores; por exemplo, a cora- | |
| gem é melhor do que a força. De igual modo o que escolheria | |
| o melhor, ou absolutamente ou na medida em que é melhor; | |
| por exemplo, sofrer a injustiça mais do que cometê-la 62, pois | |
| isso é o que escolheria o mais justo. E o que é mais agradável | |
| é maior que o menos agradável; pois todos os seres buscam o | |
| prazer e por ele se deixam seduzir; e estes são os critérios pe- | |
| los quais temos definido o bem e o fim. É mais agradável o | |
| prazer menos doloroso e o que dura mais tempo. E também o | |
| mais belo que o menos belo; pois o belo é o agradável ou o | |
| desejável em si mesmo. E todas as coisas de que os homens | |
| mais desejam ser autores, quer para si mesmos quer para os | |
| amigos, são bens maiores, e são maiores males aquelas coisas | |
| de que eles menos o desejam. E as coisas mais duráveis são | |
| melhores que as menos duráveis, e as mais seguras que as | |
| menos seguras; porque o uso das primeiras é superior em tem- | |
| po, e o das segundas em desejo; pois podemos fazer um maior | |
| uso de coisas que são seguras quando as desejamos. | |
| E assim como se seguem as correlações de termos e as for- | |
| mas de flexão semelhantes, seguem-se também as demais coi- | |
| sas; por exemplo, se «corajosamente» é mais belo e preferível a | |
| «temperadamente», a coragem é também preferível à tempe- | |
| rança, e ser corajoso a ser temperado. E o que todos preferem | |
| é melhor do que o que nem todos preferem; e o que a maioria | |
| prefere é melhor do que o que prefere a minoria; pois, como | |
| 1365a dissemos, o bem é o que todos desejam, de sorte que será | |
| maior bem o que mais se deseja. Também o que preferem os | |
| oponentes, ou os inimigos, ou os juízes ou aqueles a quem estes | |
| julgam; pois, num caso é, por assim dizer, o veredicto de todo | |
| o povo, no outro, o das autoridades e dos competentes. Umas | |
| vezes é maior bem aquilo de que todos participam, pois seria | |
| uma desonra não participar; mas outras é aquilo de que nin- | |
| guém ou muito poucos participam, pois é mais raro. Também | |
| as coisas mais dignas de elogio, porque são mais belas. E de | |
| igual modo aquelas cujas honras são maiores, pois a honra é | |
| 62 Vide Górgias, 469c2. | |
| 120 | |
| uma espécie de recompensa pelo mérito. E aquelas cujas penas | |
| são maiores. E as que são maiores do que as que se reconhe- | |
| cem como grandes ou o parecem. Também as mesmas coisas | |
| parecem maiores quando divididas em partes; pois parecem su- | |
| periores a um maior número de coisas. Pelo que também diz o | |
| poeta que as seguintes palavras persuadiram Meléagro a | |
| levantar-se para lutar: | |
| Quantos males sobrevêm aos homens cuja cidade é to- | |
| mada; o povo perece, o fogo destrói a cidade, e estranhos | |
| levam os filhos. 63 | |
| A combinação e acumulação, como em Epicarmo, produ- | |
| zem o mesmo efeito, pela mesma razão que a divisão (pois a | |
| combinação mostra grande superioridade) e porque isso pare- | |
| ce ser a origem e a causa de grandes coisas. E porque o mais | |
| difícil de obter e o mais raro é maior, também as ocasiões, as | |
| idades, os lugares, os tempos e as faculdades engrandecem as | |
| coisas. Pois se uma pessoa faz coisas acima da sua capacidade, | |
| da sua idade, e do que os seus semelhantes podem fazer, e se | |
| essas coisas se fazem de tal maneira, em tal lugar ou em tal | |
| tempo, terão a grandeza das coisas belas, boas e justas, e dos | |
| seus contrários; donde o epigrama ao vencedor olímpico: | |
| Antes, levando aos ombros um duro jugo, transpor- | |
| tava peixe de Agros para Tegeia. 64 | |
| E Ifícrates louvava-se a si mesmo dizendo donde tinha | |
| chegado a tão alto. Também o que é natural é maior do que o | |
| adquirido, porque é mais difícil. Donde também diz o poeta: | |
| Eu sou o meu próprio mestre. 65 | |
| E a maior parte do grande é também mais desejável; como | |
| Péricles disse, na sua oração fúnebre, que a juventude fora ar- | |
| rebatada da cidade como se do ano se tivesse arrancado a Pri- | |
| mavera. Também o que é útil em situações de maior necessi- | |
| 63 Il., 9.592-594. | |
| 64 Simónides, fr. 110 Diehl. | |
| 65 Od., 22.347. | |
| 121 | |
| dade; por exemplo, na velhice e nas enfermidades. E, de duas | |
| coisas, é preferível a que está mais próxima do seu fim. Tam- | |
| bém a que é útil a uma pessoa é preferível à que é útil em | |
| absoluto. E a que é possível é preferível à impossível, pois uma | |
| é-nos útil e a outra não. Também as coisas que pertencem ao | |
| fim da vida; pois são mais fins as que estão próximas do fim. | |
| E as que são conformes à verdade são preferíveis às que são | |
| 1365b conformes à opinião. O que é conforme à opinião define-se | |
| como aquilo que não se escolheria se devesse ficar oculto. | |
| E por isso poderia parecer que é preferível receber um benefí- | |
| cio a fazê-lo; pois escolher-se-ia o primeiro ainda que passasse | |
| despercebido, mas parece que não se escolheria fazer o benefí- | |
| cio se ele ficasse oculto. São preferíveis também aquelas coisas | |
| que se querem mais em realidade do que na aparência, porque | |
| estão mais próximas da verdade. E por isso se diz que a jus- | |
| tiça tem pouco valor, porque nela o parecer é preferível ao ser. | |
| Não é esse, porém, o caso da saúde. Prefere-se também o que | |
| é mais útil sob múltiplos aspectos; por exemplo, o que é mais | |
| útil para viver, viver bem, sentir prazer, e praticar belas acções. | |
| Por isso, a riqueza e a saúde parecem ser os maiores bens; pois | |
| têm todas estas qualidades. E o que é menos doloroso e é | |
| acompanhado de prazer é um maior bem; pois é mais do que | |
| um bem, uma vez que o prazer e a ausência de dor são ambos | |
| bens. E, de dois bens, o maior é o que, acrescentado ao mes- | |
| mo, faz o todo maior. E as coisas cuja presença não passa des- | |
| percebida são maiores do que aquelas em que passa, pois | |
| aproximam-se mais da verdade. Por isso, ser rico parecerá ser | |
| um maior bem do que aparentá-lo. E o que é muito apreciado, | |
| ou porque é único, ou porque é acompanhado por outras coi- | |
| sas, é um maior bem. Por isso a pena não é igual se alguém | |
| tira um olho a quem só tem um, ou o tira a quem tem os dois, | |
| pois aquele se priva do que mais aprecia. | |
| Temos até aqui enumerado quase todas as premissas de | |
| que é necessário tirar as provas para aconselhar e dissuadir. | |
| 8 | |
| SOBRE AS .ORMAS DE GOVERNO | |
| O maior e mais eficaz de todos os meios para se poder | |
| persuadir e aconselhar bem é compreender as distintas formas | |
| 122 | |
| de governo, e distinguir os seus caracteres 66, instituições e in- | |
| teresses particulares. Pois todos se deixam persuadir pelo que | |
| é conveniente, e o que preserva o Estado é conveniente 67. Além | |
| disso, é soberana a manifestação do soberano, e as manifesta- | |
| ções de soberania variam consoante as formas de governo; pois, | |
| quantas são as formas de governo, tantas são também as ma- | |
| nifestações de soberania. São quatro as formas de governo: | |
| democracia, oligarquia, aristocracia e monarquia; de sorte que | |
| o poder soberano e o de decisão está sempre em parte dos ci- | |
| dadãos ou no seu todo. A democracia é uma forma de gover- | |
| no em que as magistraturas se repartem por sorte 68. A oligar- | |
| quia é uma forma de governo em que elas se atribuem segundo | |
| o censo. A aristocracia é uma forma de governo em que elas se | |
| atribuem com base na educação. Chamo educação à que é | |
| estatuída pela lei, pois os que permanecem fieis às leis são os | |
| que governam na aristocracia; eles parecem necessariamente os | |
| melhores, e é daí que esta forma de governo recebeu o nome. | |
| A monarquia é, como o nome indica, a forma de governo em | |
| que um só é senhor de todos; e, de entre as monarquias, a que 1366a | |
| exerce o poder sujeita a uma certa ordem é reino, e a que o | |
| exerce sem limites é tirania. | |
| Não se deve ignorar o fim de cada uma destas formas de | |
| governo, pois as coisas escolhem-se em função do seu fim. Ora | |
| o fim da democracia é a liberdade, o da oligarquia a riqueza, o | |
| 66 O texto de W. D. Ross, na edição de Oxford, regista a lição | |
| ½qh (sicut A), em vez de qh (QP e G) adoptada por Spengel, Cope e | |
| Tovar. Esta leitura, como diz Racionero, favorece toda a argumenta- | |
| ção de 1366a8-16, «con el expreso paralelismo ½qh tîn politewn de | |
| 1366a12» (Retórica, Introducción, traducción y notas, Madrid, Gredos, | |
| 1990, p. 236). | |
| 67 É com este enquadramento político do «conveniente» que Aristó- | |
| teles encerra o estudo da oratória deliberativa. E compreende-se, porque, | |
| como assinala Quintín Racionero, Aristóteles confirma e amplia progres- | |
| sivamente na sua obra a tese «de la subordinación de las reflexiones so- | |
| bre la praxis al marco del saber político: vid. Ethica Nicomachea 1. 2 y 8.9, | |
| esp. 1160a10-30» (Retórica, Introducción, traducción y notas, Madrid, Gre- | |
| dos, 1990, pp. 236-238, n. 208). | |
| 68 .orma característica de eleição nas democracias mais radicais da | |
| Grécia, incluindo a de Atenas. Resulta da compreensão de que todos os | |
| cidadãos são iguais e igualmente qualificados para participar no governo | |
| da cidade. | |
| 123 | |
| da aristocracia a educação e as leis, e o da tirania a defesa | |
| pessoal. Torna-se, portanto, claro que é em relação ao fim de | |
| cada uma destas formas de governo que se devem distinguir | |
| os hábitos, as instituições e os interesses, visto que é em rela- | |
| ção ao fim que a escolha se faz. Ora, como as provas por per- | |
| suasão não só procedem do discurso epidíctico mas também | |
| do ético (pois depositamos confiança no orador na medida em | |
| que ele exibe certas qualidades, isto é, se nos parece que é | |
| bom, bem disposto ou ambas as coisas), será necessário que | |
| dominemos os caracteres de cada forma de governo; pois o | |
| carácter de cada uma dessas formas é necessariamente o ele- | |
| mento mais persuasivo em cada uma delas. E estes caracteres | |
| conhecer-se-ão pelos mesmos meios; pois os caracteres ma- | |
| nifestam-se segundo a intenção e a intenção é dirigida para | |
| um fim. | |
| Acabam de ser referidos, na medida que convém ao as- | |
| sunto na presente ocasião, os fins futuros ou actuais a que | |
| devem chegar os que aconselham, as premissas de que eles | |
| devem tirar as provas por persuasão sobre o que convém, bem | |
| como o modo e os meios de obter conhecimento sobre os ca- | |
| racteres e instituições de cada forma de governo; pois este as- | |
| sunto discutiu-se em pormenor na Política. | |
| 9 | |
| A RETÓRICA EPIDÍCTICA | |
| Depois disto, falemos da virtude e do vício, do belo e | |
| do vergonhoso; pois estes são os objectivos de quem elogia | |
| ou censura. Com efeito, sucederá que, ao mesmo tempo que | |
| falarmos destas questões, estaremos também a mostrar aque- | |
| les meios pelos quais deveremos ser considerados como pes- | |
| soas de um certo carácter. Esta era a segunda prova; pois é | |
| pelos mesmos meios que poderemos inspirar confiança em | |
| nós próprios e nos outros no que respeita à virtude. Mas, | |
| como muitas vezes acontece que, por brincadeira ou a sério, | |
| louvamos não só um homem ou um deus mas até seres ina- | |
| nimados ou qualquer animal que se apresente, devemos de | |
| igual modo prover-nos de premissas sobre estes assuntos. | |
| .alemos, portanto, também delas, pelo menos a título de | |
| exemplo. | |
| 124 | |
| Pois bem, o belo 69 é o que, sendo preferível por si mes- | |
| mo, é digno de louvor; ou o que, sendo bom, é agradável por- | |
| que é bom. E se isto é belo, então a virtude é necessariamente | |
| bela; pois, sendo boa, é digna de louvor. A virtude é, como | |
| parece, o poder de produzir e conservar os bens, a faculdade | |
| de prestar muitos e relevantes serviços de toda a sorte e em | |
| todos os casos. Os elementos da virtude são a justiça, a cora- 1366b | |
| gem, a temperança, a magnificência, a magnanimidade, a libe- | |
| ralidade, a mansidão, a prudência e a sabedoria. As maiores | |
| virtudes são necessariamente as que são mais úteis aos outros, | |
| posto que a virtude é a faculdade de fazer o bem. Por esta | |
| razão se honram sobretudo os justos e os corajosos; pois a vir- | |
| tude destes é útil aos demais na guerra, e a daqueles é útil | |
| também na paz. Segue-se a liberalidade; pois os liberais são | |
| generosos e não disputam sobre as riquezas, que é o que mais | |
| cobiçam os outros. A justiça é a virtude pela qual cada um | |
| possui os seus bens em conformidade com a lei; e a injustiça é | |
| o vício pelo qual retém o que é dos outros, contrariamente à | |
| lei. A coragem é a virtude pela qual se realizam belas acções | |
| no meio do perigo, como ordena a lei e em obediência à lei; o | |
| contrário é covardia. A temperança é a virtude pela qual uma | |
| pessoa se conduz como a lei manda em relação aos prazeres | |
| do corpo. O contrário é a intemperança. A liberalidade é a vir- | |
| tude de fazer bem com o dinheiro. A avareza é o contrário. | |
| A magnanimidade é uma virtude produtiva de grandes bene- | |
| fícios; a mesquinhez, o seu contrário. A magnificência é a vir- | |
| tude de fazer coisas grandes e custosas; a mesquinhez e a mi- | |
| séria, os seus contrários. A prudência é a virtude da inteligência | |
| mediante a qual se pode deliberar adequadamente sobre os | |
| bens e os males de que falámos em relação à felicidade. | |
| Sobre a virtude e o vício em geral, bem como sobre as suas | |
| partes, chega de momento o que dissemos. Quanto ao resto, | |
| não é difícil de ver; pois é evidente que tudo o que produz a | |
| virtude é necessariamente belo (porque tende para a virtude), | |
| assim como é belo o que procede da virtude; e são estes os | |
| sinais e as obras da virtude. Mas como são belos os sinais de | |
| virtude e todas as coisas que são obras ou experiências de um | |
| 69 Este capítulo ocupa-se das virtudes e do conceito de tÕ kalÒn, «o | |
| belo», «o nobre» e seu contrário «o feio», «o vergonhoso», como funda- | |
| mentos de elogio e censura na retórica epidíctica. | |
| 125 | |
| homem bom, segue-se necessariamente que todas as obras ou | |
| sinais de coragem e todos os actos corajosamente praticados são | |
| igualmente belos; também as coisas justas e as obras feitas com | |
| justiça são belas (mas não as justamente sofridas, pois esta é a | |
| única virtude em que nem sempre é belo o que se faz com | |
| justiça, antes é mais vergonhoso ser castigado justa do que in- | |
| justamente). E o mesmo acontece com as demais virtudes. Tam- | |
| bém são belas todas as coisas cujo prémio é a honra; e as que | |
| visam mais a honra do que o dinheiro. Igualmente as coisas | |
| desejáveis que uma pessoa não faz por amor de si mesma; | |
| coisas que são absolutamente boas, como as que uma pessoa | |
| fez pela sua pátria, descuidando embora o seu próprio interes- | |
| se; coisas que são boas por natureza; e as que são boas, embo- | |
| ra o não sejam para o próprio, pois estas últimas sê-lo-iam por | |
| 1367a egoísmo; são belas as coisas que é possível ter depois da morte | |
| mais do que durante a vida; pois o que se faz em vida tem um | |
| fim mais interesseiro. Também todas as obras que se fazem em | |
| benefício dos outros, pois são mais desinteressadas; e todos os | |
| êxitos obtidos para outros, mas não para o próprio; nomeada- | |
| mente para os benfeitores, porque isso é justo. E os actos de | |
| beneficência, pois são desinteressados. Também o contrário | |
| daquelas coisas de que nos envergonhamos; pois envergonha- | |
| mo-nos de palavras, acções e intenções vergonhosas, como tam- | |
| bém Safo que, ao dizer-lhe Alceu, «Quero dizer algo, mas a | |
| vergonha mo impede» 70, escreveu: | |
| Se tivesses o desejo de coisas boas e belas, e a tua lín- | |
| gua se não movesse para dizer alguma inconveniência, a | |
| vergonha não te dominaria os olhos, antes falarias do que | |
| é justo. 71 | |
| Também são belas as coisas pelas quais o homem luta sem | |
| temor; pois, no que toca aos bens que conduzem à glória, é isso | |
| que lhe sucede. E são mais belas as virtudes e as acções das | |
| pessoas que são mais distintas por natureza como, por exem- | |
| plo, as do homem mais do que as da mulher. Também aquelas | |
| que são mais proveitosas para os outros do que para nós; por | |
| isso o justo e a justiça são coisas belas. Vingar-se dos inimigos | |
| 70 Cf. Anth. lyr. Bergk-Hiller, fr. 42. | |
| 71 Cf. Safo, fr. 138 Campbell. | |
| 126 | |
| é mais belo do que reconciliar-se com eles 72, pois é justo pagar | |
| com a mesma moeda, e o que é justo é belo, e é próprio do | |
| homem corajoso não se deixar vencer. Também a vitória e a | |
| honra se contam entre as coisas belas, pois são preferíveis | |
| mesmo que infrutíferas e manifestam superioridade de virtu- | |
| de. Belos são ainda os actos memoráveis, e tanto mais belos | |
| quanto mais durável for a memória deles. Também os que nos | |
| seguem depois da morte, os que a honra acompanha, os que | |
| são extraordinários, e os que a um só pertencem são mais be- | |
| los, porque mais memoráveis. Ainda os bens improdutivos, | |
| pois são mais próprios de um homem livre. São belos também | |
| os usos característicos de cada povo, e tudo o que em cada um | |
| deles é sinal de elogio; por exemplo, entre os Lacedemónios é | |
| belo usar o cabelo comprido, pois isso é sinal de um homem | |
| livre, e não é fácil fazer um trabalho servil quando se tem o | |
| cabelo comprido. É igualmente belo não exercer nenhum ofício | |
| vulgar, pois é próprio de um homem livre não viver na depen- | |
| dência de outrem. | |
| No que concerne ao elogio e à censura, devemos assumir | |
| como idênticas às qualidades existentes aquelas que lhes estão | |
| próximas; por exemplo, que o homem cauteloso é reservado e | |
| calculista, que o simples é honesto, e o insensível é calmo; e, | |
| em cada caso, tirar proveito destas qualidades semelhantes | |
| sempre no sentido mais favorável; por exemplo, apresentar o | |
| colérico e furioso como franco, o arrogante como magnificente | |
| e digno, e os que mostram algum tipo de excesso como se 1367b | |
| possuíssem as correspondentes virtudes; por exemplo, o teme- | |
| rário como corajoso e o pródigo como liberal; pois assim o | |
| parecerá à maioria, e ao mesmo tempo se pode deduzir um | |
| paralogismo 73 a partir da causa; pois, se uma pessoa se expõe | |
| ao perigo sem necessidade, parecerá muito mais disposta a | |
| fazê-lo quando o perigo for belo e, se for generosa com os que | |
| por acaso encontra, também o será com os amigos; pois é ex- | |
| cesso de virtude fazer bem a todos. Importa também ter em | |
| conta as pessoas ante as quais se faz o elogio; pois, como | |
| Sócrates dizia, não é difícil elogiar atenienses na presença de | |
| atenienses. Convém ainda falar do que é realmente honroso em | |
| 72 Pois, segundo a Retórica I 9, 1366b, é justo que a cada um se dê o | |
| que lhe é devido. | |
| 73 Argumento falacioso. | |
| 127 | |
| cada auditório; por exemplo, entre os Citas, os Lacedemónios | |
| ou os filósofos. E, de um modo geral, o que é honroso deverá | |
| ser classificado como belo, já que, segundo parece, o honroso e | |
| o belo são semelhantes. E todas as acções que são como con- | |
| vém são belas; como, por exemplo, as que são dignas dos an- | |
| tepassados ou de feitos anteriores; pois adquirir mais honra | |
| conduz à felicidade e é belo. Também se se ultrapassa o que | |
| convém para algo melhor e mais belo; como, por exemplo, se | |
| alguém é moderado na ventura, e magnânimo na desventura, | |
| ou se se revela melhor e mais conciliador à medida que se ele- | |
| va. .oi esse o sentido da palavra de Ifícrates, «donde eu parti e | |
| a que cheguei!»; e do vencedor olímpico, «Antes suportando sobre | |
| os meus ombros um duro» 74; e de Simónides, «Ela, cujo pai, ma- | |
| rido e irmãos foram tiranos» 75. | |
| Ora, como o elogio se faz de acções e é próprio do ho- | |
| mem honesto agir por escolha, é preciso empenharmo-nos em | |
| demonstrar que ele agiu por escolha. É igualmente útil mos- | |
| trar que agiu assim muitas vezes. Por isso, também as coinci- | |
| dências e as causalidades se devem entender como actos inten- | |
| cionais; pois se se produzirem muitas acções semelhantes, | |
| parecerá que elas são sinais de virtude e de intenção. | |
| O elogio 76 é um discurso que manifesta a grandeza de | |
| uma virtude. É, por conseguinte, necessário mostrar que as | |
| acções são virtuosas. Mas o encómio refere-se às obras (e as | |
| circunstâncias que as rodeiam concorrem para a prova, como, | |
| por exemplo, a nobreza e a educação; pois é provável que de | |
| bons pais nasçam bons filhos, e que o carácter corresponda à | |
| educação recebida). E por isso fazemos o encómio de quem | |
| 74 Simónides, fr. 110 Diehl. | |
| 75 Ibidem, fr. 85 Diehl. | |
| 76 A distinção entre elogio e encómio encontra-se igualmente na | |
| Ethica Eudemia II 1, 1219b8, e na Ethica Nicomachea I 2, 1101b31-34, se bem | |
| que com base em critérios distintos. No primeiro passo, gkèmion é a nar- | |
| ração de obras particulares, e painoj a de uma distinção da carácter ge- | |
| ral. Mas, no segundo, painoj e gkèmion são termos usados para explicar | |
| que elogiamos por acções e por obras, remetendo-se o elogio especifica- | |
| mente à virtude das acções, e o encómio à das obras. No uso corrente da | |
| língua grega, painoj é um termo geral para elogio ou louvor, e assim | |
| usado em muitos contextos; ao passo que gkèmion se assume geralmente | |
| como género retórico. | |
| 128 | |
| realizou algo. As obras são sinais do carácter habitual de uma | |
| pessoa; pois elogiaríamos até quem nenhuma fez, se estivésse- | |
| mos convencidos de que era capaz de a fazer. A bênção e a | |
| felicitação são idênticas uma à outra, não são, porém, o mes- | |
| mo que o elogio e o encómio. Mas, como a felicidade engloba | |
| a virtude, também a felicitação engloba estes 77. | |
| O elogio e os conselhos 78 pertencem a uma espécie co- | |
| mum; pois o que se pode sugerir no conselho torna-se encómio | |
| quando se muda a forma de expressão. Quando, portanto, sa- 1368a | |
| bemos o que devemos fazer e como devemos ser, basta que, | |
| para estabelecer isso como conselho, se mude a forma de ex- | |
| pressão e se dê a volta à frase; dizendo, por exemplo, que | |
| importa não nos orgulharmos do que devemos à fortuna, mas | |
| só do que devemos a nós mesmos. Dito assim, tem a força de | |
| um conselho; mas, expresso como elogio, será: ele não se sente | |
| orgulhoso do que deve à fortuna, mas apenas do que deve a si | |
| próprio. De sorte que, quando quiseres elogiar, olha para o | |
| conselho que se poderá dar; e quando quiseres dar um conse- | |
| lho, olha para o que se pode elogiar. A forma de expressão será | |
| necessariamente contrária quando a proibição se transforma em | |
| não-proibição. | |
| Devemos igualmente empregar muitos meios de amplifi- | |
| cação 79; por exemplo, se um homem agiu só, ou em primeiro | |
| lugar, ou com poucas pessoas, ou se teve a parte mais relevan- | |
| te na acção; pois todas estas circunstâncias são belas. Também | |
| as derivadas dos tempos e das ocasiões, em especial as que | |
| superam a nossa expectação. Também se um homem teve | |
| muitas vezes sucesso na mesma coisa; pois esta é grande e | |
| parecerá devida, não à fortuna, mas a si próprio. Ainda se es- | |
| tímulos e honras foram inventados e estabelecidos por sua cau- | |
| sa; e se ele foi o primeiro a receber um encómio, como Hipó- | |
| loco, ou lhe foi erguida uma estátua na praça pública, como a | |
| 77 Por relação com «elogio» e «encómio», a «bênção» e a «felicitação» | |
| referem-se a uma forma mais elevada de louvor, o qual implica o elogio | |
| e o encómio, e se reserva tanto aos seres divinos como aos humanos que | |
| mais se aproximam dos deuses (Ethica Nicomachea I 2, 1101b31-34). | |
| 78 O termo Øpoq»kh deve entender-se como sinónimo de sumboul», | |
| «conselho». | |
| 79 A aÜxhsij, amplificação, é especialmente característica do género | |
| epidíctico. | |
| 129 | |
| Harmódio e Aristogíton. Semelhantemente também nos casos | |
| contrários. E se nele não se encontrar matéria suficiente para o | |
| elogio, é necessário compará-lo com outros, como o fazia Isó- | |
| crates, por não estar habituado à oratória judicial. Deve-se, | |
| porém, comparar com pessoas de renome, pois resulta amplifi- | |
| cado e belo se se mostrar melhor que os virtuosos. | |
| A amplificação enquadra-se logicamente nas formas de | |
| elogio, pois consiste em superioridade, e a superioridade é uma | |
| das coisas belas. Pelo que, se não é possível comparar alguém | |
| com pessoas de renome, é pelo menos necessário compará-lo | |
| com as outras pessoas, visto que a superioridade parece reve- | |
| lar a virtude. Entre as espécies comuns a todos os discursos, a | |
| amplificação é, em geral, a mais apropriada aos epidícticos; | |
| pois estes tomam em consideração as acções por todos aceites, | |
| de sorte que apenas resta revesti-las de grandeza e de beleza. | |
| Os exemplos, por seu turno, são mais apropriados aos discur- | |
| sos deliberativos; pois é com base no passado que adivinha- | |
| mos e julgamos o futuro. E os entimemas convêm mais aos | |
| discursos judiciais; pois o que se passou, por ser obscuro, re- | |
| quer sobretudo causa e demonstração. | |
| .icam assim referidas as fontes de quase todos os elogios | |
| e censuras, os elementos a ter em vista quando importa elogiar | |
| e censurar, e as fontes dos encómios e das invectivas; pois, | |
| adquiridas estas noções, são evidentes os seus contrários; por- | |
| que a censura deriva dos contrários. | |
| 10 | |
| RETÓRICA JUDICIAL: A INJUSTIÇA E SUAS CAUSAS | |
| 1368b No que respeita à acusação e à defesa, poderemos em se- | |
| guida falar do número e da qualidade das premissas de que se | |
| devem construir os silogismos. Importa considerar três coisas: | |
| primeiro, a natureza e o número das razões pelas quais se co- | |
| mete injustiça; segundo, a disposição dos que a cometem; ter- | |
| ceiro, o carácter e a disposição dos que a sofrem. .alaremos | |
| ordenadamente destas questões, depois de haver definido o que | |
| é cometer uma injustiça. Entendamos por cometer injustiça cau- | |
| sar dano voluntariamente em violação da lei. Ora a lei ou é | |
| particular ou comum. Chamo particular à lei escrita pela qual | |
| se rege cada cidade; e comuns, às leis não escritas, sobre as | |
| 130 | |
| quais parece haver uma acordo unânime entre todos. As pes- | |
| soas agem voluntariamente quando sabem o que fazem, e não | |
| são forçadas. Ora os actos voluntários nem sempre se fazem | |
| premeditadamente; mas todos os actos premeditados se fazem | |
| com conhecimento, pois ninguém ignora o que decide fazer. Os | |
| motivos pelos quais premeditadamente se causa dano e proce- | |
| de mal em violação da lei são a maldade e a intemperança; | |
| pois, se algumas pessoas têm um ou mais vícios, naquilo em | |
| que são viciosas são também injustas; por exemplo, o avarento | |
| em relação ao dinheiro, o licencioso em relação aos prazeres | |
| do corpo, o efeminado em relação à indolência, o covarde em | |
| relação aos perigos (pois os covardes abandonam por medo os | |
| seus companheiros no perigo), o ambicioso pelo seu desejo de | |
| honra, o colérico pela ira, o amante de triunfo pela vitória, o | |
| rancoroso pelo desejo de vingança, o insensato por confundir | |
| o justo e o injusto, e o insolente pelo desprezo da opinião dos | |
| outros. E semelhantemente com os demais, cada um em rela- | |
| ção ao objecto do seu vício. | |
| Mas o que se refere a isto é claro, em parte pelo que dis- | |
| semos sobre as virtudes, e em parte pelo que diremos sobre as | |
| paixões. Resta-nos, porém, dizer por que causa se comete in- | |
| justiça, com que disposição e contra quem. Primeiro, distinga- | |
| mos o que nos propomos alcançar ou evitar quando tentamos | |
| cometer injustiça; pois é evidente que o acusador deve exami- | |
| nar o número e a natureza das coisas que existem no adversá- | |
| rio, e todos desejam quando fazem mal ao próximo, e o defen- | |
| sor deve examinar a natureza e o número das que nele não | |
| existem. Ora todos fazem tudo, umas vezes não por iniciativa | |
| própria, outras vezes por iniciativa própria. Das coisas não fei- | |
| tas por iniciativa própria, umas fazem-se ao acaso, outras por | |
| necessidade; e das que se fazem por necessidade, umas são por | |
| coacção, outras por natureza. De sorte que todas as coisas que | |
| se não fazem por iniciativa própria são resultado do acaso, da | |
| natureza ou da coacção. Mas as que se fazem por iniciativa 1369a | |
| própria e de que os próprios são autores, umas fazem-se por | |
| hábito, outras por desejo, umas vezes pelo desejo racional, | |
| outras vezes pelo irracional. A vontade é um desejo racional | |
| do bem, pois ninguém quer algo senão quando crê que é bom; | |
| mas a ira e a concupiscência são desejos irracionais. De manei- | |
| ra que tudo quanto se faz, necessariamente se faz por sete cau- | |
| sas: acaso, natureza, coacção, hábito, razão, ira e concupiscên- | |
| cia. Mas, distinguir as acções na base da idade, dos hábitos | |
| 131 | |
| morais ou de quaisquer outros motivos é supérfluo; pois, se | |
| acontece que os jovens são irascíveis e concupiscentes, não é | |
| pela sua juventude que agem assim, mas por ira e concupis- | |
| cência. Nem tão-pouco por riqueza ou pobreza. Sucede, porém, | |
| que os pobres desejam o dinheiro pela sua indigência, e os ri- | |
| cos desejam os prazeres desnecessários pela sua abundância. | |
| E também estes agem assim, não por riqueza ou pobreza, mas | |
| pelo seu desejo concupiscente. Semelhantemente, os justos e os | |
| injustos, e todos quantos se diz que agem de acordo com a sua | |
| maneira de ser agirão por estes motivos: ou por razão ou por | |
| paixão; uns, porém, por caracteres e paixões honestas, e outros, | |
| pelos seus contrários. Acontece que a umas maneiras de ser se | |
| seguem umas acções, e a outras, outras; pois talvez no tempe- | |
| rante, por ser temperante, se manifestem opiniões e desejos | |
| bons acerca das coisas agradáveis, mas acerca das mesmas se | |
| manifeste no intemperante o contrário. Por isso, devemos pôr | |
| de lado estas distinções, e examinar as consequências habituais | |
| de certas qualidades; pois, se uma pessoa é branca ou preta, | |
| alta ou baixa, nada é determinado em consequência de tais | |
| qualidades, mas, se ela é nova ou velha, justa ou injusta, já é | |
| diferente. E, em geral, devemos considerar todas as circunstân- | |
| cias que fazem diferenciar os caracteres dos homens; por exem- | |
| plo, se uma pessoa se considera rica ou pobre, feliz ou infeliz, | |
| fará alguma diferença. Mas falaremos disso mais tarde; por | |
| agora, falemos em primeiro lugar do que resta do nosso tema. | |
| Resultam do acaso os factos cuja causa é indeterminada, | |
| aqueles que se não produzem em vista de um fim, nem sem- | |
| pre, nem geralmente, nem de modo regular. Tudo isto é evi- | |
| dente da definição do acaso. Resultam da natureza todos os | |
| 1369b factos que têm uma causa interna e regular; pois produzem-se | |
| sempre ou geralmente da mesma maneira. Quanto aos que são | |
| contrários à natureza, nenhuma necessidade há de precisar se | |
| eles se produzem por uma causa natural ou por alguma outra; | |
| pois poderia parecer que o acaso é também a causa de tais | |
| coisas. Resultam da coacção os actos que se produzem contra | |
| o desejo e os raciocínios dos mesmos que os praticam. E resul- | |
| ta do hábito o que se faz por se haver feito muitas vezes. .a- | |
| zem-se por cálculo os actos que, dos bens mencionados 80, pa- | |
| recem ser convenientes ou como fins ou como meios para | |
| 80 Retórica I 6. | |
| 132 | |
| atingir um fim, quando são feitos por conveniência; pois tam- | |
| bém os intemperantes praticam alguns actos convenientes, não | |
| porém por conveniência, mas por prazer. Por paixão e ira se | |
| cometem os actos de vingança. Mas há uma diferença entre | |
| vingança e castigo; pois o castigo é infligido no interesse do | |
| paciente, e a vingança no interesse daquele que a exerce com o | |
| fim de se satisfazer. | |
| Sobre o que é a ira, mostrá-lo-emos quando falarmos das | |
| paixões 81. .az-se pelo desejo tudo o que parece agradável. Tam- | |
| bém o familiar e o habitual se contam entre as coisas agradá- | |
| veis; pois muitas coisas que não são naturalmente agradáveis se | |
| fazem com prazer quando se tornam habituais. Assim, em resu- | |
| mo, todos os actos que os homens praticam por si mesmos são | |
| realmente bons ou parecem sê-lo, são realmente agradáveis ou | |
| parecem sê-lo. Ora, como os homens fazem voluntariamente o | |
| que fazem por si mesmos, e involuntariamente o que não fazem | |
| por si mesmos, segue-se que tudo o que fazem voluntariamente | |
| será bom ou aparentemente bom, será agradável ou aparente- | |
| mente agradável. Com efeito, incluo no número das coisas boas | |
| a libertação das que são más ou parecem más, ou a troca de um | |
| mal maior por um menor (pois são até certo ponto desejáveis); | |
| e igualmente no número das coisas agradáveis a libertação das | |
| que são ou parecem molestas, ou ainda a troca de uma mais | |
| molesta por outra que o é menos. Devemos, pois, familiarizar- | |
| -nos com o número e a qualidade das coisas convenientes e | |
| agradáveis. Ora, como já falámos do conveniente ao tratarmos | |
| do género deliberativo, falemos agora do agradável. Devemos, | |
| entretanto, considerar suficientes as nossas definições se elas | |
| em cada caso não forem obscuras nem rigorosas 82. | |
| 11 | |
| O PRAZER COMO MATÉRIA DE ORATÓRIA JUDICIAL | |
| Admitamos que o prazer é um certo movimento da alma | |
| e um regresso total e sensível ao seu estado natural, e que a | |
| dor é o contrário. Ora, se esta é a natureza do prazer, é evi- 1370a | |
| 81 Ibidem, II 2. | |
| 82 Demasiado técnicas. | |
| 133 | |
| dente que o que produz a disposição referida é agradável, e o | |
| que a destrói ou produz o movimento contrário é doloroso. | |
| É, portanto, em geral, necessariamente agradável tender para o | |
| nosso estado natural, e principalmente quando recuperam a sua | |
| própria natureza as coisas que se produzem conforme ela. Os | |
| hábitos são igualmente agradáveis; porque o que é habitual | |
| acontece já como se fosse natural, pois o hábito é de algum | |
| modo semelhante à natureza; com efeito, o que acontece mui- | |
| tas vezes está próximo do que acontece sempre; a natureza é | |
| própria do que acontece sempre, e o hábito do que acontece | |
| muitas vezes 83. É agradável também o que não resulta da | |
| coacção, pois a coacção é contrária à natureza. Por isso o que é | |
| necessário é doloroso, e com razão se disse: | |
| Toda a acção imposta por necessidade é naturalmente | |
| penosa. 84 | |
| As preocupações, o esforço e a aplicação intensa são dolo- | |
| rosos; porque envolvem a necessidade e a coacção, se não fo- | |
| rem habituais; pois neste caso o hábito fá-los agradáveis. Os | |
| seus contrários são agradáveis; por isso as distracções, a ausên- | |
| cia de trabalhos e cuidados, os jogos, o descanso e o sono se | |
| contam entre as coisas agradáveis, pois nada disto se faz por | |
| necessidade. Agradável é também tudo aquilo de que temos | |
| em nós o desejo, pois o desejo é apetite do agradável. Dos | |
| desejos, uns são irracionais e outros racionais. Chamo irracio- | |
| 83 E. M. Cope (An Introduction to Aristotles Rhetoric, Hildesheim, | |
| 1970, pp. 226-228) estuda as principais variantes do termo «hábito» (qoj) | |
| em Aristóteles. Na Ethica Nicomachea II 1, 1103a14-26, o hábito é apresen- | |
| tado como a causa das virtudes que se referem ao carácter ou às virtudes | |
| éticas, por oposição às virtudes dianoéticas que têm a sua origem na | |
| aprendizagem e na arte. O hábito é em si mesmo um processo de fixação | |
| de condutas, que se opera mediante a repetição de movimentos e impul- | |
| sos gravados na memória. Como observa Racionero, «a semelhança do | |
| hábito com a natureza ou, melhor, a ideia de que o hábito constitui algo | |
| assim como uma natureza induzida ou segunda, encontra-se várias vezes | |
| em Aristóteles. Distingue-se do «modo de ser» (xij), que supõe uma ten- | |
| dência geral de comportamento, e de «carácter» (Ãqoj) que constitui uma | |
| inclinação suave e duradoura da personalidade, mas que tanto pode ser | |
| natural como adquirida pela força do hábito (op. cit., p. 265, n. 271). | |
| 84 Pentâmetro atribuído a Eveno de Paros, fr. 8 West. | |
| 134 | |
| nais aos que não procedem de um acto prévio da compreen- | |
| são; e são desse tipo todos os que se dizem ser naturais, como | |
| os que procedem do corpo; por exemplo, o desejo de alimento, | |
| a sede, a fome, o desejo relativo a cada espécie de alimento, os | |
| desejos ligados ao gosto e aos prazeres sexuais e, em geral, os | |
| desejos relativos ao tacto, ao olfacto, ao ouvido e à vista. São | |
| racionais os desejos que procedem da persuasão; pois há mui- | |
| tas coisas que desejamos ver e adquirir porque ouvimos falar | |
| delas e fomos persuadidos de que são agradáveis. | |
| Ora, como o prazer consiste em sentir uma certa emoção, | |
| e a imaginação 85 é uma espécie de sensação enfraquecida, se- | |
| gue-se que o lembrar e o esperar são acompanhados por uma | |
| certa imagem daquilo que se lembra e espera. E se isto é as- | |
| sim, é evidente que há prazer tanto para os que lembram como | |
| para os que esperam, visto que também há sensação. De sorte | |
| que, necessariamente, todos os prazeres ou são presentes na | |
| sensação, ou passados na memória, ou futuros na esperança; | |
| pois sentimos o presente, lembramos o passado e esperamos o | |
| futuro. Por conseguinte, as coisas que se recordam são agradá- 1370b | |
| veis, não só as que eram agradáveis quando existiam, mas tam- | |
| bém algumas que então o não eram, se depois delas resultou | |
| alguma coisa bela e boa. Donde também se disse: «Mas é agra- | |
| dável lembrar os perigos estando salvo» 86; e: «O homem regozija-se | |
| mesmo nos sofrimentos ao recordá-los, ele que muito padeceu e muito | |
| realizou.» 87 | |
| A razão disto é que também é agradável não sofrer o mal. | |
| O que esperamos é agradável, quando a sua presença parece | |
| trazer-nos grande alegria ou utilidade, e utilidade sem dor. Em | |
| geral, as coisas que nos alegram estando presentes também nos | |
| alegram quando as esperamos e recordamos. Por isso, até a ira | |
| é agradável, como também Homero escreveu sobre ela: «que é | |
| 85 Traduzimos aqui o termo fantasa por «imaginação», tendo em | |
| consideração o contexto e a definição que o próprio Aristóteles dele avan- | |
| ça no De anima III 3, 427b27-429a29, como «um movimento da sensação | |
| em acção», e a distinção mais adiante entre «a fantasia própria do senti- | |
| do» e a «fantasia racional» que, pela sua capacidade de combinar várias | |
| imagens numa só, serve de base para as deliberações (cf. Q. Racionero, | |
| op. cit., p. 266, n. 276). | |
| 86 Eurípides, Andromeda, fr. 133 Nauck. | |
| 87 Od., 15.400-401. | |
| 135 | |
| muito mais doce que o mel que destila gota a gota» 88; pois ninguém | |
| se ira contra quem não pode ser atingido pela sua vingança; e, | |
| contra quem nos é muito superior em força, ou não nos iramos | |
| ou nos iramos menos. | |
| Os desejos são na sua maioria acompanhados de um cer- | |
| to prazer; pois as pessoas gozam de algum prazer, quer lem- | |
| brando-se de como o alcançaram quer esperando que o alcan- | |
| çarão; por exemplo, os que, tendo febre, são afligidos pela sede, | |
| têm prazer em lembrar-se de que beberam e em esperar que | |
| virão a beber. E, de igual modo, os namorados têm prazer em | |
| falar, escrever e fazer sempre algo que se refira ao objecto | |
| amado, pois em todas estas circunstâncias a memória lhes faz | |
| crer que se encontram em presença dele. O começo do amor é | |
| o mesmo para todos: quando não só se deleitam na presença | |
| da pessoa amada, mas também se deleitam em lembrá-la quan- | |
| do ausente, e lhes sobrevém a dor de ela não estar presente; e | |
| até nessas aflições e lamentos há um certo prazer; pois a dor | |
| deve-se à sua ausência, mas o prazer a recordá-la e, de algum | |
| modo, a vê-la e às coisas que fazia ou como era. Por isso, com | |
| razão se disse: «Assim falou, e em todos eles provocou o desejo de | |
| chorar.» 89 | |
| A vingança também é agradável; pois, se é doloroso não | |
| alcançar uma coisa, é agradável alcançá-la; e os iracundos afli- | |
| gem-se em demasia quando não logram vingar-se, mas rego- | |
| zijam-se quando esperam fazê-lo. É igualmente agradável a | |
| vitória, não só para os que gostam de vencer, mas para to- | |
| dos; pois produz uma imagem de superioridade, a qual, com | |
| mais ou menos empenho, todos desejam. E porque a vitória é | |
| agradável, também são necessariamente agradáveis os jogos | |
| de combates e disputas (pois neles muitas vezes se obtém a | |
| vitória), tais como jogos de ossos, da bola, de dados e de da- | |
| 1371a mas. O mesmo acontece com os jogos que requerem esforço; | |
| pois uns tornam-se agradáveis quando a eles nos habituamos, | |
| e outros são-no imediatamente, como, por exemplo, a caça | |
| com cães e toda a sorte de caça. Porque onde há combate há | |
| igualmente vitória. Por isso também a oratória judicial e a | |
| erística são agradáveis para quem tem o hábito e a capacida- | |
| de de as usar. | |
| 88 Il., 18.109. | |
| 89 Il., 23.108; Od., 4.183. | |
| 136 | |
| A honra e a boa reputação contam-se entre as coisas | |
| mais agradáveis, porque cada um imagina que possui as | |
| qualidades de um homem virtuoso, e sobretudo quando o | |
| afirmam pessoas que ele considera dizerem a verdade. Con- | |
| tam-se entre eles os vizinhos mais do que os que se encon- | |
| tram afastados, os familiares e concidadãos mais do que os | |
| estranhos, os contemporâneos mais do que os vindouros, os | |
| sensatos mais do que os insensatos, e a maioria mais do que | |
| a minoria; pois é mais provável que digam a verdade os que | |
| acabamos de mencionar do que os seus contrários, já que | |
| nenhuma importância ligamos à honra ou à opinião daque- | |
| les que temos em pouca conta, como as crianças e os ani- | |
| mais; e, se ligamos, não é pela opinião em si, mas por algu- | |
| ma outra razão. | |
| O amigo figura também entre as coisas agradáveis; por- | |
| que é agradável amar (pois quem não gosta de vinho não tem | |
| prazer em bebê-lo) e é agradável ser amado; pois também nes- | |
| te caso uma pessoa tem a impressão de possuir um bem dese- | |
| jado por todos os homens dotados de sentimento; e ser amado | |
| é ser objecto de afeição por si mesmo. É igualmente agradável | |
| ser admirado pela mesma razão que receber honras. Agradá- | |
| veis são também a adulação e o adulador, pois o adulador é | |
| um aparente admirador e um aparente amigo. | |
| .azer muitas vezes as mesmas coisas é agradável; pois, | |
| como dissemos, o que é habitual é agradável. Também a mu- | |
| dança é agradável; pois mudar está na ordem da natureza, | |
| porque fazer sempre a mesma coisa provoca um excesso da | |
| condição normal. Donde se disse: | |
| Doce é a mudança de todas as coisas. 90 | |
| Por esta razão, também o que se vê periodicamente é agra- | |
| dável, tanto pessoas como coisas; pois há mudança do presen- | |
| te, e é ao mesmo tempo raro o que se faz com intervalos. De | |
| igual modo o aprender e o admirar são geralmente agradáveis; | |
| pois no admirar está contido o desejo de aprender, de sorte que | |
| o admirável é desejável, e no aprender se alcança o que é se- | |
| gundo a natureza 91. Contam-se ainda entre as coisas agradá- | |
| 90 Eurípides, Or., 234. | |
| 91 O verdadeiro conhecimento ou filosofia. | |
| 137 | |
| 1371b veis fazer o bem e recebê-lo; pois receber um benefício é alcan- | |
| çar o que se deseja, e fazer o bem é possuir e ser superior: dois | |
| fins a que todos aspiram. E, porque é agradável fazer o bem, é | |
| também agradável ao homem corrigir o seu próximo e com- | |
| pletar o que está nele incompleto 92. E, como aprender e admi- | |
| rar é agradável, necessário é também que o sejam as coisas que | |
| possuem estas qualidades; por exemplo, as imitações, como as | |
| da pintura, da escultura, da poesia, e em geral todas as boas | |
| imitações, mesmo que o original não seja em si mesmo agra- | |
| dável; pois não é o objecto retratado que causa prazer, mas o | |
| raciocínio de que ambos são idênticos, de sorte que o resulta- | |
| do é que aprendemos alguma coisa. São ainda agradáveis as | |
| aventuras e o salvar-se por pouco dos perigos, pois todas estas | |
| coisas causam admiração. Visto que é agradável tudo quanto é | |
| conforme à natureza, e que as coisas do mesmo género são | |
| entre si conformes à natureza, todos os seres congéneres e se- | |
| melhantes se agradam a maior parte do tempo; por exemplo, o | |
| homem ao homem, o cavalo ao cavalo e o jovem ao jovem. | |
| Donde se escreveram os seguintes provérbios: «cada um delei- | |
| ta-se com o da sua idade», «busca-se sempre o semelhante», «a | |
| fera conhece a fera», «sempre o gaio com o gaio», e outros | |
| semelhantes a estes. | |
| Ora como as coisas semelhantes e congéneres são todas | |
| elas agradáveis para uma pessoa, e como cada um experimen- | |
| ta no mais alto grau este sentimento para consigo próprio, se- | |
| gue-se necessariamente que todos são mais ou menos aman- | |
| tes de si mesmos; pois é sobretudo no indivíduo em si mesmo | |
| que todas estas semelhanças existem. E porque todos são | |
| amantes de si mesmos, todos têm necessariamente por agra- | |
| dáveis as coisas que lhes pertencem, por exemplo, as suas | |
| obras e as suas palavras. Por isso amam com tanta frequência | |
| os aduladores, os amantes, as honras e os filhos; porque os | |
| filhos são obra sua. É também agradável completar o que está | |
| incompleto, pois desde então a obra passa a ser de quem a | |
| concluiu. E porque é muito agradável mandar, é também | |
| agradável passar por sábio; pois a sensatez é própria do man- | |
| do, e a sabedoria é ciência de muitas e admiráveis coisas. | |
| Além disso, como os homens são em geral ambiciosos, é ne- | |
| cessariamente agradável censurar o próximo e governá-lo, | |
| 92 Isto é, suprir as suas necessidades. | |
| 138 | |
| assim como ocupar o seu tempo naquilo em que julgam ser | |
| os melhores, como também diz o poeta: | |
| Nisto cada um se esforça, | |
| a dedicar a maior parte de cada dia | |
| para conseguir de si mesmo ser o melhor. 93 | |
| Semelhantemente, como são agradáveis o jogo, toda a es- | |
| pécie de folga e o riso, também o que é risível deve ser agra- | |
| dável, tanto pessoas, como palavras e obras. As coisas risíveis 1372a | |
| foram definidas separadamente nos livros sobre a Poética 94. Eis | |
| o que tínhamos para dizer sobre as coisas agradáveis; as dolo- | |
| rosas são manifestas pelos seus contrários. | |
| 12 | |
| AGENTES E VÍTIMAS DE INJUSTIÇA | |
| 12.1 CARACTERÍSTICAS DOS QUE COMETEM A INJUSTIÇA | |
| Estas são as razões pelas quais se comete injustiça. Refira- | |
| mos agora em que disposição e contra quem ela se comete. As | |
| pessoas cometem injustiça quando pensam que a acção se pode | |
| cometer e ser cometida por elas: ou porque entendem que o | |
| seu acto não será descoberto ou, se o for, que ficará impune; | |
| ou então porque, se este for punido, a punição será menor do | |
| que o lucro que esperam para si mesmos ou para aqueles de | |
| quem cuidam. .alaremos mais adiante das acções que parecem | |
| possíveis ou impossíveis, pois são comuns a todos os géneros | |
| de discurso. Quem sobretudo pensa que pode cometer injusti- | |
| ça impunemente são os dotados de eloquência, os homens de | |
| acção, os que têm grande experiência de processos, se tiverem | |
| muitos amigos e forem ricos. É sobretudo quando se encontram | |
| nas condições referidas que eles pensam poder cometer a in- | |
| justiça; ou então, quando têm amigos, servos ou cúmplices que | |
| satisfazem essas condições; pois, graças a esses meios, eles po- | |
| dem agir sem ser descobertos nem punidos. E igualmente se | |
| 93 Eurípides, Antiope, fr. 183 (Nauck). | |
| 94 Poética II. | |
| 139 | |
| são amigos dos que sofrem a injustiça ou dos juízes; pois, por | |
| um lado, os amigos não estão prevenidos contra a injustiça dos | |
| seus amigos e procuram a reconciliação antes de recorrerem | |
| aos tribunais; por outro, os juízes são favoráveis aos seus ami- | |
| gos e, ou os deixam em completa liberdade, ou lhes infligem | |
| penas leves. | |
| Estão em condições de não ser descobertos aqueles que | |
| têm um perfil contrário às acusações. Por exemplo, o débil ser | |
| acusado de violência, ou o pobre e feio de adultério. Também | |
| os actos que se cometem inteiramente às claras e à vista de | |
| todos; pois nenhuma precaução se toma para os prevenir, pelo | |
| facto de ninguém ousar sequer imaginá-los. E os que são tão | |
| grandes e tão graves que ninguém se pensaria capaz de os | |
| cometer; pois também estes não são prevenidos, porque todos | |
| se previnem contra o que é habitual, quer sejam enfermidades | |
| ou injustiças, mas ninguém toma precauções contra uma doen- | |
| ça que nunca ninguém teve. Nas mesmas condições estão os | |
| que não têm inimigos ou têm muitos; pois os primeiros pen- | |
| sam que não serão descobertos porque se não tomam precau- | |
| ções contra eles, e os segundos não são descobertos porque não | |
| é crível que vão atacar quem está prevenido, e porque têm a | |
| defesa de que se não arriscariam a tentá-lo. Os que têm algum | |
| meio de ocultar a sua acção, quer seja artifício, lugar ou dispo- | |
| sição favorável. Os que, se forem descobertos, conseguem evi- | |
| tar o processo, adiá-lo, ou corromper os juízes. Os que, se fo- | |
| rem condenados, podem evitar o pagamento ou adiá-lo por | |
| longo tempo; ou quem, por falta de recursos, nada terá a per- | |
| der. Aqueles para quem o ganho é evidente, importante ou | |
| 1372b imediato, e o castigo pequeno, inseguro ou distante. Aqueles | |
| para quem o castigo não é igual ao benefício, como parece | |
| acontecer no caso da tirania. Aqueles para quem as injustiças | |
| são lucro, mas os castigos apenas desonra. Aqueles a quem, | |
| pelo contrário, as injustiças proporcionarão algum elogio, se | |
| lhes acontece, por exemplo, vingarem ao mesmo tempo o pai e | |
| a mãe, como no caso de Zenão, e se o castigo apenas envolve | |
| a perda de dinheiro, o exílio ou coisa semelhante; pois por | |
| ambos os motivos [o ganho e a honra] e em ambas as disposi- | |
| ções se comete a injustiça; mas as pessoas não são as mesmas, | |
| antes em cada um dos casos denotam caracteres opostos. Os | |
| que muitas vezes praticaram a injustiça sem que fossem desco- | |
| bertos ou punidos; e os que muitas vezes foram mal sucedi- | |
| dos; pois nestes casos, como nos combates, há sempre os que | |
| 140 | |
| estão dispostos a reiniciar a luta. Aqueles para quem o prazer | |
| é imediato mas a dor sentida mais tarde, ou aqueles para quem | |
| o ganho é imediato mas o castigo é sofrido mais tarde; pois | |
| esse é o caso dos intemperantes, e a intemperança aplica-se a | |
| tudo o que se deseja. Aqueles para quem, pelo contrário, a dor | |
| e o castigo são imediatos, mas o prazer e o proveito são poste- | |
| riores e mais duradoiros; pois estas são as coisas que os tem- | |
| perantes e mais sensatos perseguem. Os que podem dar a im- | |
| pressão de terem agido por acaso, ou por necessidade, ou por | |
| natureza ou por hábito e, em geral, de terem cometido um erro | |
| mas não uma injustiça. Aqueles para quem é possível obter | |
| indulgência. Os que são necessitados. E há duas espécies de | |
| necessidade: a necessidade do indispensável, como no caso dos | |
| pobres; e a necessidade do supérfluo, como no caso dos ricos. | |
| Também os que gozam de muito boa reputação e os que estão | |
| privados dela; os primeiros por não parecerem culpáveis, e os | |
| segundos por não se poderem desconsiderar mais. | |
| 12.2 CARACTERÍSTICAS DOS QUE SO.REM A INJUSTIÇA | |
| Estas são, pois, as disposições que levam as pessoas a co- | |
| meter a injustiça. Cometem-na contra as seguintes pessoas e nas | |
| seguintes circunstâncias. Contra quem possui aquilo de que eles | |
| próprios têm falta, ou para as necessidades da vida, ou para o | |
| supérfluo, ou para o gozo dos sentidos, tanto contra os que | |
| estão longe como os que estão perto; pois o despojo dos últi- | |
| mos é rápido e o castigo dos primeiros é lento, como acontece | |
| com os que despojam os Cartagineses 95. Contra os que não to- | |
| mam precauções nem se guardam, antes são confiantes; pois é | |
| fácil apanhá-los todos desprevenidos. Contra os indolentes; pois | |
| é característico dos diligentes sair em defesa própria. Contra os | |
| tímidos; pois não são inclinados a lutar por questões de ganho. | |
| Contra os que foram muitas vezes alvo de injustiça sem acudir | |
| aos tribunais, porque, como diz o provérbio, são presa dos Mí- | |
| sios 96. Contra os que nunca sofreram injustiça e os que a so- | |
| 95 Na mente de Aristóteles estão, talvez, os ataques de piratas gre- | |
| gos sobre navios cartagineses. | |
| 96 Dito muito frequente para designar os que não sabem ou não | |
| podem defender-se. | |
| 141 | |
| freram muitas vezes; pois ambos estão desprevenidos: uns por- | |
| que nunca injustiçados; os outros porque o não esperam ser | |
| outra vez. Contra os que foram caluniados ou estão expostos a | |
| sê-lo; pois os tais não se resolvem a acusar por temerem os | |
| juízes, nem, se o fizerem, os conseguem persuadir; neste nú- | |
| 1373a mero contam-se os invejados e os odiados. Contra aqueles em | |
| relação aos quais o agressor pode invocar como pretexto que | |
| os seus antepassados, eles próprios ou os seus amigos fizeram | |
| mal ou tiveram a intenção de o fazer, quer a si mesmo, quer | |
| aos seus antepassados, quer aos que estão sob o seu cuidado; | |
| pois, como diz o provérbio, «a maldade apenas precisa de um | |
| pretexto». Contra os inimigos e os amigos; pois fazer mal a uns | |
| é fácil, e a outros agradável. Contra os que não têm amigos. | |
| Contra os que não são hábeis no falar, nem no agir; pois, ou | |
| não tentam defender-se, ou preferem conciliar-se, ou não levam | |
| a defesa a bom termo. Contra os que não têm vantagem em | |
| perder tempo à espera do veredicto ou de uma indemnização, | |
| como é o caso dos estrangeiros e dos trabalhadores por conta | |
| própria; pois transigem com pouco e facilmente desistem dos | |
| processos. Contra os que cometeram muitas injustiças ou in- | |
| justiças semelhantes às que agora sofrem; pois quase parece | |
| não ser injustiça que uma pessoa sofra um mal semelhante | |
| àquele que se habituou a infligir a outrem; refiro-me, por exem- | |
| plo, a alguém que maltrata quem tem por hábito ultrajar os | |
| outros. Contra os que já nos fizeram mal, ou o quiseram fazer, | |
| ou o querem agora fazer, ou se preparam para o fazer; pois | |
| isto tem algo de agradável e belo e quase parece não ser uma | |
| injustiça. Contra aqueles cujo mal dará prazer aos nossos ami- | |
| gos, ou àqueles que admiramos ou amamos ou têm poder so- | |
| bre nós, ou, numa palavra, àqueles por quem pautamos a nos- | |
| sa vida. Contra aqueles em relação aos quais é possível alcançar | |
| indulgência. Contra aqueles que censuramos e com quem já | |
| divergimos, como Calipo fez com Díon 97; pois também tais | |
| 97 Observa Q. Racionero que Aristóteles está a falar de factos que | |
| conhecia bem, pois se tratava de dois condiscípulos seus na Academia. | |
| «Calipo había acompañado a Dión en la expedición que éste dirigió con- | |
| tra Dionisio II en el 357, para liberar a los sicilianos de su tiranía, pero | |
| cayó en desgracia de los mercenarios de Dión. Para salvarse urdió un | |
| complot como resultado del cual Dión perdió la vida (354)» (op. cit., | |
| p. 279, n. 309). Esta história é narrada por Plutarco na Vita Dion., 54-56. | |
| 142 | |
| casos quase parecem não ser actos de injustiça. Contra os que | |
| estão a ponto de ser atacados por outros, se eles não atacarem | |
| primeiro, quando já não é possível deliberar; foi assim, diz-se, | |
| que Enesidemo enviou a Gélon 98 o prémio de cótabo ao ter | |
| ele reduzido à escravidão uma cidade, porque deste modo se | |
| antecipou ao que ele próprio tinha a intenção de fazer. Contra | |
| aqueles a quem se causa dano para depois se lhes poderem | |
| fazer muitos actos de justiça, na ideia de que é fácil reparar o | |
| mal feito; tal como disse Jasão, o Tessálio 99, que convém co- | |
| meter algumas injustiças a fim de que também se possam fa- | |
| zer muitas coisas justas. | |
| Também facilmente se cometem as injustiças que todos os | |
| homens ou a maior parte deles costumam cometer; pois pen- | |
| sam vir a ser perdoados das suas ofensas. Os roubos fáceis de | |
| ocultar: tais como os que rapidamente se consomem, como, por | |
| exemplo, os alimentos; ou os objectos que podem mudar de | |
| forma, cor, ou composição; ou os que se escondem com facili- | |
| dade em muitos sítios, tais como os que se transportam facil- | |
| mente ou os que é possível ocultar em pequenos esconderijos; | |
| e também os que em nada se distinguem, e são em tudo seme- | |
| lhantes a muitos outros que o que comete a injustiça já tem. | |
| As injustiças que as vítimas têm vergonha de declarar, como | |
| os ultrajes sofridos pelas mulheres da sua família, por elas pró- | |
| prias, ou pelos seus filhos. Os delitos em que o recurso a tribu- | |
| nal pareceria acto de pessoa conflituosa, como os danos de | |
| pouca monta e facilmente perdoáveis. | |
| Este é um relato mais ou menos completo das circunstân- | |
| cias em que se comete a injustiça, a natureza das injustiças, as | |
| vítimas destas e suas causas. | |
| 98 História mal conhecida. Há registo apenas de um Enesidemo, | |
| membro da guarda pessoal de Hipócrates, tirano de Gela, e pai de Téron, | |
| tirano de Ácragas (488-472 a. C.). Quanto a Gélon, sabe-se que foi tirano | |
| de Gela e que posteriormente se estabeleceu em Siracusa (485 a. C.). Vide | |
| W. M. A. Grimaldi, op. cit., p. 283. O cótabo era um jogo corrente em | |
| simpósios, que consistia em acertar em algo com o vinho contido num | |
| copo. O prémio do vencedor eram ovos, bolos e carnes doces. A principal | |
| fonte de informação sobre este jogo é Ateneu, 479c-e, 487d-e, 665c-668f. | |
| 99 Trata-se do tirano de .eras entre 385 a. C. e 370 a. C. (Plutarco, | |
| Moralia, 817s-818a). | |
| 143 | |
| 13 | |
| CRITÉRIOS DE JUSTIÇA E DE INJUSTIÇA | |
| 1373b Distingamos agora todos os actos de injustiça e de justiça, | |
| começando por observar que o que é justo e injusto foi já defi- | |
| nido de duas maneiras em relação a dois tipos de leis e a duas | |
| classes de pessoas. Chamo lei tanto à que é particular como à | |
| que é comum. É lei particular a que foi definida por cada povo | |
| em relação a si mesmo, quer seja escrita ou não escrita; e co- | |
| mum, a que é segundo a natureza. Pois há na natureza um | |
| princípio comum do que é justo e injusto, que todos de algum | |
| modo adivinham mesmo que não haja entre si comunicação ou | |
| acordo; como, por exemplo, o mostra a Antígona de Sófocles ao | |
| dizer que, embora seja proibido, é justo enterrar Polinices, por- | |
| que esse é um direito natural: | |
| Pois não é de hoje nem ontem, mas desde sempre que | |
| esta lei existe, e ninguém sabe desde quando apareceu. 100 | |
| E como diz Empédocles acerca de não matar o que tem vida, | |
| pelo facto de isso não ser justo para uns e injusto para outros: | |
| Mas a lei universal estende-se largamente através do | |
| amplo éter e da incomensurável terra. 101 | |
| E como também o diz Alcidamante no seu Messeníaco 102: | |
| Livres deixou Deus a todos, a ninguém fez escravo a | |
| natureza. 103 | |
| Em relação às pessoas, a justiça é definida de duas manei- | |
| ras; pois o que se deve fazer e não deve fazer é definido, quer | |
| 100 Sófocles, Antígona, 456-457. | |
| 101 Empédocles, DK B 135. | |
| 102 Vide G. Kennedy, op. cit., p. 103. Alcidamante era um sofista | |
| anterior a Aristóteles, discípulo de Górgias e mestre de retórica. Este dis- | |
| curso era provavelmente do género epidíctico. | |
| 103 Observa G. Kennedy que os manuscritos de Aristóteles não avan- | |
| çam aqui uma citação, que ela é suprida por um comentador medieval. | |
| Como a edição de Oxford a contempla, nós registamo-la igualmente. | |
| 144 | |
| em relação à comunidade quer em relação a um dos seus mem- | |
| bros 104. Por conseguinte, é possível cometer a injustiça e prati- | |
| car a justiça de duas maneiras, pois ela pratica-se em relação a | |
| um determinado indivíduo ou em relação à comunidade; por- | |
| que o que comete adultério ou fere alguém comete injustiça | |
| contra um dos indivíduos, mas o que não cumpre os seus de- | |
| veres militares comete-o contra a comunidade. | |
| Tendo sido feita a distinção dos vários tipos de delitos, uns | |
| contra a comunidade e outros contra um ou vários indivíduos, | |
| retomemos o assunto e digamos o que significa sofrer injusti- | |
| ça. Sofrer injustiça é ser vítima de um tratamento injusto por | |
| parte de um agente voluntário; pois cometer injustiça definiu- | |
| -se antes como um acto voluntário. E porque quem sofre injus- | |
| tiça sofre necessariamente um dano, e um dano contra a sua | |
| vontade, claramente se vê, pelo que atrás fica dito, em que | |
| consistem os danos; pois as acções boas e más foram atrás de- | |
| finidas em si mesmas, e disse-se que são voluntárias as que se | |
| fazem com conhecimento de causa. De sorte que, necessaria- | |
| mente, todas as acusações se referem ou à comunidade ou ao | |
| indivíduo, tendo o acusado agido ou por ignorância e contra a | |
| sua vontade, ou voluntariamente e com conhecimento; e, neste | |
| último caso, com intenção ou por força da emoção. .alaremos | |
| da cólera na parte em que nos ocuparmos das paixões; já falá- | |
| mos, porém, das coisas que se fazem por escolha e da disposi- | |
| ção com que se fazem. | |
| Mas como muitas vezes o acusado reconhece haver prati- 1374a | |
| cado uma acção, mas não está de acordo com a qualificação da | |
| mesma ou com o delito que essa qualificação implica con- | |
| fessa, por exemplo: que tomou algo, mas não o roubou; que | |
| feriu primeiro, mas não ultrajou; que teve relações com uma | |
| mulher, mas não cometeu adultério; que roubou, mas não co- | |
| meteu sacrilégio (porque o objecto roubado não pertencia a um | |
| deus); que cultivou terra alheia, mas não do domínio público; | |
| que conversou com o inimigo, mas não cometeu traição , por | |
| 104 A legislação grega fazia distinção entre ofensa pública (graf») e | |
| violação de direitos privados (dkh); mas, como observa G. Kennedy, essa | |
| distinção difere da compreensão moderna de lei criminal e civil, na medi- | |
| da em que muitas acções hoje consideradas crimes, incluindo o homicí- | |
| dio, eram então tidas como violações de direitos privados (op. cit., p. 103, | |
| n. 231). | |
| 145 | |
| esta razão, seria necessário dar definições destas coisas, do rou- | |
| bo, do ultraje, do adultério, a fim de que, se quisermos mos- | |
| trar que o delito existe ou não existe, possamos trazer à luz o | |
| direito 105. Ora todos estes casos têm a ver com a questão de | |
| determinar se a pessoa acusada é injusta, imoral ou não injus- | |
| ta; pois é na intenção que reside a malícia e o acto injusto, e | |
| termos tais como ultraje e roubo indicam já a intenção; porque, | |
| se uma pessoa feriu outra, isso não significa que em todos os | |
| casos cometeu um ultraje, mas apenas se a feriu por uma certa | |
| razão, como para a desonrar, ou agradar a si mesmo. Nem, se | |
| tomou um objecto às escondidas, cometeu em todos os casos | |
| um roubo, mas apenas se o tomou para prejudicar alguém, e | |
| para dele se apropriar. Passa-se em todos os outros casos o | |
| mesmo que nestes. | |
| Ora, como dissemos que há duas espécies de actos justos | |
| e injustos (uns fixados pela escrita e outros não), ocupámo-nos | |
| até aqui dos que as leis registam; mas dos que as leis não re- | |
| gistam há também duas espécies: a dos que, por um lado, re- | |
| presentam o mais elevado grau da virtude e do vício, a que se | |
| reservam censuras e elogios, desonras, honras e recompensas; | |
| por exemplo, agradecer a quem nos faz bem, pagar o bem com | |
| o bem, acudir aos amigos e coisas semelhantes a estas; e a dos | |
| que, por outro, correspondem a uma omissão da lei particular | |
| e escrita. Pois o equitativo parece ser justo, e é equitativa a jus- | |
| tiça que ultrapassa a lei escrita. Ora esta omissão umas vezes | |
| acontece contra a vontade dos legisladores, e outras por sua | |
| vontade: contra a vontade dos legisladores, quando o caso lhes | |
| passa despercebido; e por sua vontade, quando o não podem | |
| definir a rigor, mas se vêem na necessidade de empregar uma | |
| fórmula geral que, não sendo universal, é válida para a maio- | |
| ria dos casos. Também os casos em que não é fácil dar uma | |
| definição devido à sua indeterminação; por exemplo, no caso | |
| de ferir com um instrumento de ferro, ou determinar o seu | |
| tamanho e a sua forma pois não chegaria a vida para enume- | |
| rar todas as possibilidades. Se, pois, não é possível uma defini- | |
| ção exacta, mas a legislação é necessária, a lei deve ser expres- | |
| sa em termos gerais; de modo que se uma pessoa não tem mais | |
| 105 Hermágoras de Tempos desenvolve posteriormente a doutri- | |
| na aqui implícita na chamada st£sij de definição, ou nos estados de | |
| causa. | |
| 146 | |
| que um anel no dedo quando levanta a mão ou fere outra, | |
| segundo a lei escrita é culpada e comete injustiça, mas segun- | |
| do a verdade não a comete, e é isso que é equidade. | |
| Ora, se a equidade é o que acabamos de dizer, é fácil de 1374b | |
| ver quais são os actos equitativos e quais o não são, e quais as | |
| pessoas que não são equitativas. Os actos que devem ser per- | |
| doados são próprios da equidade, e é equitativo não julgar | |
| dignos de igual tratamento os erros e os delitos, nem as des- | |
| graças. Ora as desgraças são acções inesperadas e feitas sem | |
| perversidade, os erros são acções não inesperadas e feitas sem | |
| maldade, mas os delitos não são inesperados e fazem-se com | |
| maldade; pois o que é provocado pelo desejo faz-se por mal- | |
| dade. É igualmente próprio da equidade perdoar as falhas | |
| humanas. Também olhar, não para a lei, mas para o legislador; | |
| não para a palavra, mas para a intenção do legislador; não para | |
| a acção em si, mas para a intenção; não para a parte, mas para | |
| o todo; não para o que uma pessoa agora é, mas para o que ela | |
| sempre foi ou o tem geralmente sido. Também lembrar-nos mais | |
| do bem do que do mal que nos foi feito, e dos benefícios recebi- | |
| dos mais do que dos concedidos. Também suportar a injustiça | |
| sofrida. Também desejar que a questão se resolva mais pela | |
| palavra do que pela acção. E ainda querer mais o recurso a uma | |
| arbitragem do que ao julgamento dos tribunais; pois o árbitro | |
| olha para a equidade, mas o juiz apenas para a lei; e por esta | |
| razão se inventou o árbitro, para que prevaleça a equidade. | |
| .ica deste modo definido o que respeita à equidade. | |
| 14 | |
| CRITÉRIOS SOBRE A GRAVIDADE DOS DELITOS | |
| Um delito é maior na medida em que procede de uma | |
| injustiça maior. E por isso os mais pequenos podem ser muito | |
| graves, como por exemplo, o de que Calístrato acusou Mela- | |
| nopo, que defraudou por dolo os construtores do templo em | |
| três semióbolos sagrados 106. Mas no caso da justiça é o contrá- | |
| 106 Praticamente nada se sabe deste episódio; apenas que Calístrato | |
| e Melanopo eram embaixadores de Tebas e rivais políticos por volta de | |
| 370 a. C. (cf. Xenofonte, Hellenica, 6.3.2-3; Plutarco, Vita Demost., 13). | |
| 147 | |
| rio 107. Estes delitos graves estão em potência nos delitos mais | |
| pequenos; pois quem roubou três semióbolos sagrados também | |
| será capaz de cometer qualquer injustiça. Umas vezes é assim | |
| que é julgada a gravidade de um delito, outras é-o pela exten- | |
| são do dano. Um delito é maior quando para ele não há casti- | |
| go equivalente, antes todo o castigo lhe é inferior; quando para | |
| ele não há remédio, por ser difícil senão impossível de reparar; | |
| e quando a vítima não pode reclamar justiça, por o delito ser | |
| irremediável; pois a justiça é castigo e remédio. Também se o | |
| que sofreu o dano e a injustiça se castigou severamente a si | |
| mesmo; pois é justo que o que cometeu o dano sofra um casti- | |
| go ainda maior; por exemplo, Sófocles 108, ao falar a favor de | |
| Euctémon 109 depois de este haver posto termo à vida por ter | |
| 1375a sido ultrajado, declarou que não fixaria uma pena inferior à que | |
| a vítima tinha fixado contra si mesma. Um delito é também | |
| maior quando foi um só a cometê-lo, ou foi o primeiro, ou se | |
| cometeu com a ajuda de poucos; quando se cometeu muitas | |
| vezes a mesma falta; quando por causa dele se procuraram e | |
| inventaram meios de prevenção e castigo. Em Argos, por exem- | |
| plo, é castigado aquele por cuja causa se estabeleceu uma nova | |
| lei, e aqueles por cuja causa se construiu uma prisão. O delito | |
| mais brutal é também o mais grave. Igualmente o mais preme- | |
| ditado. E o que inspira nos ouvintes mais temor que compai- | |
| xão. Os recursos retóricos são neste caso os seguintes: que o | |
| acusado ignorou ou transgrediu muitas normas de justiça, | |
| como por exemplo, juramentos, promessas, provas de fidelida- | |
| de, votos matrimoniais; pois é um acúmulo de muitas injusti- | |
| ças. Os delitos são ainda maiores quando cometidos no preciso | |
| lugar em que se castigam os delinquentes, como fazem as fal- | |
| sas testemunhas; pois onde é que uma pessoa não cometeria | |
| um delito se o ousa cometer no próprio tribunal? São também | |
| maiores quando causam a maior vergonha; e quando são co- | |
| metidos contra a pessoa de quem se recebeu um beneficio; pois | |
| neste caso a injustiça é maior, porque ao benfeitor se faz o mal | |
| 107 Os actos de justiça mais insignificantes não são os maiores. | |
| 108 Sugere Cope (I, 263) que este Sófocles é o mesmo adiante referi- | |
| do em 3.18,19a26, aparentemente um dos trinta tiranos, referido por Xe- | |
| nofonte (Hellenica, 2.3.2). | |
| 109 Xenofonte refere-se com este nome a um arconte de 408-407 a. C. | |
| nas Hellenica, 1.2.1. | |
| 148 | |
| e não o bem que lhe é devido. É também mais grave o delito | |
| que viola as leis não escritas; pois é próprio de uma pessoa | |
| melhor ser justa sem que a necessidade a obrigue. Ora as leis | |
| escritas são compulsórias, mas as não escritas não. Pode, con- | |
| tudo, argumentar-se de outra maneira que o delito é mais gra- | |
| ve, se viola as leis escritas; pois quem comete a injustiça que | |
| atrai o temor e envolve o castigo também cometerá a que não | |
| tem castigo a temer. | |
| É isto o que temos a dizer sobre a maior ou menor gravi- | |
| dade do delito. | |
| 15 | |
| PROVAS NÃO TÉCNICAS NA RETÓRICA JUDICIAL | |
| Como continuação do que acabamos de expor, vamos ago- | |
| ra falar sumariamente das provas a que chamamos não técni- | |
| cas; pois elas são específicas da retórica judicial. Estas provas | |
| são cinco em número: as leis, os testemunhos, os contratos, as | |
| confissões sob tortura e o juramento. | |
| .alemos primeiro das leis, mostrando como elas devem ser | |
| usadas tanto na exortação e na dissuasão, como na acusação e | |
| na defesa. Pois é óbvio que, se a lei escrita é contrária aos fac- | |
| tos, será necessário recorrer à lei comum e a argumentos de | |
| maior equidade e justiça. E é evidente que a fórmula «na me- | |
| lhor consciência» significa não seguir exclusivamente as leis | |
| escritas; e que a equidade é permanentemente válida e nunca | |
| muda, como a lei comum (por ser conforme à natureza), ao | |
| passo que as leis escritas estão frequentemente a mudar; don- | |
| de as palavras pronunciadas na Antígona de Sófocles; pois esta | |
| defende-se, dizendo que sepultou o irmão contra a lei de | |
| Creonte, mas não contra a lei não escrita: 1375b | |
| Pois esta lei não é de hoje nem de ontem, mas é eterna | |
| [] Esta não devia eu [infringir], por homem algum 110 | |
| É também necessário dizer que o justo é verdadeiro e útil, | |
| mas não o que o parece ser; de sorte que a lei escrita não é | |
| 110 Sófocles, Antígona, 456, 458. | |
| 149 | |
| propriamente uma lei, pois não cumpre a função da lei; dizer | |
| também que o juiz é, por assim dizer, um verificador de moe- | |
| das, nomeado para distinguir a justiça falsa da verdadeira; e | |
| que é próprio de um homem mais honesto fazer uso da lei não | |
| escrita e a ela se conformar mais do que às leis escritas. É ne- | |
| cessário ainda ver se, de algum modo, a lei é contrária a outra | |
| já aprovada ou a si mesma; por exemplo, por vezes uma lei | |
| determina que todos os contratos sejam válidos, e outra proíbe | |
| que se estabeleçam contratos à margem da lei. Também se a | |
| lei é ambígua, a fim de a contornar e ver a que sentido se aco- | |
| moda, se ao justo ou ao conveniente, e em seguida usar a in- | |
| terpretação devida. E, se as circunstâncias que motivaram a lei | |
| já não existem mas a lei subsiste, então é necessário demonstrá- | |
| -lo e lutar contra a lei por esse meio. | |
| Mas, se a lei escrita favorece a nossa causa, convirá dizer | |
| que a fórmula «na melhor consciência» não serve para o juiz | |
| pronunciar sentenças à margem da lei, mas apenas para ele não | |
| cometer perjúrio no caso de ignorar o que a lei diz; que nin- | |
| guém escolhe o bom em absoluto, mas o que é bom para si; | |
| que nenhuma diferença existe entre não haver lei e não fazer | |
| uso dela; que, nas outras artes, não há vantagem em ser mais | |
| hábil do que o médico; pois o erro de um médico é menos | |
| prejudicial do que o hábito de desobedecer à autoridade; e que | |
| procurar ser mais sábio do que as leis é precisamente o que é | |
| proibido pelas leis que são louvadas. São estas as distinções que | |
| estabelecemos em relação às leis. | |
| Quanto às testemunhas, elas são de duas espécies: as teste- | |
| munhas antigas e as testemunhas recentes; e, destas últimas, | |
| umas participam do perigo, as outras ficam de fora. Chamo tes- | |
| temunhas antigas aos poetas e a todos aqueles homens ilustres | |
| cujos juízos são bem conhecidos; por exemplo, os Atenienses | |
| usaram Homero como testemunha no assunto de Salamina 111, | |
| e, recentemente, os habitantes de Ténedos usaram o testemunho | |
| de Periandro de Corinto contra os Sigeus 112. Também Cleo- | |
| 111 O passo da Ilíada 2.557-258 é citado por Sólon, na disputa com | |
| os habitantes de Mégara a favor das reivindicações atenienses sobre a ilha | |
| de Salamina. | |
| 112 Nada mais se conhece deste facto, a não ser o relatado no tex- | |
| to, nem mesmo da existência de disputas entre os povos de Ténedos e | |
| Sigeu. | |
| 150 | |
| fonte 113 se serviu contra Crícias dos versos elegíacos de Sólon, | |
| para dizer que a sua família de há muito era notória pela sua | |
| licenciosidade; porque, de outro modo, Sólon nunca teria escrito: | |
| Diz, te peço, ao ruivo Crícias que dê ouvidos ao seu | |
| pai. 114 | |
| Estes são, pois, os testemunhos sobre eventos passados; | |
| mas para os eventos futuros servem também os intérpretes de | |
| oráculos, como fez Temístocles, ao referir o muro de madeira 1376a | |
| para significar que era necessário travar uma batalha naval 115. | |
| Os provérbios, como se disse, são também testemunhos; por | |
| exemplo, se alguém aconselha a não se tomar um velho por | |
| amigo, serve-lhe como testemunho o provérbio: «Nunca faças | |
| bem a um velho.» E, se aconselha a matar os filhos, depois de | |
| ter morto os pais, pode dizer: | |
| Insensato é aquele que, depois de ter morto o pai, | |
| deixa com vida os filhos. 116 | |
| Testemunhas recentes são todas aquelas pessoas ilustres | |
| que emitiram algum juízo; pois os seus juízos são úteis para os | |
| que disputam sobre as mesmas coisas. Por exemplo, Eubulo | |
| utilizou nos tribunais contra Cares o que Platão havia dito con- | |
| tra Arquíbio, que «confissões de vício se tornavam comuns na | |
| cidade» 117. São também as testemunhas que participam do ris- | |
| 113 Referência ao conhecido demagogo que interveio nos assuntos | |
| de Atenas nos últimos anos da guerra do Peloponeso. Crícias era um dos | |
| trinta tiranos, parente de Platão. | |
| 114 Sólon, fr. 18 Diehl-Beutler-Adrados. | |
| 115 Esta é uma referência às palavras do oráculo conservadas por | |
| Heródoto (7.141-147): «Zeus previdente adverte Tritogenia (Atenas) que | |
| só o muro de madeira é inexpugnável.» Quando as forças de Xerxes se | |
| dirigiam para Atenas, os cidadãos consultaram o oráculo de Delfos, que | |
| lhes disse para confiarem nos seus «muros de madeira», e Temístocles | |
| interpretou esta palavra como referência à sua renovada armada. Eva- | |
| cuaram então a cidade e derrotaram os Persas na batalha de Salamina. | |
| 116 Atribuído por Clemente de Alexandria (Strommata, 7.2.19) a Es- | |
| tasino de Chipre, autor do poema épico Cypria, fr. 25 Allen. | |
| 117 Nada sabemos das circunstâncias que envolveram o julgamento | |
| de Cares. | |
| 151 | |
| co de serem processadas, se dão a impressão de estarem a | |
| mentir. Tais testemunhas servem apenas para determinar se um | |
| facto ocorreu ou não, se é ou não é esse o caso; mas não são | |
| testemunhas sobre a qualidade do acto, como, por exemplo, se | |
| é justo ou injusto, se é conveniente ou inconveniente. Sobre | |
| estas matérias, são mais dignas de crédito as testemunhas que | |
| estão fora da causa, e as mais dignas de todas são os antigos, | |
| pois não são corruptíveis. Para quem não tem testemunhas, os | |
| argumentos de persuasão invocados relativamente aos testemu- | |
| nhos podem ser os seguintes: que se deve julgar com base em | |
| probabilidades, isto é, «na melhor consciência» 118; que os ar- | |
| gumentos de probabilidade não se podem deixar corromper | |
| por dinheiro; e que os argumentos de probabilidade não po- | |
| dem ser surpreendidos em falso testemunho. Para quem tem | |
| testemunhas frente a um adversário que as não tem, os seus | |
| argumentos serão: que as probabilidades não valem perante o | |
| tribunal; e que não haveria necessidade de testemunhas, se | |
| bastasse especular na base de argumentos de probabilidade. | |
| Uns testemunhos referem-se ao próprio, outros à pessoa do | |
| adversário; uns aos factos, outros ao carácter moral das duas | |
| partes; de sorte que é evidente que em nenhuma circunstância | |
| deve faltar um testemunho útil; pois se não é possível produ- | |
| zir sobre os factos um argumento favorável à nossa causa ou | |
| desfavorável à do adversário, é ao menos possível produzi-lo | |
| sobre o carácter, para provar a nossa honestidade ou a mal- | |
| dade do adversário. Quanto aos demais argumentos sobre a | |
| testemunha se é amiga, inimiga ou indiferente, se é de boa, | |
| má ou mediana reputação, e quaisquer outras diferenças do gé- | |
| nero , devem formar-se a partir dos mesmos lugares de que | |
| derivamos os entimemas. | |
| No que respeita aos contratos, o uso dos argumentos visa | |
| aumentar ou anular a sua importância, provar que são dignos | |
| 1376b ou indignos de crédito: se nos são favoráveis, que são dignos | |
| de crédito e válidos; se são favoráveis ao adversário, então o | |
| contrário. Ora, para provar que eles são ou não são dignos de | |
| crédito, os métodos em nada se distinguem dos que se referem | |
| às testemunhas; pois é do que os seus signatários ou depositá- | |
| rios forem que depende a confiança que os contratos inspiram. | |
| 118 Esta era uma expressão-tipo que vinculava os jurados atenienses | |
| ao uso da maior discrição na formulação dos seus veredictos. | |
| 152 | |
| Quando a existência do contrato é reconhecida e este nos | |
| é favorável, então importa amplificar a sua importância; pois o | |
| contrato é uma lei particular e parcial; e não são os contratos | |
| que conferem autoridade às leis, mas são as leis que tornam | |
| legais os contratos. Em geral, a própria lei é uma espécie de | |
| contrato, de sorte que quem desobedece a um contrato ou o | |
| anula, anula as leis. Além disso, a maior parte das transacções, | |
| e todas as que são voluntárias, fazem-se mediante contratos; de | |
| sorte que, se estes se tornam inválidos, anula-se toda a relação | |
| mútua entre os homens. Os demais argumentos que igualmen- | |
| te se ajustam ao assunto são fáceis de ver. | |
| Mas, se os contratos nos são desfavoráveis e favoráveis ao | |
| nosso adversário, em primeiro lugar, são adequados os argu- | |
| mentos que nos permitirão combater uma lei que nos é contrá- | |
| ria; pois é absurdo pensarmos que não devemos obedecer às | |
| leis, quando elas estão mal feitas e os legisladores se engana- | |
| ram, mas que é necessário obedecer aos contratos. Depois, po- | |
| demos argumentar que o juiz é o árbitro da justiça; pelo que | |
| não é a letra do contrato que ele deve considerar, mas a solu- | |
| ção mais justa. Que não é possível perverter a justiça por fraude | |
| ou coacção (porque é ela natural), mas que os contratos se | |
| podem igualmente fazer por quem pode estar a ser enganado | |
| e coagido. Além disso, importa também verificar se os contra- | |
| tos são contrários a alguma das leis escritas ou das leis univer- | |
| sais e, de entre as escritas, se às nacionais ou às estrangeiras; | |
| depois, se eles se opõem a outros contratos posteriores ou an- | |
| teriores, porque, ou os posteriores são válidos e os anteriores | |
| não, ou os anteriores são rectos e os posteriores fraudulentos, | |
| da maneira que for mais útil. Importa ainda olhar para o inte- | |
| resse, se ele é de algum modo contrário ao dos juízes, e todos | |
| os argumentos do género; pois estes são igualmente fáceis de | |
| descobrir. | |
| As confissões sob tortura 119 são testemunhos de natureza | |
| peculiar, e parecem merecer confiança, porque nelas está pre- | |
| sente uma certa necessidade 120. Não é certamente difícil dizer | |
| 119 A tortura de escravos para testemunharem era uma prática cor- | |
| rente na Grécia, dependente apenas do consentimento dos seus senhores. | |
| 120 Cf. Quintín Racionero, in Aristóteles, Retórica, Madrid, Gredos, | |
| 1990, p. 298, n. 361. No mundo antigo, a tortura é, em determinados ca- | |
| sos, necessária para a confissão. | |
| 153 | |
| sobre estas confissões os argumentos possíveis: se elas nos fo- | |
| rem favoráveis, podemos valorizá-las, dizendo que são os úni- | |
| 1377a cos testemunhos verídicos; se nos forem contrárias e favorece- | |
| rem o adversário, podemos então refutá-las dizendo a verdade | |
| sobre todo o género de torturas; pois os que são forçados não | |
| dizem menos a mentira que a verdade, ora resistindo com obs- | |
| tinação para não dizerem a verdade, ora dizendo facilmente a | |
| mentira para que a tortura acabe mais depressa. É necessário | |
| poder invocar exemplos do passado que os juízes conheçam. | |
| É também necessário dizer que as confissões sob tortura não | |
| são verdadeiras; pois muitos há que são pouco sensíveis e de | |
| pele dura como pedra, capazes de nas suas almas resistir | |
| nobremente à coacção, mas os covardes e timoratos apenas se | |
| mantêm fortes antes de verem os instrumentos da sua tortura; | |
| de sorte que nada de credível há nas confissões sob tortura. | |
| Sobre os juramentos, podem-se fazer quatro distinções; | |
| pois, ou se permite o juramento ao adversário e se aceita pres- | |
| tá-lo, ou se não faz uma coisa nem outra, ou se faz uma coisa | |
| e não a outra; e, neste caso, ou se permite o juramento sem | |
| aceitar prestá-lo, ou se aceita prestá-lo sem o permitir. A par | |
| destas, uma outra distinção pode ainda ser feita: se o juramen- | |
| to já foi prestado, quer pelo próprio, quer pelo seu adversário. | |
| Pois bem, não se permite o juramento ao adversário por- | |
| que é fácil cometer perjúrio, porque ele, depois de jurar, se | |
| recusa a pagar a dívida, e porque se entende que, se ele não | |
| jurou, os juízes condená-lo-ão; também porque o risco de dei- | |
| xar a decisão com os juízes é preferível, por neles se ter con- | |
| fiança e não no adversário. | |
| Uma pessoa recusa-se a jurar alegando que o juramento | |
| se faz por dinheiro; que, se fosse desonesta, juraria sem difi- | |
| culdade, porque mais vale ser desonesto por alguma coisa do | |
| que por nada; que, jurando, teria vantagem, e, não jurando, | |
| não; e que, por conseguinte, a sua recusa poderia ter por causa | |
| a virtude, mas não o receio de perjúrio. Aplica-se aqui o dito | |
| de Xenófanes 121 de que, | |
| o desafio de um ímpio contra um homem piedoso carece de | |
| igualdade; | |
| 121 Xenófanes de Cólofon, filósofo e poeta que viveu por volta de | |
| 500 a. C. (fr. A 14 Diels). | |
| 154 | |
| é como se um homem forte desafiasse um fraco a dar golpes | |
| ou a recebê-los. | |
| Se a pessoa aceita jurar, é porque tem confiança em si | |
| mesma, mas não no adversário. E, dando a volta ao dito de | |
| Xenófanes, deverá então dizer-se que assim há igualdade, se o | |
| ímpio aceita o juramento e o homem piedoso jura; e que é gra- | |
| ve não querer jurar em matérias em que se considera justo que | |
| os juízes apenas decidam depois de haver jurado. | |
| Mas, se permite o juramento, dirá que é piedoso querer | |
| deixar o assunto com os deuses, que o adversário não deve | |
| recorrer a outros juízes, porque a ele se concede tomar a deci- | |
| são. Também que seria absurdo ele não querer jurar em assun- | |
| tos sobre os quais acha justo que outros prestem juramento. | |
| Ora, se está claro como convém falar em cada um destes | |
| casos em particular, também está claro como convém falar | |
| quando se combinam dois a dois. Por exemplo, se uma pessoa | |
| quer prestar juramento mas não permiti-lo, se o permite mas | |
| não o quer prestar, se o quer prestar e permitir, ou se não quer | |
| uma coisa nem outra. Pois estas são forçosamente as combina- 1377b | |
| ções que se podem formar a partir dos casos referidos, de sor- | |
| te que os argumentos terão igualmente de ser combinações dos | |
| já mencionados. | |
| Se antes se fez um juramento contrário ao que agora é | |
| prestado, é necessário dizer que não há perjúrio; pois o come- | |
| ter injustiça é voluntário e o perjúrio é cometer injustiça, mas o | |
| que se faz por violência ou engano é involuntário. Devemos, | |
| pois, aqui concluir que o perjúrio se faz com a mente e não | |
| com os lábios. Mas, se o juramento feito pelo adversário for | |
| contraditório, deverá dizer-se que tudo destrói quem não é fiel | |
| ao que jurou; pois é por isto também que os juízes aplicam as | |
| leis sob juramento. Poderá também dizer-se: «acham que | |
| devereis julgar permanecendo fiéis aos vossos juramentos, mas | |
| eles não permanecem fiéis aos seus». E muitas outras coisas se | |
| poderão dizer na amplificação do assunto. | |
| Isto é o que se nos oferece dizer sobre as provas não téc- | |
| nicas. | |
| 155 | |
| LIVRO II | |
| 1 | |
| A EMOÇÃO | |
| Tais são, pois, as matérias donde convém extrair os argu- | |
| mentos para aconselhar e desaconselhar, louvar e censurar, | |
| acusar e defender-se; tais são também as opiniões e as premis- | |
| sas que são úteis para as provas, pois é sobre tais matérias e a | |
| partir dessas premissas que se retiram os entimemas que tra- | |
| tam propriamente 1 de cada um dos géneros oratórios. | |
| Uma vez que a retórica tem por objectivo formar um juízo | |
| (porque também se julgam as deliberações e a acção judicial é | |
| um juízo), é necessário, não só procurar que o discurso seja de- | |
| monstrativo e digno de crédito, mas também que o orador mos- | |
| tre possuir certas disposições e prepare favoravelmente o juiz. | |
| Muito conta para a persuasão, sobretudo nas deliberações e, na- | |
| turalmente, nos processos judiciais, a forma como o orador se | |
| apresenta e como dá a entender as suas disposições aos ouvin- | |
| tes, de modo a fazer que, da parte destes, também haja um | |
| determinado estado de espírito em relação ao orador. A forma | |
| como o orador se apresenta é mais útil nos actos deliberativos, | |
| mas predispor o auditório de uma determinada maneira é mais | |
| vantajoso nos processos judiciais. Os factos não se apresentam | |
| sob o mesmo prisma a quem ama e a quem odeia, nem são | |
| iguais para o homem que está indignado ou para o calmo, mas, | |
| 1 !Ida. Aristóteles emprega este termo, não no seu sentido adver- | |
| bial (propriamente ou particularmente) mas numa acepção mais técnica: | |
| entimemas que, embora tendo um enunciado próprio, dependem especi- | |
| ficamente de uma matéria argumental, sem terem de recorrer a lugares- | |
| -comuns. | |
| 159 | |
| ou são completamente diferentes ou diferem segundo critérios | |
| 1378a de grandeza. Por um lado, quem ama acha que o juízo que | |
| deve formular sobre quem é julgado é de não culpabilidade ou | |
| de pouca culpabilidade; por outro, quem odeia acha o contrá- | |
| rio. Quem deseja e espera alguma coisa, se o que estiver para | |
| acontecer for à medida dos seus desejos, não só lhe há-de pa- | |
| recer que tal coisa acontecerá, como até será uma coisa boa; | |
| mas para o insensível e para o mal-humorado passa-se exacta- | |
| mente o contrário. | |
| Três são as causas que tornam persuasivos os oradores, e | |
| a sua importância é tal que por elas nos persuadimos, sem | |
| necessidade de demonstrações: são elas a prudência, a virtude | |
| e a benevolência 2. Quando os oradores recorrem à mentira nas | |
| coisas que dizem ou sobre aquelas que dão conselhos, fazem- | |
| -no por todas essas causas ou por algumas delas. Ou é por falta | |
| de prudência que emitem opiniões erradas ou então, embora | |
| dando uma opinião correcta, não dizem o que pensam por | |
| malícia; ou sendo prudentes e honestos não são benevolentes; | |
| por isso, é admissível que, embora sabendo eles o que é me- | |
| lhor, não o aconselhem. Para além destas, não há nenhuma | |
| outra causa. .orçoso é, pois, que aquele que aparenta possuir | |
| todas estas qualidades inspire confiança nos que o ouvem. Por | |
| isso, o modo como é possível mostrar-se prudente e honesto | |
| deve ser deduzido das distinções que fizemos relativamente às | |
| virtudes, uma vez que, a partir de tais distinções, é possível | |
| alguém apresentar outra pessoa e até apresentar-se a si próprio | |
| sob este ou aquele aspecto. Sobre a benevolência e a amizade, | |
| falaremos na parte dedicada às emoções 3. | |
| As emoções são as causas que fazem alterar os seres hu- | |
| manos e introduzem mudanças nos seus juízos, na medida em | |
| que elas comportam dor e prazer: tais são a ira, a compaixão, | |
| o medo e outras semelhantes, assim como as suas contrárias. | |
| Mas convém distinguir em cada uma delas três aspectos. Ex- | |
| 2 .rÒnhsij enquanto virtude intelelectual e faculdade da razão prá- | |
| tica; ¢ret» é a virtude de abrangência moral que acompanha a frÒnhsij | |
| nas decisões práticas; eÜnoia traduz a benevolência necessária que acom- | |
| panha a atitude e o comportamento respeitoso do orador face aos ouvin- | |
| te. Cf. Política V 7, 1309a, estas mesmas virtudes aplicadas aos magistra- | |
| dos. Cf. também Ésquines, Contra Ctesifonte, 169-170. | |
| 3 P£qh, habitualmente traduzido por «paixões». | |
| 160 | |
| plico-me: em relação à ira, por exemplo, convém distinguir em | |
| que estado de espírito se acham os irascíveis, contra quem cos- | |
| tumam irritar-se e em que circunstâncias; é que, se não se pos- | |
| sui mais do que um ou dois destes aspectos, e não a sua tota- | |
| lidade, é impossível que haja alguém que inspire a ira. E o | |
| mesmo acontece com as outras emoções. Ora, como nas nossas | |
| análises anteriores fizemos a descrição das respectivas premis- | |
| sas, assim também procederemos em relação às emoções e | |
| distingui-las-emos segundo o método estabelecido. | |
| 2 | |
| A IRA | |
| Vamos admitir que a ira é um desejo acompanhado de dor | |
| que nos incita a exercer vingança explícita devido a algum des- | |
| prezo manifestado contra nós, ou contra pessoas da nossa con- | |
| vivência, sem haver razão para isso. Se a ira é isto, forçoso é que | |
| o iracundo se volte sempre contra um determinado indivíduo, | |
| por exemplo, contra Cléon, mas não contra o homem em geral; | |
| e que seja por algum agravo que lhe fizeram ou pretendiam | |
| fazer, a ele ou a algum dos seus; além disso, toda a ira é acom- 1378b | |
| panhada de certo prazer, resultante da esperança que se tem de | |
| uma futura vingança. De facto, existe prazer em pensar que se | |
| pode alcançar o que se deseja; mas como ninguém deseja o que | |
| lhe é manifestamente impossível, o irascível deseja o que lhe é | |
| possível. Por isso, razão tem o poeta para dizer sobre a ira 4: | |
| que, muito mais doce do que o mel destilado, | |
| cresce nos corações dos homens. 5 | |
| Por isso, há um certo prazer que acompanha a ira, e tam- | |
| bém porque o homem vive na ideia de vingança, e a represen- | |
| tação 6 que então se gera nele inspira-lhe um prazer semelhan- | |
| te ao que se produz nos sonhos. | |
| 4 QumÒj. | |
| 5 Il., 18.109-110. | |
| 6 .antasa: «representação» ou «imaginação» mais do que propria- | |
| mente «fantasia» de tipo sensorial ou racional. | |
| 161 | |
| O desdém é uma opinião em acto relativo a algo que, apa- | |
| rentemente, não parece digno de qualquer crédito (pois pensa- | |
| mos que tanto as coisas más como as boas são dignas de inte- | |
| resse, assim como o que para elas tende, ao passo que, ao que | |
| não damos nenhuma ou muito pouca importância supomo-lo | |
| desprovido de valor). Há três espécies de desdém: o desprezo, | |
| o vexame e o ultraje. | |
| Quem desdenha despreza (pois despreza-se tudo o que se | |
| julga não ter valor; precisamente, o que não tem valor é o que | |
| inspira desprezo), da mesma forma que, quando se rebaixa | |
| alguém, se mostra claramente desprezo por ele. | |
| O vexame é um obstáculo aos actos de vontade, não para | |
| daí se tirar proveito próprio, mas para impedir que não apro- | |
| veite a outro. E como aquele que comete vexames não tira daí | |
| proveito pessoal, despreza-o, pois, como se torna evidente, nem | |
| sequer supõe que a pessoa vexada o possa prejudicar (é que, | |
| nesse caso, sentiria temor e não desdém), nem possa vir a ob- | |
| ter dela alguma coisa que valha a pena (pois, nesse caso, pen- | |
| saria em ser amigo dela). | |
| Da mesma forma, quem ultraja despreza. Consiste o ul- | |
| traje em fazer e em dizer coisas que possam fazer sentir vergo- | |
| nha a quem as sofre, não porque haja outro interesse além do | |
| facto em si, mas por mero prazer. Com efeito, quem exerce | |
| represálias não comete ultraje, mas vingança. Aquilo que cau- | |
| sa prazer aos que ultrajam é o facto de eles pensarem que o | |
| exercício do mal os torna superiores. É por isso que os jovens | |
| e os ricos são insolentes, pois ao procederem dessa forma jul- | |
| gam elevar-se acima dos demais. A desonra é inerente ao ul- | |
| traje, e desonrar é desprezar, porque aquilo que não tem qual- | |
| quer valor também não merece qualquer estima, nem para | |
| bem, nem para mal. Assim, Aquiles, irado, diz: | |
| desonrou-me, pois arrebatou-me e ficou com a minha re- | |
| compensa 7 | |
| e | |
| como a um desterrado privado de honra 8, | |
| 7 Il., 1.356. | |
| 8 Ibidem, 4.648. | |
| 162 | |
| como se por causa disso ficasse cheio de ira. Muitos pensam | |
| que é conveniente ser mais respeitado pelos que nos são infe- 1379a | |
| riores em estirpe, em poder, em virtude e, em geral, em tudo | |
| aquilo em que se é muito superior; por exemplo, o rico é supe- | |
| rior ao pobre em questões de dinheiro; o orador ao que não | |
| sabe falar em matéria de eloquência; o governante ao governa- | |
| do; o que se considera digno de comandar ao que só merece | |
| ser comandado. Por isso se disse: | |
| fúria grande é a dos reis, alimentadores de Zeus 9 | |
| e | |
| mas também guarda no peito rancor 10, | |
| uma vez que é por causa da superioridade que se indignam os | |
| homens. Há ainda quem pense que se deve receber mais con- | |
| sideração daqueles que, segundo nós, nos devem tratar bem; e | |
| esses são aqueles a quem nós fizemos ou fazemos bem, nós ou | |
| alguém por nós, ou alguma pessoa do nosso conhecimento, ou | |
| ainda aqueles a quem queremos ou quisemos fazer algum | |
| favor. | |
| Pelo que fica dito, já se vê com clareza quais são as dispo- | |
| sições em que se encontram as pessoas que se encolerizam, | |
| contra quem o fazem e por que causas. Os seres humanos en- | |
| colerizam-se quando sentem tristeza, pois quem sente amargu- | |
| ra é porque deseja alguma coisa. Ora, se algum obstáculo se | |
| opuser ao seu desejo, quer directamente, como por exemplo, | |
| quando alguém o impede de beber, quer indirectamente, em | |
| ambos os casos o resultado é nitidamente o mesmo. O ser hu- | |
| mano encoleriza-se, se alguém se opuser à sua acção ou se al- | |
| guém não colaborar com ele, ou se, de alguma forma, alguém | |
| o perturbar quando está em tal estado. Eis a razão pela qual os | |
| enfermos, os pobres, os que estão em guerra, os amantes, os | |
| que têm sede e, em geral, os que desejam ardentemente algu- | |
| ma coisa e não a satisfazem são iracundos e facilmente irritá- | |
| veis, sobretudo contra aqueles que menosprezam a sua situa- | |
| 9 Ibidem, 2.196. | |
| 10 Ibidem, 1.82. | |
| 163 | |
| ção. Assim, por exemplo: o doente encoleriza-se contra os que | |
| [desprezam] a sua doença, o pobre contra os que [são indife- | |
| rentes] à sua pobreza, o soldado contra os que [subestimam] a | |
| sua guerra, o apaixonado contra os que [desdenham] do seu | |
| amor, e assim por diante; e além destes casos, todos os outros | |
| em que se atente contra os nossos desejos. Na verdade, cada | |
| pessoa abre caminho à sua própria ira, vítima da paixão que a | |
| possui. De resto, acontece o mesmo quando surge algo que é | |
| contrário à nossa expectativa, uma vez que o inesperado en- | |
| tristece muito mais, assim como o imprevisto causa mais | |
| prazer quando vem ao encontro dos nossos desejos. Daí que | |
| seja possível ver com toda a clareza quais são os momentos, | |
| tempos, estados de espírito 11 e idades mais propensos à ira, | |
| bem como em que lugares e momentos acontece; acrescente-se | |
| ainda que, quanto mais estamos nestas condições, mais propen- | |
| sos somos à ira. | |
| Assim, os que nesses estados de espírito estão predispos- | |
| tos à ira enfurecem-se contra os que se riem, gozam e escarne- | |
| cem deles visto que os insultam bem como contra os que | |
| infligem ofensas tais que são sinais de opróbrio. Tais são, ne- | |
| cessariamente, as acções inúteis que nem dão proveito a quem | |
| as pratica, uma vez que parece só terem por causa o desejo de | |
| ultrajar. Irritam-se, também, contra os que falam mal deles e | |
| mostram desprezo pelas coisas que eles mais estimam, como, | |
| por exemplo, os que põem toda a sua ambição na filosofia, caso | |
| alguém fale contra a filosofia ou contra os que a colocam no | |
| plano meramente pessoal; ou ainda quando alguém despreza | |
| a sua aparência 12, e assim por diante em casos semelhantes. | |
| Isto é muito mais frequente, quando suspeitam que não são su- | |
| periores nas acções de que se gabam, ou absolutamente, ou se | |
| 1379b o são só em grau diminuto, ou acham que não o são segundo | |
| uma opinião estabelecida; é que, quando se acham muito se- | |
| guros da sua superioridade em assuntos que constituem objec- | |
| to de gozo, não se preocupam nada com isso. Por outro lado, | |
| irritam-se mais com os amigos do que com os que não são | |
| 11 Diaqseij traduz uma disposição (termo que usamos com alguma | |
| frequência na tradução) facilmente variável ou um estado de espírito físi- | |
| co, psíquico ou moral que se altera e que depende do hábito (ethos) e da | |
| maneira de ser de cada um. | |
| 12 T¾n dan. | |
| 164 | |
| amigos; na verdade, pensam que é mais lógico receber deles | |
| bom tratamento do que ao contrário. Também se enfurecem | |
| contra aqueles que estão acostumados a honrá-los ou a consi- | |
| derá-los, se depois não procederem do mesmo modo, por acha- | |
| rem que estão a ser desprezados por eles; caso contrário, con- | |
| tinuariam a portar-se da mesma maneira. O mesmo acontece | |
| contra os que não agem reciprocamente, nem pagam com a | |
| mesma moeda 13. Também se enfurecem contra os que agem | |
| contra os seus interesses, se forem seus inferiores, pois todos | |
| quantos assim procedem dão a impressão de os desprezar, uns | |
| tratados como inferiores, outros como se os favores dispensa- | |
| dos viessem de inferiores; crescem em cólera contra os que | |
| não são tidos em nenhuma consideração, se, ainda por cima, | |
| lhes mostram desprezo; é que a ira é uma forma de desprezo | |
| contra os que não têm o direito de desprezar; ora, os inferiores | |
| não têm o direito de desprezar. O mesmo contra os amigos, se | |
| não falarem bem deles ou se não lhes fizerem bem, e, mais | |
| ainda, se falarem e agirem contra eles ou se não estiverem aten- | |
| tos às suas necessidades tal como, na tragédia de Anti- | |
| fonte 14, Plexipo se enfurecia contra Meléagro. Ora, não se dar | |
| conta disto é sinal de desprezo, já que as coisas que nos inte- | |
| ressam não nos passam despercebidas. Igualmente, contra os | |
| que se regozijam com as desgraças e, em geral, contra os que | |
| permanecem indiferentes aos infortúnios, o que é sinal de hos- | |
| tilidade ou de desprezo. Também contra os que não se impor- | |
| tam do mal que causam, razão pela qual a ira cresce contra os | |
| mensageiros de más notícias, e contra os que dão ouvidos | |
| a maledicências ou tornam públicos os nossos defeitos: são | |
| iguaizinhos aos que nos desprezam ou aos nossos inimigos. | |
| Mas os amigos compadecem-se dos amigos, e todos os seres | |
| humanos sofrem ante o espectáculo das suas próprias fraque- | |
| 13 Lit. «não correspondem de forma igual». | |
| 14 Antifonte, Meleager, 1399b27. Não se confunda este Antifonte, trá- | |
| gico de Siracusa e contemporâneo de Dionísio I, com Antifonte de | |
| Ramnunto, mestre de retórica, ou ainda com Antifonte, o Sofista (cf. Plu- | |
| tarco, Vidas dos Dez Oradores, 1.832 C ss., e .ilóstrato, Vida dos Sofistas, I, | |
| 15, 3). A referência alude ao episódio em que Plexipo, um dos irmãos da | |
| mãe de Meléagro (Alteia), foi morto por este numa disputa provocada | |
| por Ártemis pela posse da cabeça do javali de Cálidon, sendo depois per- | |
| seguido pelas Erínias (cf. Apolodoro, 1.67, e Ovídio, Metam., 8.270 ss.). | |
| 165 | |
| zas. E ainda contra os que nos desprezam diante de cinco cate- | |
| gorias de pessoas: as que rivalizam connosco, as que admira- | |
| mos, aquelas por quem queremos ser admirados, as que nos | |
| inspiram respeito e as que nos respeitam. Se alguém nos des- | |
| prezar diante delas, maior será a nossa ira. Também contra os | |
| que desprezam as pessoas a quem seria vergonhoso que não | |
| socorrêssemos, tais como, pais, filhos, mulheres, subordinados. | |
| E também contra os que não reconhecem um favor, porque o | |
| desprezo consiste em fazer alguma coisa fora do que é devido. | |
| E contra os que ironizam diante dos que falam sério, porque a | |
| ironia é qualquer coisa de desdenhoso 15. Também contra os | |
| que são benfeitores de outros, mas não nossos, pois constitui | |
| atitude desprezível considerar que o que é digno para uns não | |
| o seja para outros. Mas também a falta de memória, inclusiva- | |
| mente o esquecimento de coisas insignificantes, como, por | |
| exemplo, esquecer-se do nome de certa pessoa, pode provocar | |
| a ira, pois o esquecimento parece ser um sinal de desprezo; | |
| com efeito, o esquecimento tem por causa a falta de interesse, | |
| que é uma certa forma de desprezo. | |
| 1380a E com isto, falámos, simultaneamente, das pessoas contra | |
| quem se sente ira, em que estados de espírito e por que moti- | |
| vos. É evidente que o orador deve dispor, por meio do discur- | |
| so, os seus ouvintes de maneira que se sintam na disposição | |
| de se converterem à ira, representando os seus adversários | |
| culpados daquilo que a provoca e como sujeitos dotados de um | |
| carácter capaz de a excitar. | |
| 3 | |
| A CALMA | |
| Uma vez que estar encolerizado é o contrário de estar | |
| calmo, e a cólera é o oposto da calma, temos de tratar dos es- | |
| tados de espírito dos calmos, em relação a quem, e por que ra- | |
| 15 A ironia parece constituir um poderoso recurso oratório que o | |
| Estagirita atribui originariamente a Górgias. Para uma teorização da iro- | |
| nia entre os antigos, veja-se Aristóteles, Ethica Nicomachea IV 8, 1127b22- | |
| -23; Cícero, De oratore, 2.67, 269 ss.; Quintiliano, Instituto oratoriae, 8.6.44; | |
| 9.2.44 ss. | |
| 166 | |
| zões assim estão. Vamos admitir que a calma pode ser defini- | |
| da como um apaziguamento e uma pacificação da cólera. Ora, | |
| se os seres humanos se encolerizam contra os que os despre- | |
| zam e esse desprezo é voluntário, é evidente que, em relação | |
| aos que não procedem da mesma maneira, ou o fazem invo- | |
| luntariamente ou aparentam fazê-lo, mostram-se calmos. De | |
| modo semelhante, mostram-se calmos com os que pretendem | |
| o contrário do que eles próprios fizeram; com os que fazem o | |
| mesmo consigo próprios, pois ninguém parece desprezar-se a | |
| si próprio; com os que reconhecem as suas faltas e se arrepen- | |
| dem, visto que o mal-estar que provocaram nos outros os faz | |
| sentir culpados e põe cobro à cólera. Um indício do que acabá- | |
| mos de dizer está no castigo dado aos escravos: castigamos | |
| sobretudo os que nos contradizem e negam as suas faltas, mas | |
| apaziguamos a nossa cólera com os que reconhecem que são | |
| castigados com justiça 16. A razão deste procedimento reside no | |
| facto de que negar uma evidência é uma vergonha e que o de- | |
| saforo é desprezo e desdém; pelo menos, não nos envergonha- | |
| mos diante daqueles por quem temos um grande desprezo e | |
| dos que se humilham na nossa presença e não nos contradi- | |
| zem, pois parecem admitir que são inferiores, e os inferiores | |
| são medrosos, e quem não é medroso não despreza. A prova | |
| de que a ira cessa em relação aos que se humilham está nisto: | |
| até os cães mostram que não mordem as pessoas que se sen- | |
| tam 17; e com os que falam a sério, quando eles também proce- | |
| dem com seriedade, pois parece-lhes que quem fala a sério não | |
| desdenha; e com os que retribuem um favor com um favor | |
| maior; com os necessitados e suplicantes, porque são mais | |
| humildes; com os que não são soberbos, nem trocistas, nem | |
| desdenhosos com ninguém, nem com gente honrada, nem com | |
| os que são semelhantes a eles. Em geral, as coisas que produ- | |
| zem serenidade devem examinar-se pelos seus contrários. | |
| Mostramo-nos calmos com os que tememos e respeitamos, pois | |
| enquanto estamos nessa disposição não sentimos cólera; com | |
| efeito, é impossível sentir, a um tempo, medo e cólera. Quanto | |
| 16 Para idênticas considerações sobre o tratamento dado aos escra- | |
| vos, cf. Oeconomica I 55, 1344a-b (obra já editada nesta colecção). | |
| 17 Alusão ao episódio da Od., 14.31, quando Ulisses, frente aos cães | |
| ferozes de Eumeu, «sentou-se logo, deixando cair da mão o bastão que | |
| levava». Ver ainda Plínio, Nat. hist., 8.41.61. | |
| 167 | |
| aos que agem por cólera, ou não nos encolerizamos com eles, | |
| ou encolerizamo-nos menos, pois, ao que parece, não agiram | |
| por desprezo: é que nenhum homem irado despreza, visto que | |
| o desprezo não comporta mágoa, enquanto a ira é acompanha- | |
| 1380b da de mágoa. Também nos mostramos calmos com os enver- | |
| gonhados. | |
| É evidente que nos mostramos calmos quando nos encon- | |
| tramos num estado de espírito contrário ao que dá origem à | |
| cólera. Por exemplo, no jogo, no riso, nas festas, nos dias feli- | |
| zes, num negócio bem sucedido, na prosperidade e, em geral, | |
| na ausência de dor, de prazer sem insolência e de indulgente | |
| esperança. Além disso, mostram-se calmos os que dão tempo | |
| ao tempo e não se deixam dominar repentinamente pela ira, | |
| porque o tempo faz cessar a ira 18. Mas a ira, mesmo aquela | |
| mais forte que se sente contra uma certa pessoa, cessa, se já | |
| antes tiver havido vingança contra outra. Por isso, .ilócrates | |
| respondeu bem quando, diante do povo irritado, alguém lhe | |
| perguntou: «Por que não te defendes?» «Ainda não.» | |
| «Mas então quando?» «Quando vir que caluniaram outro.» 19 | |
| Na verdade, as pessoas ficam calmas depois de verem esgota- | |
| da a sua ira contra outra. .oi o que aconteceu a Ergófilo: se | |
| bem que os Atenienses estivessem mais indignados com ele do | |
| que com Calístenes, deixaram-no ir em liberdade porque na | |
| véspera tinham condenado Calístenes à morte 20. E as pessoas | |
| tornam-se calmas se os seus ofensores forem apanhados e se | |
| sofrerem um tratamento pior do que aquele que poderiam in- | |
| fligir-lhe os que estão encolerizados contra eles, pois crêem que | |
| já obtiveram de algum modo vingança; e também se elas pró- | |
| 18 Expressão já proverbial na literatura grega. Cf. Sófocles, Electra, | |
| 179, e Tucídides, 3.38. | |
| 19 .ilócrates estava à frente do partido pró-macedónio que se opu- | |
| nha ao partido radical liderado por Licurgo e Demóstenes e foi um dos | |
| principais responsáveis pelo tratado de paz com a Macedónia em 346 a. C., | |
| cujas consequências foram catastróficas para Atenas. Perseguido, exilou- | |
| -se e foi condenado à morte à revelia em 343 a. C. | |
| 20 Calístenes e Ergófilo eram estrategos que participaram na expe- | |
| dição do Queroneso e foram acusados de alta traição em 326 a. C. por | |
| terem concluído um tratado de paz com Perdicas, rei da Macedónia, o | |
| que provocou, uma vez mais, a indignação de Demóstenes (De falsa leg., | |
| 180). | |
| 168 | |
| prias pensam que cometeram uma injustiça e estão a sofrer o | |
| castigo merecido, pois a ira não se vira contra o que é justo: | |
| é que, então, considera-se que não se está a sofrer um mal que | |
| não seja merecido, pois isso era próprio da ira. Por isso, é pre- | |
| ciso repreender primeiro com palavras, pois assim até os es- | |
| cravos se ofendem menos quando são castigados. Também fi- | |
| camos calmos quando pensamos que aquele que queremos | |
| castigar não sabe que sofre castigo por causa de nós, nem o | |
| aplicamos como represálias. Com efeito, a ira, por definição, é | |
| qualquer coisa de pessoal, como é evidente. Por isso, tem ra- | |
| zão Homero ao escrever: | |
| Diz-lhe que foi Ulisses, saqueador de cidades 21 | |
| uma vez que não se poderia considerar Ulisses completamente | |
| vingado, se Polifemo não soubesse quem tinha sido o autor e a | |
| causa dos seus infortúnios. Deste modo, ninguém se encoleriza | |
| nem contra os que não se apercebem dela, nem contra os mor- | |
| tos, visto que estes sofreram até ao fim e já não podem sentir | |
| dor, nem têm a percepção do que desejam os que estão irados. | |
| Por isso, razão tem o poeta para dizer, acerca do cadáver de | |
| Heitor, ao querer pôr fim à cólera de Aquiles, | |
| maltrata uma terra surda, furibundo 22. | |
| Portanto, fica claro que os que desejam tranquilizar um | |
| auditório devem recorrer a estes tópicos 23, devendo trabalhá- | |
| -los no sentido daqueles contra quem estão irritados ou inspi- | |
| ram temor, ou sentimento de respeito, ou são benfeitores de- | |
| les, ou agiram contra a própria vontade, ou estão arrependidos | |
| do que fizeram. | |
| 21 Od., 9.504. | |
| 22 Il., 24.54. Palavras ditas por Apolo num concílio dos deuses. | |
| 23 Topoi ou «tópicos gerais». Refere-se provavelmente aos argumen- | |
| tos apontados no começo deste livro. | |
| 169 | |
| 4 | |
| A AMIZADE E A INIMIZADE | |
| .alemos agora das pessoas que se amam e que se odeiam | |
| e por que razões. Mas antes definamos o que é a amizade e o | |
| que é amar. Admitamos que amar é querer para alguém aqui- | |
| lo que pensamos ser uma coisa boa, por causa desse alguém e | |
| não por causa de nós. Pôr isto em prática implica uma deter- | |
| 1381a minada capacidade da nossa parte. É amigo aquele que ama e | |
| é reciprocamente amado. Consideram-se amigos os que pensam | |
| estar mutuamente nestas disposições. | |
| Colocadas estas hipóteses, é necessário que seja nosso | |
| amigo aquele que se regozija com as coisas boas e se entristece | |
| com as nossas amarguras, sem outra razão que não seja a pes- | |
| soa amada. Todos nós nos alegramos quando acontece aquilo | |
| que desejamos, mas todos nos entristecemos com o contrário, | |
| de tal sorte que a dor e o prazer são sinais da vontade. Tam- | |
| bém são amigos aqueles que têm por boas e más as mesmas | |
| coisas, e por amigos e inimigos as mesmas pessoas. Daí resul- | |
| ta, forçosamente, querer para os amigos o que se deseja para si | |
| próprio; de modo que são amigos aqueles que, ao quererem | |
| para si o que querem para a pessoa amada, mostram com toda | |
| a evidência que são amigos dela. Amam-se os nossos benfeito- | |
| res, tanto os que cuidam de pessoas que estão a nosso cargo, | |
| como os que nos prestam serviços, sejam estes importantes ou | |
| feitos com boa intenção, ou em ocasiões oportunas e tendo em | |
| vista o nosso interesse, ou os que eventualmente achamos que | |
| estariam dispostos a beneficiar-nos. E também os amigos dos | |
| nossos amigos, os que amam os que nós amamos e os que são | |
| amados pelas pessoas que nós amamos. Do mesmo modo, os | |
| que têm os mesmos inimigos que nós e odeiam os que nós | |
| odiamos, assim como aqueles que são odiados pelos mesmos | |
| que nós odiamos. Para todas estas pessoas parece haver as | |
| mesmas coisas boas que há para nós; por conseguinte, desejam | |
| para elas as mesmas coisas boas que para nós, o que, segundo | |
| a nossa definição, é próprio do amigo. | |
| Amamos ainda os que estão dispostos a fazer-nos bem, | |
| quer em dinheiro, quer em segurança. É por isso que temos em | |
| grande estima os liberais, os corajosos e os justos. Por outro | |
| lado, supomos que são assim as pessoas que não vivem a | |
| expensas de outros, como, por exemplo, as que vivem do seu | |
| 170 | |
| trabalho; e, entre estas, as que vivem do trabalho do campo e, | |
| sobretudo, as que trabalham por conta própria 24. E os mode- | |
| rados, porque não são injustos, e os pacíficos, pela mesma ra- | |
| zão; e aqueles de quem queremos ser amigos, se manifestarem | |
| os mesmos desejos que nós. Tais são os que pela sua virtude | |
| são bons e gozam de boa reputação, quer perante o mundo | |
| inteiro, quer entre os homens mais qualificados, quer ainda | |
| entre os que admiramos ou os que nos admiram. | |
| E ainda os que são agradáveis no seu trato e convivência, | |
| como, por exemplo, os complacentes e os que não espreitam | |
| toda e qualquer ocasião para refutar os nossos erros e não são | |
| amigos de brigas, nem de discórdias (pois todos estes são | |
| aguerridos e os que nos combatem mostram claramente que | |
| querem o contrário de nós). Também os que têm habilidade | |
| para gracejar e para suportar gracejos: em ambos os casos, gera- | |
| -se um espírito de camaradagem, que os torna capazes de ad- | |
| mitir uma graça e de gracejar de bom gosto. | |
| Também amamos os que elogiam as boas qualidades que | |
| possuímos, especialmente aquelas que temos receio de não | |
| possuir. E ainda os que têm um aspecto limpo, no vestuário e, 1381b | |
| em geral, na maneira de viver. E os que não repreendem, nem | |
| as nossas faltas, nem os favores que nos outorgaram, pois tan- | |
| to uns como outros só servem para criticar. Também os que | |
| não são rancorosos, nem alimentam queixas, mas, ao contrá- | |
| rio, estão sempre dispostos a acalmar-se, pois supomos que | |
| essas pessoas terão para nós a mesma atitude que têm para os | |
| outros. E os que não são caluniadores, nem se metem na vida | |
| do vizinho, nem na nossa, mas apenas procuram saber as coi- | |
| sas boas, pois é assim que age o homem de bem. E os que não | |
| fazem frente aos irascíveis ou tomam as coisas demasiado a | |
| sério, porque esses são arruaceiros. E os que se interessam por | |
| nós, por exemplo, os que nos admiram, os que nos acham pes- | |
| soas honestas, os que rejubilam com a nossa companhia e, aci- | |
| ma de tudo, os que partilham esses sentimentos naqueles as- | |
| 24 Não sendo muito comum a «apologia» do trabalho e do cultivo | |
| dos campos (cf. Aristóteles, Oeconomica I 2, 134a25, a agricultura é «a mais | |
| virtuosa de todas as ocupações naturais») convém registar o facto, tendo | |
| em conta que o que sempre prevaleceu desde os poemas homéricos e | |
| disso se fizeram eco a literatura e a arte (à excepção de Hesíodo) foram | |
| ancestrais preconceitos fisiocráticos, denegrindo o trabalho braçal. | |
| 171 | |
| suntos em que nós queremos ser particularmente admirados ou | |
| parecer honestos e agradáveis. Também os nossos semelhantes | |
| e os que se ocupam das mesmas coisas que nós, desde que não | |
| nos incomodem, nem tenham os mesmos meios de subsistên- | |
| cia que nós, pois é daí que vem o provérbio | |
| oleiro contra oleiro 25. | |
| E os que desejam as mesmas coisas que nós, desde que | |
| seja possível partilhá-las conjuntamente, pois, caso contrário, | |
| acontece o mesmo que antes. | |
| Também amamos aqueles com quem temos uma tal rela- | |
| ção de amizade que não temos vergonha de actos vergonhosos | |
| segundo a opinião comum, sem que todavia os desprezemos. | |
| Mas aqueles na presença dos quais temos vergonha, actos ver- | |
| gonhosos são de verdade 26. E aqueles com quem rivalizamos ou | |
| pelos quais queremos ser emulados, mas não invejados, a esses | |
| também os amamos ou queremos ser amigos deles. | |
| E o mesmo acontece com aqueles a quem ajudamos a | |
| adquirir bens, desde que isso não nos traga males maiores. | |
| E aqueles que amam os amigos, ausentes e presentes. Por isso, | |
| todos os seres humanos amam as pessoas que procedem assim | |
| com os mortos. E, em geral, amamos os que são verdadeira- | |
| mente amigos dos seus amigos e não os abandonam na adver- | |
| sidade. De entre as pessoas de bem, amamos, sobretudo, os que | |
| são bons amigos e os que não são fingidos connosco: tais são | |
| os que nos falam das suas próprias fraquezas, pois já dissemos | |
| que com os amigos não nos envergonhamos de actos que são | |
| vergonhosos segundo a opinião pública; portanto, se quem sen- | |
| te vergonha destes actos não ama, quem não sente vergonha | |
| parece-se com quem ama. Também amamos a quem não nos | |
| inspira medo e a quem nos inspira confiança, pois ninguém | |
| ama a quem se teme. | |
| 25 Velho adágio já mencionado por Hesíodo (Opera et Dies, 25) que | |
| traduz a rivalidade entre pessoas do mesmo ofício. Vejam-se ainda cita- | |
| ções do mesmo adágio nas obras seguintes: Ethica Eudemia VII 1, 1235a18; | |
| Poética V 10, 1312b4. | |
| 26 O contexto dialéctico do passo não esclarece totalmente a sintaxe | |
| suspensa da frase. Note-se, no entanto, a distinção tradicional entre o que | |
| é «opinião e verdade» (prÕj dÒxan ka prÕj ¢l»qeian). | |
| 172 | |
| A camaradagem, a familiaridade, o parentesco e outras | |
| relações semelhantes são espécies de amizade. Um favor pro- | |
| duz amizade, tal como o fazê-lo sem ser solicitado e sem os- | |
| tentar que se fez, pois assim parece que se fez só por causa do | |
| favorecido e não por outro motivo qualquer. | |
| Quanto à inimizade e ao ódio há que estudá-los a partir 1382a | |
| dos seus contrários. A cólera, o vexame e a calúnia são as cau- | |
| sas da inimizade. Ora, a cólera resulta de coisas que afectam | |
| directamente uma pessoa, mas a hostilidade também pode re- | |
| sultar de coisas que nada têm de pessoal: basta supormos que | |
| uma pessoa tem tal ou tal carácter para a odiarmos. Por outro | |
| lado, a cólera refere-se sempre a um indivíduo particular, por | |
| exemplo, a Cálias ou a Sócrates, mas o ódio também abrange | |
| toda uma classe de pessoas: toda a gente odeia o ladrão e o | |
| sicofanta 27. O tempo pode curar a cólera, mas o ódio é incurá- | |
| vel. A primeira procura meter dó, o segundo procura fazer mal, | |
| já que o colérico deseja sentir o mal que causa, mas ao que | |
| odeia isso nada importa. As coisas que causam pena são todas | |
| sensíveis, mas as que causam maiores males são as menos sen- | |
| síveis, como a injustiça e a loucura; com efeito, a presença do | |
| mal não nos causa pena. A ira também é acompanhada de | |
| pena, mas não o ódio; o homem irado sente pena, mas não o | |
| que odeia. Um pode sentir compaixão em muitas circunstân- | |
| cias, o outro nunca; o primeiro deseja que aquele contra quem | |
| está irado sofra por sua vez; o segundo que deixe de existir | |
| aquele a quem odeia. | |
| Do que até agora dissemos, resulta claro que é possível | |
| demonstrar que classe de pessoas são inimigas e amigas, e fa- | |
| zer que o sejam se não o forem, ou refutá-las se afirmam que | |
| o são; e se, devido à ira ou à inimizade, se tornam nossas | |
| adversárias, então há que «encaixá-las» 28 nas duas catego- | |
| rias 29, conforme cada um prefira. | |
| 27 Sicofanta: «delator», «informador». Etimologicamente, o sicofanta | |
| era o que informava o governo do contrabando de figos (sykon = «figo»). | |
| O termo serviu depois para designar outras formas de denúncia, nomea- | |
| damente políticas, já que Atenas pululava de oportunistas e delatores. | |
| 28 ¥gein: «conduzi-las». | |
| 29 Isto é, na de «amigo» ou de «inimigo». | |
| 173 | |
| 5 | |
| O TEMOR E A CON.IANÇA | |
| Quais as causas do medo? Quem tememos e em que esta- | |
| do de espírito sentimos medo? É o que vamos esclarecer a se- | |
| guir. Vamos admitir que o medo consiste numa situação aflitiva | |
| ou numa perturbação causada pela representação de um mal | |
| iminente, ruinoso ou penoso. Nem tudo o que é mal se receia, | |
| como, por exemplo, ser injusto ou indolente, mas só os males | |
| que podem causar mágoas profundas ou destruições; isto só no | |
| caso de eles surgirem não muito longínquos, mas próximos e | |
| prestes a acontecer; os males demasiado distantes não nos | |
| metem medo. Com efeito, toda a gente sabe que vai morrer, | |
| mas, como a morte não está próxima, ninguém se preocupa | |
| com isso. | |
| Se o temor é isto, forçoso é admitir que as coisas temíveis | |
| são as que parecem ter um enorme poder de destruir ou de | |
| provocar danos que levem a grandes tristezas. É por isso que | |
| os sinais dessas eventualidades inspiram medo, pois mostram | |
| que o que tememos está próximo. O perigo consiste nisso mes- | |
| mo: na proximidade do que é temível. | |
| O que tememos são o ódio e a ira de quem tem o poder | |
| de fazer mal (é claro que essas pessoas querem e podem, e a | |
| prova é que estão prontas a fazê-lo); tememos a injustiça que | |
| dispõe desse mesmo poder, pois é por um acto de vontade de- | |
| 1382b liberada que o injusto é injusto; a virtude ultrajada, se tiver esse | |
| mesmo poder (é evidente que, quando uma pessoa é insulta- | |
| da, é-o sempre intencionalmente, e passa a dispor desse poder); | |
| e o medo dos que podem fazer algum mal, visto que, por for- | |
| ça das circunstâncias, tais pessoas também hão-de estar prepa- | |
| radas para agir. Como a maior parte dos seres humanos são | |
| bastante maus, dominados pelo desejo do lucro e cobardes nos | |
| perigos, na maior parte dos casos é perigoso estar à mercê de | |
| outrem; por conseguinte, é de recear que os que são cúmplices | |
| de uma má acção não venham a tornar-se delatores, ou que os | |
| cobardes não nos abandonem nos perigos. Os que podem co- | |
| meter injustiça são temidos pelos que podem ser vítimas dela, | |
| porque, a maior parte das vezes, os seres humanos, se pude- | |
| rem cometer injustiça, cometem-na. E o mesmo sucede com os | |
| que foram vítimas de injustiça ou acham que foram, uma vez | |
| que estão sempre à espreita de uma oportunidade. São tam- | |
| 174 | |
| bém temíveis os que cometeram injustiças, quando dispunham | |
| dessa capacidade, porque também eles, por sua vez, temem a | |
| vingança; segundo o que foi estabelecido, isto é uma coisa te- | |
| mível. E os que são antagonistas em coisas que não são possí- | |
| veis de obter por uns e outros ao mesmo tempo: acabam por | |
| estar sempre em luta uns contra os outros. E os que amedron- | |
| tam os que são mais poderosos que nós, pois se podem preju- | |
| dicar os que nos são superiores, mais podem prejudicar-nos a | |
| nós. E os que temem os que são mais poderosos que nós, pela | |
| mesma razão apontada. Também os que aniquilaram pessoas | |
| mais fortes que nós e os que atacaram gente mais fraca do que | |
| nós, porque esses, ou já são temíveis, ou podem vir a sê-lo, logo | |
| que o poder deles tiver aumentado. De entre os que lesámos, e | |
| que são nossos inimigos ou adversários, temos de recear, não | |
| os arrebatados, nem os que falam com franqueza, mas antes os | |
| mansos, os irónicos e os velhacos; é que nunca se sabe se estão | |
| prontos a atacar, de tal modo que também nunca é evidente | |
| saber se estão longe de o fazer. Tudo o que é temível é mais | |
| temível ainda quando há uma falha irreparável, ou porque é | |
| completamente impossível, ou porque não depende de nós, | |
| mas dos nossos adversários. E o mesmo sucede com coisas que | |
| não têm arranjo ou não são fáceis de arranjar. Numa palavra, | |
| são temíveis todas as coisas que inspiram compaixão, quando | |
| acontecem ou estão para acontecer aos outros. Pouco mais ou | |
| menos, estas são as mais importantes coisas que tememos e as | |
| que, por assim dizer, inspiram temor. | |
| .alemos agora das disposições em que se encontram os | |
| que sentem medo. Se o medo é acompanhado pelo pressenti- | |
| mento de que vamos sofrer algum mal que nos aniquila, é | |
| óbvio que aqueles que acham que nunca lhes vai acontecer | |
| nada de mal não têm medo, nem receiam as coisas, as pes- | |
| soas e os momentos que, na sua maneira de pensar, não po- | |
| dem provocar medo. Assim, pois, necessariamente, sentem | |
| medo os que pensam que podem vir a sofrer algum mal e os | |
| que pensam que podem ser afectados por pessoas, coisas e | |
| momentos. | |
| Crêem que nenhum mal lhes pode acontecer as pessoas | |
| que estão ou pensam estar em grande prosperidade (daí o se- 1383a | |
| rem insolentes, desdenhosas e atrevidas, mas são a riqueza, a | |
| força, as muitas amizades e o poder que as fazem assim), as | |
| que pensam já ter sofrido toda a espécie de desgraças e per- | |
| manecem frias perante o futuro, à semelhança dos que já algu- | |
| 175 | |
| ma vez apanharam uma surra de paulada 30. Para que sinta- | |
| mos receio é preciso que haja alguma esperança de salvação | |
| pela qual valha a pena lutar. E aqui vai um sinal disso: | |
| o medo leva as pessoas a deliberar, ao passo que ninguém de- | |
| libera sobre casos desesperados. Portanto, quando for vantajo- | |
| so para um orador que os ouvintes sintam temor, convém | |
| adverti-los no sentido de que pode acontecer-lhes mesmo al- | |
| guma coisa de mal (sabendo que até outros mais poderosos que | |
| eles também sofreram); convém ainda demonstrar-lhes como é | |
| que gente da mesma condição sofre ou já sofreu, tanto por | |
| parte de pessoas de quem não se esperaria, como por coisas e | |
| em circunstâncias de que não se estava à espera. | |
| Uma vez que ficou esclarecido o que é o medo, as coisas | |
| temíveis e em que disposições sentimos medo, torna-se clara, | |
| pelo que precede, a natureza da confiança, que coisas inspiram | |
| confiança e quais as nossas disposições em relação a ela. A con- | |
| fiança 31 é o contrário do medo, e o que inspira confiança é o | |
| contrário do que inspira medo, de modo que a esperança é | |
| acompanhada pela representação de que as coisas que estão | |
| próximas podem salvar-nos, ao passo que as que causam te- | |
| mor não existem ou estão longe. Infundem, pois, confiança as | |
| desgraças que estão longe e os meios de salvação que estão | |
| perto; a possibilidade e a disponibilidade de socorros numero- | |
| sos e grandes, ou ambos ao mesmo tempo; e também o facto | |
| de não termos sido vítimas de injustiças nem o termo-las co- | |
| metido; não termos competidores, em geral, nem eles disporem | |
| de poder ou, tendo poder, que sejam nossos amigos e nos te- | |
| nham feito algum bem, ou nós a eles; e aqueles com quem há | |
| comunhão de interesses, mesmo que sejam mais numerosos ou | |
| mais poderosos do que nós, ou ambas as coisas. | |
| 30 O castigo com varas ou paus é confirmado pelas referências aos | |
| «apaleados» feitas por Lísias, Contra Agor., 56; Demóstenes, Philip., III, 126; | |
| Plutarco, Dio, 28. Segundo estes autores, este tipo de flagelação podia con- | |
| duzir à morte do réu ou limitar-se a um castigo exemplar. Em todo o caso, | |
| a alusão à indiferença dos «apaleados» pode ser encarada como expres- | |
| são de valor proverbial entre os Gregos. | |
| 31 Q£rroj ou Q£rsoj também significa «coragem», «valor» (andreia), | |
| mas Aristóteles está a falar das paixões ou disposições passionais que | |
| opõem a confiança ao medo (fÒboj) assim como a «coragem» é uma vir- | |
| tude por oposição à «cobardia», que é um vício. Vício é para A. tudo o | |
| que é excessivo no comportamento humano. | |
| 176 | |
| São confiantes os que estão nas disposições seguintes: | |
| os que pensam ter alcançado grandes êxitos e não sofreram | |
| qualquer desaire, ou os que muitas vezes estiveram à beira de | |
| perigos e deles escaparam. Porque os homens tornam-se insen- | |
| síveis por duas razões: ou porque não têm experiência ou por- | |
| que têm meios à sua disposição, tal como, nos perigos do mar, | |
| confiam no futuro tanto os que não têm experiência das tem- | |
| pestades como os que, graças à sua experiência, dispõem de | |
| socorros. Passa-se o mesmo quando o que há a temer não é | |
| idêntico para os nossos semelhantes, nem para os inferiores, | |
| nem para aqueles em relação aos quais nos achamos superio- | |
| res; mas só realizamos isso quando estamos em vantagem, ou | |
| sobre eles pessoalmente, ou sobre os seus superiores, ou sobre | |
| os seus iguais. Também se achamos que dispomos de mais e | |
| melhores coisas, graças às quais inspiramos receio. Tais coisas | |
| são: a muita riqueza, a força física, amigos, terras, equipamen- 1383b | |
| tos bélicos, quer de todos os tipos, quer dos mais importantes. | |
| E ainda se não tivermos cometido injustiças contra ninguém ou | |
| não contra muitas pessoas ou não contra aqueles que inspiram | |
| temor e, em geral, se estivermos bem com os deuses, tanto obe- | |
| decendo aos seus presságios e oráculos, como às demais coi- | |
| sas 32. É que a cólera inspira confiança; por outro lado, o não | |
| cometer injustiças, mas sofrê-las, provoca cólera, sendo de su- | |
| por que a divindade socorre os que são vítimas da injustiça. | |
| O mesmo acontece quando, numa determinada empresa, pen- | |
| samos que nada teremos de sofrer [nem sofreremos] ou que va- | |
| mos ter êxito. | |
| E assim, falámos das coisas que inspiram temor e confiança. | |
| 6 | |
| A VERGONHA E A DESVERGONHA | |
| Que tipo de coisas provocam vergonha e desvergonha, | |
| diante de quem e em que disposições, vê-lo-emos claramente a | |
| seguir. Vamos admitir que a vergonha pode ser definida como | |
| 32 Segundo a maioria das edições (cf. Kassel e nota ad loc., Dufour, | |
| Ross) o texto apresenta aqui uma lacuna ou, provavelmente, uma inter- | |
| polação da autoria do próprio Aristóteles. | |
| 177 | |
| um certo pesar ou perturbação de espírito relativamente a ví- | |
| cios, presentes, passados ou futuros, susceptíveis de comportar | |
| uma perda de reputação. A desvergonha consiste num certo | |
| desprezo ou insensibilidade perante estes mesmos vícios. Se a | |
| vergonha é o que acabámos de definir, necessariamente expe- | |
| rimentaremos vergonha em relação a todos aqueles vícios que | |
| parecem desonrosos, quer para nós, quer para as pessoas por | |
| quem nos interessamos. São desta natureza os actos que resul- | |
| tam de um vício, como por exemplo, abandonar o escudo e fu- | |
| gir, pois tal acto resulta da cobardia 33. Do mesmo modo, pri- | |
| var alguém de uma fiança [ou tratá-lo injustamente], porque | |
| isto é efeito da injustiça 34. E também manter relações sexuais | |
| com quem não se deve ou onde e quando não convém, porque | |
| isto é resultado de libertinagem. De igual modo, tirar proveito | |
| de coisas mesquinhas ou vergonhosas ou de pessoas impossi- | |
| bilitadas como, por exemplo, dos pobres ou dos defuntos; don- | |
| de, o provérbio: surripiar de um cadáver 35, porque tais actos | |
| provêm da cobiça e da mesquinhez. Não socorrer com dinhei- | |
| ro, podendo fazê-lo, ou socorrer menos do que se pode. Do | |
| mesmo modo, ser socorrido pelos que têm menos posses do | |
| que nós e pedir dinheiro emprestado a quem parece que no- | |
| -lo vem mendigar, assim como mendigar a quem parece que | |
| no-lo vem reclamar, ou reclamar a quem parece que vem | |
| mendigar; elogiar uma coisa para dar a sensação de que se | |
| está a pedi-la e, apesar da recusa, fazer como se nada fosse; | |
| tudo isto é sinal de mesquinhez. De modo semelhante, elo- | |
| giar alguém que está presente ou exaltar as suas virtudes e | |
| atenuar os seus defeitos, mostrar-se demasiado compungido | |
| com quem sofre na nossa presença, e outros actos semelhan- | |
| tes, são sinais de adulação. | |
| É vergonha não suportar canseiras que os mais idosos | |
| 1384a suportam, ou os que vivem no luxo, ou os que gozam de uma | |
| posição económica superior à nossa ou, em geral, os mais im- | |
| possibilitados que nós: tudo isto é sinal de indolência. Também | |
| 33 Cf. Ésquines, Contra Ctesifonte, 175-176, um perfeito exemplo de | |
| cobardia. | |
| 34 Não devolver o pagamento de uma fiança era considerado roubo | |
| e sujeito a um complicado e moroso processo judicial. O tópico é aflorado | |
| em Cícero, Tusculanae disputationes, 3.8. | |
| 35 Provérbio que aparece citado em Diógenes Laércio, 5.84. | |
| 178 | |
| receber benefícios de alguém com frequência e censurar o bem | |
| que nos fez: tudo isto é sinal de baixeza de espírito e de mes- | |
| quinhez. Igualmente, falar aos quatro ventos de si próprio e de | |
| tudo se vangloriar, e declarar como próprias as coisas alheias: | |
| isto é pura gabarolice. | |
| Paralelamente, também os actos que provêm de cada um | |
| dos outros vícios de carácter, bem como sinais deles ou coisas | |
| semelhantes a eles, pois tais actos são em si vergonhosos e | |
| ignominiosos. Além disso, é vergonhoso não participar naque- | |
| las coisas belas em que participam, ou todos os homens, ou to- | |
| dos os nossos pares, ou a maior parte dos homens entendo | |
| por «nossos pares» os nossos compatriotas, os nossos cidadãos, | |
| os que são da nossa idade, da mesma família e, em geral, os | |
| que são da nossa condição pois já é uma vergonha não par- | |
| ticipar, por exemplo, do mesmo grau de educação; e outras coi- | |
| sas semelhantes. Todas estas coisas são ainda mais vergonho- | |
| sas se se tornar claro que o são por culpa nossa, pois assim | |
| mais parecem ter a sua origem num vício, se formos directa- | |
| mente responsáveis do que aconteceu no passado, no presente | |
| ou no futuro. Também sentimos vergonha dos que sofrem, | |
| sofreram ou hão-de sofrer actos que comportam desonra ou | |
| reprovação; são deste tipo os actos que nos conduzem à servi- | |
| dão do corpo ou a actos vergonhosos que comportem violên- | |
| cias físicas. E o mesmo acontece em relação a actos que condu- | |
| zem à devassidão, tanto voluntários como involuntários (são | |
| involuntários os actos impostos pela força); efectivamente, é | |
| falta de coragem ou prova de cobardia suportar tais actos e não | |
| se defender deles. | |
| São estas e outras coisas como estas que causam vergo- | |
| nha. Mas visto que a vergonha é uma representação imaginá- | |
| ria que afecta a perda de reputação, pela perda em si mesma, | |
| não por causa das suas consequências, e como ninguém se | |
| importa com a reputação senão por causa daqueles que têm re- | |
| putação, segue-se forçosamente que sentiremos vergonha na | |
| presença daquelas pessoas cuja opinião nos interessa. Ora, in- | |
| teressa-nos a opinião de quem nos admira, de quem admira- | |
| mos ou por quem queremos ser admirados; daqueles com | |
| quem ambicionamos rivalizar em honrarias e daqueles cuja | |
| opinião não é de desprezar. Queremos ser admirados por to- | |
| dos esses e admiramos ainda todos os que usufruem de algum | |
| bem digno de estima ou de quem temos eventualmente neces- | |
| sidade de obter algum bem que lhes pertence, como é o caso | |
| 179 | |
| dos amantes. Rivalizamos com os nossos pares e preocupa-nos | |
| a opinião dos sensatos, na medida em que eles dizem a verda- | |
| de: tais são os idosos e as pessoas instruídas. Sentimos vergo- | |
| nha do que está à vista, e, mais ainda, do que está a descober- | |
| to (e daí o provérbio: nos olhos está o pudor 36). Eis a razão pela | |
| qual sentimos mais vergonha diante daqueles que estarão sem- | |
| 1384b pre presentes e nos rodeiam de atenções, porque em ambos os | |
| casos andamos debaixo de olho. A mesma coisa acontece dian- | |
| te daqueles que não estão sujeitos às mesmas acusações que | |
| nós, pois é evidente que a opinião deles é contrária à nossa. | |
| E também perante os que não são indulgentes com as pessoas | |
| que estão visivelmente em falta. Como costuma dizer-se, com | |
| o que cada um faz não se indigna o vizinho; por conseguinte, | |
| o que não se faz é evidentemente indigno que outros o façam. | |
| Também sentimos vergonha na presença dos que se dedicam a | |
| propalar tais faltas junto de muitos outros, visto que a diferen- | |
| ça entre «o não parecer» e «o não propalar» é nula. São pro- | |
| pensos à charlatanice os que foram vítimas de uma injustiça, | |
| porque estão sempre à espera de vingança, assim como os | |
| maldizentes, porque, se não poupam os que não cometem er- | |
| ros, menos ainda os que os cometem. Igualmente diante dos | |
| que passam a vida a descobrir as faltas alheias, como, por | |
| exemplo, os trocistas e os poetas cómicos, porque estes são, à | |
| sua maneira, maldizentes e charlatães. Sentimos vergonha | |
| diante dos que nunca falharam em nada, pois esses ainda es- | |
| tão na posição dos que são admirados. Por esta mesma razão, | |
| também sentimos vergonha diante dos que nos solicitam pela | |
| 36 Trata-se do pudor (a dèj) não da vergonha (a scÚnh), já que são | |
| duas noções próximas, mas distintas. Este provérbio, nas suas múltiplas | |
| variantes e muito popular na literatura grega clássica e helenística (cf. | |
| Append. proverb., I 10 e I 38 Gott.) sublinha aquilo a que desde a época | |
| homérica E. R. Dodds denominou shame culture. De facto, numa cultura | |
| da vergonha, as raízes do pudor estão na visibilidade (Sófocles, Trachiniae, | |
| 596) o que corroboraria a etimologia popular do termo (embora não ates- | |
| tada por nenhum dicionário): a dèj < de ¢-idèj (que não vê). A semântica | |
| do alfa privativo remete-nos para a metáfora do olhar que Aristóteles | |
| desenvolverá quer do ponto de vista subjectivo (a vista como sentido ex- | |
| pressivo das paixões e dos afectos) quer objectivo, isto é, como argumento | |
| retórico por meio do qual o orador pode demonstrar como certos enun- | |
| ciados são capazes de fazer «saltar à vista» de todos a natureza e a pro- | |
| fundidade das paixões. | |
| 180 | |
| primeira vez, porque a nossa reputação está intacta aos olhos | |
| deles; tais são os que ainda recentemente procuravam ser nos- | |
| sos amigos (pois só têm conhecimento das nossas melhores qua- | |
| lidades, razão pela qual está tão bem aplicada a resposta de | |
| Eurípides aos Siracusanos) 37 e, dentre os nossos antigos conhe- | |
| cidos, os que não conhecem nada de mal que nos diga respeito. | |
| Temos vergonha não só dos actos que foram qualificados | |
| como vergonhosos, mas também dos sinais dos mesmos; por | |
| exemplo, não só entregar-se aos prazeres do amor, mas tam- | |
| bém aos sinais desses mesmos prazeres; não só cometer actos | |
| vergonhosos, mas falar deles. De modo semelhante, sentimos | |
| vergonha, não só diante das pessoas que acabámos de mencio- | |
| nar, mas também diante daquelas que lhes vão revelar a nossa | |
| vida 38, por exemplo, os criados e os amigos. Em geral, porém, | |
| não sentimos vergonha, nem diante daqueles cuja opinião sobe- | |
| ranamente desprezamos, por serem infiéis à verdade (porque | |
| ninguém cora diante de criancinhas ou de animais), nem temos | |
| a mesma atitude diante de conhecidos e de desconhecidos: | |
| diante de conhecidos, sentimos vergonha pelo que de verdadei- | |
| ramente vergonhoso possam pensar de nós; diante de pessoas | |
| mais distantes, coramos por respeito a normas estabelecidas. | |
| Sentimos vergonha nas disposições seguintes: primeiro, se | |
| alguém que está à nossa frente estiver nas mesmas disposições | |
| daqueles de quem dizíamos acima que eram pessoas que nos | |
| faziam sentir vergonha. Essas pessoas eram as que nós admi- | |
| ramos ou que nos admiram ou por quem queremos ser admi- | |
| rados ou a quem pedimos algum serviço que só alcançaremos | |
| se gozarmos de boa reputação. Ou tais pessoas são testemu- | |
| nhas oculares da nossa conduta (como Cídias que, no seu dis- | |
| curso sobre a clerúquia de Samos 39, pediu aos Atenienses que | |
| 37 Segundo um escoliasta medieval (Rabe, 106 s.), a historieta é | |
| atribuída a Eurípides. Crê-se, no entanto, que não se trata de Eurípides, | |
| poeta trágico, mas de Heurípides, general ateniense enviado como em- | |
| baixador a Siracusa na Sicília, que deu a resposta seguinte: «Homens de | |
| Siracusa, se não fosse por outra razão que a de virmos aqui pedir-vos aju- | |
| da, devíeis ter vergonha, porque estamos aqui como admiradores vossos.» | |
| 38 Alusão ao tópico do público e do privado. | |
| 39 Klhrouca designava um tipo de colonização que pressupunha a | |
| repartição das terras entre colonos atenieneses e povos colonizados. Como | |
| este sistema beneficiava os Atenienses, acabou por ser motivo de abusos | |
| e de numerosas revoltas dos naturais. Uma das mais célebres foi a de | |
| 181 | |
| imaginassem todos os Gregos a formar um círculo em redor | |
| deles, para ver e não só para ouvir o que iam votar), ou por- | |
| que estão perto de nós, ou porque logo vêm a saber do nosso | |
| comportamento. É por esta razão que, nos momentos de infor- | |
| 1385a túnio, não queremos ser vistos pelos que antes eram nossos | |
| émulos, pois os émulos são admiradores. Sentimos vergonha | |
| quando recaem sobre nós actos e acções vergonhosas, quer | |
| provenham de nós, quer dos nossos antepassados ou de ou- | |
| tros a quem nos une algum grau de parentesco; e, de modo | |
| geral, aqueles por quem sentimos respeito, sejam eles os que | |
| acabámos de referir, sejam os que nos estão confiados, ou por- | |
| que fomos mestres ou conselheiros deles, ou porque, tratando- | |
| -se de outros iguais a nós, rivalizamos com eles no que toca a | |
| honrarias. Muitas coisas se fazem ou deixam de se fazer por | |
| causa da vergonha que sentimos diante dessas pessoas. E mais | |
| envergonhados ficamos se corremos o risco de ser vistos e se | |
| temos de conviver às claras com quem conhece os nossos ac- | |
| tos. É o que querem dizer as palavras de Antifonte, o poeta, | |
| quando estava prestes a ser morto à pancada por ordem de | |
| Dionísio. Ao ver que os que iam morrer com ele tapavam a | |
| cara quando passavam em frente das portas da cidade, disse: | |
| «Por que vos escondeis? Temeis que algum destes vos veja | |
| amanhã?» 40 | |
| Sobre a vergonha, é isto que há para dizer. Sobre a des- | |
| vergonha, é óbvio que teremos de procurar argumentos a par- | |
| tir dos seus contrários. | |
| Samos em 440-339 a. C., logo após o triunfo de Péricles. De Cídias nada | |
| sabemos. É provável, no entanto, que tenha estado envolvido militarmente | |
| na segunda revolta de Samos contra a colonização ateniense em 352 a. C. | |
| ou posteriormente. | |
| 40 O episódio é referido pelo Pseudo-Plutarco (Vida dos Dez Orado- | |
| res, 1.832C ss.). Antifonte poeta, integrado numa embaixada, compareceu | |
| diante de Dionísio, tirano de Siracusa (e também compositor de tragédias | |
| ridicularizadas por outros). Este perguntou ao poeta qual era o melhor | |
| bronze do mundo. Antifonte respondeu que o melhor bronze era aquele | |
| de que estavam feitas as estátuas de Harmódio e Aristogíton. Esta refe- | |
| rência aos tiranicidas irritou de tal maneira o tirano que o condenou ime- | |
| diatamente à morte. | |
| 182 | |
| 7 | |
| A AMABILIDADE | |
| A quem se faz um favor 41, por que motivos e em que dis- | |
| posições, esclarecê-lo-emos quando tivermos definido o favor. | |
| Vamos admitir que «favor» pode ser definido como um servi- | |
| ço, em relação ao qual aquele que o faz diz que faz um favor | |
| a alguém que tem necessidade, não em troca de alguma coisa, | |
| nem em proveito pessoal, mas só no interesse do beneficiado. | |
| Um favor é grande, se a necessidade for extrema, ou se o favor | |
| for importante e envolver dificuldades maiores, ou quando se | |
| faz em circunstâncias críticas, ou quando se é o único, o pri- | |
| meiro ou o principal benfeitor. Por sua vez, as necessidades são | |
| desejos e, entre estes, especialmente os que vão acompanhados | |
| de pena, quando não são satisfeitos: por exemplo, o amor, e os | |
| que têm a sua origem em maus tratos físicos e em situações de | |
| perigo, uma vez que tanto o que corre perigo como o que sen- | |
| te pena experimentam tais desejos. É por isso que os pobres e | |
| os exilados a quem se presta um auxílio, por pequeno que seja, | |
| mas atendendo à gravidade das suas necessidades e às circuns- | |
| tâncias, se mostram gratos. Por exemplo, aquele que deu a Li- | |
| ceu a esteira 42. Assim sendo, é necessário que a ajuda que se | |
| presta responda essencialmente a este tipo de necessidades, e | |
| senão, em circunstâncias análogas ou mais importantes. | |
| Uma vez que ficou claro a que pessoas, por que razões, e | |
| com que disposições se faz um favor, torna-se evidente que se | |
| devem extrair os argumentos destas fontes, mostrando que al- | |
| gumas pessoas estão ou estiveram em tal pena ou necessidade, | |
| e que outras prestaram ou prestam um serviço, respondendo a | |
| esta ou àquela necessidade. Também se torna claro a partir de | |
| que argumentos é possível recusar um favor e pôr em evidên- | |
| cia os mal-agradecidos afirmando que, ou foi só no interesse 1385b | |
| deles que prestaram ou prestam um serviço (e isto, na nossa | |
| definição, não era um favor), ou que aconteceu por acaso, ou | |
| 41 C£rij. | |
| 42 Não é conhecido o conteúdo do episódio, mas pode muito bem | |
| aludir a algum facto ocorrido com Aristóteles quando ensinava no Liceu | |
| durante a sua primeira estada em Atenas. Em todo o caso, a história de- | |
| via ser conhecida em meios frequentados por filósofos, o que reforça a | |
| sua natureza «académica». | |
| 183 | |
| por força das circunstâncias; ou que o serviço é apenas uma | |
| restituição, não uma dádiva, e que tanto se fez sabendo, como | |
| não sabendo; em ambos os casos tratou-se de uma permuta, e | |
| portanto não deveria considerar-se favor. Esta questão deve ser | |
| examinada à luz de todas as categorias 43, já que o favor existe | |
| ou porque é o que é, ou pela quantidade, qualidade, tempo e | |
| lugar. Em todo o caso, um sinal de que não se prestou um | |
| pequeno serviço é quando aos nossos inimigos prestamos os | |
| mesmos serviços, ou idênticos ou maiores; é claro que tais ser- | |
| viços não tiveram em mira os nossos interesses. Também há | |
| que examinar se foi um serviço insignificante e só o sabe | |
| quem o fez , uma vez que ninguém reconhecerá ter necessi- | |
| dade de coisas insignificantes. | |
| 8 | |
| A PIEDADE | |
| Acabámos de falar do favor e da ingratidão. .alaremos | |
| agora do tipo de coisas que são dignas de piedade 44, quem tem | |
| piedade e em que disposições experimentamos esse sentimen- | |
| to. Vamos admitir que «a piedade» consiste numa certa pena | |
| causada pela aparição de um mal destruidor e aflitivo, afectan- | |
| do quem não merece ser afectado, podendo também fazer-nos | |
| sofrer a nós próprios, ou a algum dos nossos, principalmente | |
| quando esse mal nos ameaça de perto. É evidente que, por | |
| força das circunstâncias, aquele que está a ponto de sentir pie- | |
| dade se encontra numa situação de tal ordem que há-de pen- | |
| sar que ele próprio, ou alguém da sua proximidade, acabará | |
| por sofrer algum mal, idêntico ou muito semelhante ao que re- | |
| ferimos na nossa definição. É por isso que a compaixão não | |
| afecta nem os que estão completamente perdidos (pois pensam | |
| que já nada mais podem sofrer, visto que já tudo sofreram), | |
| nem os que se acham superfelizes, que são propensos à sober- | |
| ba; de facto, se pensam que já possuem todos os bens, é evi- | |
| dente que não há mal que os possa afectar, porque isto tam- | |
| 43 As categorias são os koinoí tópoi (tópicos gerais) de onde se po- | |
| dem extrair argumentos retóricos relativos ao «favor» (c£rij). | |
| 44 Eleoj, que também traduzimos por «compaixão». | |
| 184 | |
| bém é um bem. Por outro lado, os que acham que pode recair | |
| sobre eles o mal são aqueles que já sofreram algum e escapa- | |
| ram dele: por exemplo, os idosos, devido à sua prudência e | |
| experiência; os fracos e, sobretudo, os cobardes; os instruídos, | |
| porque são mais calculistas; também os que têm pais, filhos ou | |
| esposas, porque todos esses são partes de si mesmos e estão | |
| sujeitos aos males de que falámos; também aqueles que não | |
| estão incluídos no rol das paixões que excitam à coragem, como | |
| por exemplo, a cólera ou a confiança (estes sentimentos não | |
| calculam o futuro), nem se encontram num estado de espírito | |
| que os leve à insolência (pois também não entra nos seus cál- | |
| culos que possam vir a sofrer algum mal), mas sim aqueles que | |
| estão entre estes extremos. Também não sentem piedade os que | |
| andam intensamente amedrontados, nem a podem sentir os | |
| que andam aturdidos, vítimas dos seus próprios males. Sente- | |
| -se piedade quando se crê que existem pessoas honradas (aque- | |
| le que não tem consideração por ninguém pensará que todos | |
| são merecedores de mal) e, em geral, quando estamos dispos- 1386a | |
| tos a lembrarmo-nos de que tais males já nos aconteceram, a | |
| nós ou aos nossos, ou esperamos que nos aconteçam, a nós ou | |
| aos nossos. | |
| Está, pois, dito quais os estados de espírito em que se sen- | |
| te piedade. Quanto àquilo que a produz, ficou esclarecido na | |
| nossa definição. Tudo o que é penoso e doloroso, e que pode | |
| causar destruição, também causa compaixão; da mesma manei- | |
| ra, tudo quanto causa a morte, assim como todos os males | |
| importantes causados pela .ortuna. São causas dolorosas e | |
| destruidoras: a morte, as sevícias corporais, os maus tratos, a | |
| velhice, as doenças e a falta de alimentação. Os males causa- | |
| dos pela .ortuna são: a falta ou a escassez de amigos (por isso, | |
| é digno de piedade o ser arrancado a amigos e familiares), a | |
| fealdade, a fraqueza física, a invalidez, o mal que vem donde | |
| se esperaria que viesse um bem, e ainda o facto de isso acon- | |
| tecer muitas vezes, e um bem que pode vir a acontecer depois | |
| de se ter sofrido um mal. .oi o que aconteceu a Diopites, que | |
| depois de morto recebeu um presente do rei 45. E ainda o facto | |
| de nunca acontecer nada de bom, ou então, quando acontece, | |
| não haver tempo para o gozar. São estas e outras semelhantes | |
| 45 Alusão provável ao estratego ateniense mencionado por Demós- | |
| tenes, De corona, 70, e Philip., 3.15. O rei é .ilipe da Macedónia. | |
| 185 | |
| as coisas de que nos compadecemos. Por outro lado, compade- | |
| cemo-nos também das pessoas conhecidas, desde que a nossa | |
| relação com elas não seja demasiado íntima (pois, neste último | |
| caso, partilhamos com elas os mesmos sentimentos que senti- | |
| mos connosco, razão pela qual Amasis 46, segundo dizem, não | |
| chorou pelo filho que conduziam à morte, mas por um amigo | |
| seu que pedia esmola: o caso do amigo é digno de piedade, o | |
| do filho é horrível, e o horrível é diferente do que é digno de | |
| compaixão, exclui mesmo a piedade e, muitas vezes, até é útil | |
| para provocar emoções contrárias, uma vez que ainda não sen- | |
| timos compaixão quando o que é terrível está perto de nós). | |
| Também nos compadecemos dos nossos semelhantes pela | |
| idade, carácter, modo de ser, dignidade e nascimento: em to- | |
| dos estes casos sentimo-nos claramente mais ameaçados pelas | |
| desgraças que nos possam atingir. Em geral, há que admitir | |
| aqui que as coisas que receamos para nós são as mesmas que | |
| geram piedade quando acontecem aos outros. As desgraças que | |
| nos parecem próximas são as que produzem piedade; as que | |
| se deram há dez mil anos ou hão-de acontecer no futuro, como | |
| não as podemos esperar nem recordar, ou não nos comovem | |
| em absoluto, ou não da mesma maneira. Nestas condições, | |
| acontece necessariamente que aqueles que reforçam o seu des- | |
| gosto por meio de gestos, de vozes, de indumentária e, em | |
| geral, de gestos teatrais, excitam mais a piedade (pois, ao pôr | |
| diante dos nossos olhos o mal, fazem que ele apareça próximo, | |
| quer como algo que está para acontecer, quer como algo já | |
| passado). É igualmente digno de compaixão o que acabou de | |
| 1386b acontecer ou o que está prestes a acontecer, razão pela qual nos | |
| comovemos mais vivamente; por isso, são também sinais de | |
| compaixão, por exemplo, as vestes dos que sofreram uma cala- | |
| midade e outras coisas do mesmo género; também as acções, | |
| as palavras e tudo o que vem dos que estão numa situação de | |
| sofrimento, como, por exemplo, os moribundos. Mas, sobretu- | |
| do, o que inspira piedade é ver gente honrada em situações tão | |
| críticas; é que todas estas coisas, por parecerem tão próximas, | |
| causam piedade, uma vez que o sofrimento é imerecido e sur- | |
| ge diante dos nossos olhos. | |
| 46 Amasis, faraó do Egipto. Heródoto, 3.14, refere o mesmo episó- | |
| dio mencionando Psaménio, filho e sucessor de Amasis, na época em que | |
| o Egipto caiu sob o domínio persa. | |
| 186 | |
| 9 | |
| A INDIGNAÇÃO | |
| Contrapõe-se sobretudo à piedade o que se chama indig- | |
| nação. À pena que se sente por males imerecidos contrapõe-se | |
| de algum modo, embora provenha do mesmo carácter, a pena | |
| experimentada por êxitos imerecidos. Ambas as paixões são | |
| próprias de um carácter nobre, porque devemos não só sentir | |
| tristeza e compaixão com os que sofrem um mal imerecido, | |
| como sentir indignação contra os que imerecidamente gozam | |
| de felicidade. De facto, é injusto aquilo de que beneficiamos | |
| sem o termos merecido; por isso, também atribuímos aos deu- | |
| ses indignação. | |
| Em todo o caso, poderia parecer que a inveja é, da mes- | |
| ma maneira, o contrário da piedade, porque é vizinha e da | |
| mesma natureza da indignação; mas é uma coisa muito dife- | |
| rente. Não há dúvida de que a inveja é uma pena perturba- | |
| dora que concerne ao êxito, não de quem o não merece, mas | |
| de quem é nosso igual e semelhante. Não é porque nos vá | |
| acontecer algo de diferente, mas por causa da consideração que | |
| temos pelo nosso próximo que isto deve acontecer da mesma | |
| maneira a todos; porque a inveja e a indignação já não seriam | |
| a mesma coisa, mas medo, se a pena e a perturbação fossem a | |
| causa de que, da sorte dos outros, resultasse para nós alguma | |
| desventura. | |
| É evidente que estas paixões serão seguidas das suas con- | |
| trárias, uma vez que aquele que sofre com os que sofrem re- | |
| veses imerecidos alegrar-se-á ou ficará sem pena diante dos | |
| que os sofrem merecidamente. Por exemplo, quando os parri- | |
| cidas e os assassinos são castigados, não há homem honesto | |
| que sinta pena; deve até alegrar-se em tais casos, assim como | |
| naqueles em que os êxitos estão de acordo com o mérito: | |
| ambas as coisas são justas e causam prazer ao homem honra- | |
| do, porque, necessariamente, espera que o que aconteceu ao | |
| seu semelhante lhe possa acontecer também a si. Todas estas | |
| paixões provêm do mesmo carácter, assim como as suas con- | |
| trárias do carácter oposto. Na verdade, a pessoa que se rego- | |
| zija com o mal alheio é a mesma que tem inveja da sua felici- 1387a | |
| dade, pois quando uma pessoa sente tristeza por algo que | |
| alguém possa vir a ter ou a possuir, necessariamente sentirá | |
| prazer pela sua privação e perda. Por isso, todas estas paixões | |
| 187 | |
| constituem obstáculos à compaixão, muito embora sejam dife- | |
| rentes pelas razões que acabámos de apontar. Por conseguinte, | |
| para impedir que a compaixão se manifeste, todas elas são | |
| igualmente úteis. | |
| .alemos em primeiro lugar da indignação, das pessoas | |
| contra quem se sente, das suas causas e disposições; depois, | |
| falaremos dos outros pontos. A questão é clara no que deixá- | |
| mos dito: se a indignação é uma pena sentida relativamente a | |
| quem parece gozar de uma felicidade imerecida, é óbvio, em | |
| primeiro lugar, que não é possível alguém indignar-se por cau- | |
| sa de todos os bens. Se um homem for justo e corajoso ou se | |
| pretender alcançar uma virtude, ninguém, por certo, se indig- | |
| nará contra ele (porque não despertam compaixão situações | |
| contrárias a estas), mas indignar-se-á ao ver os maus tirarem | |
| proveito da riqueza, do poder e de coisas semelhantes de que | |
| são merecedores: numa palavra, os bons e os que por natureza | |
| possuem bens, tais como nobreza, beleza e tantas coisas seme- | |
| lhantes. | |
| Por outro lado, uma vez que o que é antigo surge como | |
| algo que está próximo daquilo que nos é natural, segue-se, ne- | |
| cessariamente, que as pessoas que possuem um bem ou o ad- | |
| quiriram recentemente e a ele devem a sua prosperidade exci- | |
| tem mais indignação. É por isso que os novos-ricos causam | |
| mais pena do que aqueles que o são há muito tempo, e de | |
| nascença; o mesmo acontece com os governantes, os podero- | |
| sos, os que têm muitos amigos, os bons filhos e coisas do mes- | |
| mo género. E se tais bens lhes servem para adquirir outros, a | |
| nossa indignação mantém-se mais acesa. Daí que nos causem | |
| mais aflição os novos-ricos que assumem o poder, porque são | |
| ricos, do que os ricos antigos. E o mesmo acontece noutros ca- | |
| sos semelhantes. A razão disto é que uns parecem ter o que | |
| lhes pertence, outros não; com efeito, o que sempre se mani- | |
| festou a nós num certo estado parece ser assim na realidade, | |
| de tal modo que os outros dão a sensação de possuírem o que | |
| não lhes pertence. Ora, nem todos os bens são dignos do pri- | |
| meiro que aparece, mas existe uma certa analogia e uma cer- | |
| ta proporção: por exemplo, a beleza das armas não se harmo- | |
| niza com o justo, mas com o corajoso; os casamentos distintos | |
| não se ajustam aos novos-ricos, mas às pessoas de estirpe. | |
| Portanto, se um homem de bem não obtém o que é propor- | |
| cional à sua virtude, isso é motivo de indignação. E o mesmo | |
| se diga do inferior que rivaliza com o superior, sobretudo | |
| 188 | |
| quando a desigualdade diz respeito ao mesmo bem, donde | |
| diz o poeta 47: | |
| Evitou o combate com Ájax, filho de Télamon, | |
| pois contra ele se indignava Zeus, quando lutava com um | |
| herói superior. | |
| E se não, pelo menos quando o inferior rivaliza com o 1387b | |
| superior, qualquer que seja a forma, como, por exemplo, se um | |
| músico rivaliza com um homem justo: é que a justiça é melhor | |
| do que a música. | |
| Contra quem uma pessoa se indigna e porquê, ficou es- | |
| clarecido no que precede: são as causas mencionadas e as que | |
| lhes são idênticas. Uma pessoa é propensa à indignação se se | |
| acha digna dos maiores bens e os possui; pois não é justo que | |
| aqueles que não são nossos iguais sejam julgados dignos de | |
| bens iguais aos nossos; e em segundo lugar, se uma pessoa é | |
| boa e virtuosa, porque neste caso julga rectamente e odeia a | |
| injustiça; e se uma pessoa é ambiciosa e aspira a certos privilé- | |
| gios, e, sobretudo, se aquilo que ambiciona, outros o conse- | |
| guem sem o merecer. De modo geral, os que se consideram | |
| dignos de regalias que outros não merecem sentem-se tentados | |
| a indignar-se contra tais pessoas e coisas. Isto explica que os | |
| seres de carácter servil, os grosseiros e os desprovidos de am- | |
| bição não sejam propensos à indignação, pois não há nada de | |
| que se julguem dignos. | |
| .ica claro, pelo que precede, em que casos os infortúnios, | |
| as desgraças e os insucessos nos devem causar alegria ou não | |
| nos causar pena, uma vez que, depois do que dissemos, os seus | |
| contrários são evidentes. Por conseguinte, se o nosso discurso | |
| predispõe devidamente os espíritos dos juízes e lhes mostra | |
| que os que invocam a sua compaixão a não merecem, pelas | |
| razões que apresentam, antes merecem que ela lhes seja re- | |
| cusada, então será impossível suscitar essa compaixão. | |
| 47 Il., 11.542-3. O último verso falta nos manuscritos de Homero, | |
| sendo referido pelo Pseudo-Plutarco, Vita Hom., 132. | |
| 189 | |
| 10 | |
| A INVEJA | |
| Também está claro por que razões, contra quem e em que | |
| disposições sentimos inveja, se é que realmente a inveja con- | |
| siste numa certa pena sentida contra os nossos semelhantes | |
| devido ao êxito visível alcançado nos bens referidos acima, não | |
| para nosso proveito pessoal, mas por causa daqueles. Sentirão, | |
| pois, inveja aqueles que são ou parecem ser nossos pares, en- | |
| tendendo por pares aqueles que são semelhantes a nós em es- | |
| tirpe, parentesco, idade, disposição, reputação e posses. Tam- | |
| bém são propensos à inveja aqueles a quem pouco falta para | |
| tudo terem (por isso é que os que realizam grandes obras e os | |
| homens de sucesso são invejosos), pois crêem que todos que- | |
| rem tirar-lhes o que é seu. Também os honrados por qualquer | |
| razão especial, e principalmente pela sua sabedoria ou felici- | |
| dade. Também os ambiciosos são mais invejosos do que os que | |
| não têm ambições. O mesmo se diga dos que se acham sábios, | |
| já que ambicionam honras que correspondem à sabedoria. E, em | |
| geral, os que buscam glória num determinado campo são mais | |
| invejosos nesse campo. Também são invejosos os espíritos mes- | |
| quinhos, porque tudo lhes parece grande. | |
| Acabámos de referir os bens que são alvo de inveja. Os | |
| 1388a actos ou bens que reflectem o desejo profundo de glória e a | |
| ambição de honrarias e aqueles que excitam a fama, e os que | |
| são dons da fortuna, quase tudo isso dá origem à inveja; mas | |
| sobretudo aqueles bens que aguçam a inveja de cada um em | |
| particular, pensando que é preciso tê-los ou cuja posse assegu- | |
| raria um pouco de superioridade ou daria uma leve inferiori- | |
| dade. Por outro lado, também fica claramente exposto quais as | |
| pessoas de quem se tem inveja, pois coincide com o que disse- | |
| mos anteriormente. Invejamos as pessoas que nos são chega- | |
| das no tempo, lugar, idade e reputação, donde o provérbio 48: | |
| o familiar também sabe invejar; | |
| e aqueles com quem rivalizamos em honras, já que rivaliza- | |
| mos com os mesmos que acabámos de referir, nunca com os | |
| 48 Atribuído a um comentador de Ésquilo, fr. 305 Nauck. | |
| 190 | |
| que viveram há dez mil anos ou hão-de nascer, ou que já mor- | |
| reram, nem com aqueles que habitam nos confins das Colu- | |
| nas de Hércules 49. Em relação àqueles que julgamos, quer na | |
| nossa opinião, quer na dos outros, serem muito inferiores a | |
| nós ou então muito superiores, dá-se o mesmo processo, tan- | |
| to no que se refere às pessoas como no que concerne aos | |
| objectos. Ora, como rivalizamos com os nossos antagonistas | |
| em competições desportivas e amorosas e, em geral, com | |
| quantos aspiram às mesmas coisas que nós, necessariamente | |
| é a estes que nós invejamos acima de tudo; razão pela qual | |
| disse o poeta: | |
| oleiro contra oleiro 50 | |
| Também invejamos aqueles cujas posses ou prosperida- | |
| de constituem para nós motivo de desonra (são os que vivem | |
| próximos de nós e são nossos pares), pois é evidente que não | |
| conseguimos obter os bens que eles têm: ora, este ressentimen- | |
| to causa-nos inveja. O mesmo sucede com os que têm ou che- | |
| garam a adquirir tudo quanto nos caberia ter tido ou alguma | |
| vez tivemos: é por isso que os velhos têm inveja dos jovens, e | |
| os que esbanjaram muito em pouca coisa, dos que adquiri- | |
| ram muito por pouco. Também os que a custo conseguiram | |
| alguma coisa, ou nem a conseguiram, invejam os que tudo | |
| conseguiram rapidamente. .ica também claro com que moti- | |
| vos, a propósito de quem e em que disposições sentem ale- | |
| gria as pessoas propensas à inveja; é que a disposição que | |
| acompanha o sentimento de pena é também aquela que faz | |
| sentir prazer em situações contrárias. De maneira que, se os | |
| oradores são capazes de provocar tal disposição nos ouvin- | |
| tes, e se os que pretendem ser dignos de suscitar piedade ou | |
| de obter algum bem são representados como os invejosos que | |
| acabámos de referir, é óbvio que não obterão compaixão dos | |
| que têm autoridade. | |
| 49 Modo como os antigos designavam o fim do mundo conhecido, | |
| tradicionalmente situado no estreito de Gibraltar. | |
| 50 Cf. supra, n. 25. | |
| 191 | |
| 11 | |
| A EMULAÇÃO | |
| Em que condições se sente emulação, que coisas a provo- | |
| cam e relativamente a que pessoas, é o que vamos esclarecer a | |
| seguir. Se a emulação consiste num certo mal-estar ocasionado | |
| pela presença manifesta de bens honoríficos e que se podem | |
| obter em disputa com quem é nosso igual por natureza, não | |
| porque tais bens pertençam a outrem, mas porque também não | |
| nos pertencem (razão pela qual a emulação é uma coisa boa e | |
| própria de pessoas de bem, ao passo que a inveja é desprezí- | |
| vel e própria de gente vil; assim, enquanto uns, através da | |
| emulação, se preparam para conseguir esses bens, outros, pelo | |
| contrário, através da inveja, impedem que o vizinho os consi- | |
| ga), é forçoso admitir, então, que émulos são aqueles que se | |
| 1388b julgam dignos de bens que não têm mas que lhes seria possí- | |
| vel vir a obter, uma vez que ninguém ambiciona aquilo que | |
| lhe é manifestamente impossível. (É por isso que os jovens e | |
| os magnânimos são levados à emulação.) | |
| São igualmente émulos os que possuem bens dignos de | |
| homens honrados. Tais são a riqueza, a abundância de amigos, | |
| os cargos públicos e outras coisas semelhantes. Ora, como é pró- | |
| prio destes serem honestos e como a posse de tais bens convém | |
| aos que estão inclinados ao bem, tais bens são para eles motivo | |
| de emulação. E aqueles a quem os outros consideram dignos de | |
| tais bens, assim como antepassados, parentes, familiares, nação | |
| ou cidade que são distinguidos com honrarias, esses experimen- | |
| tam facilmente emulação por estas coisas, porque pensam que | |
| lhes pertencem e «são» dignos delas. Ora, se os bens honoríficos | |
| provocam emulação, necessariamente também as virtudes seme- | |
| lhantes a provocarão e tudo quanto é útil e benéfico aos outros | |
| (porque as pessoas têm em consideração os benfeitores e as pes- | |
| soas de bem). E o mesmo acontece com todas as coisas boas que | |
| podemos usufruir com os que estão próximos de nós, por exem- | |
| plo a riqueza e a beleza, mais até do que a saúde. | |
| Está também esclarecido quais as pessoas que suscitam | |
| emulação: as que adquiriram os bens apontados e outros se- | |
| melhantes, ou seja, os que enumerámos acima: coragem, sabe- | |
| doria, liderança. Os que exercem autoridade podem beneficiar | |
| muita gente: estrategos, oradores, e todos os que possuem po- | |
| deres idênticos. Também aqueles a quem muitos desejam igua- | |
| 192 | |
| lar-se, ou de quem muitos querem ser conhecidos ou amigos, | |
| ou que muitos admiram ou nós próprios admiramos. E ainda | |
| aqueles a quem se tecem elogios ou encómios, seja pelos poe- | |
| tas, seja pelos logógrafos 51. Mas menosprezam-se as pessoas | |
| por motivos contrários, pois o desprezo 52 é o inverso da emu- | |
| lação, assim como o facto de sentir emulação é o contrário de | |
| desprezar. Segue-se, necessariamente, que, aqueles que estão | |
| dispostos à emulação ou a ser emulados, se sintam inclinados | |
| a desprezar aqueles que possuem defeitos contrários às coisas | |
| que concitam a emulação. Por isso, muitas vezes se desprezam | |
| os que são bafejados pela sorte, quando esta lhes chega sem | |
| ser acompanhada dos tais bens apreciados. | |
| Para concluir, já vimos como nascem e se dissolvem as | |
| paixões e donde se tiram as provas relacionadas com elas. | |
| 12 | |
| O CARÁCTER DO JOVEM | |
| Depois do que dissemos, vamos tratar dos tipos de carác- | |
| ter, segundo as paixões, os hábitos, as idades e a fortuna. Por | |
| paixões 53 entendo a ira, o desejo e outras emoções da mesma | |
| natureza de que falámos anteriormente 54, assim como hábitos, | |
| virtudes e vícios. Sobre isto também já falámos antes 55, e que | |
| tipo de coisas cada pessoa prefere e quais as que pratica. As | |
| idades são: juventude, maturidade 56 e velhice. Por fortuna en- 1389a | |
| 51 Lit. «prosador». Primitivamente, o logógrafo era, segundo Heró- | |
| doto, um bom contador de histórias em verso. Tucídides trata-os como | |
| «cronistas», isto é, mais preocupados em deleitar os ouvidos do que em | |
| contar a verdade. Nem sempre foram bem considerados na época clássi- | |
| ca e o termo assumiu mesmo valores pejorativos. Com efeito, os | |
| logógrafos eram profissionais que, a troco de dinheiro, escreviam discur- | |
| sos judicais ou epidícticos ou de outra natureza, que outros leriam. Al- | |
| guns grandes oradores começaram por ser logógrafos, e dessa forma fize- | |
| ram fortunas, como Lísias. | |
| 52 Sobre o desprezo (kataphrónesis), cf. II 2. | |
| 53 P£qh, «paixões» ou «emoções». | |
| 54 Cf. II 2-11. | |
| 55 Cf. I 9-10. | |
| 56 Lit. «idade adulta». | |
| 193 | |
| tendo origem nobre, riqueza, poder, e seus contrários e, em | |
| geral, boa e má sorte. | |
| Em termos de carácter, os jovens são propensos aos dese- | |
| jos passionais e inclinados a fazer o que desejam. E de entre | |
| estes desejos há os corporais, sobretudo os que perseguem o | |
| amor e face aos quais os jovens são incapazes de dominar-se; | |
| mas também são volúveis e rapidamente se fartam dos seus de- | |
| sejos; tão depressa desejam como deixam de desejar (porque | |
| os seus caprichos são violentos, mas não são grandes, como a | |
| sede e a fome nos doentes). Também são impulsivos, irritadiços | |
| e deixam-se arrastar pela ira. Deixam-se dominar pela fogosi- | |
| dade; por causa da sua honra não suportam que os desprezem | |
| e ficam indignados se acham que são tratados injustamente. | |
| Gostam de honrarias, mas acima de tudo das vitórias (até por- | |
| que o jovem deseja ser superior e a vitória constitui uma certa | |
| superioridade). Estas duas características são neles mais fortes | |
| do que o amor ao dinheiro (gostam pouco de dinheiro porque | |
| não têm ainda experiência da necessidade, como diz o apo- | |
| tegma de Pítaco em resposta a Anfiarau 57). Não têm mau, mas | |
| bom carácter, porque ainda não viram muitas maldades. São | |
| confiantes, porque ainda não foram muitas vezes enganados. | |
| Também são optimistas, porque, tal como os bêbedos, também | |
| os jovens sentem o calor, por efeito natural, e porque ainda não | |
| sofreram muitas decepções. A maior parte dos jovens vive da | |
| esperança, porque a esperança concerne ao futuro, ao passo | |
| que a lembrança diz respeito ao passado; para a juventude, o | |
| futuro é longo e o passado curto; na verdade, no começo da | |
| vida nada há para recordar, tudo há a esperar. Pelo que acabá- | |
| mos de dizer, os jovens são fáceis de enganar (é que facilmen- | |
| te esperam), e são mais corajosos [do que noutras idades] pois | |
| são impulsivos e optimistas: a primeira destas qualidades fá- | |
| -los ignorar o medo, a segunda inspira-lhes confiança, porque | |
| nada se teme quando se está zangado, e o facto de se esperar | |
| 57 Este apotegma é desconhecido e reveste uma atribuição duvido- | |
| sa. De resto, a preposição eis tanto pode significar «dedicado a» Anfiarau, | |
| como «contra». Pítaco, tirano de Mitilene (598-588 a. C.), era um dos sete | |
| sábios, autor provável de muitas sentenças e máximas atribuídas ao gru- | |
| po dos sete sábios. Anfiarau é o famoso adivinho que participou na len- | |
| dária expedição dos Argonautas e na guerra dos Sete contra Tebas, cujo | |
| desastre profetizou. | |
| 194 | |
| algo de bom é razão para se ter confiança. Também são enver- | |
| gonhados (não concebem ainda que haja outras coisas belas, | |
| pois só foram educados segundo as convenções). Também são | |
| magnânimos porque ainda não foram feridos pela vida e são | |
| inexperientes na necessidade; além disso, a magnanimidade é | |
| característica de quem se considera digno de grandezas; e isto | |
| é próprio de quem tem esperança. | |
| Quanto à maneira de actuar, preferem o belo ao conve- | |
| niente; vivem mais segundo o carácter do que segundo o cál- | |
| culo, pois o cálculo relaciona-se com o conveniente, a virtude | |
| com o belo. Mais do que noutras idades, amam os seus amigos | |
| e companheiros, porque gostam de conviver com os outros e 1389b | |
| nada julgam ainda segundo as suas conveniências, e, portanto, | |
| os seus amigos também não. Em tudo pecam por excesso e | |
| violência, contrariamente à máxima de Quílon 58: tudo fazem | |
| em excesso; amam em excesso, odeiam em excesso e em tudo | |
| o resto são excessivos; acham que sabem tudo e são obstina- | |
| dos (isto é a causa do seu excesso em tudo). Cometem injusti- | |
| ças por insolência, não por maldade. São compassivos, porque | |
| supõem que todos os seres humanos são virtuosos e melhores | |
| do que realmente são (pois medem os vizinhos pela bitola da | |
| sua própria inocência, de tal sorte que imaginam que estes | |
| sofrem coisas imerecidas). Gostam de rir, e por isso também | |
| gostam de gracejar; com efeito, o gracejo é uma espécie de in- | |
| solência bem-educada. | |
| 13 | |
| O CARÁCTER DO IDOSO | |
| Tal é, pois, o carácter dos jovens. Os idosos, pelo contrá- | |
| rio, e os que já passaram a flor da idade, possuem caracteres | |
| que, na sua maior parte, são pouco mais ou menos os opostos | |
| daqueles. O facto de terem vivido muitos anos, de terem sido | |
| enganados e cometido faltas em diversas ocasiões, e ainda por- | |
| que, por via de regra, aquilo que fazem é insignificante, em | |
| tudo avançam com cautela e em tudo dizem menos do que | |
| 58 Sábio espartano a quem se atribui a máxima mhdn ¥gan «nada | |
| em demasia» que, segundo a tradição, figurava no santuário de Delfos. | |
| 195 | |
| convém. Têm as suas opiniões, mas nada sabem ao certo, e, na | |
| dúvida, acrescentam sempre «talvez» e «é possível» e tudo | |
| dizem assim, mas nada afirmam de categórico. Também têm | |
| mau carácter, pois ter mau carácter consiste em supor sempre | |
| o pior em tudo. Além disso, são suspicazes devido à sua | |
| desconfiança, e desconfiados devido à sua experiência. Por isso, | |
| nem amam nem odeiam com violência, mas, segundo o preceito | |
| de Bias 59, amam como se um dia pudessem vir a odiar e odeiam | |
| como se pudessem vir a amar. E são de espírito mesquinho por | |
| terem sido maltratados pela vida; por isso, não aspiram a nada | |
| de grande, nem de extraordinário, só ao que é indispensável à | |
| vida. Também são mesquinhos, porque os bens são indispensá- | |
| veis à vida, mas, ao mesmo tempo, sabem por experiência como | |
| é difícil adquiri-los e fácil perdê-los. São cobardes e propensos a | |
| recear tudo, pois as suas disposições são contrárias às dos jo- | |
| vens. São frios, ao passo que os jovens são ardentes, de modo | |
| que a velhice abre o caminho à timidez, tendo em conta que o | |
| medo é uma espécie de resfriado. Amam a vida, sobretudo nos | |
| seus últimos dias, porque o desejo busca o que lhes falta e o que | |
| faz falta é justamente o que mais se deseja. São mais egoístas do | |
| que o necessário, o que representa também uma certa pequenez | |
| de espírito. Vivem mais virados para o útil do que para o belo, | |
| razão pela qual são egoístas; é que o útil é um bem só para nós | |
| mesmos, ao passo que o belo é um bem absoluto. Os velhos são | |
| 1390a mais impudicos do que pudicos; e porque não têm na mesma | |
| consideração o belo e o conveniente 60, não fazem grande caso | |
| da opinião pública. São pessimistas, em razão da sua experiên- | |
| cia (já que a maior parte das coisas que acontecem são más: | |
| com efeito, a maior parte das vezes as coisas tendem para pior), | |
| mas também devido à sua cobardia. Vivem de recordações | |
| mais do que de esperanças, pois o que lhes resta da vida é | |
| curto em comparação com o passado; ora, a esperança reside | |
| no futuro e a recordação assenta no passado. Esta é também | |
| uma das razões pelas quais são tão faladores, já que passam a | |
| vida a falar de coisas passadas e sentem prazer em recordar. | |
| 59 Bias de Priene foi um dos sete sábios da antiga Grécia (século VI | |
| a. C.; cf. Heródoto, I, 27). O preceito de Bias tornou-se proverbial na lite- | |
| ratura antiga (cf. Sófocles, Ajax, 678; Eurípides, Hippolytus, 253; Cícero, De | |
| amicitia, 16.59). | |
| 60 TÕ sumfron, que traduzimos por «útil» ou «conveniente». | |
| 196 | |
| Os acessos de cólera são agudos, mas frágeis; e, quanto | |
| aos seus desejos, uns já os abandonaram, outros são fracos; por | |
| conseguinte, nem são propensos aos desejos, nem procuram | |
| satisfazê-los, mas agem segundo o seu interesse. Esta é a razão | |
| pela qual os que atingem a velhice parecem moderados: é que | |
| os seus desejos afrouxaram e são escravos do seu proveito. Vi- | |
| vem mais segundo princípios calculistas do que segundo o | |
| carácter: o calculismo depende das conveniências, ao passo que | |
| o carácter depende da virtude. Se cometem injustiças é por ma- | |
| lícia, não por insolência. Os idosos também são compassivos, | |
| mas não pelas mesmas razões que os jovens: estes são compas- | |
| sivos por humanidade, aqueles por fraqueza; com efeito, em | |
| tudo vêem um mal que os ameaça, facto que, como vimos, os | |
| inclina à compaixão 61. Por isso, andam sempre a queixar-se, | |
| não gostam de brincadeiras, nem de rir: é que gostar de se la- | |
| mentar é o contrário de gostar de rir. | |
| Tais são, pois, os caracteres dos jovens e dos velhos. Por | |
| conseguinte, como todos aceitamos favoravelmente discursos | |
| que são conformes ao carácter de cada um e dos que nos são | |
| semelhantes, não é difícil descortinar como é que as pessoas se | |
| podem servir destes discursos para, tanto nós, como as nossas | |
| palavras, assumirem tal aparência. | |
| 14 | |
| O CARÁCTER DOS QUE ESTÃO NO AUGE DA VIDA | |
| Os que atingiram o auge da vida terão, evidentemente, um | |
| carácter intermédio entre os que acabámos de estudar, pondo | |
| de lado os excessos de uns e de outros: nem demasiado con- | |
| fiantes (o que é temeridade), nem demasiado temerosos, mas | |
| mantendo a justa medida em ambas as situações; nem confian- | |
| tes em tudo, nem totalmente desconfiados, antes emitindo | |
| juízos conforme a verdade; não vivendo só para o belo nem | |
| para o útil, mas para ambas as coisas; não vivendo só para a 1390b | |
| frugalidade, nem para a prodigalidade, mas para a justa medi- | |
| da. O mesmo se diga relativamente ao arrebatamento 62 e ao | |
| 61 Ver II 8. | |
| 62 QumÒj, com o sentido de «paixão». | |
| 197 | |
| desejo. Nos adultos, a temperança vai acompanhada de cora- | |
| gem e a coragem de temperança. Nos jovens e nos idosos estas | |
| características estão separadas: os jovens são valentes e licen- | |
| ciosos, os idosos moderados e cobardes. .alando em geral, tudo | |
| quanto de útil está repartido entre a juventude e a velhice en- | |
| contra-se reunido no auge da vida; tudo quanto naquela há de | |
| excesso ou de carência, esta possui-o na justa medida. Quanto | |
| ao resto, o corpo atinge o seu auge dos 30 aos 35 anos, e a alma | |
| por volta dos 49 63. | |
| Sobre a juventude, a velhice e a maturidade, e no que se | |
| refere a cada um do seus caracteres, fiquemo-nos pelo que já | |
| dissemos. | |
| 15 | |
| CARÁCTER E .ORTUNA: O CARÁCTER DOS NOBRES | |
| .alemos a seguir dos bens que provêm da fortuna, pelo | |
| menos daqueles que determinam nos homens um certo nú- | |
| mero de caracteres. Carácter próprio da nobreza é tornar mais | |
| ambicioso aquele que a possui. Todos os indivíduos, quando | |
| possuem algum bem, têm por costume acrescentar-lhe outro; | |
| ora, a nobreza é uma dignidade transmitida pelos antepassa- | |
| dos. Também comporta uma certa tendência para o desprezo, | |
| mesmo em relação àqueles que são semelhantes aos seus ante- | |
| passados, porque a distância torna as mesmas coisas mais ve- | |
| neráveis do que a proximidade, e presta-se mais à gabarolice. | |
| Por nobre entendo aquele cujas virtudes são inerentes a uma | |
| estirpe; por de nobre carácter entendo aquele que não perde | |
| as suas qualidades naturais. Ora, a maior parte das vezes, não | |
| é isso que acontece com os nobres, pelo contrário, muitos | |
| 63 A busca de dados cronológicos para estabelecer a noção de ma- | |
| turidade ou de auge da vida (¢km») é frequente na literatura grega. Platão | |
| supõe que a ¢km» física se atinge entre os 20 e os 30 anos, respectivamen- | |
| te para a mulher e para o homem (República V 460e) e fixa a maturidade | |
| intelectual nos 50 anos (República VII 540a). Recorde-se que Aristóteles terá | |
| escrito este capítulo da Retórica por volta dos 49 anos, visto que ensinou | |
| retórica em Atenas por volta dos 30 e regressou para fundar a sua pró- | |
| pria escola aos 49 anos. | |
| 198 | |
| deles são de vil carácter. Nas gerações humanas há uma es- | |
| pécie de colheita, tal como nos produtos da terra e, algumas | |
| vezes, se a linhagem é boa, nascem durante algum tempo | |
| homens extraordinários, depois vem a decadência. As famí- | |
| lias de boa estirpe degeneram em caracteres tresloucados, | |
| como os descendentes de Alcibíades e de Dionísio, o Antigo; | |
| as que são dotadas de um carácter firme degeneram em estu- | |
| pidez e indolência, como os descendentes de Címon, de | |
| Péricles e de Sócrates 64. | |
| 16 | |
| O CARÁCTER DOS RICOS | |
| Os caracteres que decorrem da riqueza estão à vista de | |
| todos. Os que os possuem são soberbos e orgulhosos, porque | |
| de certa maneira estão afectados pela posse das riquezas (es- | |
| tão na mesma disposição daqueles que possuem todos os bens; | |
| a riqueza, com efeito, funciona como uma medida de valor das 1391a | |
| outras coisas, porque tudo parece poder comprar-se com di- | |
| nheiro). São também efeminados 65 e petulantes: efeminados, | |
| porque vivem no luxo e fazem ostentação da sua felicidade; | |
| petulantes e até grosseiros, porque estão habituados a que toda | |
| gente se ocupe dos seus desejos e os admire, e também porque | |
| crêem que os outros desejam o que eles têm. De resto, é muito | |
| natural que tenham estes sentimentos, uma vez que são mui- | |
| tos os que precisam do que eles têm. Assim se explica o dito | |
| de Simónides acerca dos sábios e dos ricos, quando a mulher | |
| de Hierão lhe perguntava se era preferível ser rico ou sábio: | |
| 64 O filho de Alcibíades Alcibíades, o Moço , ocupa um lugar | |
| tristemente célebre na crónica escandalosa de Atenas. Lísias (Contra | |
| Alcib., 14 e 15) acusa-o de desobediência e traição. Quanto ao carácter | |
| violento e desregrado de Dionísio II, o Antigo, já é bem conhecido do | |
| próprio Platão e de Plutarco (Timol., 13). Responsável por sucessivos | |
| fracassos do seu governo, só o seu desterro definitivo para Corinto em | |
| 344 a. C., onde consta que passou o resto da vida a ensinar numa esco- | |
| la, trouxe paz a Siracusa. Sobre os filhos de Címon e de Sócrates nada | |
| sabemos ao certo. | |
| 65 Melhor dizendo, «voluptuosos» (trufero). | |
| 199 | |
| «ser rico», respondeu ele, «pois vejo sempre os sábios passa- | |
| rem o tempo à porta dos ricos» 66. Também se acham dignos | |
| de governar, porque julgam possuir tudo aquilo por que vale | |
| a pena governar. Em suma, o carácter de um rico é o de um | |
| louco afortunado. | |
| Os caracteres dos novos-ricos diferem dos antigos no | |
| seguinte: os novos-ricos, além de terem todos os vícios dos | |
| outros, ainda os têm em maior grau e com maiores defeitos | |
| (é que no novo-rico há como que uma ausência de educação | |
| no tocante à riqueza). Os ricos, quando cometem injustiças, | |
| não o fazem por maldade, umas fazem-nas por insolência, | |
| outras por intemperança, como, por exemplo, injúrias pes- | |
| soais e adultério. | |
| 17 | |
| O CARÁCTER DOS PODEROSOS | |
| De maneira semelhante acontece com os que se relacionam | |
| com o poder, cujos traços de carácter são quase evidentes na sua | |
| maioria. O poder tem, em parte, as mesmas características da ri- | |
| queza, sendo algumas até melhores. Os poderosos são, por tem- | |
| peramento, mais ambiciosos e mais viris que os ricos, porque | |
| ambicionam realizar actos que podem cumprir, graças ao poder | |
| de que dispõem. Também são mais diligentes, porque têm mais | |
| responsabilidades, sendo obrigados a velar por tudo o que diz | |
| respeito ao seu poder. São bastante mais dignos do que gra- | |
| ves, porque a sua dignidade lhes confere mais respeito; assim, | |
| os seus actos são moderados, uma vez que a dignidade é uma | |
| gravidade polida e distinta. Se cometem injustiças, não são pes- | |
| soas para pequenas injustiças, mas para grandes. | |
| 66 Simónides de Ceos passou os últimos anos da sua vida (468- | |
| -467 a. C.) em Siracusa e ali fez parte do grupo de artistas e poetas pro- | |
| tegidos pela corte do tirano Hierão I, cuja adulação por parte do poeta | |
| terá sido motivo de muitas anedotas. Este dito é também legado por | |
| Diógenes Laércio que atribui a resposta ao filósofo Aristipo neste ter- | |
| mos: «Os filósofos sabem do que precisam, os ricos não» (Diog. Laerc., | |
| 1.8 (Aristip., 69). | |
| 200 | |
| A boa sorte 67, nas suas diferentes formas, também possui | |
| os caracteres que acabámos de descrever (com efeito, é para a | |
| riqueza e o poder que tendem maioritariamente os efeitos da | |
| sorte). Além disso, a boa sorte proporciona muitas vantagens | |
| em relação a uma feliz descendência e a bens físicos. Portanto, 1391b | |
| se por um lado as pessoas são mais arrogantes e irreflectidas | |
| por causa da boa sorte, por outro um carácter excelente vai de | |
| par com a boa sorte, nomeadamente, o ser piedoso em relação | |
| aos deuses, o ter uma relação especial de confiança face ao divi- | |
| no, e tudo isso justamente como consequência feliz da fortuna. | |
| Com isto, já dissemos o suficiente sobre os caracteres rela- | |
| cionados com a idade e a fortuna. Os caracteres opostos aos | |
| que acabámos de referir tornam-se claros pelo estudo dos seus | |
| contrários: por exemplo, o carácter do pobre, do desafortuna- | |
| do e do sem poder. | |
| 18 | |
| ESTRUTURA LÓGICA DO RACIOCÍNIO RETÓRICO: | |
| .UNÇÃO DOS TÓPICOS COMUNS | |
| A TODAS AS ESPÉCIES DE RETÓRICA | |
| Uma vez que o uso dos discursos persuasivos tem por ob- | |
| jecto formular um juízo (pois acerca daquilo que sabemos e te- | |
| mos juízo formado já não são precisos mais discursos), usamos | |
| o discurso nos casos seguintes: quando nos dirigimos a uma | |
| só pessoa para a aconselhar ou dissuadir, como, por exemplo, | |
| o fazem aqueles que tratam de repreender ou de persuadir | |
| (pois pelo facto de um ouvinte ser único, não significa que seja | |
| menos juiz, visto que aquele a quem se deve persuadir é, em | |
| termos absolutos, juiz); quando se fala contra um adversário, | |
| ou contra uma tese proposta (já que forçosamente é preciso | |
| usar o discurso para refutar os argumentos contrários, contra | |
| os quais se faz o discurso, como se se tratasse da parte adver- | |
| 67 EÙtuca: tradução literal de um conceito poliédrico e central na | |
| cultura grega, como é o de felicidade, fortuna e ventura, por oposição à | |
| má sorte, infortúnio ou desventura (dustuca) de que se falou anterior- | |
| mente em diversas circunstâncias. | |
| 201 | |
| sa); o mesmo acontece nos discursos epidícticos (neste caso, o | |
| discurso dirige-se ao espectador como se fosse dirigido a um | |
| juiz, embora, em geral, só seja absolutamente juiz aquele que, | |
| nos debates políticos, julga as questões submetidas a exame; | |
| são estas, no fundo, as questões controversas e sujeitas a deli- | |
| beração e para as quais se procura solução). Como já falámos | |
| anteriormente 68 dos caracteres correspondentes às diversas | |
| constituições, ao tratarmos do género deliberativo, podemos | |
| dar por definido como e por que meios há que dar aos discur- | |
| sos forma de expressarem os caracteres. | |
| Como para cada género de discurso havia um fim dife- | |
| rente, e como sobre todos eles já foram definidas as opiniões | |
| e as premissas de onde se obtêm as provas, tanto para o gé- | |
| nero deliberativo, como para o epidíctico e o judicial 69, e | |
| como, além disso, estabelecemos os meios que permitem dar | |
| aos discursos o carácter ético, resta-nos agora tratar dos lu- | |
| gares-comuns. | |
| Todos os oradores devem, necessariamente, servir-se, nos | |
| seus discursos, do possível e do impossível 70 e tentar demons- | |
| trar, para uns 71, como serão as coisas, para outros 72, como fo- | |
| ram. Além disso, há um tópico comum a todos os discursos: | |
| o que diz respeito à grandeza, dado que todos os oradores fa- | |
| zem uso da diminuição e da amplificação, quando deliberam, | |
| 1392a elogiam ou censuram e quando acusam ou defendem. Quanto | |
| ao resto, uma vez definido isto, procuremos falar dos entime- | |
| mas em termos gerais, tanto quanto é possível, e dos para- | |
| digmas, a fim de que, colmatando o que falta, possamos com- | |
| pletar o programa inicial. Contudo, entre os lugares-comuns, a | |
| amplificação é o mais apropriado ao género epidíctico, como | |
| já dissemos 73; o passado, ao género judiciário (porque o acto | |
| de julgar recai sobre acontecimentos passados); o possível e o | |
| futuro, ao género deliberativo. | |
| 68 Cf. I 8. | |
| 69 !Amfisbhtoàntej, melhor diríamos «discurso judicial», ou «contro- | |
| vérsia judicial». | |
| 70 DunatÒn e ¢dÚnaton. | |
| 71 Discursos deliberativos. | |
| 72 Discursos judiciais. | |
| 73 Cf. I 9. | |
| 202 | |
| 19 | |
| .UNÇÃO DOS TÓPICOS COMUNS | |
| A TODAS AS ESPÉCIES DE RETÓRICA | |
| .alemos em primeiro lugar do possível e do impossível. | |
| Se foi possível um contrário existir ou ter existido, também o | |
| outro contrário há-de parecer possível. Por exemplo, se um | |
| homem pode gozar de boa saúde, também é possível que adoe- | |
| ça, já que a potência dos contrários, enquanto contrários, é a | |
| mesma. Se, de duas coisas semelhantes, uma é possível, a ou- | |
| tra também é possível. E se o que é mais difícil é possível, o | |
| mais fácil também é possível. Se é possível que uma coisa seja | |
| virtuosa e bela, também é possível que seja ou exista simples- | |
| mente. É mais difícil uma casa ser bela do que ser apenas uma | |
| casa. E se uma coisa pode ter princípio, também pode ter fim, | |
| porque nada acontece, nada começa a partir de impossíveis; | |
| por exemplo, a diagonal de um quadrado não poderia come- | |
| çar a existir, nem existir. Se uma coisa pode ter um fim, o co- | |
| meço também é possível, porque todas as coisas partem de um | |
| princípio. Se é possível que, pela sua essência ou pela sua gé- | |
| nese, exista o posterior, também é possível que exista o ante- | |
| rior: por exemplo, se é possível que exista um homem, então | |
| também uma criança (porque somos crianças antes de sermos | |
| homens); e se é possível existir uma criança, então também um | |
| homem (porque a infância é um começo). Possíveis são tam- | |
| bém aquelas coisas que, por natureza, suscitam o amor ou o | |
| desejo, porque, a maior parte das vezes, ninguém ama nem | |
| deseja o impossível. E o que é objecto das ciências e das artes | |
| também pode existir ou existe. Também são possíveis as coisas | |
| cujo princípio de realização está em certas pessoas sobre as | |
| quais poderíamos exercer coacção ou persuasão; é o que acon- | |
| tece com as pessoas de quem somos superiores, ou senhores | |
| ou amigos. Se as partes de uma coisa são possíveis, o todo tam- | |
| bém o é, e se o todo é possível, por via de regra, as partes tam- | |
| bém o são. Ora, se o corte dianteiro, o cano e a gáspea podem | |
| existir, então também podem existir sandálias 74; ora, se as san- | |
| 74 Os termos aqui utilizados correspondem aproximadamente às | |
| partes do calçado, ou melhor, das sandálias (Øpod»mata), uma vez que não | |
| sabemos o significado preciso dos termos (prÒscisma, kefalj, citèn); por | |
| 203 | |
| dálias são possíveis, também o corte dianteiro, o cano e a gás- | |
| 1392b pea. Se o género inteiro existe dentre as coisas possíveis, tam- | |
| bém a espécie, e se a espécie, também o género; por exemplo, | |
| se é possível construir um navio, também é possível construir | |
| uma trirreme, e se uma trirreme, também um navio. Se, entre | |
| duas coisas recíprocas por natureza, uma delas é possível, a | |
| outra também: por exemplo, se o dobro é possível, a metade | |
| também, e se a metade é possível, igualmente o dobro. Da | |
| mesma maneira, se uma coisa pode ser feita sem arte e sem | |
| preparação, mais possível ainda o será com arte e preparação. | |
| Donde as palavras de Ágaton: | |
| Na verdade devemos fazer algumas coisas com arte, | |
| outras acontecem por necessidade e fortuna. 75 | |
| Se uma coisa é possível a pessoas inferiores, menos do- | |
| tadas e mais insensatas, então sê-lo-á mais ainda aos seus | |
| contrários, como disse Isócrates: «se Eutino veio a sabê-lo, es- | |
| tranho seria que eu não o pudesse descobrir» 76. Quanto ao im- | |
| possível, é evidente que ele resulta dos princípios contrários aos | |
| que acabámos de enunciar. | |
| Se uma coisa aconteceu, ela deve ser examinada com base | |
| no que se segue. Em primeiro lugar, se aconteceu o que é | |
| menos por natureza, poderia também acontecer o que é mais. | |
| Se o que é habitualmente posterior se produziu, também o | |
| anterior; por exemplo, se alguém se esqueceu de uma coisa, é | |
| porque alguma vez a aprendeu. Se se podia e queria fazer uma | |
| coisa, então fez-se, porque os homens, quando têm o poder e a | |
| vontade de fazer uma coisa, fazem-na, desde que não haja nada | |
| que os impeça. E ainda, se alguém queria fazer uma coisa e | |
| nenhum agente exterior o impedia; se podia e estava irado, e | |
| outro lado, e apesar de o exemplo ser retirado dos ofícios mais comuns | |
| (como já era tradicional na escola socrática, cf. Gorgias, 490d-491a), não se | |
| sabe a que parte ou a que tipo de sandálias ou sapatos se refere Aristó- | |
| teles. | |
| 75 Ágaton foi um poeta trágico do século V, contemporâneo de Eu- | |
| rípides e ligado ao círculo de Sócrates. É na casa de Ágaton que Platão | |
| situa o seu Banquete. | |
| 76 A frase parece mutilada e não dispomos de outros testemunhos | |
| que possam identificar com clareza a sua atribuição. | |
| 204 | |
| se podia e queria. A maior parte das vezes, no entanto, os in- | |
| divíduos, quando podem, fazem o que lhes apetece, os frívolos | |
| por intemperança, as pessoas de bem porque desejam o que é | |
| honesto; se uma coisa estivesse para ser executada e alguém | |
| tivesse a intenção de a fazer, é provável que quem está dispos- | |
| to a fazê-la também a tenha feito. Da mesma maneira, se acon- | |
| teceu uma coisa que é, por natureza, subsequente ou resultan- | |
| te dela, então o antecedente e a causa também aconteceram; por | |
| exemplo, se houve trovões, houve relâmpagos; e se uma pes- | |
| soa quis seduzir outra pessoa, concluímos que a seduziu. De | |
| todas estas coisas, umas acontecem por necessidade, outras são | |
| assim a maior parte das vezes. Quanto a demonstrar que algo | |
| não tem existência, é evidente que só podemos inferi-lo a par- | |
| tir dos contrários mencionados. | |
| Sobre o que vai acontecer no futuro, isso subentende-se 1393a | |
| claramente dos mesmos argumentos. Com efeito, o que existe | |
| em potência ou em vontade será, como será o que existe no | |
| nosso desejo, na nossa ira e no nosso cálculo, conforme a capa- | |
| cidade que se tem para agir; e estas coisas acontecerão quando | |
| houver impulso para actuar ou intenção de se fazerem; ora, na | |
| maior parte das vezes, acontece mais o que está na eminência | |
| de acontecer do que o que não está. Se se produziu o que, por | |
| natureza, é anterior: por exemplo, se o céu está coberto de | |
| nuvens, é provável que chova. Se aconteceu uma coisa por | |
| causa de outra, é provável que tal coisa venha a acontecer: por | |
| exemplo, se há alicerces, também há casa. | |
| Sobre a grandeza e a pequenez dos factos, o maior e o | |
| menor e, em geral, o grande e o pequeno, subentende-se como | |
| é óbvio das considerações precedentes. Assim, tratámos, a pro- | |
| pósito do género deliberativo, da grandeza dos bens e, em ter- | |
| mos gerais, do bem maior e do bem menor. Ora, como cada | |
| um dos três géneros de discurso se propõe um certo bem como | |
| fim, por exemplo, o conveniente, o belo e o justo, é óbvio que | |
| é por intermédio destes que todos os oradores devem realizar | |
| as suas amplificações. Além disso, buscar fora destes argumen- | |
| tos a grandeza e a superioridade absolutas é o mesmo que fa- | |
| lar em vão, porque, em relação ao útil, os factos particulares | |
| são mais importantes que os universais. | |
| Assim, sobre o possível e o impossível, o que ocorreu ou | |
| não ocorreu antes e sobre se ocorrerá ou não, assim como so- | |
| bre a grandeza e a pequenez dos factos, que seja suficiente o | |
| que dissemos. | |
| 205 | |
| 20 | |
| ARGUMENTO PELO EXEMPLO | |
| Resta-nos falar das provas comuns a todos os géneros, | |
| uma vez que já nos referimos às próprias. Estas provas comuns | |
| são de dois géneros: o exemplo e o entimema, pois a máxima | |
| é uma parte do entimema. Assim sendo, falaremos em primei- | |
| ro lugar do exemplo que é semelhante à indução, e a indução | |
| é um princípio. | |
| Há duas espécies de exemplo: uma consiste em falar de | |
| factos anteriores, a outra em inventá-los o próprio orador. Nes- | |
| ta última, há que distinguir a parábola e as fábulas, por exem- | |
| plo, as esópicas e as líbicas 77. | |
| .alar de factos passados consistiria, por exemplo, em al- | |
| guém dizer que era preciso fazer preparativos contra o rei da | |
| Pérsia não permitindo que dominasse o Egipto 78, porque já an- | |
| 1393b teriormente Dario evitara atravessar a Grécia sem antes ter to- | |
| mado o Egipto, e que, só depois de o ter tomado, é que passou | |
| à Grécia; e que, por seu turno, Xerxes também não atacou a | |
| Grécia sem antes haver tomado o Egipto, e que, só depois de o | |
| ter submetido, é que dirigiu à Grécia. Assim, se o rei tomar o | |
| Egipto, passará à Grécia; por isso, não se deve consentir que o | |
| submeta. | |
| São parábolas os ditos socráticos, e consistem, por exemplo, | |
| em uma pessoa dizer que os magistrados não devem ser tirados | |
| à sorte, porque isso é como se alguém escolhesse atletas por | |
| sorteio, não os que são capazes de competir, mas os que a sorte | |
| designasse; ou ainda, como se, entre os marinheiros, fosse sor- | |
| teado aquele que deve pilotar o navio, como se, em vez daquele | |
| que sabe, se devesse tomar o marinheiro que a sorte designou. | |
| 77 Segundo uma referência que remonta a Hermógenes (Progymn., | |
| 1) ou a uma tradição anterior, nas fábulas esópicas intervinham animais | |
| racionais e irracionais, enquanto nas líbicas só animais irracionais. Mas | |
| na perspectiva do retórico Téon (Progymnasta, 3) o que distingue umas | |
| das outras é o facto de as líbicas serem atribuídas a um líbio anónimo. | |
| 78 Os factos pretensamente «históricos» a que alude este argumento | |
| levantam problemas cronológicos que não são totalmente claros. O rei em | |
| causa parece ser Artaxerxes III Oco que em 343 a. C. enviou uma embai- | |
| xada à Grécia pedindo uma aliança e reforços para uma expedição (falha- | |
| da) contra o Egipto, que só viria a reconquistar em 343-341 a. C. | |
| 206 | |
| Um exemplo de fábula é a que refere Estesícoro a respeito | |
| de .álaris e a de Esopo a favor de um demagogo. Tendo os ci- | |
| dadãos de Hímera 79 escolhido .álaris como estratego com ple- | |
| nos poderes, e estando a ponto de lhe atribuir uma escolta pes- | |
| soal, Estesícoro, entre outras considerações, contou-lhes a fábula | |
| seguinte: um cavalo tinha um prado só para si, mas chegou um | |
| veado e estragou-lhe o pasto; o cavalo, querendo então vingar- | |
| -se do veado, perguntou a um homem se o podia ajudar a punir | |
| o veado. O homem consentiu, com a condição de lhe pôr um | |
| freio e o montar armado com dardos. .eito o acordo, o homem | |
| montou o cavalo e este, em vez de se vingar, tornou-se escravo | |
| do homem. «Assim também vós», disse ele, «acautelai-vos, não | |
| vá acontecer que, querendo vingar os vossos inimigos, venhais | |
| a sofrer a sorte do cavalo; já tendes o freio ao eleger um estratego | |
| pleno de poderes; se lhe dais uma guarda pessoal e permitis que | |
| vos monte, então sereis escravos de .álaris.» | |
| Esopo 80, por sua vez, quando falava publicamente em | |
| Samos, numa altura em que se julgava a pena capital aplicada a | |
| um demagogo, contou-lhes como é que uma raposa, ao atraves- | |
| sar um rio, foi arrastada para um precipício e, não podendo de | |
| lá sair, aguentou durante muito tempo, além ser atormentada | |
| por numerosas carraças agarradas à pele. Um ouriço que anda- | |
| va por ali, ao vê-la, aproximou-se compadecido e perguntou-lhe | |
| se queria que lhe tirasse as carraças; mas a raposa não lho per- | |
| mitiu. E como o ouriço lhe perguntasse porquê, ela respondeu: | |
| «porque estas já estão fartas de mim e sugam-me pouco sangue; | |
| se mas tiras, outras virão esfomeadas e sugar-me-ão o sangue | |
| que me resta». «Também no vosso caso, homens de Samos», | |
| disse Esopo, «este homem não vos prejudicará mais (porque já é | |
| rico); mas, se o matais, outros virão, pobres, que vos hão-de rou- 1394a | |
| bar e esbanjarão o que vos resta.» | |
| As fábulas são apropriadas às arengas públicas e têm esta | |
| vantagem: é que sendo difícil encontrar factos históricos seme- | |
| lhantes entre si, ao invés, encontrar fábulas é fácil. Tal como | |
| para as parábolas, para as imaginar, só é preciso que alguém | |
| seja capaz de ver as semelhanças, o que é fácil para quem é de | |
| 79 Cidade da Sicília. | |
| 80 Esta fábula não faz parte das colecções esópicas conhecidas, mas | |
| é contada por Plutarco, An sena gerenda sit respublica, 790c, que a atribui a | |
| Esopo. | |
| 207 | |
| filosofia. Assim, é fácil prover-se de argumentos mediante fábu- | |
| las; mas os argumentos com base em factos históricos são mais | |
| úteis nas deliberações públicas, porque, na maior parte dos ca- | |
| sos, os acontecimentos futuros são semelhantes aos do passado. | |
| Na falta de entimemas, convém usar exemplos como de- | |
| monstração (a prova depende deles); quando se têm entime- | |
| mas, há que usar exemplos como testemunhos, tomando-os | |
| como epílogo dos entimemas. Senão vejamos: quando os exem- | |
| plos são colocados em primeiro lugar, assemelham-se a uma | |
| indução e, excepto nalguns casos, a indução não é própria da | |
| retórica; colocados em epílogo funcionam como testemunhos e | |
| o testemunho é sempre persuasivo. Por isso, quem os coloca | |
| antes dos entimemas deve forçosamente recorrer a muitos, a | |
| quem os utiliza como epílogo, basta um, porque um testemu- | |
| nho honesto, mesmo que seja único, é útil. | |
| Com isto, tratámos das diversas espécies de exemplos, | |
| como e quando convém servir-se deles. | |
| 21 | |
| USO DE MÁXIMAS NA ARGUMENTAÇÃO | |
| Acerca do uso das máximas, assim que tivermos definido o | |
| que é uma máxima, ficará bem claro sobre que matérias, quan- | |
| do e diante de quem se ajusta o seu emprego nos discursos. | |
| A máxima é uma afirmação 81 geral que não se aplica, certamen- | |
| te, a aspectos particulares, como, por exemplo, não referir que | |
| tipo de pessoa é Ifícrates, mas ao universal; não a todas as coi- | |
| sas, como, por exemplo, quando se diz que a linha recta é o con- | |
| trário da curva, mas só às que envolvem acções e que podem | |
| ser escolhidas ou rejeitadas em ordem a uma determinada acção. | |
| Daí que, sendo o entimema um silogismo sobre tal tipo de coi- | |
| sas, resulta que as conclusões e os princípios dos entimemas, | |
| pondo de lado o silogismo em si, são máximas. Exemplo: | |
| Nunca deve o homem que por natureza é sensato | |
| ensinar os seus filhos a ser demasiado sábios. 82 | |
| 81 !ApÒfasij. | |
| 82 Eurípides, Medea, 294-5. | |
| 208 | |
| Isto é uma máxima. Mas se lhe juntarmos a causa e o | |
| porquê, o todo forma um entimema. Exemplo: | |
| Sem contar com a preguiça que têm, colhem a inveja | |
| hostil dos cidadãos. 83 | |
| E isto: | |
| Não há homem que seja inteiramente feliz 85. | |
| E isto: 1394b | |
| Não há homem que seja livre 85 | |
| são máximas, mas passam a entimemas, se lhes acrescentarmos: | |
| Porque o homem é escravo da riqueza ou da fortuna. 86 | |
| Se uma máxima consiste no que acabámos de dizer, há | |
| necessariamente quatro espécies de máximas; umas vezes vão | |
| com epílogo, outras sem ele. Por outro lado, necessitam de de- | |
| monstração as máximas que exprimem algo de paradoxal ou de | |
| controverso; quanto às que não têm nada de paradoxal, vão sem | |
| epílogo. Estas não precisam necessariamente de epílogo, umas | |
| porque já são conhecidas de antemão, como por exemplo: | |
| Para um homem, a saúde é o que há de melhor, tanto | |
| quanto me parece 87 | |
| (assim parece também à maioria); mas outras, assim que são | |
| enunciadas, tornam-se evidentes para quem as olha com aten- | |
| ção. Por exemplo: | |
| Não há amante que não ame sempre. 88 | |
| 83 Ibidem, 2961. | |
| 84 Eurípides, Stheneboea, fr. 661 Nauck. | |
| 85 Eurípides, Hecuba, 863. | |
| 86 Ibidem, 864. | |
| 87 Escólio, ou uma canção de banquete, atribuído a Simónides (cf. | |
| Ateneu, 15.694e). | |
| 88 Eurípides, Troades, 1051. | |
| 209 | |
| Quanto às que vão seguidas de epílogo, umas são parte | |
| de um entimema, tais como: | |
| Nunca deve aquele que é sensato 89; | |
| outras são verdadeiros entimemas, mas sem constituírem parte | |
| do mesmo. Estas são particularmente apreciadas, sendo tam- | |
| bém as que, por si mesmas, tornam clara a causa da afirma- | |
| ção, por exemplo, nisto: | |
| Não guardes rancor imortal, sendo mortal. 90 | |
| Dizer, «não há que guardar rancor» é uma máxima, mas | |
| acrescentar «sendo mortal» é dizer o porquê. De modo idênti- | |
| co em: | |
| Um mortal deve sentir-se como mortal, não como | |
| imortal. 91 | |
| Vê-se claramente, pelo que ficou exposto, quantas espé- | |
| cies de máximas há e a que casos se aplica cada uma delas. | |
| De um lado, as que são controversas ou paradoxais não pres- | |
| cindem do epílogo, mas, caso precedam o epílogo, deve em- | |
| pregar-se a máxima como conclusão (por exemplo, se alguém | |
| dissesse: «quanto a mim, como não convém sujeitar-me à in- | |
| veja, nem viver na preguiça, afirmo que não é preciso ser ins- | |
| truído»); ou então, se se coloca a máxima no princípio, há que | |
| juntar-lhe logo aquilo que a precede. Por outro lado, quanto | |
| às que não são paradoxais, mas não são nada evidentes, ha- | |
| verá que determinar previamente a causa, para lhes dar uma | |
| forma mais concisa. Nestes casos são preferíveis os apotegmas | |
| lacónicos e os enigmas, como, por exemplo, referir as pala- | |
| 1395a vras de Estesícoro na assembleia dos Lócrios, a saber: «que | |
| não convém ser insolente, não vão as cigarras terem de can- | |
| tar do chão» 92. | |
| 89 Eurípides, Medea, 295. | |
| 90 Verso de um trágico desconhecido. | |
| 91 Verso atribuído a Epicarmo, fr. 239 Olivier. | |
| 92 Demétrio, Sobre o Estilo, 99.100, atribui esta máxima a Dionísio | |
| de Siracusa, não a Estesícoro. | |
| 210 | |
| Soa bem às pessoas de idade exprimirem-se por máximas | |
| e dissertar sobre temas de que se tem experiência. De maneira | |
| que, fazer uso de máximas quando não se atingiu tal idade é | |
| tão pouco oportuno como andar a contar histórias. Do mesmo | |
| modo, fazê-lo sobre temas de que não se tem experiência é uma | |
| parvoíce e uma falta de educação. Sinal suficiente disso é o | |
| facto de os camponeses serem muito sentenciosos e facilmente | |
| se exprimirem assim. | |
| .alar em termos gerais do que não é universal adequa-se | |
| sobretudo à lamentação e ao exagero; nestes casos, deve-se | |
| proceder assim, ou no início ou mais tarde, depois de termina- | |
| da a demonstração. É conveniente também usar máximas tri- | |
| viais e comuns, se forem úteis, porque, pelo facto de serem co- | |
| muns, como toda a gente está de acordo com elas, podem | |
| parecer verdadeiras, como, por exemplo, quando se exorta al- | |
| guém a enfrentar um perigo, sem antes ter feito os sacrifícios | |
| rituais: | |
| O único, o melhor augúrio, é defender a pátria. 93 | |
| E a alguém que está em posição de inferioridade dir-se-á: | |
| Imparcial é Eniálio. 94 | |
| E quando se aconselha a matar os filhos dos inimigos, | |
| embora nada tenham feito de mal: | |
| Insensato quem, tendo morto o pai, deixa viver os fi- | |
| lhos. 95 | |
| Certos provérbios também são máximas, como aquele do | |
| «vizinho Ático» 96. Convém ainda utilizar máximas para refu- | |
| tar os ditos populares (entendo por ditos populares, por exem- | |
| plo, o «conhece-te a ti mesmo» ou o «nada em demasia») quan- | |
| do o carácter do orador surgir com maior relevo ou quando a | |
| 93 Il., 12.243. | |
| 94 Ibidem, 18.309. Eniálio é Ares, deus da guerra. | |
| 95 Verso atribuído a Estasino, suposto autor do poema épico Cypria, | |
| já referido. | |
| 96 Cf. Tucídides, 1.70. | |
| 211 | |
| máxima for enunciada em tom patético. Há expressão de paté- | |
| tico quando, por exemplo, alguém cheio de ira diz que é uma | |
| mentira uma pessoa conhecer-se a si mesma: «em todo o caso, | |
| se este homem se tivesse conhecido a si mesmo, nunca se teria | |
| considerado digno de ser estratego» 97. O orador mostraria um | |
| carácter superior, se sustentasse que não é preciso ao con- | |
| trário do que se diz amar como se um dia houvesse de odiar, | |
| mas antes odiar como se um dia houvesse de amar. É preciso, | |
| pela maneira como se enuncia a máxima, evidenciar a sua in- | |
| tenção; se não, haverá que explicitar a causa; por exemplo, dizer | |
| assim: «deve-se amar, não como vulgarmente se diz, mas como | |
| se se amasse sempre, porque amar de outro modo é próprio de | |
| um traidor». Ou assim: «não me agrada o ditado, porque o ver- | |
| dadeiro amante deve amar como quem devesse amar sempre». | |
| E ainda: «não me agrada essa fórmula do «nada em demasia», | |
| porque aos maus, pelo menos, devemos odiá-los em excesso». | |
| 1395b As máximas são de grande utilidade nos discursos, por | |
| causa da mente tosca 98 dos ouvintes, que ficam contentes | |
| quando alguém, falando em geral, vai de encontro às opiniões | |
| que eles têm sobre casos particulares. O que digo ficará eluci- | |
| dado pelo que se segue, e, ao mesmo tempo, pelo modo como | |
| se deve fazer a caça às máximas. Como já dissemos, a máxima | |
| é uma afirmação universal; mas o que agrada aos ouvintes é | |
| ouvir falar em termos gerais daquilo que eles tinham pensado | |
| entender antes em termos particulares; por exemplo, se alguém, | |
| por acaso, tivesse de tratar com maus vizinhos ou maus filhos | |
| e, em seguida, ouvisse dizer: «nada mais insuportável do que | |
| a vizinhança» 99; ou «nada de mais estúpido do que ter fi- | |
| lhos» 100. Deste modo, o orador deve conjecturar quais as coi- | |
| sas que os ouvintes de facto têm subentendidas e assim falar | |
| dessas coisas em geral. | |
| 97 Desconhece-se quem é este homem referido por Aristóteles. | |
| Segundo alguns intérpretes, tratar-se-ia de Ifícrates, um general do sé- | |
| culo IV a. C., que o Estagirita expressamente nomeia em diversas partes | |
| da Retórica. | |
| 98 O termo usado por Aristóteles (fortikÒthj) é um hápax legómenon. | |
| Pretende indicar com ele o espírito rude e a falta de cultura dos juízes. | |
| 99 A sugestão é de Hesíodo, Erga, 345. Nas suas variantes e aplica- | |
| da em circunstâncias diversas aparece também em Platão, Legi, VIII, 843c, | |
| Tucídides, III, 113, Demóstenes, Contra Cal., 1. | |
| 100 Desconhece-se a origem e o autor desta máxima. | |
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| Este é já um dos aspectos em que o uso de máximas traz | |
| vantagens, mas há outros ainda melhores: quando elas confe- | |
| rem aos discursos um carácter «ético». Têm carácter «ético» os | |
| discursos que manifestam claramente a intenção do orador. | |
| Todas as máximas cumprem esta função, porque exprimem de | |
| forma geral as intenções daquele que as enuncia, de tal sorte | |
| que, se as máximas são honestas, também farão que o carácter | |
| do orador pareça honesto. | |
| Sobre as máximas, sobre a sua natureza e o número de | |
| espécies, como se devem usar e que vantagens trazem, basta o | |
| que acábamos de dizer. | |
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| O USO DE ENTIMEMAS | |
| .alemos agora dos entimemas em geral: primeiro, do mé- | |
| todo a seguir para os procurar e, depois, dos tópicos donde os | |
| extraímos, pois cada um destes assuntos pertence a uma espé- | |
| cie diferente. Que o entimema é um silogismo, já o dissemos | |
| anteriormente, e também em que medida é um silogismo e em | |
| que é que difere dos silogismos dialécticos. Porque em retórica | |
| convém não fazer deduções de muito longe, nem é necessário | |
| seguir todos os passos: o primeiro método é obscuro por ser | |
| demasiado extenso, o segundo é pura verborreia, porque enun- | |
| cia coisas evidentes. É esta a razão pela qual os oradores incul- | |
| tos são mais persuasivos do que os cultos diante de multidões; | |
| como dizem os poetas 101, os incultos são «mais inspirados pe- | |
| las musas» 102 diante da multidão. Com efeito, os primeiros | |
| enunciam as premissas comuns e gerais, os segundos baseiam- | |
| -se no que sabem e no que está próximo do seu auditório. Por- | |
| tanto, é assim que os oradores devem falar, não tomando como | |
| 101 Alusão à frase de Eurípides, Hippolytus, 988-9: «Aqueles que pa- | |
| recem desajeitados perante os sábios parecem pessoas de grande cultura | |
| aos olhos da multidão.» | |
| 102 Apesar da contradição aparente, preferiu-se traduzir à letra o | |
| termo mousikèteroj que remete para o ambiente de persuasão gerado pela | |
| musicalidade do discurso e que constitui uma das ideias inovadoras da | |
| retórica de Górgias. | |
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| ponto de partida todas as opiniões, mas só certas e determina- | |
| das, por exemplo, as dos juízes ou as daqueles que gozam de | |
| 1396a reputação; e o facto é que a coisa aparece mais clara, ou a to- | |
| dos os ouvintes, ou à maior parte deles. E não se devem tirar | |
| conclusões somente a partir das premissas necessárias, mas | |
| também das que são pertinentes a maior parte das vezes. | |
| Primeiro, convém saber que o assunto sobre o qual se vai | |
| falar ou raciocinar quer se trate de um silogismo político ou | |
| de outro género qualquer tem necessariamente de contar | |
| com argumentos pertinentes, senão todos, pelo menos alguns; | |
| porque, se não dispomos deles, não teremos nada donde reti- | |
| rar uma conclusão. Explico-me: por exemplo, como poderíamos | |
| aconselhar os Atenienses a entrar ou a não entrar em guerra, | |
| se não tivéssemos conhecimento do seu poderio militar, se dis- | |
| punham de uma marinha ou de uma infantaria ou de ambas a | |
| coisas? Quais os efectivos, quais os recursos, os aliados e os ini- | |
| migos, ou ainda que guerras enfrentaram e como se portaram, | |
| e outras coisas semelhantes a estas? Ora, como poderíamos | |
| fazer o elogio deles se não tivéssemos conhecimento do com- | |
| bate naval de Salamina ou da batalha de Maratona, ou dos fei- | |
| tos protagonizados pelos Heraclidas e de outras proezas seme- | |
| lhantes? Todos os panegiristas extraem os seus elogios dos | |
| gloriosos feitos, ou pelo menos, dos que parecem ser. O mes- | |
| mo se passa com as censuras feitas a partir de elementos con- | |
| trários, considerando se os censurados têm ou parecem ter al- | |
| guma coisa de reprovável em matéria de censura: dizer, por | |
| exemplo, que os Atenienses submeteram os Gregos e escravi- | |
| zaram os Eginetas e os Potideianos que tinham combatido com | |
| eles contra os bárbaros e se tinham notabilizado, e outras coi- | |
| sas semelhantes, e se é que algum outro erro se lhes pode im- | |
| putar. Do mesmo modo, os que fazem acusações ou agem | |
| como defensores dispõem, para a sua argumentação, de factos | |
| pertinentes. | |
| É indiferente que se trate dos Lacedemónios ou dos | |
| Atenienses, de um homem ou de um deus: o processo é o | |
| mesmo. Com efeito, aquele que aconselha Aquiles, aquele que | |
| elogia e censura, aquele que acusa e defende, tem de argumen- | |
| tar sempre com factos pertinentes ou que parecem ser , a | |
| fim de exprimir, nessa base, o elogio ou a censura, o que nele | |
| há de belo ou de vergonhoso, acusando-o ou defendendo-o, se | |
| concerne ao justo ou ao injusto e, por fim, aconselhando sobre | |
| o que é conveniente ou prejudicial. O que é válido para estas | |
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| matérias também o é para outras. Por exemplo, tratando-se de | |
| justiça, interessa saber se uma coisa é boa ou má e, nesse caso, | |
| haverá que argumentar com base em atributos atinentes à jus- | |
| tiça e ao bem. | |
| Por conseguinte, como parece que todos os oradores se- | |
| guem este método nas suas demonstrações, quer os seus silo- | |
| gismos sejam mais rigorosos ou mais brandos (já que não ar- 1396b | |
| gumentam a partir de todos os pressupostos, mas somente dos | |
| que são relevantes para cada caso), e como também já ficou | |
| esclarecido que, servindo-se do discurso, é impossível demons- | |
| trar por outro meio, conclui-se, evidentemente, que, tal como | |
| nos Tópicos 103, é indispensável, antes de tudo, ter seleccionado | |
| sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que é | |
| possível e mais oportuno. Quanto às questões que surgem de | |
| improviso, a investigação deve seguir o mesmo método, aten- | |
| dendo não aos argumentos indeterminados, mas aos que são | |
| inerentes ao discurso, englobando o maior número possível e | |
| que estejam mais próximos do assunto em causa. Quanto mais | |
| factos atinentes ao assunto em causa se possuírem, mais fácil | |
| será a demonstração, e quanto mais próximos estiverem dele, | |
| mais próprios e menos comuns serão. Chamo comuns: louvar | |
| Aquiles por ser homem e semideus, e por ter lutado contra | |
| Ílion. Tudo isto é relevante para muitos homens, de maneira | |
| que o orador que recorre a tais argumentos não elogia mais | |
| Aquiles do que Diomedes. Chamo próprios os que se aplicam a | |
| Aquiles e a mais ninguém, como, por exemplo, o ter matado | |
| Heitor, o melhor dos Troianos, e Cicno, o qual, sendo invencível, | |
| a todos impedia de desembarcar. E dizer também que, sendo o | |
| mais jovem, e não estando ligado por juramento, participou na | |
| expedição, e outros elementos do mesmo género. | |
| Um meio, o primeiro, para escolher entimemas é o tópico. | |
| Agora, porém, vamos falar dos elementos dos entimemas. En- | |
| tendo por elemento e tópico a mesma coisa. Mas, primeiro, tra- | |
| temos do que necessariamente deve dizer-se em primeiro lu- | |
| gar. Há duas espécies de entimemas: os demonstrativos 104 de | |
| algo que é ou não é, e os refutativos 105; a diferença é igual à | |
| que existe na dialéctica entre refutação e silogismo. O entimema | |
| 103 Provável alusão a um passo dos Tópicos I 14-15 ou II 7, 112b. | |
| 104 Deiktik£. | |
| 105 !Elegktik£. | |
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| demonstrativo é aquele em que a conclusão se obtém a partir | |
| de premissas com as quais se está de acordo; o refutativo con- | |
| duz a conclusões que o adversário não aceita. | |
| Os tópicos correspondentes a cada uma das espécies de | |
| entimemas, que são úteis e necessários, temo-los mais ou me- | |
| nos em nosso poder. Já antes fizemos a selecção das premissas | |
| que se referem a cada um dos entimemas, de maneira que, | |
| nessa base, cabe-nos agora extrair os entimemas relativos aos | |
| tópicos do bem ou do mal, do belo ou do feio, do justo ou do | |
| injusto. Quanto aos tópicos concernentes aos caracteres, às | |
| emoções e às disposições, já antes os seleccionámos, utilizando | |
| 1397a o mesmo método. Seguiremos agora outro método, o método | |
| geral, para todos os entimemas; trataremos, num capítulo su- | |
| plementar, dos refutativos e dos demonstrativos e também dos | |
| entimemas aparentes que não são realmente entimemas, por- | |
| que nem sequer são silogismos. Quando tivermos esclarecido | |
| tudo isto, definiremos as refutações, as objecções e as fontes | |
| donde se deve partir para depois as opormos aos entimemas. | |
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| O USO DE ENTIMEMAS: OS TÓPICOS | |
| Um dos tópicos dos entimemas demonstrativos é aquele | |
| que se tira dos seus contrários. É conveniente examinar se o | |
| contrário está compreendido noutro contrário, refutando-o se | |
| não estiver, confirmando-o se estiver; por exemplo, dizer que | |
| ser sensato é bom, porque ser licencioso é nocivo. Ou, como | |
| no Messianicus 106: «se a guerra é a causa dos males presentes, | |
| com a paz há que remediá-los». | |
| Ou: | |
| Uma vez que nem contra os que nos fizeram mal | |
| sem querer é justo cair em ira, | |
| também não convém mostrar-se agradecido | |
| a alguém que à força nos faz um favor. 107 | |
| 106 Trata-se do discurso sobre os Messénios, escrito em 366 a. C. por | |
| Alcidamante, e já mencionado em I 13, 1373b. | |
| 107 Citação de um trágico desconhecido. O fragmento forma um | |
| trímetro jâmbico. | |
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| Ou ainda: | |
| Mas, se entre os mortais dizer mentiras | |
| é persuasivo, acredita que o contrário também o é: | |
| quantas verdades se tornam incredulidade para os mortais. 108 | |
| Outro tópico é o das flexões casuais semelhantes, porque | |
| semelhantemente deveriam compreender ou não os mesmos pre- | |
| dicados; por exemplo, dizer que o justo não é um bem em todas | |
| as circunstâncias; é que se o fosse «justamente» seria sempre um | |
| bem, mas, por agora, não é desejável morrer «justamente». | |
| Outro é o que procede das relações recíprocas: se praticar | |
| uma acção bela e justamente pertence a um dos termos, o | |
| cumpri-la pertence a outro; e se uma pessoa tem o direito de | |
| dar ordens, a outra tem-no de as cumprir; por exemplo, o que | |
| Diomedonte, o colector de impostos, disse acerca dos impos- | |
| tos: «se para vós não é vergonhoso vender, também para nós | |
| não é vergonhoso comprar» 109. Ora, se os termos «bela e justa- | |
| mente» se aplicam a quem sofreu a acção, também se aplica- | |
| rão a quem a executou. Mas nisto há o risco 110 do paralogismo. | |
| Com efeito, se alguém sofreu justamente um castigo, justa- | |
| mente o sofreu, mas talvez não imposto por ti. Por isso, con- | |
| vém examinar à parte se o paciente 111 merecia tal castigo e se 1397b | |
| o agente 112 agiu justamente, e, em seguida, aplicar a ambos o | |
| argumento apropriado. Nalguns casos há discordância quanto | |
| a este ponto, e nada impede que se pergunte, como no Alcméon | |
| de Teodectes: «Nenhum dos mortais odiava a tua mãe?» Em | |
| resposta, diz-lhe Alcméon: «Sim, mas é preciso examinar e fa- | |
| zer uma distinção.» «Como?» perguntou Alfesibeia, tomando a | |
| palavra: | |
| A morrer a condenaram, mas não a mim a matá-la. 113 | |
| 108 Eurípides, Thyestes, fr. 396 Nauck. | |
| 109 Personagem e dito desconhecidos. | |
| 110 Lit. «possibilidade». | |
| 111 Paqèn. | |
| 112 Poi»saj. | |
| 113 Teodectes, discípulo de Platão, de Isócrates e de Aristóteles, fi- | |
| cou célebre no século IV como autor de tragédias e de discursos oratórios. | |
| Na tragédia, Alcméon assassinou a mãe, Erifile, para vingar a morte do | |
| pai, Anfiarau. Alfesibeia é a esposa junto da qual chora a sua culpa. | |
| 217 | |
| Outro exemplo é o processo contra Demóstenes e os as- | |
| sassinos de Nicanor: como o júri achou que era justo matá-lo, | |
| também lhe pareceu justo que morresse. E ainda o caso do | |
| homem que morreu em Tebas e acerca do qual se mandou fa- | |
| zer um julgamento para saber se era justo tê-lo matado, por- | |
| que não se considera injusto condenar à morte um homem que | |
| morre justamente 114. | |
| Outro tópico é o do mais e o do menos; por exemplo: «se | |
| nem os deuses sabem tudo, menos ainda os homens». O que | |
| equivale a dizer: «se de facto uma afirmação não se aplica ao | |
| que seria mais aplicável, é óbvio que também não se aplica ao | |
| que seria menos». O argumento, «uma pessoa que bate nos | |
| vizinhos, também bate no pai», assenta no raciocínio seguinte: | |
| «se há o menos, também há o mais» 115, visto que se bate sem- | |
| pre menos nos pais do que nos vizinhos. Ou então empregam- | |
| -se um e outro argumento desta forma: «se uma afirmação se | |
| aplica ao que é mais, não se aplica», «se ao que é menos, apli- | |
| ca-se», conforme seja preciso demonstrar o que é e o que não | |
| é. Além disso, também se usa este argumento, quando não se | |
| trata nem do mais, nem do menos. Donde o poeta: | |
| Digno de compaixão é teu pai, que perdeu os filhos; | |
| mas não o é também Eneu, [honra da Hélade] que | |
| [perdeu um filho ilustre? 116 | |
| E ainda: se Teseu não foi culpado, Alexandre também não; | |
| se os Tindáridas não cometeram injustiça, Alexandre também | |
| não; se Heitor matou justamente Pátroclo, também Alexandre | |
| a Aquiles; e se os outros artistas não são desprezíveis, os filó- | |
| sofos também não; se os estrategos não são desprezíveis, por- | |
| 114 Não sabemos se se trata do famoso orador ateniense, cujas vida | |
| e obra são sobejamente conhecidas. Nicanor é desconhecido. Quanto ao | |
| homem de Tebas, talvez se trate de Eufron de Siciona que, numa | |
| tentativa para libertar os seus compatriotas, teria sido assassinado por | |
| mercenários a soldo dos Tebanos. Sobre o assunto, cf. Xenofonte, Helle- | |
| nica, 7.3,5 ss. | |
| 115 A nossa tradução é aproximada. O excerto é susceptível de vá- | |
| rias leituras e interpretações que seria moroso expor aqui em pormenor. | |
| 116 Versos de um trágico desconhecido. No entanto, o nome Oineus | |
| sugere que podem pertencer a um Meléagro que tanto pode ser de Eurí- | |
| pides como de Antifonte. | |
| 218 | |
| que são muitas vezes condenados à morte, os sofistas também | |
| não. E ainda: «se um simples indivíduo deve preocupar-se com | |
| a vossa glória, também vós vos deveis preocupar com a glória | |
| dos Gregos» 117. | |
| Outro tira-se da observação do tempo. Por exemplo, Ifí- | |
| crates, no seu discurso contra Harmódio, disse: «Se, antes de | |
| eu agir, vos tivesse pedido, como condição prévia, que me | |
| concedêsseis a estátua, ter-ma-íeis dado. Agora que agi, não ma | |
| concedereis? Então, não façais promessas enquanto esperais um | |
| serviço, para depois de cumprido negardes a recompensa.» | |
| Outro exemplo: uma vez, para que os Tebanos permitissem a | |
| .ilipe atravessar o seu território para chegar à Ática, os embai- 1398a | |
| xadores da Macedónia argumentaram: se, antes de ter decidi- | |
| do ajudar os .ocenses, ele tivesse feito a respectiva petição, tê- | |
| -la-iam prometido; seria, pois, absurdo que não o deixassem | |
| passar agora, só porque então se tinha descuidado e tinha con- | |
| fiado neles 119. | |
| Outro ainda consiste em agarrar nas palavras pronuncia- | |
| das contra nós e voltá-las contra aquele que as pronunciou, | |
| como, por exemplo, no Teucro 119. Mas este lugar é diferente do | |
| que utilizou Ifícrates contra Aristofonte, quando este lhe per- | |
| guntou se entregaria a armada a troco de dinheiro. Tendo | |
| Aristofonte respondido que não, logo lhe disse: «Então tu que | |
| és Aristofonte não a entregarias, e eu que sou Ifícrates fá-lo- | |
| -ia?» 120 Mas nestes casos é conveniente haver um adversário à | |
| altura, mais susceptível de cometer injustiças, porque, de con- | |
| trário, a resposta pareceria ridícula: por exemplo, se, para res- | |
| 117 Argumento provavelmente retirado de um discurso epidíctico no | |
| qual o autor, à semelhança do Panegírico de Isócrates, exorta os cidadãos | |
| atenienes (cf. o plural «vós») a lutar contra os bárbaros. | |
| 118 O incidente tem por cenário a expedição de .ilipe da Macedónia | |
| à .ócia em 339 a. C. Os Tebanos e os Tessálios pediram a .ilipe que cas- | |
| tigasse os .ocenses porque se tinham apoderado do tesouro de Apolo. | |
| Quando .ilipe quis atacar a Ática, atravessando os territórios tebanos, | |
| estes negaram-lhe a passagem instigados por Demóstenes. | |
| 119 O argumento alude a um episódio da guerra de Tróia em que | |
| Ulisses acusa Teucro de não ter salvo o irmão da morte. Teucro volta | |
| contra Ulisses a acusação utilizando os mesmos argumentos. Teucro era | |
| uma tragédia de Sófocles. | |
| 120 Depois da derrota de Êmbato (356), Aristofonte acusou de con- | |
| cussão três generais vencidos, Menesteu, Ifícrates e Timoteu. | |
| 219 | |
| ponder à acusação de Aristides 121, outro argumentasse o | |
| mesmo para desacreditar o acusador. Em geral, o acusador pre- | |
| tende ser melhor que o acusado, e portanto há que refutar esta | |
| pretensão. Em geral, este argumento revela-se absurdo, sobre- | |
| tudo quando alguém recrimina aos outros o que ele mesmo faz | |
| ou poderia fazer, ou quando aconselha a fazer o que ele não | |
| faz, nem poderia fazer. | |
| Outro obtém-se partindo da definição. Por exemplo: «o | |
| que é o divino (daimonion)? Um deus ou a obra de um deus? | |
| Naturalmente, aquele que admite que é obra de um deus, for- | |
| çosamente também há-de admitir que os deuses existem.» 122 | |
| Assim também argumentava Ifícrates, ao afirmar que o mais | |
| nobre é o melhor. A verdade, porém, é que Harmódio e Aris- | |
| togíton não possuíam qualquer nobreza antes de terem reali- | |
| zado a sua nobre acção. Acrescentou ainda que ele próprio era | |
| mais aparentado a eles, «porque as minhas obras estão, certa- | |
| mente, mais próximas das de Harmódio e de Aristogíton que | |
| as tuas». E ainda, como se diz no Alexandre: todos concordarão | |
| que os desregrados não se contentam com o prazer de um só | |
| corpo 123. Em virtude disso, Sócrates disse que não se desloca- | |
| ria à corte de Arquelau, «porque», afirma ele, «é uma vergo- | |
| nha não poder retribuir da mesma maneira tanto o bom como | |
| o mau tratamento» 124. Todos estes casos constroem os seus | |
| silogismos sobre a matéria que tratam, partindo de definições | |
| e determinando a essência de uma coisa. | |
| Outro obtém-se a partir dos diferentes sentidos de uma pa- | |
| lavra, como vimos nos Tópicos sobre o uso correcto dos termos 125. | |
| Outro provém da divisão. Por exemplo, se todos os seres | |
| humanos fazem mal por três motivos (por este, por aquele, e | |
| por mais aquele), é impossível que seja por dois deles, mas do | |
| terceiro nem sequer se fala. | |
| 121 Estratego em 489-488 a. C., Aristides foi um político ateniense | |
| que a tradição sempre considerou como exemplo de homem justo e ínte- | |
| gro. .oi condenado ao ostracismo em 482 a. C. | |
| 122 Provável alusão ao argumento de Sócrates em Platão, Apologia, | |
| 27b. | |
| 123 Supomos tratar-se de um discurso epidíctico sobre Páris da au- | |
| toria de um sofista desconhecido, semelhante ao Encómio de Helena de | |
| Isócrates, e à palinódia de Helena, da autoria de Górgias. | |
| 124 Cf. Diógenes Laércio, 2.5.25 (Vita Socr.). | |
| 125 Cf. Aristóteles, Tópicos I 15. | |
| 220 | |
| Outro tópico retira-se da indução. Por exemplo, do caso | |
| da mulher de Pepareto induz-se que são as mulheres a deter- | |
| minar sempre a verdadeira paternidade dos filhos 126. Isto de- 1398b | |
| monstrou-o em Atenas a mãe da criança ao orador Mantias que | |
| negava que o filho fosse dele 127; o mesmo se deu em Tebas, | |
| no pleito que opôs Isménias e Estílbon, quando a mãe, natural | |
| de Dodona, certificou que o filho era de Isménias, e por isso | |
| decidiram que Tessalisco era filho de Isménias 128. Outro exem- | |
| plo encontra-se na Lei de Teodectes: «se aos que cuidam mal dos | |
| cavalos dos outros não se confiam os próprios, aos que fize- | |
| ram afundar os navios alheios também não se lhe confiam os | |
| próprios 129. Por conseguinte, se isto vale para todos os casos, | |
| conclui-se que a quem zela mal pela segurança alheia não é | |
| proveitoso confiar-lhe a própria.» A esta conclusão chega tam- | |
| bém Alcidamante 130 quando diz que todos os povos honram | |
| os sábios: «por exemplo, os habitantes de Paros celebraram | |
| Arquíloco, apesar de ser um difamador; os de Quios, Homero, | |
| apesar de não ser cidadão; os de Mitilene, Safo, mal-grado ser | |
| mulher; os Lacedemónios, Quílon e até o fizeram entrar no | |
| conselho dos anciãos, apesar do pouco apreço que tinham pe- | |
| las letras; os Italiotas honraram Pitágoras, os habitantes de | |
| Lâmpsaco deram sepultura a Anaxágoras, embora fosse estran- | |
| geiro, e ainda hoje continuam a honrá-lo. Os Atenienses, ao | |
| aplicarem as leis de Sólon, foram felizes, e os Lacedemónios | |
| com as de Licurgo; e em Tebas, quando os magistrados se fize- | |
| ram filósofos, a cidade prosperou.» 131 | |
| 126 Discurso de fonte desconhecida. | |
| 127 Cf. Demóstenes, Contra Best., 10.30.37. | |
| 128 Este Isménias era um político influente, amigo de Pelópidas, o | |
| qual foi embaixador tebano na Macedónia e na Tessália (368 a. C.) e, mais | |
| tarde, em Susa, na corte de Artaxerxes. Cf. Xenofonte, Hellenica, 5,2,25. | |
| Os nomes dos outros personagens são desconhecidos. | |
| 129 Teodectes, célebre orador e poeta do século IV a. C., é menciona- | |
| do em 2.23 e em diversas partes desta obra. | |
| 130 Alcídamas ou Alcidamante foi discípulo de Górgias, mas a cita- | |
| ção é provavelmente retirada do seu discurso Mouseîon conhecido desde | |
| a Antiguidade por ser uma espécie de «prontuário retórico». | |
| 131 Houve em Tebas um círculo cultural de forte influência pita- | |
| górica ao qual terão pertencido Epaminondas e Pelópidas entre os anos | |
| 371 a. C. e 361 a. C. Mas a citação pretende remeter-nos para a teoria | |
| platónica de um governo chefiado por filósofos (cf. República V 473d). | |
| 221 | |
| Outro tópico obtém-se de um juízo sobre um caso idênti- | |
| co, igual ou contrário, sobretudo se for um juízo de todos os | |
| homens e de todos os tempos; se não é de todos, pelo menos | |
| da maior parte; ou dos sábios, de todos, ou da maior parte; ou | |
| das pessoas de bem; ou ainda se os juízes se autojulgaram, ou | |
| aqueles cuja autoridade reconhecem os que julgam; ou aqueles | |
| a quem não se pode opor um juízo contrário, como, por exem- | |
| plo, os que têm o poder soberano, ou aqueles a quem não con- | |
| vém opor um juízo contrário, como os deuses, o pai, ou os | |
| mestres. Tal é o que Áutocles disse de Mixidémides: «se às | |
| veneráveis deusas lhes pareceu bem sujeitar-se à sentença do | |
| Areópago, por que não a Mixidémides?» 132. Ou o exemplo de | |
| Safo, que diz que morrer é um mal «pois assim o crêem os | |
| deuses; de contrário, morreriam eles». Ou ainda como Aristipo | |
| respondeu a Platão, que, a seu ver, lhe tinha falado num tom | |
| demasiado sobranceiro: «Sem dúvida, mas o nosso companhei- | |
| ro» disse ele referindo-se a Sócrates «nunca nos teria fa- | |
| lado assim.» E Hegesípolis perguntou ao deus em Delfos, de- | |
| pois de ter consultado o oráculo em Olímpia, se era da mesma | |
| 1399a opinião que seu pai, pois achava que seria uma vergonha para | |
| ele dizer coisas contraditórias 133. E o que Isócrates 134 escreveu | |
| a respeito de Helena, dizendo que era uma mulher virtuosa, | |
| pois assim a julgara Teseu; e a propósito de Alexandre, a quem | |
| as deusas escolheram para árbitro; e de Evágoras, que era vir- | |
| tuoso, porque, como disse Isócrates, «Cónon, por exemplo, uma | |
| vez derrotado, abandonou todos os outros e foi ter com Evá- | |
| goras». | |
| Outro tópico tira-se das partes, como, por exemplo, nos | |
| Tópicos, quando se pergunta que espécie de movimento é a | |
| alma: este ou aquele? 135 Um exemplo tomado do Sócrates de | |
| 132 Mixidémides é-nos desconhecido. Áutocles foi um político | |
| ateniense que participou na missão de paz a Esparta em 371 a. C. e, como | |
| estratego, tomou parte activa na guerra em 369 a. C. e 362 a. C. As deu- | |
| sas a que se refere o passo são as .úrias que, na cena final das Euménides | |
| de Ésquilo, abdicam da vingança contra Orestes e aceitam a decisão do | |
| tribunal do Areópago. | |
| 133 Refere-se a Apolo, filho de Zeus. A história aparece em Xeno- | |
| fonte, Hellenica, 4.7,2. Hegesípolis I foi rei de Esparta em 394 a. C. e con- | |
| sultou o oráculo de Delfos antes da campanha contra Argos em 390 a. C. | |
| 134 Cf. Isócrates, Helena, 18-22; Evagoras, 51-52. | |
| 135 Tópicos II 4. | |
| 222 | |
| Teodectes: «que santuário profanou? Que deuses não honrou | |
| entre os que a cidade venera?» | |
| Outro tópico retira-se, já que na maior parte dos casos | |
| acontece que a uma mesma coisa se segue um bem e um mal, | |
| das consequências: aconselhar ou desaconselhar, acusar ou de- | |
| fender-se, louvar ou censurar. Por exemplo, a educação tem | |
| como consequência a inveja que é um mal, enquanto ser sábio | |
| é um bem; por conseguinte, não é preciso receber educação, | |
| porque não convém ser invejado; por outro lado, convém ser | |
| instruído, porque convém ser sábio. Este tópico constitui a Arte | |
| de Calipo 136 que junta o tópico do possível e os outros de que | |
| já tratámos. | |
| Outro tópico consiste, quando precisamos de aconselhar | |
| ou desaconselhar a propósito de duas coisas opostas, em utili- | |
| zar, para ambas as coisas, o tópico anterior. A diferença, con- | |
| tudo, consiste no seguinte: no primeiro, os termos contrapõem- | |
| -se por mero acaso, no segundo, são termos contrários. Por | |
| exemplo, a sacerdotisa que não deixava o filho falar em públi- | |
| co: «porque» dizia ela «se disseres o que é justo, os ho- | |
| mens odiar-te-ão; se disseres o que é injusto, os deuses». Nesse | |
| caso, é preferível falar em público, pois se falares com justiça, | |
| os deuses amar-te-ão, se com injustiça, os homens. É o que diz | |
| o provérbio: comprar a salina e o sal. E a blaísosis 137 consiste | |
| nisto: quando a cada um de dois contrários se segue um bem | |
| e um mal, há que contrapor cada um deles como contrário do | |
| outro. | |
| Outro consiste em (já que em público não se louvam as | |
| mesmas coisas que em privado, uma vez que em público se | |
| louvam sobretudo as coisas justas e belas, e que em privado se | |
| preferem as que são úteis) procurar deduzir o contrário a par- | |
| tir de uma destas afirmações. Dos paradoxos este é o tópico | |
| que goza de mais autoridade. | |
| Outro consiste em retirar consequências por analogia. Por | |
| exemplo, Ifícrates, quando quiseram obrigar o filho, que era | |
| 136 Segundo se crê, Calipo foi discípulo de Isócrates. Desta Kallppou | |
| tcnh só temos conhecimento desta citação. | |
| 137 Blaswsij é uma variedade do quiasmo que, na sua expressão | |
| mais simples, consiste em dispor em cruz quatro membros de um mesmo | |
| período, de modo que o primeiro corresponda ao quarto e o segundo ao | |
| terceiro. | |
| 223 | |
| muito jovem mas de grande estatura, a desempenhar um car- | |
| go público, disse que se consideravam homens as crianças de | |
| elevada estatura, então que decidissem por decreto que os | |
| 1399b homens de pequena estatura eram crianças. E Teodectes, em | |
| A Lei 138, diz: «Se de mercenários como Estrábax e Caridemo | |
| fazeis cidadãos, porque são honestos, não deveríeis exilar aque- | |
| les mercenários que cometeram faltas irreparáveis?» | |
| Outro tópico tira-se disto: se a consequência é a mesma, é | |
| porque também é a mesma a causa de que deriva. Por exemplo, | |
| Xenófanes dizia que tanto cometem impiedade aqueles que di- | |
| zem que os deuses nascem, como os que afirmam que morrem: | |
| em ambos os casos, com efeito, a consequência é haver um tem- | |
| po em que os deuses não existem. E, em geral, há que admitir | |
| que a consequência de cada um dos dois termos é sempre a mes- | |
| ma: «Ides pronunciar-vos, não sobre Isócrates, mas sobre o seu | |
| género de vida, isto é, sobre se é útil filosofar.» 139 Do mesmo | |
| modo, diz-se: «dar terra e água» é ser escravo e «participar numa | |
| paz comum» é fazer o que está mandado. Portanto, entre ter- | |
| mos opostos convém tomar aquele que é mais útil. | |
| Outro provém do facto de que nem sempre se escolhe o | |
| mesmo depois e antes, mas ao invés. Por exemplo, este entime- | |
| ma: «Se no exílio lutámos para voltar à pátria, uma vez que vol- | |
| támos deveríamos exilar-nos para não termos de combater?» 140 | |
| Umas vezes prefere-se ficar em casa em lugar de combater, ou- | |
| tras prefere-se não combater à custa de não ficar em casa. | |
| Outro tópico consiste em dizer que aquilo em virtude do | |
| que alguma coisa poderia ser ou poderia acontecer é a causa | |
| efectiva de que seja ou aconteça. Por exemplo, se uma pessoa | |
| der uma coisa a outra para depois lha tirar e lhe causar mal. | |
| Donde, estas palavras: | |
| a muitos a divindade, não por benevolência, | |
| concede grandes venturas, mas para que | |
| as desgraças que recebam sejam mais visíveis. 141 | |
| 138 Cf. supra, II 23. | |
| 139 Citação livre de Isócrates, Antid., 173. | |
| 140 Citação de um discurso perdido de Lísias, 34.11, sobre a situa- | |
| ção de Atenas em 403 a. C. | |
| 141 Versos de uma tragédia desconhecida, recolhidos por Nauck | |
| (fr. 82). | |
| 224 | |
| Do mesmo modo, este passo do Meléagro de Antifonte: | |
| Não para matar o monstro, mas para que testemunhos | |
| fossem da virtude de Meléagro perante a Hélade. 142 | |
| E também podemos citar as palavras do Ájax de Teodec- | |
| tes: Diomedes escolheu Ulisses, não para o honrar, mas para | |
| ter um companheiro que lhe fosse inferior, pois é possível que | |
| o tenha feito por esta razão. | |
| Outro tópico, que é comum aos que litigam e aos que | |
| deliberam, consiste em examinar as razões que aconselham a | |
| fazer uma coisa e desaconselham a fazer a mesma e que ra- | |
| zões levam as pessoas a praticar e a evitar tais actos. Por isso, | |
| se estas razões existem, convém agir, se não existem, não agir. | |
| Por exemplo, se uma coisa é possível, fácil e útil para nós e | |
| para os nossos amigos ou prejudicial para os inimigos; e, se, | |
| no caso de ser prejudicial, o prejuízo causado vier a ser infe- | |
| rior ao lucro. É destas razões que se parte para persuadir e dos 1400a | |
| seus contrários para dissuadir; destas mesmas se parte para | |
| acusar e defender: as que dissuadem utilizam-se na defesa; as | |
| que aconselham, na acusação. A este tópico se resume toda a | |
| Arte de Pânfilo 143 e de Calipo. | |
| Outro tópico tira-se dos factos que se admite existirem, mes- | |
| mo os inverosímeis, porque não acreditaríamos neles se não exis- | |
| tissem ou não estivessem para acontecer. Com mais razão ain- | |
| da, aceitamos o que existe ou o que é provável. Portanto, se um | |
| facto é inverosímil e improvável, é porque tem probabilidades | |
| de ser verdadeiro, pois não é por ser provável e plausível que | |
| parece tal. Por exemplo, Androcles 144, o Piteu, ao criticar a lei e | |
| ao notar que as suas palavras suscitavam contra ele um grande | |
| murmúrio, disse: «As leis precisam de uma lei que as corrija; os | |
| 142 Sobre o Meléagro de Antifonte, ver p. 218, n. 116. | |
| 143 Pânfilo é referido, mas ignorado por Cícero: «Pamphilum nescio | |
| quem» (De oratore, III, 21); cf. também Quintiliano, Institutiones oratoriae, | |
| 3.6.34 (se é que se trata do mesmo Pânfilo). | |
| 144 Admite-se que este Androcles foi adversário de Alcibíades du- | |
| rante a revolução oligárquica de Atenas, em consequência do incidente | |
| das estátuas de Hermes (411 a. C.). Acabou por ser assassinado, ele e ou- | |
| tros cidadãos, por partidários de Alcibíades. Cf. Andócides, Sobre os Mis- | |
| térios, 27; Plutarco, Alcibiades, 19; Tucídides, 8.65. | |
| 225 | |
| peixes precisam de sal; no entanto, não é provável nem plausí- | |
| vel que os peixes criados na água salgada precisem de sal; tam- | |
| bém as azeitonas precisam de azeite, embora seja inverosímil | |
| que aquilo de onde se extrai o azeite precise de azeite.» | |
| Outro tópico, peculiar à refutação, consiste em examinar | |
| os pontos contraditórios, ver se há alguma contradição entre | |
| os tópicos referentes a tempos, acções e discursos, dirigindo | |
| depois estas contradições separadamente à parte contrária. Por | |
| exemplo: «diz que vos ama, mas conspirou com os Trinta 145»; | |
| ou dirigindo-se ao próprio orador: «diz que sou amigo de plei- | |
| tos, mas não pode demonstrar que eu tenha provocado um só | |
| que seja»; ou então, referindo-se ao orador e à parte contrária: | |
| «este nunca foi capaz de emprestar dinheiro, mas eu já resga- | |
| tei muitos de vós». | |
| Outro tópico, relacionado com homens e factos que foram | |
| ou parecem suspeitos, consiste em explicar a causa do que é es- | |
| tranho, pois há uma razão para que assim pareça. Por exemplo: | |
| tendo uma mulher caído em cima do próprio filho, à força de | |
| tantos abraços, julgou-se que estava a fazer amor com o meni- | |
| no; explicada a causa, desfez-se a suspeita. Outro exemplo é o | |
| que encontramos no Ájax de Teodectes: Ulisses expõe contra Ájax | |
| por que motivo, sendo ele mais corajoso que Ájax, não o parece. | |
| Outro procede da causa: porque, se a causa existe, é que | |
| o efeito se produz; se não existe a causa, também não se pro- | |
| duz o efeito. A causa e aquilo de que é causa são inseparáveis; | |
| e sem causa não há coisa. Por exemplo, Leódamas, em respos- | |
| ta às acusações de Trasibulo 146, que o acusava de ter sido pu- | |
| blicamente difamado numa inscrição da Acrópole, mas que | |
| mandara apagar o nome dele durante o governo dos Trinta, | |
| afirmou que tal não era possível, porque os Trinta tê-lo-iam | |
| considerado mais digno de confiança, se na pedra tivesse fica- | |
| do gravado o seu ódio contra o povo. | |
| Outro tópico consiste em examinar se não seria ou não é | |
| possível fazer uma coisa melhor que aquela que se aconselha, | |
| 145 Clara alusão ao governo autocrático dos Trinta Tiranos de 404 a. C., | |
| inimigos do regime democrático restabelecido por Trasibulo. | |
| 146 Trata-se de Trasibulo de Colitos (não de Trasibulo de Estíria refe- | |
| rido em nota anterior) que foi acusador de Alcibíades em 406 a. C. Mais | |
| tarde (382 a. C.) conseguiu excluir do arcontado a um tal Leódamas (ou Leo- | |
| damante) a quem acusou de ser inimigo do povo (cf. Lísias, Discursos, 26.13). | |
| 226 | |
| ou que se faz, ou que já se fez. Claro está que, se assim não | |
| fosse, não se teria agido assim, porque ninguém escolhe volun- 1400b | |
| tariamente e com conhecimento de causa um mau partido. Mas | |
| este raciocínio é enganador, porque muitas vezes só posterior- | |
| mente é que se torna claro como proceder da melhor maneira; | |
| antes era obscuro. | |
| Outro consiste, quando se vai fazer algo contrário ao que | |
| já se fez, em examinar ambas as coisas ao mesmo tempo. Por | |
| exemplo, quando os Eleatas perguntaram a Xenófanes se de- | |
| viam ou não fazer sacrifícios e entoar trenos em honra de | |
| Leucótea 147, deu-lhes este conselho: se a consideravam deusa, | |
| nada de trenos, se a consideravam humana, nada de sacrifícios. | |
| Outro tópico consiste em acusar ou defender-se a partir | |
| dos erros da parte contrária. Por exemplo, na Medeia de | |
| Cárcino 148, os seus acusadores acusam-na de ter matado os | |
| filhos, porque não se encontravam em parte nenhuma (o erro | |
| de Medeia consistiu em ter enviado os filhos para longe); mas | |
| ela defendeu-se argumentando que teria matado, não os filhos, | |
| mas Jasão, uma vez que teria sido um erro não o ter feito, se é | |
| que, na verdade, pensava fazer uma destas duas coisas. Este | |
| tópico e esta espécie de entimema constituem toda a Arte ante- | |
| rior a Teodoro 149. | |
| Outro tópico obtém-se do nome. Por exemplo, como diz | |
| Sófocles: | |
| Claramente levas o nome de ferro. 150 | |
| 147 Leucótea, mais conhecida por Ino, é, na mitologia grega, filha | |
| de Cadmo, rei de Tebas. Para escapar à fúria de Atamante, o marido en- | |
| louquecido, precipitou-se no mar com o cadáver do filho Melicerta e trans- | |
| formou-se na deusa branca (= Leucótea), divindade marítima protectora | |
| dos navegadores. | |
| 148 Poeta trágico do século IV a. C., citado por Aristóteles. Cf. Poéti- | |
| ca 16; Retórica III 17. | |
| 149 Teodoro de Bizâncio foi um distinto mestre de retórica, contem- | |
| porâneo de Lísias, e autor de, pelo menos, duas Artes Retóricas: uma de- | |
| dicada à oratória judicial, outra é uma reestruturação da primeira incluí- | |
| da num sistema mais geral de retórica. Sobre este magister, cf. Platão, | |
| .edro, 266e, e Aristóteles, Sophistici elenchi 34. | |
| 150 Sidero significa ferro. No texto há um jogo etimológico (que, de | |
| resto, remete para o tópico enunciado apò toû onómatos) entre o nome | |
| Sidhrè (nome próprio) e sdhroj (ferro ou arma de ferro). O verso é reti- | |
| rado da tragédia de Sófocles, Tiro, fr. 597 Nauck. | |
| 227 | |
| E tal como costumava dizer-se nos elogios aos deuses, e | |
| como Cónon chamava a Trasibulo «o de ousadas decisões» 151, | |
| e Heródico dizia a Trasímaco: «és sempre um combatente ou- | |
| sado» 152, e a Polo: «és sempre um potro» 153. Também de Drá- | |
| con, o legislador, se afirmava que as suas leis não eram de | |
| homem, mas de dragão, (porque eram muito severas) 154. Como | |
| também Hécuba, em Eurípides, diz a Afrodite: | |
| É com razão que a palavra «insensatez» começa o | |
| nome da deusa. 155 | |
| E como Querémon: | |
| Penteu, epónimo de desgraça futura. 156 | |
| Entre os entimemas, os refutativos gozam de mais reputa- | |
| ção que os demonstrativos, porque o entimema refutativo con- | |
| segue a junção de contrários em curto espaço e porque as coi- | |
| 151 Thrasyboulon. Mais um exemplo de jogo de palavras muito apre- | |
| ciado pelos Atenienses. Com efeito, o nome Thrasyboulos é um composto | |
| de qrasÚj (ousado) e boul» (resolução, decisão). Cónon é um general | |
| ateniense, vencedor de Pisandro em Cnido (394 a. C.) e restaurador da | |
| democracia ateniense. Quanto a Trasibulo de Estíria, ver supra, n. 146. | |
| 152 Thrasymachos, mestre de retórica que surge na República de Platão | |
| (livro I) como interlocutor de Sócrates, é visto aqui sob o ângulo etimoló- | |
| gico: qrasÚj e m£ch (audaz ou ousado no combate). Quanto a Heródico, | |
| desconhecem-se testemunhos fidedignos. | |
| 153 Como se sabe, Polo, sofista discípulo de Górgias, significa «po- | |
| tro» ou «cavalo». | |
| 154 Drakon significa «dragão» ou «serpente». Entre 624 a. C. e | |
| 621 a. C., parte das leis atenienses foram reduzidas a escrito. Nelas se in- | |
| troduz, pela primeira vez na Grécia, a distinção fundamental entre homi- | |
| cídio voluntário e involuntário. Esta empresa foi atribuída a um certo | |
| Drácon, de cuja existência alguns historiadores duvidam. Mais tarde, | |
| Drácon ficará famoso por ser extremamente severo, donde o adjectivo | |
| «draconiano» que ficou proverbial. Cf. Aristóteles, Política II 12. | |
| 155 Troades, 990. O nome da deusa Afrodite, responsável primeira | |
| pela destruição de Tróia e pela desgraça de Hécuba, começa por ¢frosÚnh | |
| (insensatez, loucura). | |
| 156 PenqeÚj (nome próprio) e pnqoj (luto, tristeza). Jogo de palavras | |
| de acordo com a natureza trágica do herói. Cf. Eurípides, Bacchae, 508. | |
| Quanto a Querémon, só sabemos que foi um poeta trágico do século IV a. C. | |
| 228 | |
| sas aparecem mais claras ao ouvinte quando se apresentam em | |
| paralelo. De todos os silogismos refutativos e demonstrativos, | |
| os de maior aplauso são aqueles em que, sem serem superfi- | |
| ciais, se prevê desde o princípio a conclusão (porque os ouvin- | |
| tes sentem-se, ao mesmo tempo, mais satisfeitos, pelo facto de | |
| os terem pressentido), assim como aqueles que só são entendi- | |
| dos à medida que vão sendo enunciados. | |
| 24 | |
| O USO DE ENTIMEMAS APARENTES | |
| Mas como pode haver um silogismo [verdadeiro] e outro | |
| que, sem o ser, pareça que o é, necessariamente também have- | |
| rá um entimema [verdadeiro] e outro que, sem ser entimema, | |
| pareça que o é, dado que o entimema é uma espécie de silo- | |
| gismo. São tópicos dos entimemas aparentes os seguintes: 1401a | |
| Um provém da expressão 157. Uma parte deste consiste, | |
| como na dialéctica, em dizer no fim, à guisa de conclusão, o | |
| que ainda não se concluiu no silogismo: «uma coisa não é isto | |
| e aquilo; logo, será necessariamente isto e aquilo». No caso dos | |
| entimemas, expressar uma coisa de forma concisa e antitética | |
| parece ser um entimema (pois tal forma de expressão é domí- | |
| nio do entimema) e parece que tal processo deriva da própria | |
| forma de expressão. Para se exprimir de maneira semelhante à | |
| do silogismo, é útil enunciar os pontos capitais de muitos silo- | |
| gismos. Por exemplo: salvou uns, castigou outros, libertou os | |
| Gregos 158. Ora, cada um destes pontos já estava demonstrado | |
| por outros, mas quando se reúnem tem-se a impressão de que | |
| deles resulta alguma conclusão. | |
| Outro entimema aparente é o que procede da homoní- | |
| mia 159. Por exemplo, dizer que um rato é um animal de mérito | |
| porque dele procede o mais venerado rito de iniciação, uma | |
| vez que os mistérios são as cerimónias mais veneráveis de to- | |
| 157 Par¦ t¾n lxin. | |
| 158 Exemplos extraídos do Evágoras de Isócrates (65-69), que cultiva | |
| um típico discurso epidíctico em honra do rei de Sálamis em Chipre. | |
| 159 Sobre este tópico, cf. Aristóteles, Sophistici elenchi 4, 165b31- | |
| -166a22, e Poética 25, 1461a. | |
| 229 | |
| das 160. Caso semelhante é o da pessoa que, para elogiar um | |
| cão, o comparasse ao Cão celeste 161 ou a Pã, porque Píndaro | |
| disse: | |
| Oh ditoso aquele a quem da grande deusa cão multiforme | |
| chamam os Olímpios 162, | |
| ou que não ter sequer um cão em casa é uma desonra, de sorte | |
| que o cão é evidentemente uma coisa honrosa. Outro exemplo | |
| é dizer que Hermes é o mais comunicativo 163 dos deuses, por- | |
| que é o único que se chama «comum Hermes» 164. Outro ainda | |
| é dizer que a palavra (lÒgoj) é o que há de mais precioso, por- | |
| que os homens honestos não são dignos de dinheiro, mas de | |
| consideração. Com efeito, esta expressão não se utiliza univo- | |
| camente. | |
| Outro tópico consiste em argumentar combinando o que | |
| estava dividido ou dividindo o que estava combinado. Porque, | |
| como uma mesma coisa parece o que muitas vezes não é, con- | |
| vém fazer o que das duas coisas for mais útil em cada caso. | |
| Tal é o argumento utilizado por Eutidemo 165, quando, por | |
| exemplo, diz saber que há uma trirreme no Pireu, porque cada | |
| um destes termos é conhecido, isto é, a trirreme e o Pireu. E o | |
| mesmo se diga nas ocasiões em que alguém sustenta que co- | |
| nhecer as letras é conhecer a palavra, uma vez que a palavra é | |
| 160 De novo, jogo de palavras entre màj (rato) e muot»ria (mistérios). | |
| 161 Como salienta Kennedy (n. 236) «the metaphorical meaning of | |
| dog here is unclear», mas também não permite a interpretação do comen- | |
| tador medieval Stephanus, que vê neste sintagma uma referência clara a | |
| Diógenes e aos Cínicos. Na mitologia, a constelação do Sírio introduz os | |
| dias do Cão. Cf. Il., 22.27-29. | |
| 162 .r. 96 Snell. A «grande deusa», no tempo de Píndaro, parece ser | |
| mais Deméter que Cíbele, cujo culto, vindo da .rígia, só se espalharia por | |
| toda a Grécia em época posterior à de Píndaro. | |
| 163 KoinwnikÒn. | |
| 164 Teofrasto (Characteres, 30) explica o equívoco desta expressão que | |
| se tornou proverbial: Hermes, entre muitas outras funções, era deus dos | |
| achados. Quando alguém encontrava no chão um objecto de valor, o acom- | |
| panhante (koinônos) reclamava a metade exclamando: «koinos Hermes». | |
| 165 Sofista originário de Quios, mestre em erística ou arte de dispu- | |
| tar, que dá nome ao célebre diálogo de Platão, Eutidemo. Aristóteles, nas | |
| Refutações Sofísticas 20, 177b12, discute as falácias de Eutidemo. | |
| 230 | |
| o mesmo que as letras. E ainda quando se afirma que, se a dose | |
| dupla é nociva à saúde, a dose simples não pode ser saudável. | |
| Seria absurdo que duas coisas boas somassem uma má. Assim | |
| apresentado, o entimema é refutativo, mas passa a demonstra- | |
| tivo, se for apresentado da maneira seguinte: não é possível que | |
| um bem seja dois males. Mas, todo este tópico é paralogístico. | |
| Como também o é aquele dito de Polícrates sobre Trasibulo 166, | |
| a saber: que tinha liquidado trinta tiranos, já que procedeu | |
| assim por acumulação. Ou o que se diz no Orestes de Teo- | |
| dectes, que consiste numa divisão: | |
| Justo é que, se uma mulher mata o seu marido | |
| morra ela também, e que o filho vingue o pai. De facto, foi isso | |
| que aconteceu. Mas, juntando as duas coisas, estes factos tal- 1401b | |
| vez não sejam uma coisa justa. Também pode haver aqui um | |
| paralogismo de omissão, uma vez que se evita dizer por obra | |
| de quem foi morta a mulher. | |
| Outro consiste em estabelecer ou refutar um argumento | |
| por meio do exagero. Isto acontece quando, sem se provar que | |
| se fez nem que nem se fez, se amplifica o facto: é que isto cria | |
| a ilusão de que ou não se fez, quando quem amplifica é quem | |
| sustenta a causa, ou que se fez, quando o acusador é quem | |
| amplifica. Na realidade, não há entimema, porque o ouvinte | |
| cai em paralogismo ao julgar o que o acusado fez ou não fez, | |
| sem que tal esteja demonstrado. | |
| Outro tópico tira-se do signo; também aqui não há silo- | |
| gismo. Por exemplo, se alguém dissesse: «às cidades são úteis | |
| os amantes, porque o amor de Harmódio e de Aristogíton der- | |
| rubou o tirano Hiparco» 167. Ou ainda se alguém dissesse que | |
| Dionísio 168 é ladrão, porque é mau. Ora isto não é um silo- | |
| gismo, porque nem todo o mau é ladrão, embora todo o la- | |
| drão seja mau. | |
| 166 Trata-se de Trasibulo de Estíria (ver supra, n. 146 e 151). O sofis- | |
| ta Polícrates pediu para Trasibulo, que tinha posto fim ao regime dos Trin- | |
| ta, trinta recompensas. Cf. o episódio em Quintiliano, Institutio oratoria, | |
| III, 6, 26. | |
| 167 A propósito desta versão, cf. Tucídides, 6.54. O argumento em | |
| si é retirado do discurso de Pausânias. Cf. Platão, Symposium, 182c. | |
| 168 Um dos tiranos de Siracusa entre 405 a. C. e 343 a. C. | |
| 231 | |
| Outro decorre do acidente. Por exemplo, aquilo que Polí- | |
| crates diz a respeito dos ratos: «que prestaram um grande ser- | |
| viço roendo as cordas do arco» 169. Ou ainda se alguém disses- | |
| se que o facto de ser convidado para um banquete é o mais | |
| alto sinal de distinção, dado que, por não ter sido convidado, | |
| Aquiles ficou ressentido contra os Aqueus em Ténedos 170. .i- | |
| cou ressentido por se sentir desconsiderado, embora tal tenha | |
| acontecido por não ter sido convidado. | |
| Outro tópico tira-se da consequência. Por exemplo, no | |
| Alexandre 171 diz-se que ele era magnânimo, porque, despre- | |
| zando a companhia de muitos da sua igualha, passava a vida | |
| sozinho no Monte Ida. Ora, como os magnânimos têm tais ca- | |
| racterísticas, também se poderia pensar que ele era magnâni- | |
| mo. Do mesmo modo, porque um homem é elegante e anda | |
| a passear à noite, se conclui que é adúltero, uma vez que os | |
| adúlteros são assim. Sofisma análogo é dizer que nos templos | |
| os mendigos cantam e dançam e que os exilados podem vi- | |
| ver onde quiserem; e como parece que os que podem fazer | |
| isto são felizes, também aqueles a quem tais liberdades são | |
| permitidas podem parecer felizes. Mas toda a diferença está | |
| no como, pelo que este sofisma incorre no paralogismo de | |
| omissão. | |
| Outro consiste em apresentar o que não é causa, como | |
| causa. Por exemplo: quando acontecem várias coisas ao mes- | |
| mo tempo ou umas a seguir às outras. O que acontece «depois | |
| disso» toma-se como se fosse «a causa disso». Este processo | |
| emprega-se sobretudo em política. Por exemplo, Demades 172 | |
| dizia que o governo de Demóstenes era a causa de todos os | |
| males, porque depois dele veio a guerra. | |
| 169 Sofista conhecido por uma célebre Acusação de Sócrates escrita por | |
| volta de 393-394 a. C. .oi também autor de várias apologias e de um | |
| Panegírico do Rato. Acerca deste episódio, veja-se Heródoto, II, 141, que | |
| atribui o fracasso da expedição de Senaqueribe ao Egipto a uma invasão | |
| de ratos que roeram as cordas dos arcos e as correias dos carros do exér- | |
| cito assírio. | |
| 170 Este episódio é anterior à guerra de Tróia. Sófocles compôs so- | |
| bre o assunto uma tragédia hoje perdida. | |
| 171 Talvez se trate de alguma apologia anónima do troiano Páris. | |
| 172 Político e orador ateniense, morto em 318 a. C. Partidário pró- | |
| -macedónio depois de Queroneia (338), foi certamente um adversário de | |
| Demóstenes. | |
| 232 | |
| Outro consiste na omissão do quando e do como. Dizer, | |
| por exemplo, que Alexandre raptou Helena justamente, uma | |
| vez que o pai desta lhe concedera o direito de escolher o ma- | |
| rido. Tal direito não era válido para sempre, mas só a primeira | |
| vez, porque o pai tinha autoridade só até esse momento. Ou se 1402a | |
| alguém dissesse que bater em homens livres é ultrajante, pois | |
| isso não é absoluto em todos os casos, só naqueles em que al- | |
| guém toma a iniciativa de bater injustamente. | |
| E ainda, tal como na erística, do facto de se poder consi- | |
| derar uma coisa absolutamente e não absolutamente, mas só | |
| em relação a uma coisa, resulta um silogismo aparente. Por | |
| exemplo, na dialéctica, afirmar que o não-ser existe, porque o | |
| não ser é não-ser; e que o desconhecido é objecto de conhe- | |
| cimento, porque o incognoscível, enquanto incognoscível, cons- | |
| titui objecto de conhecimento científico. Assim também, na | |
| retórica, há um entimema aparente do não absolutamente pro- | |
| vável, mas do provável em relação a algo. Esta probabilidade | |
| não é universal, como também diz Ágaton: | |
| Bem se poderia dizer que o único provável é que | |
| aos mortais aconteçam muitas coisas improváveis. 173 | |
| De facto, o que está à margem da probabilidade produz- | |
| -se, de tal maneira que também é provável o que está fora da | |
| probabilidade. Se assim é, o improvável será provável, mas não | |
| em absoluto. Do mesmo modo que na erística, o não acrescen- | |
| tar em que medida, em relação a quê e de que modo torna o | |
| argumento capcioso, também aqui, na retórica, acontece o mes- | |
| mo, porque o improvável é provável, mas não de forma abso- | |
| luta, só relativa. É deste tópico que se compõe a Arte de | |
| Córax 174: «se um homem não dá pretexto a uma acusação, por | |
| exemplo, se, sendo fraco, for acusado de violências (porque não | |
| é provável); mas se der azo a uma acusação, por exemplo, se | |
| for forte (dir-se-á que não é provável, justamente porque ia | |
| 173 .r. 9 Nauck. | |
| 174 Córax e o seu discípulo, Tísias, consideravam o ensino da retó- | |
| rica como uma arte. .undaram escolas na Sícilia no segundo quartel do | |
| século V a. C. A referência expressa à Arte de Córax deve ser confrontada | |
| com a descrição que faz Platão (.edro, 267a e 273e) da retórica da proba- | |
| bilidade (to eikos). | |
| 233 | |
| parecer provável)». O mesmo se diga em relação a outros ca- | |
| sos, uma vez que, forçosamente, um homem dá ou não dá azo | |
| a ser acusado. Ambos os casos, parecem, pois, prováveis, mas | |
| um parecerá provável, ao passo que o outro não absolutamen- | |
| te provável, a não ser como dissemos. Também nisto consiste | |
| tornar mais forte o argumento mais fraco. Daqui que, com jus- | |
| tiça, os homens se sentissem tão indignados com a declaração | |
| de Protágoras 175, pois é um logro e uma probabilidade não | |
| verdadeira, mas aparente, e não existe em nenhuma outra arte, | |
| a não ser na retórica e na erística. | |
| 25 | |
| O USO DE ENTIMEMAS: A RE.UTAÇÃO | |
| .alámos dos entimemas, tanto dos que são, como dos que | |
| aparentam sê-lo. A seguir trataremos da refutação. Podemos | |
| refutar de duas maneiras: ou fazendo um contra-silogismo, ou | |
| aduzindo uma objecção. O contra-silogismo, como é óbvio, | |
| pode ser feito a partir dos mesmos tópicos, uma vez que os | |
| silogismos derivam de opiniões comuns; muitas destas opi- | |
| niões, porém, são contrárias umas às outras. As objecções | |
| tiram-se, como nos Tópicos, de quatro lugares: do próprio enti- | |
| mema, ou do seu semelhante, ou do seu contrário, ou de coi- | |
| sas já julgadas. | |
| A partir do próprio entendo, por exemplo, o facto de al- | |
| 1402b guém apresentar um entimema sobre o amor e o classificar | |
| como virtuoso. Aqui, a objecção seria feita de duas maneiras: | |
| ou dizendo, em geral, que toda a indigência é má ou, parcial- | |
| mente, que não se falaria de «amor de Cauno» 176, se não hou- | |
| vesse também amores perversos. | |
| A partir do contrário tira-se uma objecção, por exemplo: | |
| se o entimema consistisse em dizer que o homem bom faz bem | |
| 175 O argumento «tornar a causa mais fraca na mais forte», que | |
| Aristóteles atribui a Protágoras, é, em Aristófanes, motivo de crítica à | |
| sofística (cf. Nuvens, 889 ss.). | |
| 176 A expressão alude a amores incestuosos. Segundo o mito, Cauno, | |
| filho de Mileto, exilou-se para não ceder ao amor incestuoso de Bíblis, | |
| sua irmã gémea. Cf. a versão de Ovídio, Metam., 9.453 ss. | |
| 234 | |
| a todos os amigos, a contraposição seria dizer que o homem | |
| mau faz mal a todos. | |
| A partir do semelhante, por exemplo: se o entimema con- | |
| sistisse em dizer que os que foram mal tratados odeiam sem- | |
| pre, contrapor que os que foram bem tratados amam sempre. | |
| Quanto aos juízos que procedem de homens famosos: por | |
| exemplo, se o entimema diz que convém ser indulgente com | |
| os bêbedos, porque pecam por ignorância, deve objectar-se que, | |
| nesse caso, Pítaco 177 não merece qualquer elogio, uma vez que | |
| não promulgou penas mais severas para os que cometem fal- | |
| tas em estado de embriaguez. | |
| Os entimemas formulam-se a partir de quatro tópicos e | |
| estes quatro são: a probabilidade 178, o exemplo 179, o tekmé- | |
| rion 180, o sinal 181; por outro lado, há entimemas que se tiram | |
| da probabilidade que, as mais das vezes, é real ou parece sê- | |
| -lo; há também os que se tiram por indução, a partir da seme- | |
| lhança de um ou de muitos factores, quando, tomando o geral, | |
| se chega logo por silogismos ao particular mediante o exem- | |
| plo; há ainda os que se tiram do necessário e do que sempre é, | |
| por meio do tekmérion; outros obtêm-se por generalização ou a | |
| partir do que é em particular, quer exista quer não, por meio | |
| de sinais. Uma vez que o provável não é o que sempre se pro- | |
| duz, mas sim a maioria das vezes, é evidente que estes enti- | |
| memas podem sempre refutar-se aduzindo uma objecção. | |
| Trata-se de uma refutação aparente, mas nem sempre verda- | |
| deira, uma vez que para o proponente não se trata de refutar | |
| que tal coisa é provável, mas de provar que não é necessária. | |
| Por isso, tem sempre mais vantagem aquele que defende | |
| do que aquele que acusa, devido justamente a este paralogismo. | |
| O acusador, por seu lado, fundamenta a sua demonstração nas | |
| probabilidades: com efeito, refutar que algo não é provável não | |
| 177 Pítaco de Lesbos exerceu em Mitilene, durante dez anos, a fun- | |
| ção de a sumn»thr (árbitro entre facções políticas de uma cidade e respon- | |
| sável pelo estabelecimento da paz em tempo de guerra civil). Aristóteles | |
| define este cargo como uma «tirania electiva» (Política III 9). | |
| 178 E kÒj. | |
| 179 Par£deigma. | |
| 180 Tekm»rion. Prova ou argumento concludente. | |
| 181 Shmeon. Também signo ou indício. | |
| 235 | |
| é o mesmo que refutar que não é necessário. E como o que ge- | |
| ralmente acontece comporta sempre uma objecção (porque o | |
| provável não poderia ser, simultaneamente, o que sempre acon- | |
| tece, mas sempre e necessariamente), o juiz, por seu lado, ima- | |
| gina, ou que a refutação é assim mesmo, ou que o facto não é | |
| provável, ou que não lhe compete julgar, e nisso cai em | |
| paralogismo, como já dissemos antes (porque ele deve julgar, | |
| não só partindo do necessário, mas também do provável, e é | |
| nisto que consiste «julgar segundo a melhor consciência»). As- | |
| sim sendo, não basta refutar mostrando que uma coisa não é | |
| necessária; a refutação deve igualmente mostrar que não é pro- | |
| vável. Chegar-se-á a esta conclusão, se a objecção se fundamen- | |
| tar principalmente no que acontece com mais frequência. | |
| É admissível que isto aconteça de duas maneiras: ou com tem- | |
| po ou com factos. No entanto, a objecção será mais forte se se | |
| fundamentar em ambos os critérios ao mesmo tempo, pois, | |
| 1403a quanto mais vezes um facto acontece e acontece do mesmo | |
| modo, tanto mais provável será. | |
| Refutam-se também os sinais e os entimemas baseados | |
| neles, mesmo que sejam reais, como dissemos no livro primei- | |
| ro. Que todo o sinal é impróprio para o silogismo, já o demons- | |
| trámos nos Analíticos 182. | |
| Por outro lado, no que concerne aos exemplos, a refuta- | |
| ção é a mesma que a utilizada para as probabilidades. Se há | |
| um caso que seja diferente, o argumento é refutado, dizendo | |
| que não é necessário, mesmo se, na maior parte dos casos ou | |
| das vezes, se repete de maneira diferente; e ainda que, na maior | |
| parte dos casos e com mais frequência, assim aconteça, há que | |
| combater o adversário sustentando que o caso presente não é | |
| semelhante, ou que não se deu de maneira semelhante, ou que | |
| comporta alguma diferença. | |
| Quanto às provas concludentes e aos entimemas baseados | |
| nelas, não é possível refutá-los argumentando que são impró- | |
| prios de um silogismo (o que também já esclarecemos nos | |
| Analíticos). Assim sendo, o único caminho que nos resta é mos- | |
| trar que o argumento alegado não tem qualquer pertinência. | |
| Mas, se se admitir que é pertinente e que constitui uma prova | |
| conclusiva, então torna-se irrefutável e tudo se converte numa | |
| demonstração evidente. | |
| 182 Cf. Analytica priora II 27, 70a24-37. | |
| 236 | |
| 26 | |
| CONCLUSÃO DOS DOIS PRIMEIROS LIVROS | |
| Amplificar e diminuir não são um elemento do entimema. | |
| Entendo por «elemento» e «tópico» uma e a mesma coisa, por- | |
| que é elemento e tópico aquilo a que se reduzem muitos | |
| entimemas. Amplificar e diminuir são entimemas que visam | |
| mostrar que uma coisa é grande ou pequena, boa ou má, justa | |
| ou injusta, ou que possui outras qualidades. A todas estas coi- | |
| sas se referem os silogismos e os entimemas, de sorte que, se | |
| nenhuma delas constitui tópico do entimema, a amplificação e | |
| a diminuição também não o serão. | |
| Não são as refutações uma espécie de entimemas [diferen- | |
| te dos que já estabelecemos], pois é evidente que refuta, ou | |
| quem demonstra, ou quem aduz uma objecção, apresentando | |
| assim a contrademonstração de um facto oposto. Por exemplo, | |
| se o adversário mostrou que um facto se deu, este mostrará que | |
| não se deu; se o adversário provou que não se deu, este pro- | |
| vará que se deu. De sorte que não há diferenças (pois ambas | |
| as partes empregam os mesmos argumentos, dado que ambos | |
| aduzem entimemas sobre o que não é e sobre o que é). | |
| A objecção também não é um entimema, mas, como já se disse | |
| nos Tópicos 183, consiste em apresentar uma opinião da qual re- | |
| sultará claramente que o adversário não procedeu por silo- | |
| gismo ou que introduziu algum elemento falso. | |
| Assim, como três são as matérias que precisam de ser tra- | |
| tadas referentes ao discurso, a propósito dos exemplos, das | |
| máximas e dos entimemas, e, de um modo geral, de tudo quan- | |
| to diz respeito à inteligência, e como já assinalámos também 1403b | |
| de onde poderemos extrair os argumentos e o modo de os re- | |
| futar, resta-nos agora falar do estilo e da composição. | |
| 183 Talvez Tópicos VIII 10, 161a1. Mas crê-se que a citação está erra- | |
| da, remetendo para os Analytica priora anteriormente citados. | |
| 237 | |
| LIVRO III | |
| 1 | |
| INTRODUÇÃO | |
| São três os aspectos concernentes ao discurso que têm de | |
| ser tratados. O primeiro, de onde provêm as provas; o segun- | |
| do é relativo à expressão enunciativa 1; o terceiro, à forma como | |
| convém forçosamente organizar as partes do discurso. Sobre as | |
| provas já se falou: quantas são as fontes, que são três, quais | |
| são elas, e por que razão há somente estas três (é que todos os | |
| homens, ao fazerem um juízo, são persuadidos, ou porque são | |
| tomados por uma certa emoção, ou porque consideram que o | |
| orador possui certas qualidades, ou porque houve uma de- | |
| monstração concludente). Tratou-se também dos entimemas e | |
| de onde são necessariamente extraídos (pois, por um lado, exis- | |
| tem as espécies de entimemas, por outro, os tópicos). Será ne- | |
| cessário, agora, discorrer sobre a expressão. É que, na verdade, | |
| não basta possuir o que é preciso dizer, mas torna-se também | |
| forçoso expor o assunto de forma conveniente; e isto contribui | |
| em muito para mostrar de que tipo é o discurso. | |
| Em primeiro lugar, de acordo com a natureza do assunto, | |
| examinou-se aquilo que é naturalmente primeiro, ou seja, os | |
| elementos a partir dos quais se obtém a persuasividade. Ago- | |
| ra, em segundo lugar, ver-se-á a disposição destes elementos | |
| no enunciado. O terceiro dos pontos, que detém a maior im- | |
| portância e que ainda não foi tratado, será o dos aspectos res- | |
| peitantes à pronunciação 2. Esta, na realidade, só muito tarde | |
| 1 Por lxij entendemos a expressão linguística, o enunciado, o estilo. | |
| 2 Por «pronunciação» traduzimos o termo ØpÒkrisij, equivalente ao | |
| latino actio ou pronuntiatio. O termo refere-se propriamente ao acto de pro- | |
| 241 | |
| fez a sua entrada, inclusivamente na tragédia e na rapsódia 3, | |
| pois, inicialmente, eram os próprios poetas a representar as sua | |
| tragédias. É, porém, evidente que existe algo deste género tam- | |
| bém na retórica, tal como na poesia, aspecto que alguns outros | |
| autores trataram, como Gláucon de Teo 4. | |
| A pronunciação assenta na voz, ou seja, na forma como é | |
| necessário empregá-la de acordo com cada emoção (por vezes | |
| forte, por vezes débil ou média) e como devem ser empregues | |
| os tons, ora agudos, ora graves ou médios, e também quais os | |
| ritmos de acordo com cada circunstância 5. São, por conseguin- | |
| te, três os aspectos a observar: são eles volume, harmonia e | |
| ritmo. Aqueles que, entre os competidores, empregam estes três | |
| aspectos arrebatam quase todos os prémios; e tal como os ac- | |
| tores têm agora mais influência nas competições poéticas do | |
| que os autores, o mesmo se passa nos debates deliberativos | |
| devido à degradação das instituições políticas. | |
| Nenhum tratado, porém, foi composto sobre esta temática, | |
| visto que mesmo os aspectos concernentes ao estilo só muito | |
| tarde começaram a ser considerados. Além disso, quando de- | |
| 1404a vidamente examinada, parece assunto vulgar. Todavia, uma | |
| vez que toda a matéria concernente à retórica está relacionada | |
| com a opinião pública 6, devemos prestar atenção à pronuncia- | |
| ção, não porque ela em si é justa, mas porque é necessária. Pois | |
| o que é justo é que deve ser almejado num discurso, mais do | |
| que não desagradar ou agradar. Justo é competir com os factos | |
| por si só, de forma que todos os elementos exteriores à de- | |
| nunciar o discurso em público, com todo um conjunto de técnicas que | |
| vão desde a projecção da voz ao próprio movimento do corpo do orador. | |
| Veja-se Longino, Ars (Spengel, Rhet. Graec., 1, 310); Rhet. Her., 3, 11.19-36; | |
| Quintiliano, 11.3. | |
| 3 Trata-se de recitação de poemas épicos. | |
| 4 Provavelmente trata-se do Gláucon citado por Platão, Ion, 530d, | |
| autor de um dos mais antigos tratados de crítica literária. | |
| 5 Desta forma, Aristóteles abarca três dos principais parâmetros da | |
| representação sonora: intensidade ou volume; harmonia, aqui designado | |
| ¡rmona, respeita à propriedade de um som ser mais agudo ou mais gra- | |
| ve; ritmo, parâmetro que diz respeito à disposição dos elementos no vec- | |
| tor tempo. Cícero, De oratore, 3.57-58. Análise deste aspecto em Cope, | |
| Introd., pp. 379-392. | |
| 6 Por «opinião pública» traduzimos dÒxa. A concepção de que a re- | |
| tórica visa a aceitação por parte do ouvinte é platónica (Górgias, 502e). | |
| 242 | |
| monstração são supérfluos. Em todo o caso, ela é extremamen- | |
| te importante, como foi dito, por causa do baixo nível do audi- | |
| tório. Daí que, em qualquer método de ensino, seja necessário | |
| que haja algo referente à expressão; pois, no que respeita a de- | |
| monstrar algo com clareza, há uma certa diferença entre expri- | |
| mirmo-nos deste ou daquele modo. Ela não é certamente mui- | |
| to grande, mas tudo isto consiste num processo de expor e | |
| destina-se a um ouvinte. E por isso é que ninguém ensina geo- | |
| metria desta forma. | |
| Na verdade, sempre que a pronunciação chega a ser con- | |
| siderada, fará o mesmo efeito que representar; apenas alguns | |
| autores tentaram dizer algo, e muito pouco, acerca da pronun- | |
| ciação, como Trasímaco nos Éleos 7. Além disso, a representa- | |
| ção teatral é algo inato e o mais desprovido de técnica artísti- | |
| ca, enquanto na expressão enunciativa é um elemento artístico. | |
| Por isso, os actores que são melhores neste aspecto ganham e | |
| tornam a ganhar prémios, tal como os oradores pela pronun- | |
| ciação. Na verdade, há discursos escritos que obtêm muito mais | |
| efeito pelo enunciado do que pelas ideias. | |
| Os poetas foram os primeiros, como seria natural, a dar | |
| um impulso a este aspecto. Efectivamente, palavras são imita- | |
| ções, e a voz é, de todos os nossos órgãos, o mais apropriado | |
| à imitação. Por isso, as artes que foram então estabelecidas | |
| foram a rapsódia e a representação teatral, além de outras | |
| mais. E uma vez que os poetas, embora dizendo coisas fúteis, | |
| pareciam obter renome graças à sua expressão, por esta mes- | |
| ma razão foi um tipo de expressão poética o primeiro a sur- | |
| gir, como a de Górgias 8. E ainda agora muitas pessoas sem | |
| instrução pensam que são estes oradores os que falam da for- | |
| ma mais bela. | |
| 7 Trasímaco da Calcedónia foi um sofista e retor cuja actividade se | |
| centra no último terço do século V. Na história da oratória, a sua impor- | |
| tância reside em questões como o emprego das emoções na actio e o inte- | |
| resse devotado ao ritmo e à construção do período. Platão, .edro, 267c e | |
| 271a; Cícero, Orator, 12.39. | |
| 8 Trata-se de um dos mais influentes e marcantes sofistas (sé- | |
| culos V-IV a. C.) da história da retórica antiga. As características mais | |
| famosas são o uso de certas figuras de estilo de grande efeito como as | |
| estruturas antitéticas, os isocolos, a parisose e o homeoteleuto (as chama- | |
| das «figuras gorgiânicas»). | |
| 243 | |
| Isto, porém, não é assim, pois a expressão própria da poe- | |
| sia é diferente da do discurso. E o resultado é manifesto: nem | |
| os autores de tragédia utilizam já o mesmo modo. Mas tal | |
| como mudaram de tetrâmetros para o jambo, porque este era | |
| de todos os outros ritmos o mais semelhante à prosa, assim | |
| abandonaram as palavras que eram exteriores à linguagem | |
| corrente, com as quais os predecessores ornamentavam o seu | |
| discurso, tal como, ainda agora, os autores de hexâmetros. Por | |
| isso, é ridículo imitar aqueles que já não usam aquele estilo de | |
| expressão. Assim sendo, é evidente que não é necessário exa- | |
| minarmos pormenorizadamente tudo o que há sobre a expres- | |
| são enunciativa, mas apenas os aspectos relativos ao assunto | |
| que estamos aqui a expor. E aquele outro tipo de expressão | |
| referido já foi tratado na Poética 9. | |
| 2 | |
| QUALIDADES DO ENUNCIADO. A CLAREZA | |
| 1404b Consideremos, por conseguinte, que estas questões foram | |
| já examinadas e proponhamos como definição que a virtude | |
| suprema da expressão enunciativa é a clareza 10. Sinal disso é | |
| que se o discurso não comunicar algo com clareza, não perfa- | |
| rá a sua função própria. E ele nem deve ser rasteiro, nem | |
| acima do seu valor, mas sim adequado 11. É verdade que o | |
| estilo poético não será porventura rasteiro, mas nem por isso | |
| é apropriado a um discurso de prosa. Por seu turno, entre os | |
| nomes e os verbos, produzem clareza os que são «próprios» 12, | |
| 9 Aristóteles, Poética 19-22. | |
| 10 É um dos termos centrais da retórica clássica. Corresponde ao | |
| termo latino perspicuitas. | |
| 11 TÕ prpon, no original. Trata-se de um termo de difícil tradução. | |
| Significa essencialmente a harmonia entre os elementos discursivos e bem | |
| assim do seu conteúdo e da circunstância social em que se dá o acto | |
| enunciativo. Corresponde à noção de aptum na teoria latina. | |
| 12 Em grego t¦ kÚria. Trata-se do nome no seu sentido prevale- | |
| cente, que se usa especificamente para designar cada objecto ou entidade | |
| em linguagem comum (que se opõe a nomes insólitos ou estranhos). | |
| Cf. Poética 21, 1457b3; Cícero, De oratore, 3, 37.149. | |
| 244 | |
| ao passo que outros tipos de palavras, que foram discutidos | |
| na Poética 13, produzem não um estilo corrente 14, mas orna- | |
| mentado. | |
| Por conseguinte, o afastamento do sentido corrente faz um | |
| discurso parecer mais solene. Na verdade, as pessoas sentem | |
| perante falantes estrangeiros e concidadãos o mesmo que com | |
| a expressão enunciativa. É necessário, portanto, produzir uma | |
| linguagem não familiar 15, pois as pessoas admiram o que é | |
| afastado, e aquilo que provoca admiração é coisa agradável. Na | |
| poesia, este efeito é produzido por muitos elementos, e é so- | |
| bretudo aí que tais palavras são ajustadas, pois esta está mais | |
| afastada dos assuntos e das personagens de que o discurso tra- | |
| ta. Na prosa, porém, tais recursos são menores, pois o tema é | |
| menos elevado. De resto, também na poesia será inapropriado | |
| que um escravo ou alguém demasiado jovem ou sobre um | |
| assunto demasiado trivial pronuncie belas palavras. Na prosa, | |
| o que é apropriado pode ser obtido igualmente quer con- | |
| centrando quer ampliando. É por isto que os autores, ao com- | |
| porem, o devem fazer passar despercebido e não mostrar | |
| claramente que falam com artificialidade, mas sim com natura- | |
| lidade, pois este último modo resulta persuasivo, o anterior, o | |
| oposto. Na verdade, as pessoas enchem-se de indignação como | |
| contra alguém que contra elas conspirasse, tal como perante vi- | |
| nhos adulterados. Era isto que se passava com a voz de Teo- | |
| doro 16 em comparação com a dos outros actores: aquela pare- | |
| cia, na verdade, pertencer à personagem, ao passo que as | |
| outras pareciam pertencer a outras personagens quaisquer. | |
| Passa correctamente despercebido o artifício se se compõe es- | |
| colhendo-se palavras da linguagem de todos os dias: isto é o | |
| que Eurípides faz e foi ele o primeiro a mostrá-lo 17. | |
| 13 Poética 21. | |
| 14 Ou seja, a linguagem do dia-a-dia. | |
| 15 A expressão terminológica lxij xenik» é de difícil tradução. Re- | |
| fere-se a algo «estrangeiro», ou seja, não familiar, estranho. | |
| 16 Actor famoso dos inícios do século IV a. C. (Aristóteles, Política | |
| IV 17, 1336b28). | |
| 17 Uma das características do enunciado euripidiano, sobretudo na | |
| sua fase tardia, mais em evidência na opinião dos críticos antigos (por | |
| exemplo, Dionísio de Halicarnasso, Imit., 6.2). | |
| 245 | |
| Dos nomes e dos verbos de que o discurso é composto | |
| (sendo os tipos de nomes aqueles que foram já examinados na | |
| Poética 18), devem utilizar-se, pouquíssimas vezes e em número | |
| reduzido de situações, palavras raras 19, termos compostos e neo- | |
| logismos (onde, diremos mais tarde 20; a razão para tal já foi | |
| dita: pois ao tenderem para a elevação, afastam-se do que é | |
| adequado). Só o termo «próprio» e «apropriado» 21 e a metáfo- | |
| ra são valiosos no estilo da prosa. Sinal disto é que são só es- | |
| tes que todos utilizam. Na verdade, todos falam por meio de | |
| metáforas e de palavras no seu sentido «próprio» e «apropria- | |
| do», o que deste modo demonstra que, se se compõe correcta- | |
| mente, o texto resultará algo de não familiar, mas, ao mesmo | |
| tempo, será possível dissimulá-lo e resultar claro. Esta, disse, é | |
| a maior virtude do discurso retórico. Por seu turno, as pala- | |
| vras úteis para o sofista são as homónimas (pois é por meio | |
| destas que ele perfaz a sua má acção), para os poetas, os sinó- | |
| nimos. Por palavras em sentido «próprio» e sinónimas refiro- | |
| 1405a -me, por exemplo, a «ir» e «andar»; pois ambas são empregues | |
| em sentido «próprio» e são sinónimas uma da outra. | |
| Ora bem, a qualidade de cada uma das palavras deste | |
| tipo, bem como quantas são as formas de metáfora e que este | |
| elemento possui a maior eficácia tanto na poesia como no dis- | |
| curso oratório, foi, como mencionámos, já tratado na Poética 22. | |
| No discurso de prosa, porém, é necessário ter muito mais cui- | |
| dado em relação a estes elementos, tanto mais que a prosa | |
| possui menos recursos do que a poesia. É sobretudo a metáfo- | |
| ra que possui clareza, agradabilidade e exotismo, e ela não | |
| pode ser extraída de qualquer outro autor. É necessário empre- | |
| gar no discurso quer epítetos, quer metáforas ajustadas; e isto | |
| provém da analogia. Se assim não for, a inapropriedade reve- | |
| 18 Poética 21. | |
| 19 Glîssa, em grego. O termo refere-se a termos inusitados ou caí- | |
| dos em desuso, e por conseguinte de difícil significação para o falante | |
| comum. | |
| 20 Infra, caps. 3 e 7. | |
| 21 T¦ o kea ÑnÒmata, em grego. O termo designa uma categoria den- | |
| tro das palavras «próprias», exprimindo uma maior intensidade de preci- | |
| são: de entre vários termos «próprios», um será mais «apropriado». | |
| 22 Poética 21-22. | |
| 246 | |
| lar-se-á, pois é ao estarem ao lado uns dos outros que os con- | |
| trários mais se evidenciam. Deve-se, todavia, ponderar se, tal | |
| como uma veste escarlate é apropriada a um jovem, o poderá | |
| ser a um velho (pois, a mesma indumentária não é convenien- | |
| te para ambos). Se tu desejares enaltecer o assunto, usa uma | |
| metáfora retirada das de maior valor dentro do mesmo géne- | |
| ro; mas se desejares censurar, uma retirada das de menor va- | |
| lor. Quero dizer, por exemplo, afirmar-se que uma pessoa que | |
| mendiga «suplica» e uma pessoa que suplica «mendiga», por- | |
| que são coisas contrárias dentro do mesmo género, visto que | |
| ambas são formas de «pedir», perfaz o que foi dito. Tal como | |
| quando Ifícrates chamou a Cálias «sacerdote pedinte» em vez | |
| de «sacerdote porta-archote»; este afirmou que Ifícrates não era | |
| iniciado: se fosse, não o teria denominado como «sacerdote pe- | |
| dinte», em vez de «sacerdote porta-archote» 23. É que ambos | |
| são termos religiosos, mas um é prestigiante, o outro despresti- | |
| giante. Do mesmo modo, aqueles a que chamamos «aduladores | |
| de Dioniso» denominam-se a si próprios «artistas» (ambas são | |
| metáforas, aquela dos detractores, esta dos do partido contrário); | |
| agora, até os salteadores se chamam a si próprios «homens de | |
| negócios», e por isso é que é lícito dizer que aquele que prati- | |
| cou um delito cometeu um erro e que aquele que cometeu um | |
| erro praticou um delito, e daquele que roubou afirmar quer que | |
| «tomou», quer que «arranjou». Por seu turno, é inapropriada | |
| uma frase como a que diz o Télefo de Eurípides 24 | |
| governando o remo e chegando à Mísia, | |
| porque «governar» é muito superior ao que seria conveniente. | |
| Assim, não resulta despercebida. | |
| Por outro lado, há um erro nas sílabas caso elas não sejam | |
| signos de uma sonoridade agradável; por exemplo, Dionísio | |
| Calco 25, nas suas elegias, apelida a poesia de «grito de Calío- | |
| 23 Ifícrates foi um general ateniense (c. 415-354 a. C.) que combateu | |
| contra Epaminondas (ver supra, I 7). Cálias era membro de uma famí- | |
| lia no século IV, que detinha um cargo no culto de Elêusis (Xenofonte, | |
| Hellenica, 6, 3, 3). | |
| 24 Eurípides, fr. 705 Nauck. | |
| 25 Poeta ateniense do século V a. C.; na sua poesia, contam-se ele- | |
| gias simpóticas e enigmas com famosas metáforas. Os seus fragmentos | |
| encontram-se em Diehl, Ant. lyr., 1, 88-90. | |
| 247 | |
| pe» pois ambos os termos se referem a vozes; todavia, a metá- | |
| fora é defeituosa com vozes que não são signos 26. É ainda | |
| necessário usar metáforas provindas não de coisas muito afas- | |
| tadas, mas de coisas semelhantes e do mesmo género e da | |
| mesma espécie da do termo usado, designando assim algo que | |
| não tem designação, de forma que seja evidente que estão re- | |
| lacionadas. Por exemplo, no renomado enigma 27: | |
| eu vi um homem colar a fogo bronze a um homem. | |
| 1405b Efectivamente, este padecimento não possui designação, | |
| mas ambos são um tipo de aplicação (denomina-se «colagem» | |
| a aplicação da ventosa). É, com efeito, a partir de bons enig- | |
| mas que se constituem geralmente metáforas apropriadas. Ora, | |
| metáforas implicam enigmas e, por conseguinte, é evidente que | |
| são bons métodos de transposição. | |
| Por outro lado, devem provir de coisas belas. Beleza ver- | |
| bal, como Licímnio diz, reside no som e no significado; e outro | |
| tanto se passa com a fealdade 28. | |
| Em terceiro lugar ainda, eis o que contradiz aquele argu- | |
| mento dos sofistas: pois, não é, como afirma Bríson 29, que ne- | |
| nhuma expressão é em si mesmo feia, se se utilizar uma ex- | |
| pressão em vez de outra que signifique a mesma coisa. Ora isto | |
| é falso, pois há palavras mais apropriadas do que outras, e mais | |
| semelhantes ao objecto e mais próprias para trazer o assunto | |
| para diante dos olhos. Além disso, não estando nas mesmas | |
| condições, uma palavra quer dizer isto e aquilo de tal forma | |
| que, deste modo, temos de admitir uma palavra é mais feia ou | |
| mais bela que outra: pois ambas significam o belo e o feio, mas | |
| não apenas de que forma a coisa é bela ou feia; ou então po- | |
| dem significar o mesmo, mas em maior ou menor grau. | |
| Daqui é que se devem tirar as metáforas: de coisas belas | |
| quer em som, quer em efeito, quer em poder de visualização, | |
| 26 Texto corrupto. Deve considerar-se do mesmo modo o texto que | |
| figura entre até final do livro. | |
| 27 Dito muito popular na Antiguidade, atribuído a Cleobulina (tam- | |
| bém citado em Aristóteles, Poética 22, 1458a29). | |
| 28 Licímnio de Quios foi um poeta ditirâmbico do século V a. C., | |
| orador e autor de tratados de retórica. | |
| 29 Bríson terá sido discípulo de Sócrates e de Euclides de Mégara. | |
| A sua doutrina sobre os números foi popular entre os estóicos. | |
| 248 | |
| quer numa outra qualquer forma de percepção. Não é a mes- | |
| ma coisa dizer, por exemplo, «aurora de dedos de rosa» ou «de | |
| dedos de púrpura», ou ainda, de forma mais pobre, «de dedos | |
| rubros». | |
| Também nos epítetos 30, é lícito aplicar coisas provindas | |
| do vil e do vergonhoso (como, por exemplo, «matricida»), | |
| bem como do melhor (como, por exemplo, «o vingador do | |
| pai») 31. Simónides, quando o vencedor de uma competição de | |
| mulas lhe deu uma recompensa miserável, não quis compor | |
| o poema, sob o pretexto de que suportava com dificuldade | |
| compor sobre «mulas» 32; mas quando ele lhe pagou o sufi- | |
| ciente, escreveu 33: | |
| viva, filhas dos cavalos de pés velozes como a tempestade! | |
| E, contudo, elas eram também filhas de burros. | |
| O mesmo se pode obter por meio de diminutivos. Um | |
| diminutivo é aquele que torna mais pequeno tanto uma coisa | |
| má, como uma boa, como Aristófanes quando ironiza nos Ba- | |
| bilónios 34, empregando «ourozito» por «ouro», «vestezita» por | |
| «veste», «injuriazita» por «injúria», «doençazita» por «doença». | |
| Contudo, é necessário sermos cautelosos e observarmos, em | |
| ambos os casos, a justa medida. | |
| 3 | |
| A ESTERILIDADE DO ESTILO | |
| A esterilidade 35 do estilo reside em quatro aspectos. Em | |
| primeiro lugar, nas palavras compostas, como, por exemplo, | |
| quando Lícofron 36 diz «o céu de-muitas-faces da terra de-ele- | |
| 30 Por «epíteto» entende-se um atributo de um substantivo. | |
| 31 Eurípides, Orestes, 1587-1588. | |
| 32 Ou seja «meio-burros» (ºmiÒnoj em grego). | |
| 33 Simónides, fr. 515 Page. | |
| 34 Aristófanes, fr. 90 Kock. | |
| 35 Por «esterilidade» traduzimos t¦ yucr£. Corresponde ao termo | |
| latino frigidum ou insulsum. | |
| 36 Sofista e retor da escola de Górgias (DK 2, 307-308). | |
| 249 | |
| vados-cimos» e «a costa de-estreitas-passagens». Ou tal como | |
| Górgias chamava «engenhosos-no-mendigar» «jurando-em- | |
| 1406a -falso e jurando-com-sinceridade» 37; ou mesmo como Alcida- | |
| mante 38, ao dizer «a alma cheia de cólera e o olhar-ficando- | |
| -cor-de-fogo», e que o zelo se tornaria «produtor de um bom | |
| fim», e que a persuasão das palavras era «produtora de um | |
| bom fim»; e que a espuma do mar era «cor-de-azul-escuro». | |
| É que tudo isto, devido à sua composição, revela-se poético. | |
| Esta é uma das causas. Outra resulta da utilização de glo- | |
| sas 39, tal como quando Lícofron apelida Xerxes de «homem- | |
| -monstro» e Síron «homem malfeitor» 40, ou quando Alcidamante | |
| diz «brincadeiras na poesia», «insensata presunção da natureza» | |
| e «acicatado por cólera não misturada com discernimento». | |
| O terceiro aspecto manifesta-se no uso de epítetos exten- | |
| sos, inoportunos, ou muito repetidos. Na poesia, com efeito, é | |
| apropriado dizer-se «leite branco», mas no discurso estas ex- | |
| pressões são inapropriadas. E se o seu uso for excessivo, con- | |
| fundem e tornam evidente que se trata de poesia. Ainda que | |
| seja necessário, por vezes, utilizar estes epítetos (pois transfor- | |
| mam o habitual e tornam o discurso não familiar), é necessá- | |
| rio, porém, ter em vista a justa medida, uma vez que, se não, | |
| isto produz um mal maior do que falar ao acaso: isto não está | |
| certamente bem, mas o anterior está claramente mal. Por isso é | |
| que o discurso de Alcidamante parece frívolo, pois ele utiliza | |
| epítetos não como um condimento, mas como prato principal, | |
| de tal modo são frequentes e extensos e óbvios. Por exemplo, | |
| não diz «suor», mas «suor húmido»; não «para os Jogos Ístmi- | |
| cos», mas «para a assembleia solene dos Jogos Ístmicos»; não | |
| «leis», mas «leis soberanas das cidades»; não «a correr», mas | |
| «a correr com o impulso da alma»; não «inspiração das Musas», | |
| mas «recebendo da natureza a inspiração das Musas»; e ainda | |
| por «sombria» designa a «preocupação da alma»; e não «de- | |
| miurgo do prazer», mas «demiurgo do prazer pandémico» e | |
| «servidor do prazer dos ouvintes»; não «escondeu-se na rama- | |
| 37 DK B 15. | |
| 38 Retor e sofista do século IV a. C., natural da Eólia, foi discípulo | |
| de Górgias. Enfatizava a importância do poder da improvisação baseado | |
| num vasto conhecimento. | |
| 39 Em grego, glèssa. Ver supra. | |
| 40 Síron foi um mítico salteador morto por Teseu. | |
| 250 | |
| gem», mas «na ramagem do bosque»; não «cobria o corpo», | |
| mas «a nudez pudibunda do corpo»; e o «desejo reflector da | |
| alma» (este caso é, ao mesmo tempo, uma palavra composta e | |
| um epíteto, de modo que o resultado é um termo poético), e | |
| também «o extragavante excesso de perversidade». Por isso é | |
| que aqueles que se exprimem poeticamente de forma inapro- | |
| priada introduzem o ridículo e o frívolo e, devido à prolixida- | |
| de de palavras, a falta de clareza. Pois, sempre que tal é lança- | |
| do sobre alguém que já entendeu algo, destrói a clareza pelo | |
| obscurecimento. Utilizam-se palavras compostas sempre que o | |
| objecto não tem nome e a palavra é de formação fácil, tal como | |
| «passatempo»; mas, se este recurso for muito utilizado, redun- | |
| da totalmente poético. Por isso, o enunciado pleno de palavras 1406b | |
| compostas é o mais valioso para os poetas de ditirambos (pois | |
| estes são de sonoridades amplas), os termos invulgares para os | |
| poetas épicos (pois este estilo é majestoso e empolado), e a me- | |
| táfora para os autores de jambos na verdade, é o que eles | |
| usam hoje em dia, como foi dito. | |
| O quarto tipo de frivolidade reside nas metáforas. Na rea- | |
| lidade, há também metáforas inapropriadas, umas devido ao seu | |
| carácter burlesco (e também os comediógrafos utilizam metáforas), | |
| outras porque são demasiado majestosas e trágicas. Algumas, | |
| porém, não resultam claras se provierem de algo muito afastado, | |
| tal como Górgias ao formular «actos pálidos e exangues», e «se- | |
| measte vergonhosamente, improficuamente ceifaste». De facto, isto | |
| é demasiado poético. Ou também como Alcidamante quando | |
| denomina a filosofia «uma fortificação para a lei» 41, e a Odisseia | |
| «um belo espelho da vida humana», e «trazendo nenhuma destas | |
| brincadeiras para a poesia». Todas estas expressões não são per- | |
| suasivas, pelas razões expostas. A frase de Górgias para a ando- | |
| rinha, quando, voando sobre ele deixou cair um excremento, | |
| resultou no melhor que os trágicos fazem. Pois disse-lhe ele: | |
| «É vergonhoso, ó .ilomela.» Na verdade, isto não é vergonhoso | |
| para uma ave, mas seria vergonhoso para uma jovem 42. Assim, | |
| ele censurou-a dizendo o que fora, mas não o que agora é. | |
| 41 Ou «contra a lei»: a frase grega é propositadamente ambígua. | |
| 42 Górgias, DK 82 A 23. Mito grego, segundo o qual, de acordo | |
| com a versão grega, foi metamorfoseada em andorinha para escapar à vio- | |
| lência do cunhado, Tereu, ou, na versão latina, em rouxinol (sendo Tereu | |
| seu esposo). | |
| 251 | |
| 4 | |
| O USO DOS SÍMILES | |
| O símile 43 é também uma metáfora. A diferença, na verda- | |
| de, é pequena: sempre que se diz «lançou-se como um leão», é | |
| um símile; mas quando se diz «ele lançou-se um leão», é uma | |
| metáfora. Pois, devido ao facto de ambos serem valorosos, trans- | |
| ferindo-se o sentido, chamou-se «leão» a Aquiles 44. O símile é | |
| útil na prosa, embora poucas vezes, pois é um elemento poético. | |
| Além disso, deve ser utilizado como as metáforas, pois no fun- | |
| do não passa de metáfora, diferenciando-se no que foi dito. | |
| São símiles, por exemplo, como no caso em que Andró- | |
| cion 45 disse a Idrieu que ele era semelhante aos cachorros de- | |
| sacorrentados: pois aqueles lançavam-se para morder, e Idrieu, | |
| um vez libertado das correntes, era igualmente temível. Do | |
| mesmo modo, Teodamante comparava Arquidamo a Êuxeno | |
| que, por analogia, não sabia geometria 46; na verdade, então | |
| Êuxeno também seria um «Arquidamo com conhecimentos de | |
| geometria». Do mesmo modo ainda, na República de Platão, se | |
| diz que aqueles que espoliam cadáveres são semelhantes a ca- | |
| chorros que mordem as pedras sem tocarem naquele que lhas | |
| atira; ou aquela referente ao povo, que este se assemelha a | |
| um marinheiro valoroso, mas um pouco surdo; ou aquela refe- | |
| rente aos versos de alguns poetas que parecem «jovens sem | |
| beleza», pois uns perdendo a flor da juventude, outros perden- | |
| 1407a do o ritmo, já não parecem a mesma coisa 47. E vejam-se tam- | |
| bém as de Péricles, aos habitantes de Samos: que se asseme- | |
| lhavam a «crianças, que aceitam um bocado de pão, mas | |
| chorando»; como aos Beócios, que eram parecidos «com sobrei- | |
| ros»: pois os sobreiros eram esfrangalhados por eles próprios e | |
| os Beócios lutavam uns contra os outros. Do mesmo modo, | |
| Demóstenes 48 ao referir-se ao povo: que este é semelhante aos | |
| 43 Em grego, e kèn. Certos autores traduzem-no como «imagem». | |
| 44 Il., 20.164. | |
| 45 Andrócion foi um orador ateniense oponente de Demóstenes. | |
| Numa embaixada ao rei Mausolo da Cária, conheceu Idreu, irmão do rei. | |
| 46 Nada se sabe sobre estas três personagens. | |
| 47 Platão, República V, 469e, VI, 488a-b, e X, 601b, respectivamente. | |
| 48 Poderá tratar-se não de Demóstenes, o orador, mas sim do polí- | |
| tico que chefiou a expedição à Sicília em 413 a. C. | |
| 252 | |
| que enjoam nos barcos. E também Demócrates 49 comparou os | |
| oradores a amas que, metendo na boca os pedaços de pão, os | |
| dão a comer às crianças com a sua saliva. Enfim, assim Antís- | |
| tenes comparou o delicado Cefisódoto com o incenso, pois este | |
| também, ao ser consumido, é encantador 50. | |
| Em todos estes casos, é possível formulá-los quer como | |
| símiles quer como metáforas, de forma que todos os que são | |
| celebrados quando expressos como metáforas, é evidente que | |
| sê-lo-ão também quando símiles; e o mesmo com os símiles, | |
| que são metáforas a que falta uma palavra. É necessário, por | |
| seu turno, que a metáfora, proveniente da analogia, tenha sem- | |
| pre uma correspondência entre dois termos do mesmo género. | |
| Assim, por exemplo, se a taça é o «escudo de Dioniso», então | |
| é apropriado chamar «taça de Ares» ao escudo 51. | |
| 5 | |
| A CORRECÇÃO GRAMATICAL | |
| O discurso é, por conseguinte, constituído por estes ele- | |
| mentos. O princípio básico da expressão enunciativa, porém, é | |
| falar correctamente 52. Isto radica em cinco aspectos. | |
| O primeiro reside nas partículas coordenativas 53, que de- | |
| vem ser colocadas antes ou depois umas das outras, tal como | |
| algumas exigem segundo a sua natureza. Assim, men e ego men | |
| exigem ser seguidas de de e ho de respectivamente 54. Por seu | |
| 49 Orador ateniense partidário da Macedónia (Plutarco, Moral., 803e-f). | |
| 50 Antístenes (c. 445-c. 360 a. C.) foi um dos mais fiéis discípulos de | |
| Sócrates e o fundador da escola cínica. Cefisódoto será uma de duas per- | |
| sonagens do mesmo nome: ou o político que se evidenciou nas conversa- | |
| ções no Queroneso; ou o orador ateniense que participou no colóquio de | |
| Esparta de 371. | |
| 51 Trata-se porventura de expressão de Timóteo (fr. incert. 16 Bergk), | |
| embora Ateneu, 11, 502b, a atribua a Anaxândrides. | |
| 52 Traduz o termo llhnzein, que corresponde ao termo latino lati- | |
| nitas. Lausberg, 463 (Cícero, De oratore, 3, 11, 40). Reporta-se à correcção | |
| linguística do enunciado. | |
| 53 Sundsmoi na expressão grega. Trata-se de todo o elemento que | |
| coordena ou subordina outros elementos do discurso. | |
| 54 Partículas gregas que significam, grosseiramente e de forma algo | |
| imprecisa, «por um lado» «por outro». | |
| 253 | |
| turno, é necessário que correspondam umas às outras enquan- | |
| to estão na memória do ouvinte, e nem as afastar muito, nem | |
| colocar uma partícula coordenativa antes da que é necessária; | |
| pois poucas vezes isto é apropriado. «Eu, quando ele me falou | |
| (pois Cléon tinha vindo pedir-me e implorar-me) pus-me a | |
| andar, levando-os comigo.» Neste caso, encontram-se muitas | |
| partículas coordenativas em vez da partícula coordenativa | |
| requerida. Se houver muitas de permeio antes de «pus-me a | |
| andar», o sentido fica pouco claro. | |
| O primeiro aspecto reside, pois, na correcta colocação das | |
| partículas coordenativas. O segundo consiste em falar por meio | |
| de termos «específicos», e não «gerais» 55. | |
| O terceiro é não utilizar vocábulos ambíguos. Isto a não | |
| ser que se prefira o contrário, ou seja, fingir que se diz algo | |
| por meio delas quando não se tem nada para dizer. Com efei- | |
| to, indivíduos deste género utilizam tais termos na poesia, | |
| como Empédocles 56. Iludem, pois, com os seus rodeios exces- | |
| sivos, e os ouvintes ficam impressionados, tal como muita | |
| gente perante os oráculos; pois, quando estes são expressos | |
| por meio de vocábulos ambíguos, aqueles dão o seu assen- | |
| timento: | |
| Ao atravessar o Hális, Creso destruirá um grande | |
| reino 57; | |
| 1407b porque ao falarmos em geral, o erro é menor. Por isso é que os | |
| adivinhos aludem aos assuntos por meio de palavras deste tipo. | |
| Pois, será mais bem sucedido, no jogo do par ou ímpar, quem | |
| disser «par» ou «ímpar», do que se disser a quantidade preci- | |
| 55 Em grego t¦ da ÑnÒmata e t¦ periconta ÑnÒmata, respectivamente. | |
| 56 Empédocles (c. 493-c. 433 a. C.) foi um dos mais notáveis e | |
| legendários homens do século V a. C., natural de Ácragas, na Sicília. | |
| Cientista, poeta, orador, filósofo, homem de Estado, é ligado pela tradi- | |
| ção aos pitagóricos. Entre os poemas que escreveu contam-se dois longos | |
| poemas em hexâmetros dactílicos, Acerca da Natureza e Purificações. | |
| Porventura, Aristóteles refere-se a DK A 25, exemplo clássico de ambi- | |
| guidade. | |
| 57 Heródoto, 1.53 e 91. Creso, rei da Lídia, interpretou o oráculo | |
| como anunciando a destruição de Ciro, o seu inimigo. Todavia, destruiu | |
| o seu próprio reino. | |
| 254 | |
| sa; o mesmo se passa se se disser que algo vai acontecer em | |
| vez de quando (é por isso que os intérpretes dos oráculos não | |
| determinam quando). Tudo isto é semelhante, de forma que | |
| deve ser evitado, a não ser pela razão aduzida. | |
| O quarto aspecto reside em distinguir o género das pala- | |
| vras, tal como Protágoras 58: masculino, feminino e neutro. De | |
| facto, também isto é necessário aplicar correctamente. «Tendo | |
| ela chegado e tendo ela terminado o seu discurso, partiu.» | |
| O quinto aspecto consiste em empregar correctamente o | |
| plural, dual, singular 59: «tendo eles chegado, bateram-me». | |
| Em geral, é forçoso que o que se escreve seja bem legível | |
| e facilmente pronunciável. No fundo, é a mesma coisa. Ora, isto | |
| não é produzido pela abundância de conjunções, nem por tex- | |
| tos que não são facilmente pontuáveis, como os de Heraclito. | |
| Na verdade, é trabalhoso pontuar os textos de Heraclito pelo | |
| facto de ser obscuro com qual dos termos, o da frente ou o de | |
| trás, se estabelece a relação. Isto é o que se vê no próprio iní- | |
| cio do seu poema. De facto, afirma «sendo este o logos sempre | |
| os homens são incapazes de compreender» 60. É, pois, pouco | |
| claro relativamente a qual dos membros se deve relacionar com | |
| a pontuação o «sempre». Além disso, a falta de correspondên- | |
| cia (ou seja, se não se ligarem dois termos como é ajustado a | |
| ambos) provoca ainda solecismo. Por exemplo, a «ruído» e | |
| «cor», o termo «ver» não é comum, mas já é comum «percep- | |
| cionar». Resulta obscuro se alguém falar sem colocar primeiro | |
| o que deve ir primeiro, procurando colocar de permeio muitas | |
| palavras. Por exemplo, «dispunha-me, tendo conversado com | |
| ele sobre estas e aquelas coisas e deste modo, a partir», mas | |
| não «dispunha-me pois, tendo conversado sobre estas coisas e | |
| aquelas e deste modo, então a partir». | |
| 58 Protágoras, DK A 27. Protágoras de Abdera foi um eminente au- | |
| tor de teoria retórica do século V. Segundo se crê, foi o primeiro a teorizar | |
| sobre o género das palavras. | |
| 59 No original, «inúmero, o pouco e o uno», ou seja, os três núme- | |
| ros da língua grega. | |
| 60 DK 22 A 4. «Os homens dão sempre mostras de não compreen- | |
| derem que o logos é como eu descrevo» (trad. Carlos Lauro da .onseca, | |
| in G. S. Kirk, J. E. Raven, M. Schofield, Os .ilósofos Pré-Socráticos, Lisboa, | |
| 19944, p. 193). | |
| 255 | |
| 6 | |
| A SOLENIDADE DA EXPRESSÃO ENUNCIATIVA | |
| Para a solenidade 61 da expressão contribuem os seguintes | |
| elementos: | |
| Em primeiro lugar, utilizar uma frase em vez de um nome. | |
| Por exemplo, não empregar «círculo», mas «superfície equidis- | |
| tante do centro». O contrário respeita à concisão 62, ou seja, usar | |
| um nome no lugar de uma frase. Caso haja algo de vergonhoso | |
| ou inconveniente, se o elemento vergonhoso for na frase, em- | |
| pregue-se um só nome; se for numa palavra, use-se uma frase. | |
| Revelar as ideias por meio de metáforas e epítetos, toman- | |
| do-se precauções contra a coloração poética. | |
| Mudar o singular em plural, como fazem os poetas. Por | |
| exemplo, sendo um só o porto, assim dizem: «para os portos | |
| aqueus», e também, «da carta, estas inumeráveis tabuinhas» 63. | |
| Não unir palavras, mas cada substantivo deve ir com o | |
| seu artigo. Por exemplo, a frase «da mulher, da nossa»; se qui- | |
| sermos expressar-nos de forma concisa, deverá ser o contrário: | |
| «da nossa mulher». | |
| Exprimirmo-nos por meio de conjunções coordenativas. Se | |
| se desejar fazê-lo de forma concisa, omitam-se as conjunções | |
| coordenativas; mas que a frase não fique assindética. Por exem- | |
| plo, «tendo caminhado e tendo falado com ele», «tendo cami- | |
| nhado, falei com ele». | |
| 1408a Por último, é valioso o procedimento de Antímaco: falar | |
| daquilo que o objecto não possui. Assim faz acerca do Teu- | |
| meso 64: | |
| há uma pequena colina exposta aos ventos 65, | |
| 61 Por «solenidade» traduzimos Ôgkoj, que no seu sentido primário | |
| tem a ver com a expansividade, com o empolamento de algo. Correspon- | |
| de ao latino dignitas (Rhetorica ad Herennium, 4.13.18) e refere-se ao estilo | |
| sublime. | |
| 62 Corresponde ao termo latino breuitas (Quintiliano, 4.2.49). | |
| 63 Eurípides, Ifig. T., 727. | |
| 64 O Teumeso é uma montanha na Beócia. | |
| 65 Antímaco, Thebais, fr. 2 Kinkel. Trata-se de Antímaco de Cólofon, | |
| da segunda metade do século IV, um poeta de estilo rebuscado (cf. Cícero, | |
| Brut., 51.191) e eminente erudito, editor de Homero. | |
| 256 | |
| pois a amplificação pode ampliar-se até ao infinito. No que res- | |
| peita às coisas positivas e às negativas, este recurso de se falar | |
| das qualidades que os objectos não têm pode ser utilizado con- | |
| forme resulte de maior utilidade. E daqui extraem os poetas | |
| termos como «melodia sem acompanhamento de cordas» e | |
| «sem acompanhamento de lira», que são produzidos a partir | |
| das propriedades ausentes. Tal recurso é bem aceite nas metá- | |
| foras por analogia, como por exemplo dizer que «a trombeta» | |
| é uma «melodia sem acompanhamento de lira». | |
| 7 | |
| ADEQUAÇÃO DO ESTILO AO ASSUNTO | |
| A expressão possuirá a forma conveniente 66 se exprimir | |
| emoções e caracteres, e se conservar a «analogia» 67 com os | |
| assuntos estabelecidos. Há analogia se não se falar grosseira- | |
| mente acerca de assuntos importantes, nem solenemente de | |
| assuntos de pouca monta, nem se se colocarem ornamentos | |
| numa palavra vulgar. Se assim não for, assemelha-se a um re- | |
| gisto de comédia. É, por exemplo, o caso de Cleofonte 68; pois | |
| ele designa de modo idêntico certas coisas como se dissesse | |
| «venerável figueira». | |
| O discurso será «emocional» 69 se, relativamente a uma | |
| ofensa, o estilo for o de um indivíduo encolerizado; se relativo a | |
| assuntos ímpios e vergonhosos, for o de um homem indignado | |
| e reverente; se sobre algo que deve ser louvado, o for de forma | |
| a suscitar admiração; com humildade, se sobre coisas que sus- | |
| citam compaixão. E de forma semelhante nos restantes casos. | |
| O estilo apropriado torna o assunto convincente, pois, por | |
| paralogismo, o espírito do ouvinte é levado a pensar que aquele | |
| 66 Traduz o termo prpon. | |
| 67 Traduz o termo ¢naloga e tÕ ¢n£logon. Significa a justa propor- | |
| ção entre duas entidades. | |
| 68 Poeta trágico ateniense, de cuja obra nada chegou aos nossos dias, | |
| citado em Poética 2, 1448a12. | |
| 69 O termo em grego é paqhtik», ou seja, um tipo de enunciado | |
| «emocional», no sentido em que intenta sobretudo suscitar as emoções no | |
| auditor. | |
| 257 | |
| que está a falar diz a verdade. Com efeito, neste tipo de circuns- | |
| tâncias, os ouvintes ficam num determinado estado emocional | |
| que pensam que as coisas são assim, mesmo que não sejam | |
| como o orador diz; e o ouvinte compartilha sempre as mesmas | |
| emoções que o orador, mesmo que ele não diga nada. É por esta | |
| razão que muitos impressionam os ouvintes com altos brados. | |
| Esta mesma exposição enunciativa, sendo constituída por | |
| signos 70, exprime caracteres 71 quando a acompanha uma ex- | |
| pressão apropriada a cada «classe» 72 e «maneira de ser» 73. | |
| Denomino «classe» o relativo à idade, como, por exemplo, crian- | |
| ça ou homem ou velho; ou mulher e homem; ou lacónio e | |
| tessálio; «maneiras de ser», aquilo segundo o que cada um é | |
| como é na vida, pois nem toda a maneira de ser corresponde a | |
| que as vidas sejam do tipo que são. | |
| Se se disserem nomes apropriados à maneira de ser, | |
| exprimir-se-ão caracteres. Na verdade, o rústico e o instruído | |
| não falam do mesmo modo. Os ouvintes sentem alguma emo- | |
| ção, e os logógrafos utilizam à saciedade recursos como, «quem | |
| não sabe?», «todos sabem». Pois o ouvinte concorda embaraça- | |
| do, de modo a participar do mesmo que todos os outros. | |
| 1408b A utilização oportuna ou inoportuna destes elementos é | |
| comum a toda esta matéria. Contra todo o excesso, há um re- | |
| médio muito conhecido: o orador deve antecipar a crítica, pois | |
| assim parece que fala verdade, uma vez que não passa desper- | |
| cebido ao orador o que está a fazer. Além disso, não se deve | |
| utilizar a analogia 74 em todos os recursos ao mesmo tempo | |
| (deste modo, este recurso passa despercebido ao ouvinte). | |
| Quero dizer, por exemplo, se as palavras são duras, que não | |
| se utilizem a voz ou a expressão facial correspondentes; senão, | |
| torna-se evidente o que cada coisa é. Se se fizer uma de um | |
| modo, outra de outro, embora o resultado seja o mesmo, passa | |
| despercebido. Por conseguinte, se se disser o que é suave com | |
| dureza e com suavidade o que é duro, o discurso não se torna | |
| persuasivo. | |
| 70 Dexij em grego. | |
| 71 O discurso «ético» (ºqik») é o contraponto do «emocional ou pa- | |
| tético». | |
| 72 Gnoj em grego, ou seja, «género», «categoria». | |
| 73 xij, em grego, ou seja, «maneira de ser», «temperamento». | |
| 74 Ou seja, a adequação da voz ao tema, por exemplo. | |
| 258 | |
| Por seu turno, as palavras compostas e a abundância de | |
| epítetos, sobretudo de termos invulgares, são ajustadas ao ora- | |
| dor do género emocional. É que se perdoa ao orador encoleri- | |
| zado que pronuncie «um mal que-se-estende-até-ao-céu» ou | |
| que diga «monstruoso» 75, sempre que possuir já a atenção dos | |
| ouvintes e os tiver feito entusiasmarem-se, com elogios ou vi- | |
| tupérios, com cólera ou amizade. Assim, por exemplo, formula | |
| Isócrates no final do Panegírico «ó fama e recordação» e «quem | |
| quer que tenha suportado» 76. Tais coisas são ditas quando os | |
| oradores estão entusiasmados, de forma que é evidente que os | |
| ouvintes aceitam o que eles dizem por estarem todos no mes- | |
| mo estado de espírito. É por isso que são também ajustadas na | |
| poesia: é que a poesia é algo que provém da inspiração. É, por- | |
| tanto, assim que é necessário utilizá-lo, ou então por meio de | |
| ironia, como formulava Górgias 77 e como se expõe no .edro 78. | |
| 8 | |
| O RITMO | |
| A forma da expressão não deve ser nem métrica nem des- | |
| provida de ritmo 79. De facto, a primeira não é persuasiva, pois | |
| parece artificial, e, ao mesmo tempo, desvia a atenção do ou- | |
| vinte, pois fá-lo prestar atenção a elemento idêntico, quando a | |
| este regressar. O mesmo sucede com as crianças, que, quando | |
| os arautos clamam «qual é o senhor que o liberto escolhe?», se | |
| antecipam dizendo «Cléon» 80. Por seu lado, a forma de expres- | |
| são desprovida de ritmo é ilimitada. É, porém, necessário que | |
| seja limitada (pois o ilimitado é desagradável e ininteligível), | |
| mas não pelo metro. E, de facto, todas as coisas são delimita- | |
| 75 O primeiro termo ocorre em Od., 5.239, e Ésquilo, Agamémnon, | |
| 92; o segundo em Il., 3.229 e 5.395. | |
| 76 Panegírico, 186. | |
| 77 Cf. DK 82 A 11, 15, 15a, 19, 24. | |
| 78 Cf. Platão, .edro, 231d e 241e. | |
| 79 Questão muito debatida na retórica antiga: Cícero, Orator, 63.212, | |
| De oratore, 1.47.182-183; Quintiliano, 9.4.45. | |
| 80 Político ateniense do século V, general na Guerra do Peloponeso. | |
| .oi retratado de forma negativa por Tucídides e Aristófanes. | |
| 259 | |
| das pelo número. O número da forma da expressão é o ritmo, | |
| do qual os metros são divisões 81. Por isso, é necessário que o | |
| discurso seja rítmico, mas não métrico: neste caso, resultaria | |
| num poema. O ritmo, porém, não deve ser totalmente exacto, | |
| e isto resultará se o for apenas até certo ponto. | |
| De entre os ritmos, o heróico é solene, embora desprovido | |
| da harmonia da linguagem coloquial. O jambo, por seu turno, | |
| é a própria linguagem da maioria das pessoas (por isso, de | |
| entre todos os metros, é o jambo que, ao falarmos, mais utili- | |
| zamos); no entanto, o discurso deve ser solene e capaz de emo- | |
| cionar 82. | |
| O troqueu é o mais semelhante ao córdax 83. Isto é eviden- | |
| te nos tetrâmetros, pois o tetrâmetro é um ritmo de corrida 84. | |
| 1409a Resta, ainda, o péan, que se usa a partir de Trasímaco, embora | |
| não fossem ainda capazes de definir o que era. O péan é um | |
| terceiro tipo de ritmo, e está relacionado com os acima referi- | |
| dos. É um três por dois, enquanto dos precedentes um é um | |
| por um, o outro é dois por um. Semelhante é o um e meio por | |
| um, que é o péan. Os outros ritmos devem ser postos de lado | |
| pelos argumentos expressos, e porque são métricos. Porém, | |
| deve-se utilizar o péan, pois é o único dos ritmos referidos que | |
| não é métrico, de tal forma que passa perfeitamente desperce- | |
| bido. | |
| Hoje em dia, utiliza-se o péan tanto no início como no fi- | |
| nal. Contudo, é necessário que o final seja diferente do início. | |
| Há duas formas de péan, opostas uma à outra. Destas, uma é | |
| apropriada ao início, como, aliás, se utiliza. Ela é a que uma | |
| longa inicia e três breves terminam: | |
| Nascido em Delos ou se Lícia | |
| e | |
| tu, que feres à distância, filho de Zeus, de cabelos de ouro. | |
| 81 Poética 4, 1448b21. | |
| 82 Ibidem 4, 1149a25-26; Cícero, Orator, 56.189. | |
| 83 Tipo de dança de carácter obsceno. | |
| 84 Aristóteles associa «troqueu» ao verbo trcw («correr»). | |
| 260 | |
| A outra é ao contrário: o seu início são três breves e o fi- | |
| nal uma longa: | |
| atrás da terra e das águas, a noite ocultou o oceano. 85 | |
| E esta é a que produz o final apropriado. Pois a breve, | |
| porque é incompleta, faz que fique truncado. Deve-se, con- | |
| tudo, terminar com a longa e que o final resulte claro, não | |
| devido ao copista nem à marca de parágrafo, mas devido ao | |
| ritmo. | |
| .icou dito, portanto, que é necessário que o discurso | |
| possua um ritmo conveniente e que não seja desprovido de | |
| ritmo, e quais são os ritmos e como são os que produzem um | |
| ritmo correcto. | |
| 9 | |
| A CONSTRUÇÃO DA .RASE: O ESTILO PERIÓDICO | |
| O enunciado é necessariamente ou «contínuo» 86 e unido | |
| por elementos coordenativos, como nos prelúdios dos ditiram- | |
| bos, ou «periódico» 87 e semelhante às antístrofes dos poetas ar- | |
| caicos. O enunciado «contínuo» é o primitivo (outrora todos o | |
| usavam, agora não são muitos a fazê-lo). Designo «contínuo» | |
| aquele que não tem fim em si próprio, a não ser que o conteú- | |
| do expresso esteja concluído. Ele é, porém, desagradável pelo | |
| facto de não ser limitado, pois todos desejam ter à vista o fi- | |
| nal. É por isso que é nas curvas dos hipódromos que os con- | |
| correntes estão ofegantes e esgotados, pois ao avistarem a meta | |
| não se sentem cansados. Este é, por conseguinte, o enunciado | |
| «contínuo». | |
| O «periódico», por seu turno, é o que está organizado em | |
| «períodos». Chamo «período» ao enunciado que possui princí- | |
| 85 D. L. Page, Poetae Melici Graece, Oxford, 1962, p. 511. | |
| 86 Em grego lxij e romnh; corresponde em latim a oratio perpetua. | |
| Lausberg, 451. Certos autores, como Racionero, traduzem o termo por | |
| «expressão coordenativa». | |
| 87 Corresponde a lxij katestrammnh. Certos críticos, como Racio- | |
| nero, preferem designá-la por «expressão correlativa». | |
| 261 | |
| pio e fim em si próprio e uma dimensão fácil de abarcar com | |
| 1409b um só olhar. Tal é agradável e fácil de compreender. Agradá- | |
| vel, por ser contrário ao enunciado ilimitado e porque o ou- | |
| vinte julga sempre que retém algo e que este é delimitado por | |
| si mesmo; além disso, é desagradável não haver nada a prever | |
| nem a completar. É fácil de compreender, porque é fácil de | |
| memorizar; e isto deve-se ao facto de o enunciado em perío- | |
| dos possuir número, que é a coisa mais fácil de memorizar. Por | |
| isso, todos memorizam melhor versos do que prosa, pois pos- | |
| suem número pelo qual são medidos. É forçoso, porém, que o | |
| «período» seja completo no que respeita ao sentido, e que | |
| não seja cortado em dois como os jambos de Sófocles, | |
| Cálidon é esta região, da terra de Pélops 88, | |
| pois, devido à divisão do verso, é possível entender o contrá- | |
| rio, como no caso desta citação, ou seja, que Cálidon fica no | |
| Peloponeso. | |
| O período pode ser formado por membros ou ser sim- | |
| ples 89. O período formado por vários membros é completo, di- | |
| visível e fácil de respirar, não na sua divisão como aquele | |
| período, mas como um todo (um membro é uma das partes | |
| de um período). Chamo «simples» a um período de um só | |
| membro. É necessário que os membros e os períodos não se- | |
| jam nem muito breves nem muito extensos. É que o breve pro- | |
| voca, muitas vezes, um sobressalto no ouvinte (pois resulta | |
| forçosamente como que num choque devido a um embate | |
| quando, precipitando-se para a frente, para o término da me- | |
| dida de cujo limite tem uma ideia, o ouvinte é impelido para | |
| trás pois o orador já terminou). Os muito extensos fazem o au- | |
| ditório ficar para trás, tal como aqueles que dão a volta muito | |
| por fora dos postes: pois também estes ficam para trás em re- | |
| lação aos seus companheiros de marcha. De forma análoga, os | |
| períodos muito extensos tornam-se num discurso semelhante a | |
| um prelúdio de ditirambo. Isto é o que sucede no texto de | |
| 88 Trata-se do primeiro verso do Meléagro de Eurípides (fr. 515 Nauck). | |
| 89 O termo grego é kîlon. Em português também se pode designar | |
| «colo». | |
| 262 | |
| Demócrito de Quios em que parodiava Melanípides por este | |
| compor prelúdios em vez de antístrofes: | |
| Este homem faz mal a si próprio ao fazer mal a um | |
| outro, um extenso prelúdio é o pior mal para um poeta. 90 | |
| O mesmo é apropriado afirmar sobre membros muito lon- | |
| gos. Os membros demasiado curtos não constituem um perío- | |
| do, pois fazem o ouvinte «cair de cabeça». | |
| É próprio do enunciado composto por membros ser quer | |
| «segmentado», quer «antitético» 91. É «segmentado», por exem- | |
| plo, em: «muitas vezes me enchi de admiração pelos que orga- | |
| nizam os festivais panegíricos e os que instituíram as competi- | |
| ções atléticas» 92. Por sua parte, é «antitético» quando em cada | |
| membro ou o oposto está disposto junto ao oposto, ou o mes- | |
| mo está conectado com opostos, tal como: «foram proveitosos 1410a | |
| a ambos, quer aos que ficaram, quer aos que os acompanha- | |
| ram; pois a estes forneceram mais do que tinham na pátria, | |
| àqueles deixaram na pátria o suficiente» 93. «.icar» e «acompa- | |
| nhar» são opostos, tal como «suficiente» e «mais». Ou então, | |
| «de tal forma que aqueles que precisam de dinheiro e os que | |
| querem fruí-lo» 94; «fruição» opõe-se a «aquisição»; e ainda, | |
| «acontece muitas vezes nestas circunstâncias que o sensato fa- | |
| lha e o insensato tem sucesso» 95; e «de imediato foram julga- | |
| dos dignos de recompensas do valor, e não muito depois to- | |
| maram o poder sobre os mares» 96; e «navegar pela terra e | |
| marchar sobre o mar, unindo o Helesponto e cavando um ca- | |
| nal no Atos» 97. E «embora sendo cidadãos por nascimento, são | |
| privados da cidadania por uma lei» 98. E «alguns deles, na ver- | |
| 90 Paródia a Hesíodo, Erga, 265-266. Demócrito de Quios terá sido | |
| um contemporâneo de Demócrito de Abdera. Melanípides foi um poeta | |
| do século V, que compôs epopeias, epigramas e ditirambos. | |
| 91 Em grego ¹dihrhmnh lxij e ¹¢ntikeimnh lxij, respectivamente. | |
| 92 Isócrates, Panegírico, 1. | |
| 93 Ibidem, 35. | |
| 94 Ibidem, 41. | |
| 95 Ibidem, 48. | |
| 96 Ibidem, 72. | |
| 97 Ibidem, 89. | |
| 98 Ibidem, 105. | |
| 263 | |
| dade, morreram miseravelmente, outros salvaram-se vergonho- | |
| samente 99. E «em privado, utilizar bárbaros como escravos, | |
| publicamente, olhar com indiferença muitos dos nossos aliados | |
| reduzidos à escravidão» 100. E «ou possuir em vida ou após a | |
| morte deixá-lo para trás» 101. E o que alguém disse a Pitolau | |
| e Lícofron num julgamento: «quando estes homens estavam | |
| na sua pátria, eles venderam-vos, mas vindo para junto de | |
| vós, eles compraram-vos» 102. Todos estes exemplos ilustram | |
| o que foi dito. Tal enunciado é agradável, porque os contrá- | |
| rios são mais fáceis de reconhecer (e mais fáceis de reconhe- | |
| cer ainda quando colocados junto uns dos outros), e porque | |
| se afiguram semelhantes ao silogismo. Pois a «refutação» é a | |
| reunião de opostos. | |
| Tal é a antítese. Por seu turno, é «isocolo» se os membros | |
| forem iguais 103, «paromeose» se cada membro possuir extre- | |
| mos similares 104. É forçoso que tenha tal similitude ou no iní- | |
| cio ou no fim. No início, tem sempre a forma de palavras. No | |
| fim, poderão ser as mesmas sílabas finais, ou desinências da | |
| mesma palavra, ou a mesma palavra. No início, são coisas | |
| como «um campo não cultivado, recebeu um campo infértil de | |
| ti» 105, e «sensíveis eram aos presentes e fáceis de persuadir | |
| pelas palavras» 106. E no final: «terias pensado que ele gerara | |
| uma criança, mas que ele mesmo se tornara a criança»; «nos | |
| maiores cuidados e nas mais pequenas esperanças». Quanto às | |
| desinências de um mesmo nome: «ele é digno de ser posto em | |
| bronze, mas não digno de uma moeda de bronze». No que | |
| respeita à mesma palavra: «enquanto vivo, tu falaste mal dele, | |
| e agora escreves mal dele». E à mesma sílaba «o que é que de | |
| terrível sofreste, se de que o homem era cruel te apercebeste?» | |
| 1410b É possível que um só exemplo tenha, ao mesmo tempo, todos | |
| 99 Ibidem, 149. | |
| 100 Ibidem, 181. | |
| 101 Ibidem, 186. | |
| 102 Pitolau e Lícofron foram os assassinos de Alexandre, tirano de | |
| .eras, na Tessália (369-358 a. C.). Não se sabe mais sobre o episódio em | |
| questão. | |
| 103 Também denominado «parisose». Vide Lausberg, 336. | |
| 104 Vide Lausberg, 357. | |
| 105 Aristófanes, fr. 649 Kock. | |
| 106 Il., 9.526. | |
| 264 | |
| estes elementos: antítese, isocolo e homeoteleuto. Os inícios dos | |
| «períodos» foram quase todos enumerados nos Teodectes. Além | |
| disso, há também falsas antíteses, como, por exemplo, a com- | |
| posta por Epicarmo: | |
| por vezes, eu estava em casa deles, por vezes eu estava | |
| junto deles. 107 | |
| 10 | |
| A METÁ.ORA | |
| Dado que estes elementos já foram definidos, torna-se ago- | |
| ra necessário dizer de onde provêm as expressões «elegan- | |
| tes» 108 e as «de maior aceitação» 109. Certamente a sua formu- | |
| lação é própria do talento natural e da exercitação; mas é | |
| também algo que pertence ao nosso método. .alaremos, pois, | |
| deste tema e faremos as enumerações pertinentes. | |
| Que seja o seguinte o nosso pressuposto: uma aprendi- | |
| zagem fácil é, por natureza, agradável a todos; por seu turno, | |
| as palavras têm determinado significado, de tal forma que as | |
| mais agradáveis são todas as palavras que nos proporcionam | |
| também conhecimento. É certo que há palavras que nos são | |
| desconhecidas, embora as conheçamos no seu sentido «apro- | |
| priado» 110; mas é sobretudo a metáfora que provoca tal. Efec- | |
| tivamente, sempre que ele chama à velhice «palha» 111, pro- | |
| duz ensinamento e conhecimento por meio da categoria: | |
| ambos, na verdade, já não estão na «flor da idade». O mesmo | |
| produzem, sem dúvida, os símiles dos poetas. Por isso, se os | |
| formulam bem, parecem de uma «elegância urbana». Na ver- | |
| dade, um símile é, tal como foi dito anteriormente, uma me- | |
| táfora, diferindo apenas numa adição. É, de facto, menos | |
| 107 DK 23 B 30. | |
| 108 Por «elegância» traduzimos o termo tÕ ¢steon; corresponde ao | |
| termo latino urbanitas. | |
| 109 T¦ eÙdokimoànta, ou seja, as expressões que gozam de melhor re- | |
| putação. | |
| 110 T¦ kÚria em grego (ver supra). | |
| 111 Od., 14, 214. | |
| 265 | |
| agradável porque mais extenso e porque não diz que «isto | |
| é aquilo»; não é certamente isto o que o espírito do ouvinte | |
| procura. | |
| Por conseguinte, tanto a expressão como os entimemas | |
| que nos proporcionam uma aprendizagem rápida são necessa- | |
| riamente «elegantes». Por isso é que os entimemas superficiais | |
| não são os de maior aceitação (chamamos «superficiais» aos | |
| que são absolutamente óbvios, e em que não há nenhuma ne- | |
| cessidade de nos esforçarmos por compreender), nem os que, | |
| uma vez expressos, não compreendemos, mas sim aqueles em | |
| que ou o conhecimento surge ao mesmo tempo que são pro- | |
| nunciados, mesmo que não existisse previamente, ou o enten- | |
| dimento segue pouco depois. Na verdade, nestes casos resulta | |
| algum conhecimento, enquanto nos anteriores nenhum. | |
| No que concerne à compreensão do que é dito, tais enti- | |
| memas são os mais reputados. Porém, relativamente à expres- | |
| são enunciativa, tal aceitação deve-se, por um lado, à forma, se | |
| o enunciado for composto por oposições (como, por exemplo, | |
| «considerando que a paz, comum a todos, era uma guerra para | |
| os seus interesses particulares» 112: «guerra» opõe-se a «paz»); | |
| por outro, às palavras, se formarem uma metáfora, conquanto | |
| esta não seja estranha (pois seria de difícil compreensão), nem | |
| superficial (pois não produz nenhuma impressão); finalmente, | |
| se ela fizer que o objecto salte para «diante dos olhos». Con- | |
| vém, pois, visualizar as coisas mais na sua realização do que | |
| na perspectiva de virem a realizar-se. Por conseguinte, é ne- | |
| cessário ter em vista três elementos: metáfora, antítese, repre- | |
| sentação de uma acção 113. | |
| 1411a Dos quatro tipos de metáforas existentes 114, são sobretudo | |
| muito reputadas as de analogia. É o caso da que Péricles for- | |
| mulou ao dizer que a juventude morta na guerra fora arreba- | |
| tada à cidade assim como se se extraísse «a Primavera ao | |
| ano» 115. Acerca dos Lacedemónios, Léptines dizia que não | |
| 112 Isócrates, Philip., 73. | |
| 113 Por «representação de uma acção» traduzimos nrgeia, ou seja, | |
| o recurso capaz de representar coisas animadas ou inanimadas, que é o | |
| termo que Ross aceita. Outros autores, como Racionero, consideram que | |
| a lição deverá ser n£rgeia, «nitidez». | |
| 114 Poética 21, 1457b. | |
| 115 Cf. supra, I 7. | |
| 266 | |
| ficaria a ver com indiferença a Grécia «a ficar zarolha» 116. Ce- | |
| fisódoto 117, ao ver Cares 118 apressado em apresentar as contas | |
| referentes à Guerra Olintíaca, indignou-se, declarando que este | |
| procurava com a apresentação das contas «estrangular o povo | |
| até à sufocação»; e, noutra ocasião, exortando os Atenienses a | |
| avançarem para a Eubeia, disse que era forçoso levar o decreto | |
| de Milcíades como «provisões de campanha» 119. Ao fazerem | |
| os Atenienses as tréguas com o Epidauro e a região do litoral, | |
| Ifícrates indignou-se 120, declarando que eles ficavam desprovi- | |
| dos das «provisões de guerra» 121. Pitolau chamou ao navio | |
| Páralo o «bastão do povo» 122, e a Sesto a «travessa de pão do | |
| Pireu» 123. Péricles exigiu a destruição de Egina, «ramela» do | |
| Pireu. Mérocles, nomeando um cidadão respeitável, dizia que | |
| não era mais criminoso que outro qualquer; pois este deixava- | |
| -se corromper por um juro de três para dez, enquanto ele pró- | |
| prio só de um para dez 124. Ou o verso jâmbico de Anaxândri- | |
| des acerca das filhas que se atrasavam a casar, «as jovens já | |
| tinham passado o prazo para o matrimónio» 125. Também o de | |
| Polieucto, contra um certo Espeusipo, atacado de apoplexia: | |
| que este não era capaz, pelo destino, de estar sossegado, em- | |
| bora preso a um «potro de cinco orifícios» 126. E Cefisódoto | |
| 116 Trata-se de um dito muito popular (por exemplo, Cícero, De na- | |
| tura deorum, 3.38). | |
| 117 Orador do século IV a. C. | |
| 118 Cares combateu com os seus homens em 349 a. C., na guerra de | |
| Olinto contra .ilipe da Macedónia. | |
| 119 Milcíades foi um general ateniense do tempo das Guerras Pérsi- | |
| cas, associado à vitória de Maratona (possivelmente, uma visão exagera- | |
| da). A referência a este decreto deverá ser porventura expressão prover- | |
| bial, significando uma decisão rápida. Aqui deve querer significar que | |
| Cefisódoto entendia que Atenas deveria entrar em guerra com a Macedó- | |
| nia de imediato, sem perder tempo em longas deliberações. | |
| 120 General e político ateniense (c. 415-353 a. C.). | |
| 121 Ou seja, Atenas ficavam sem território para se abastecer do sa- | |
| que e dos tributos impostos. | |
| 122 Um dos navios oficiais que transportavam prisioneiros do Estado. | |
| 123 Cidade na Trácia, em frente a Abidos, que controlava o tráfego | |
| comercial que atravessava o Ponto Euxino. | |
| 124 Mérocles foi um político ateniense contemporâneo de Demóste- | |
| nes, do partido anti-Macedónia. Terá sido processado por extorsão. | |
| 125 .r. 68 Kock. Poeta da comédia média. | |
| 126 Polieucto foi um orador ateniense contemporâneo de Demóstenes. | |
| O potro era um instrumento de tortura que imobilizava os supliciados. | |
| 267 | |
| chamava às trirremes «moinhos multicolores», e Diógenes, o | |
| Cínico, às tabernas «refeições públicas da Ática» 127. Por seu | |
| lado, Esíon 128 costumava dizer que «a cidade se tinha derra- | |
| mado sobre a Sicília» 129. Isto é, pois, uma metáfora e também | |
| dispõe o objecto «diante dos olhos». Tal como a expressão «de | |
| tal forma a Hélade gritou» também é, de certa forma, uma | |
| metáfora e dispõe o objecto diante dos olhos. E como | |
| Cefisódoto ordenou que se precavessem para que não fizessem | |
| «grupos». E isto mesmo Isócrates dizia aos que acorriam às | |
| cerimónias públicas 130. E tal como se encontra na Oração .úne- | |
| bre, que seria digno que, junto ao epitáfio dos que morreram | |
| em Salamina, a Hélade rapasse a cabeça, visto ser a liberdade | |
| que estava a ser enterrada ao mesmo tempo que o valor de- | |
| les 131. Se ele tivesse dito que era digno verter lágrimas, uma | |
| vez que o seu valor estava a ser enterrado, seria uma metáfora | |
| e disposição do objecto diante os olhos, mas os termos «valor» | |
| 1411b e «liberdade» produzem uma espécie de antítese. E, tal como | |
| Ifícrates disse, «o caminho das minhas palavras passa, pois, | |
| pelo meio dos actos de Cares» é uma metáfora de analogia, e | |
| «pelo meio» produz o «trazer diante dos olhos». E dizer «con- | |
| vocar os perigos para ajudar contra os perigos» é uma metáfo- | |
| ra e disposição diante dos olhos. Dizia Licoleonte em defesa | |
| de Cábrias: «não tendo respeito pela atitude de súplica da es- | |
| tátua de bronze dele» 132: é, pois, uma metáfora apropriada ao | |
| momento presente, não para sempre, mas que produz uma | |
| visualização do objecto; pois, estando ele em perigo, a estátua | |
| implora, e o inanimado torna-se animado: ou seja, a recorda- | |
| ção dos seus feitos em prol da cidade. E «por todos os meios, | |
| 127 Referência às refeições públicas instituídas em Esparta, conheci- | |
| das pela sua frugalidade. A ironia é evidente face aos hábitos dos Ate- | |
| nienses. | |
| 128 Orador ateniense contemporâneo de Demóstenes. | |
| 129 Referência à campanha ateniense de 415 a. C. contra a Sicília. | |
| 130 Philip., 12. | |
| 131 Lísias, Epit., 60. Lísias não se referia a Salamina, mas sim a Egos- | |
| pótamos. | |
| 132 Refere-se ao julgamento de Cábrias (366) pela rendição de Oropo. | |
| A estátua mandada erigir pelos Atenienses por serviços prestados apre- | |
| sentava uma postura ambígua, que se podia interpretar também como a | |
| de um suplicante. Licoleonte foi o advogado de Cábrias neste julga- | |
| mento. | |
| 268 | |
| esforçam-se por pensar humildemente» 133, pois «esforçar-se» | |
| implica uma certa amplificação. E que «deus acendeu a razão, | |
| luz no espírito»: ambos, na verdade, põem algo em evidência, | |
| bem como «pois nós não terminamos guerras, mas adiamo- | |
| -las» 134. Ambas remetem para o futuro, tanto o adiamento | |
| como este tipo de paz. E dizer que «os acordos de paz são um | |
| troféu muito superior aos obtidos nas guerras, pois estes refe- | |
| rem-se a um momento e a um acontecimento, aqueles à guerra | |
| no seu todo» 135 já que ambos são sinais de vitória. E que «as | |
| cidades apresentam pesadas contas para censura dos ho- | |
| mens» 136. Pois a apresentação das contas é uma espécie de | |
| punição que é conforme à justiça. | |
| 11 | |
| A ELEGÂNCIA RETÓRICA | |
| Por conseguinte, foi já exposto que a expressão «elegante» | |
| provém da metáfora de analogia e de dispor «o objecto diante | |
| dos olhos». Torna-se agora necessário tratar do que denomina- | |
| mos «trazer diante dos olhos» e do que faz que isto resulte. Na | |
| verdade, chamo «pôr diante dos olhos» aquilo que representa | |
| uma acção 137. Por exemplo, dizer que «um homem de bem é | |
| um quadrado» é uma metáfora (pois ambos significam uma | |
| coisa perfeita) 138, mas não representa uma acção. Mas a frase | |
| «deter o auge da vida em flor» 139 é uma acção, e «tu, como | |
| um animal solto» 140 é uma «representação de acção», e | |
| dali, pois, Gregos, lançando-vos com os seus pés 141; | |
| 133 Isócrates, Panegírico, 151. | |
| 134 Ibidem, 172. | |
| 135 Ibidem, 180. | |
| 136 Isócrates, De pace, 120. | |
| 137 Por «pôr diante dos olhos» traduzimos a expressão prÕ Ñmmatîn | |
| poien. Sobre o termo «representação de uma acção», ver supra. | |
| 138 Simónides, fr. 5.1-2 Bergk. | |
| 139 Isócrates, Philip., 10. | |
| 140 Ibidem, 127. | |
| 141 Eurípides, Ifig. A., 80. | |
| 269 | |
| «lançando-vos» exprime uma acção além de ser uma metáfora, | |
| pois significa «velocidade». | |
| Também Homero utilizou muitas vezes, por meio de me- | |
| táforas, o inanimado como animado. Mas em todas elas o que | |
| é mais reputado são as que representam uma acção, como nos | |
| seguintes casos: «de novo para a planície rolava, despudorada, | |
| 1412a a pedra» 142 e «a flecha voou» 143 e «louca por voar» 144, e «sen- | |
| tavam-se por terra, desejando saciar-se de carne» 145 e «a ponta | |
| da arma penetrou, ansiosa, no peito» 146. Em todos estes exem- | |
| plos, por se atribuir animação, representam-se coisas em acto: | |
| «ser despudorada» e «ser ansiosa», entre os outros exemplos, | |
| exprimem uma acção. Homero, porém, aplica estes elementos | |
| por meio de metáforas por analogia. Pois, tal como a pedra em | |
| relação a Sísifo, assim está o despudorado para o objecto do | |
| seu despudor. O mesmo sucede em símiles muito reputados | |
| referentes a coisas inanimadas: | |
| enroladas, com as arestas de espuma; umas à frente, outras | |
| atrás 147. | |
| Pois o poeta atribui-lhes vida e confere-lhes também mo- | |
| vimento; ora, movimento é acção. | |
| Como já foi dito anteriormente, é forçoso que as metáfo- | |
| ras provenham de coisas apropriadas ao objecto em causa, mas | |
| não óbvias, tal como na filosofia é próprio do espírito sagaz | |
| estabelecer a semelhança mesmo com entidades muito diferen- | |
| tes. .oi assim que Árquitas disse que um árbitro e um altar | |
| eram uma e a mesma coisa: pois junto de ambos se refugia o | |
| homem injustiçado 148. Ou se alguém disser que uma âncora e | |
| um gancho são a mesma coisa: ambos são a mesma coisa, mas | |
| diferem pelo facto de uma ser de cima, a outra de baixo. | |
| 142 Od., 11.598. | |
| 143 Il., 13.587. | |
| 144 Ibidem, 4.126. | |
| 145 Ibidem, 11.574. | |
| 146 Ibidem, 15.542. | |
| 147 Ibidem, 13.799. | |
| 148 Árquitas, DK 47 A 12. .ilósofo e matemático da escola pitagó- | |
| rica do século IV. | |
| 270 | |
| E «igualizar as cidades» aplica-se a coisas muito diferentes: | |
| a igualdade no que respeita à superfície e aos poderes. | |
| A maioria das expressões «elegantes» deriva da metáfora | |
| e radica no engano prévio do ouvinte. Pois torna-se mais evi- | |
| dente que se aprende algo se os elementos resultam ao contrá- | |
| rio do que se esperava; e o espírito parece dizer: «como é ver- | |
| dade, e eu estava enganado!» As expressões «elegantes» dos | |
| apotegmas, por seu turno, assentam no facto de exprimirem o | |
| que não dizem. Por exemplo, quando Estesícoro, diz que «as | |
| cigarras cantarão no chão para elas próprias» 149. E pela mes- | |
| ma razão são agradáveis tanto os bons enigmas (pois neles há | |
| um ensinamento e uma metáfora), como dizer «coisas inespe- | |
| radas», como o designou Teodoro 150. Porém isto sucede quan- | |
| do se trata de algo de paradoxal 151, e não, como diz aquele | |
| autor, conforme com uma opinião anterior, mas como as imi- | |
| tações patentes nas anedotas (algo que também os jogos de | |
| palavras são capazes de produzir, pois conduzem ao engano) | |
| e nos versos cómicos. Por exemplo, o verso seguinte não ter- | |
| mina como o ouvinte esperava: | |
| ele avançava, tendo sob os pés frieiras; | |
| o ouvinte julgava que o poeta iria dizer «sandálias». Isto é forço- | |
| so que se torne evidente ao mesmo tempo que é expresso. Quan- | |
| to ao jogo de palavras, este exprime não o que o enunciador efec- | |
| tivamente diz, mas o que resulta da mudança de palavra. É, por | |
| exemplo, o caso da frase de Teodoro para o citarista Nícon: «Tu | |
| estás perturbado», o que parece exprimir «tu és um trácio» 152. Ele | |
| conduz a um engano, pois expressa uma coisa diferente. Por isso 1412b | |
| é que resulta agradável para o que procura instruir-se, pois se não | |
| se supuser que Nícon é um trácio, não parecerá ser uma expres- | |
| são «elegante». O mesmo é «tu queres destruí-lo» 153. É necessário | |
| que estes dois sentidos sejam convenientemente expressos. | |
| Do mesmo modo, são também expressões «elegantes» | |
| aquelas em que afirmamos, por exemplo, que «para os Atenien- | |
| 149 Ver supra, II 21. | |
| 150 Cf. supra, n. 16. | |
| 151 Par£doxon, ou seja, algo contrário à expectativa comum. | |
| 152 Jogo entre qr£cei e Qr©ix. | |
| 153 Jogo entre o infinitivo prsai (destruir) e Prsai (Persas). | |
| 271 | |
| ses o comando [arche] 154 do mar não é o começo [arche] dos | |
| infortúnios», uma vez que eles beneficiaram dele. Ou a frase | |
| de Isócrates, que «para a cidade, o poder foi o começo dos ma- | |
| les» 155. Pois, em ambos os casos, o que não se pensaria que se | |
| diz é justamente o que é dito e reconhecido como verdadeiro, | |
| pois afirmar que «princípio» é «princípio» não é inteligente; | |
| porém, não se diz com este sentido, mas com outro, e arche não | |
| expressa o mesmo que o que se disse, mas tem acepções dife- | |
| rentes. Em todos estes exemplos, se uma palavra for introdu- | |
| zida de forma conveniente, quer por homonímia, quer por metá- | |
| fora, então resulta bem. Por exemplo, «Anásqueto (Tolerável) | |
| não é tolerável», é uma contradição por homonímia, mas é | |
| apropriada, se o indivíduo for antipático. E | |
| não poderias ser estrangeiro mais do que deves 156, | |
| pois «estrangeiro não mais do que deves» é o mesmo que «o | |
| estrangeiro não deve ser sempre hóspede»; pois isto é totalmente | |
| diferente. O mesmo ocorre na celebrada frase de Anaxândrides, | |
| É belo morrer antes de se fazer algo digno da morte 157, | |
| isto é, o mesmo que dizer «digno de morrer sem ter merecido | |
| morrer», ou «digno de morrer sem ser merecedor da morte», | |
| ou ainda «não fazendo coisas merecedoras da morte». | |
| Por conseguinte, o estilo destes exemplos é de uma mes- | |
| ma classe. Porém, quanto mais concisos e de forma mais con- | |
| trastante forem expressos, tanto maior reputação obterão. A ra- | |
| zão é que a aprendizagem através de oposições é maior, e mais | |
| rápida através da concisão. É forçoso prestar atenção a que a | |
| expressão seja sempre correctamente aplicada em relação àquele | |
| de quem se fala, e se o que se diz é verdadeiro e não superfi- | |
| cial. Pois é possível possuir estas qualidades separadamente, | |
| como «deve-se morrer sem ter cometido faltas», ou «com uma | |
| mulher digna deve casar-se um homem digno» 158. Mas não se | |
| 154 O termo ¢rc» significa tanto «império», «poder», como «começo». | |
| 155 Isócrates, Philip., 61; Panegírico, 119; De pace, 101. | |
| 156 .r. adesp. 209 Kock. | |
| 157 .r. 64 Kock. | |
| 158 .r. adesp. 206 Kock. | |
| 272 | |
| trata de uma expressão «elegante», a não ser que se tenham as | |
| duas qualidades ao mesmo tempo: «digno de morrer sem ser | |
| merecedor de morrer». Quanto mais a expressão possuir estas | |
| qualidades, tanto mais «elegante» parecerá. Por exemplo, se as | |
| palavras constituírem uma metáfora e metáfora de um deter- | |
| minado tipo, formarem uma antítese e parisose e implicarem a | |
| «representação de uma acção». | |
| Os símiles de maior aceitação, como foi dito acima, são até | |
| certo ponto metáforas, pois expressam-se sempre partindo de | |
| dois termos, tal como a metáfora por analogia. Por exemplo, 1413a | |
| o escudo, dizíamos, é o cálice de Ares 159, | |
| e | |
| o arco é a fórminx sem cordas. 160 | |
| O que exprimimos desta forma não é, sem dúvida, sim- | |
| ples, enquanto chamar ao arco fórminx e ao escudo cálice é | |
| simples. Assim se produzem os símiles, como chamar a um | |
| aulista «macaco», a um míope «candeia encharcada», pois | |
| ambos franzem o rosto. Isto resulta bem sempre que houver | |
| uma metáfora. Na verdade, é possível comparar o escudo ao | |
| cálice de Ares e umas ruínas a uma casa em farrapos, e dizer | |
| que Nicérato é um «.iloctetes mordido por Prácis» (como o | |
| comparou Trasímaco, vendo que Nicérato, vencido por Prácis | |
| ao participar numa competição de rapsodos, andava de cabelo | |
| desarranjado e sujo) 161. É sobretudo nestes casos que, se não | |
| os formularem bem, os poetas falham, e onde se tornam mais | |
| reputados, se os fizerem bem. Quero dizer, quando estabele- | |
| cem as correspondências entre os termos: | |
| tal como a salsa, leva as pernas torcidas; | |
| e tal como .ilámon combatendo o seu rival, o saco de boxe. 162 | |
| 159 Bergk atribui-a a Timóteo (fr. 16); porém, Ateneu, 11, 502b, atri- | |
| bui-a a Anaxândrides. | |
| 160 .r. adesp. 127 Bergk. | |
| 161 Trasímaco, fr. DK 85 A 5. Nicérato era filho do general Nícias e | |
| seria um excelente recitador de Homero. | |
| 162 .rs. adesp. 207 e 208 Kock. .ilámon era célebre no pugilato. | |
| 273 | |
| Todas as expressões deste tipo são símiles. E que símiles | |
| são metáforas já foi muitas vezes dito. | |
| Provérbios são também metáforas de espécie a espécie. Por | |
| exemplo, se alguém levar algo para casa, convencido de que é | |
| algo de bom, e em seguida for prejudicado, diz que é como | |
| «Cárpatos com a lebre» 163, pois ambos experimentaram o que | |
| foi dito. Por conseguinte, de onde provém a expressão «elegan- | |
| te» e porquê, foi mais ou menos explicado. | |
| Por seu turno, as hipérboles de maior aceitação são tam- | |
| bém metáforas: por exemplo, relativamente a um homem com | |
| um olho negro «julgarias que ele era um cesto de amoras», pois | |
| as nódoas negras são algo purpúreas, embora tal dimensão seja | |
| muito exagerada. Além disso, também a expressão «como isto | |
| ou aquilo» introduz uma hipérbole, que só se diferencia pela | |
| expressão: «Como .ilámon combatendo contra o seu rival, o | |
| saco de boxe», julgarias que o próprio .ilámon lutava com o | |
| saco de boxe. «Como a salsa, leva as pernas torcidas», julga- | |
| rias que ele tem não pernas mas salsa, estando assim retorcidas. | |
| As hipérboles são como os adolescentes: manifestam grande | |
| exagero. Por isso, expressam-se assim sobretudo os que estão | |
| dominados pela cólera: | |
| nem que ele me outorgasse tantas coisas quantas a areia e o pó, | |
| nem assim me casaria com a filha do atrida Agamémnon, | |
| nem que ela rivalizasse em beleza com Afrodite de ouro, | |
| e Atena com os seus trabalhos. 164 | |
| Não é, por isso, apropriado a um velho proferir tais | |
| coisas. [São sobretudo os oradores áticos que usam este ele- | |
| mento.] 165 | |
| 163 A ilha de Cárpatos foi devastada por lebres. | |
| 164 Il., 9.385 e 388-390. | |
| 165 Trata-se provavelmente de uma interpolação. | |
| 274 | |
| 12 | |
| A EXPRESSÃO ADEQUADA A CADA GÉNERO | |
| É preciso, porém, não esquecer que a cada género é ajus- 1413b | |
| tado um tipo de expressão diferente. Na verdade, não são a | |
| mesma a expressão de um texto escrito e a de um debate, | |
| nem, neste caso, oratória deliberativa é a mesma que a ju- | |
| diciária. Efectivamente, é necessário conhecer ambas: uma | |
| para sabermos expressar-nos correctamente 166, a outra para | |
| não sermos forçados a permanecer em silêncio se quisermos | |
| dizer algo aos outros, que é o que sucede aos que não sabem | |
| escrever. | |
| A expressão escrita é a mais exacta. Por seu turno, a dos | |
| debates é a mais semelhante a uma representação teatral. Des- | |
| ta há duas espécies: uma «ética», outra «emocional» 167. É por | |
| isto que os actores procuram tal tipo de peças teatrais, assim | |
| como os poetas tal tipo de actores. Contudo, estão muito di- | |
| vulgados os autores que são próprios para a leitura, como | |
| Querémon (pois é rigoroso como um logógrafo) 168, ou, entre | |
| os autores de ditirambos, Licímnio. E se são postos em con- | |
| fronto, os discursos escritos parecem pobres nos debates; po- | |
| rém, os discursos dos oradores, ainda que bem pronunciados, | |
| afiguram-se vulgares quando nas nossas mãos. A razão é que, | |
| nos debates, são ajustadas técnicas de representação teatral. | |
| É por isso que quando a componente de representação é reti- | |
| rada, o discurso não perfaz o seu trabalho e parece fraco. Para | |
| dar um exemplo, num texto escrito as estruturas assindéticas | |
| e as repetições são, com razão, elementos censurados; mas em | |
| debates orais os autores usam-nos, pois são próprios da pro- | |
| nunciação. | |
| É forçoso que, ao repetir-se uma coisa, se introduza varia- | |
| ção, a qual como que abre caminho à pronunciação: | |
| Este é o que nos roubou, este é o que nos enganou, | |
| este é o que enfim procurou trair-nos; | |
| 166 Por «expressarmo-nos correctamente» traduzimos o termo llhnzein. | |
| 167 Sobre estes termos, ver infra. | |
| 168 Poeta trágico de meados do século IV a. C. | |
| 275 | |
| tal como o actor .ilémon dizia na Gerontomaquia de Anaxân- | |
| drides 169, quando recitava: «Radamanto e Palamedes»; e quan- | |
| do dizia: «eu», no prólogo dos Piedosos. Pois, se tais coisas não | |
| são representadas, torna-se em «aquele que leva a trave» 170. | |
| E o mesmo se passa no respeitante às expressões assindé- | |
| ticas: «cheguei, encontrei-o, pus-me a pedir-lhe». Na verdade, é | |
| necessário representar e não pronunciar no mesmo modo e no | |
| mesmo tom, como se se dissesse uma só coisa. Os assíndetos | |
| ainda possuem um outro aspecto particular: muitas coisas pare- | |
| cem ser ditas num mesmo espaço de tempo. É que a conjunção | |
| faz de muitas coisas uma só, de tal forma que, se for eliminada, | |
| é manifesto que o oposto acontecerá: uma coisa resultará muitas | |
| coisas. Resulta, por conseguinte, numa amplificação: «cheguei, | |
| falei, implorei» (parecem muitas coisas); «ele desprezou tudo o | |
| 1414a que eu disse». É o mesmo que Homero pretendia com | |
| Nireu, de Sime, Nireu, filho de Aglaia, Nireu, o mais belo 171, | |
| pois, o nome do homem acerca do qual se dizem muitas coisas | |
| deve necessariamente ser repetido muitas vezes. Deste modo, se | |
| se nomeia muitas vezes, parece que se dizem muitas coisas, de | |
| forma que Homero produziu uma amplificação, mencionando-o | |
| uma só vez devido ao paralogismo, e tornou-o objecto de recorda- | |
| ção, sem menção alguma dele posterior em qualquer outro lugar. | |
| O estilo do género deliberativo 172 parece-se totalmente | |
| com um desenho em perspectiva 173. É que, quanto maior for a | |
| multidão, tanto mais longe deverá a vista ser colocada, pois, | |
| em ambos os casos, o rigor é supérfluo e negativo. O género | |
| judiciário 174 é o mais rigoroso nos pormenores; e ainda mais | |
| 169 Comediógrafo, possivelmente natural de Rodes, da primeira | |
| metade do século IV a. C. Dos fragmentos que chegaram até nós, observa- | |
| -se um estilo elegante e uma intenção moralizante. | |
| 170 Deverá tratar-se de um adágio popular, significando porventura | |
| que a repetição sem actuação é tão monotonamente cansativa como levar | |
| uma trave aos ombros. | |
| 171 Il., 2.671-673. | |
| 172 Dhmhgorik¾ lxij, também designado demegórico. Corresponde | |
| a genus deliberatiuum na teorização latina. | |
| 173 Em grego, skiagrafa. | |
| 174 Dikanik¾ lxij, em grego. Corresponde a genus iudiciale na retó- | |
| rica latina. | |
| 276 | |
| perante um só juiz, pois é mínima a capacidade das técnicas | |
| retóricas. É que é mais visível o que concerne ao assunto e o | |
| que lhe é estranho, e a situação de debate não está presente, | |
| de forma que o julgamento é límpido. Por esta razão, os ora- | |
| dores mais admirados não são os mesmos em todos estes gé- | |
| neros. Porém, onde há sobretudo necessidade de representação, | |
| aí é onde existe menos exactidão. E aqui é onde é necessária a | |
| voz, e, sobretudo, uma voz potente. | |
| O estilo do género epidíctico 175 é o mais apropriado ao | |
| texto escrito, pois a sua função é ser lido. Em segundo lugar, | |
| vem o judiciário. | |
| Prolongar estas considerações sobre a expressão, que deve | |
| ser agradável e elevada, é supérfluo. Por que razão deverá ser | |
| ela superior à sensatez ou à liberdade ou a qualquer outra vir- | |
| tude de carácter? O que foi dito fará que seja agradável, se a | |
| virtude do estilo foi correctamente definida. Efectivamente, por | |
| que razão é forçoso ser claro e não rasteiro, mas apropriado? | |
| Pois, se for prolixo, não será claro, nem se for demasiado con- | |
| ciso; é evidente que o termo médio é o ajustado. E o que foi | |
| dito tornará o estilo agradável, se houver uma mistura adequa- | |
| da com o que é convencional e o invulgar, com o ritmo e com | |
| a persuasividade da expressão conveniente. | |
| Sobre a expressão, fica pois isto dito, quer no que é co- | |
| mum a todos os géneros, quer no que é particular a cada um | |
| deles. Resta falar acerca da «disposição» 176. | |
| 13 | |
| AS PARTES DO DISCURSO | |
| São duas as partes do discurso. É forçoso enunciar o as- | |
| sunto de que se trata e depois proceder à sua demonstração. | |
| Por isso, fica sem efeito expor algo sem se proceder à demons- | |
| tração ou demonstrar algo sem se ter previamente exposto o | |
| 175 Também designado demonstrativo, correspondente a genus de- | |
| monstratiuum da teorização latina. | |
| 176 O termo t£xij corresponde à dispositio da teorização latina, e será | |
| o objecto de análise nos capítulos seguintes. | |
| 277 | |
| assunto. Pois demonstrar uma coisa implica a existência de algo | |
| a demonstrar; e expor previamente determinado assunto tem | |
| em vista a sua demonstração. | |
| Destas duas partes do discurso, uma é a exposição 177, | |
| outra são as provas, tal como se se fizesse a distinção de que | |
| uma coisa é o problema, outra a sua demonstração. Actual- | |
| mente, há distinções ridículas. Com efeito, a «narração» 178 é | |
| própria apenas do discurso judiciário. De facto, como é então | |
| possível que haja uma narração no epidíctico ou no deli- | |
| berativo como dizem? Ou refutação da parte contrária ou | |
| 1414b epílogo nos discursos epidícticos? Por seu turno, o proémio, | |
| o cotejo dos argumentos e a recapitulação ocorrem por vezes | |
| nos discursos deliberativos, quando existe debate de pontos | |
| de vista diferentes, pois, muitas vezes, há acusação e defesa, | |
| mas não no que respeita à deliberação em si. Porém, o epílo- | |
| go nem sequer é necessário em todos os discursos judiciários | |
| (por exemplo, se o discurso é breve ou o assunto fácil de re- | |
| ter na memória), pois sucede que assim se encurta a dimen- | |
| são do discurso. | |
| As partes necessárias são, pois, a exposição e as provas. | |
| Estas são, então, as secções apropriadas; no máximo, digamos | |
| proémio, exposição, provas e epílogo 179. A refutação dos ele- | |
| mentos do oponente pertencem às provas, e a refutação por | |
| comparação é uma amplificação daquelas, de tal forma que | |
| também faz parte das provas. Pois aquele que formula isto | |
| procura a demonstração de algo. Porém, não é o caso nem do | |
| proémio, nem do epílogo, que têm como função apenas | |
| rememorar. Se alguém fizer tais divisões como faziam os discí- | |
| pulos de Teodoro, haverá a considerar como elementos distin- | |
| tos a narração, a epidiegese, a prodiegese 180, a refutação e a | |
| 177 Traduzimos assim o termo prÒqesij. Corresponde ao termo lati- | |
| no propositio (Lausberg, 43, 2) e tem como objectivo comunicar aquilo que | |
| se quer provar e demonstrar. | |
| 178 Corresponde ao termo di»ghsij (equivalente a narratio na termi- | |
| nologia latina). Vide Lausberg, 43, 2, b. | |
| 179 Divisão clássica, já presente em Isócrates, segundo Dioniso de | |
| Halicarnasso (Lys., 16-17). Corresponde na terminologia latina a exordium, | |
| propositio, argumentatio, peroratio ou conclusio (Lausberg, 43). | |
| 180 Poder-se-ia traduzir em português por «narração suplementar» | |
| e «narração preliminar», respectivamente. | |
| 278 | |
| refutação suplementar. Porém, só é necessário aplicar um nome | |
| quando se fala de uma certa espécie e com um traço distintivo. | |
| Se assim não for, torna-se vazio e risível, como Licímnio faz na | |
| sua Arte, adscrevendo designações como «vogar ao vento», | |
| «divagações» e «ramificações» 181. | |
| 14 | |
| O PROÉMIO | |
| O proémio é o início do discurso, que corresponde na | |
| poesia ao prólogo e na música de aulo ao prelúdio. Todos eles | |
| são inícios e como que preparações do caminho 182 para o que | |
| se segue. | |
| O prelúdio é, por conseguinte, idêntico ao proémio do | |
| género epidíctico. Na realidade, os tocadores de aulo, ao exe- | |
| cutarem um prelúdio que sejam capazes de tocar bem, ligam- | |
| -no à nota de base do trecho musical a executar 183. Ora, é des- | |
| te modo que é preciso compor os discursos epidícticos: tendo-se | |
| dito abertamente o que se quer, introduzir o tom de base e | |
| conjugá-lo com o assunto principal. Isto é o que todos os ora- | |
| dores fazem. O proémio da Helena de Isócrates constitui um | |
| exemplo. Nele não há nada de comum no que concerne aos | |
| argumentos erísticos e a Helena 184. Ao mesmo tempo, se o | |
| orador se afastar do tema, o resultado é também apropriado, | |
| para que o discurso não seja todo do mesmo tom. | |
| 181 Termos de difícil tradução. O primeiro, poÚrwsij, deverá enten- | |
| der-se como «improvisação», ou seja, o desenvolvimento livre de certo ele- | |
| mento. !Apopl£nhsij refere-se propriamente ao acto de divagar. Ozoj tem | |
| a ver com elementos marginais que são adicionados à linha de base do | |
| desenvolvimento enunciativo. | |
| 182 Por «preparações do caminho» traduzimos Ðdopohsij. | |
| 183 No prelúdio de aulo, a nota final deveria ser idêntica à primeira | |
| do subsequente canto de ditirambo. Era pois a nota que dava o tom, ser- | |
| vindo de ligação entre o prelúdio instrumental e o cântico coral. | |
| 184 Efectivamente, as treze primeiras secções têm uma grande inde- | |
| pendência relativamente ao conteúdo do discurso. | |
| 279 | |
| Os proémios dos discursos epidícticos diz-se que provêm | |
| quer do elogio quer da censura, tal como Górgias, no seu dis- | |
| curso Olímpico, afirma | |
| sois dignos da admiração de muitos homens, ó cidadãos | |
| helenos 185, | |
| pois elogia os fundadores de festivais; Isócrates, por seu lado, | |
| censura-os porque honraram, com recompensas, as excelências do | |
| corpo, mas não ofereceram um prémio para o homem sensato 186. | |
| Podem também provir de um conselho como, por exemplo, que é | |
| necessário honrar os homens de bem, e que é por esta razão que | |
| certo orador louva Aristides; ou então louvar tais homens que são | |
| de reputação nem boa nem má, mas, embora permaneçam desco- | |
| nhecidos são homens de bem, como Alexandre, o filho de Príamo: | |
| é que, na verdade, o orador está a dar conselhos. Além disso, | |
| podem provir de proémios judiciários, isto é, de elementos | |
| 1415a concernentes ao auditório, se acaso o discurso é sobre algo con- | |
| trário à opinião comum ou tema difícil ou já discutido por mui- | |
| tos, de tal modo que se deve pedir desculpa. É o caso de Quérilo, | |
| agora, quando tudo foi já distribuído. 187 | |
| É, por conseguinte, destes elementos que provêm os proé- | |
| mios dos discursos epidícticos: do louvor, da censura, do conse- | |
| lho, da dissuasão, factores referentes ao auditório. As secções ini- | |
| ciais devem ser ou estranhas ou familiares ao assunto do discurso. | |
| Quanto aos proémios do discurso judiciário, é necessário | |
| aceitar que devem ter o mesmo efeito que os prólogos das pe- | |
| ças teatrais e que os proémios dos poemas épicos. Os proémios | |
| dos ditirambos são semelhantes aos do discurso epidíctico: | |
| por ti e os teus presentes, ou despojos dos inimigos 188. | |
| 185 DK 82 B 7. | |
| 186 Isócrates, Panegírico, 1-2. | |
| 187 .r. 1 Kinkel da Perseida. Quérilo de Samos foi um poeta épico | |
| do século V a. C. No passo de que este hemistíquio faz parte, Quérilo | |
| queixa-se de que os poetas que o precederam tiveram material abundan- | |
| te para tratar e que o esgotaram, ao passo que ele já nada tem a dizer de | |
| novo. Aristóteles interpreta-o como um tópico de indulgência. | |
| 188 Timóteo, fr. 18 Page. | |
| 280 | |
| Nos discursos judiciários e nos poemas épicos, o proémio | |
| proporciona uma amostra do conteúdo do discurso, a fim de | |
| que se conheça previamente sobre o que será o discurso e que | |
| o entendimento do auditório não fique em suspenso. Pois o in- | |
| definido causa dispersão. Aquele que coloca o início como que | |
| nas mãos do auditório, faz que este o acompanhe no discurso. | |
| É esta a razão do seguinte: | |
| Canta, ó deusa, a cólera; fala-me do homem, ó musa 189; | |
| Traz-me um outro tema, como das terras da Ásia veio | |
| para a Europa a ingente guerra. 190 | |
| Também os trágicos tornaram manifesto sobre o que ver- | |
| sa a peça, se não imediatamente no prólogo, como Eurípides | |
| faz, pelo menos em algum ponto, como Sófocles, | |
| O meu pai era Pólibo. 191 | |
| E o mesmo se passa com a comédia. | |
| A função mais necessária e específica do proémio é, por | |
| conseguinte, pôr em evidência qual a finalidade daquilo sobre | |
| que se desenvolve o discurso; é por isso que, se o assunto for | |
| óbvio e insignificante, não haverá utilidade no proémio. | |
| Os outros tipos de expressão que são usados são «remé- | |
| dios» 192 e comuns a todos os géneros. Diz-se que estes deri- | |
| vam quer do orador, quer do auditório, quer do assunto, quer | |
| do opositor. | |
| As que respeitam ao próprio orador e ao opositor são as | |
| que servem para refutar ou produzir uma «acusação» 193. Po- | |
| rém, não são de termos idênticos: no discurso de defesa, as | |
| respostas ao ataque vêm no início; no de acusação, estas ocor- | |
| rem no epílogo. Não é obscura a razão para tal. Efectivamente, | |
| 189 Il., 1.1, e Od., 1.1. | |
| 190 Provavelmente o começo da Perseida de Quérilo. | |
| 191 Sófocles, OT, 774. | |
| 192 O termo em grego é atreÚmata. | |
| 193 Por «acusação» traduzimos diabol». É um termo de difícil tradu- | |
| ção em português. Significa propriamente o ataque que tem subjacente | |
| uma intenção do acusador em fazer que as pessoas e os actos da parte | |
| contrária fiquem sob uma auréola de suspeita e desconfiança. | |
| 281 | |
| o orador que se defende, mal se apresenta diante do tribunal, | |
| tem forçosamente de dissipar os elementos de oposição, de tal | |
| forma que tem de destruir, antes de mais nada, a acusação do | |
| oponente. Para o acusador, porém, é no epílogo que tem de | |
| atacar, para que permaneça melhor na memória do auditório. | |
| Os elementos que se relacionam com o auditório consis- | |
| tem em obter a sua benevolência, suscitar a sua cólera, e, por | |
| vezes, atrair a sua atenção ou o contrário. Na realidade, nem | |
| sempre é conveniente pôr o auditório atento, razão pela qual | |
| muitos oradores tentam levá-lo a rir. Todos estes recursos, se | |
| se quiser, levam a uma boa compreensão e a apresentar o ora- | |
| dor como um homem respeitável, pois a este os auditores pres- | |
| 1415b tam mais atenção. São também mais atentos a temas importan- | |
| tes, a coisas que lhes digam respeito, às que os encham de | |
| espanto, às agradáveis. E por isso é que é necessário introduzir | |
| a ideia de que o discurso é acerca de coisas deste género. Po- | |
| rém, se a intenção é a de que os auditores não estejam atentos, | |
| deverá dizer-se que o assunto não é importante, que não lhes | |
| diz respeito, que é penoso. | |
| Por outro lado, é forçoso não esquecer que todas estas coi- | |
| sas são exteriores ao conteúdo do discurso, pois elas destinam- | |
| -se ao ouvinte de pouco valor, que presta ouvidos ao que é | |
| extrínseco ao assunto, visto que, se ele não fosse assim, nem | |
| sequer o proémio seria necessário, a não ser para expor o assun- | |
| to por pontos básicos de forma que o «corpo» tenha «cabeça» 194. | |
| Além disso, suscitar a atenção do auditório é comum, se houver | |
| necessidade, a todas as partes do discurso, pois o auditório | |
| dispersa-se mais em qualquer outro lugar do que no início. Por | |
| isso, é ridículo exigi-la no princípio, justamente quando todos os | |
| ouvintes estão com a maior atenção. De tal forma que, onde quer | |
| que seja oportuno, deve-se dizer algo como «e prestai atenção, | |
| pois isto não diz respeito mais a mim do que a vós», e «eu vou | |
| dizer-vos algo de tão terrível e espantoso como vós jamais | |
| ouvistes». Assim Pródico costumava dizer, quando o auditório | |
| estava a adormecer, lançando-lhes «o das cinquenta dracmas» 195. | |
| Porém, é evidente que isto não é dirigido ao ouvinte na sua | |
| 194 Alusão a Platão, .edro, 264c. | |
| 195 DK 84 A 12. Cf. Platão, Crátilo, 384d. Refere-se ao facto de Crá- | |
| tilo solicitar essa quantia aos ouvintes para «lhes explicar totalmente» a | |
| natureza dos nomes. | |
| 282 | |
| qualidade de ouvinte, pois o que todos os oradores procuram | |
| fazer nos proémios é ou acusar ou dissolver o que receiam: | |
| ó rei, direi que não pela pressa, 196 | |
| para quê este proémio? 197 | |
| E isto fazem os que têm ou parecem ter um assunto difícil, | |
| pois é melhor dissertar sobre todo o resto do que sobre o pró- | |
| prio assunto. É por isso que os escravos não respondem às coi- | |
| sas que se lhes perguntam, mas andam em círculos e exórdios. | |
| De que modo é necessário suscitar benevolência foi já dito, | |
| bem como cada uma das componentes deste tipo. Como foi | |
| correctamente dito, | |
| concede-me entrar na país dos .eaces como amigo e digno | |
| de compaixão 198, | |
| estas são as duas coisas que é forçoso ter em vista. | |
| Nos discursos epidícticos, é necessário fazer o ouvinte | |
| pensar que partilha do elogio, ou ele próprio ou a sua família, | |
| ou o seu modo de vida, ou pelo menos algo deste tipo. Pois é | |
| verdade o que Sócrates afirma no seu discurso fúnebre: que não | |
| é difícil «louvar os Atenienses diante dos Atenienses, mas sim | |
| diante dos Lacedemónios» 199. | |
| Os proémios do discurso deliberativo são baseados nos do | |
| género judiciário, sendo no entanto, por natureza, de muito | |
| pouca importância. Efectivamente, o discurso deliberativo ver- | |
| sa sobre algo de que o auditório tem conhecimento. O assunto | |
| não necessita de proémio, a não ser que este respeite ao ora- | |
| dor ou aos seus opositores, ou que se suspeite de que o assun- | |
| to não é da importância que se quer dar, mas maior ou menor; | |
| por isso, é forçoso ou atacar ou refutar, amplificar ou minimi- | |
| zar o assunto 200. É nestes casos que é necessário um proémio. | |
| Ou então, como motivo de ornamento, uma vez que, se não o | |
| 196 Sófocles, Antígona, 223. | |
| 197 Eurípides, Ifig. T., 1162. | |
| 198 Od., 6.327. | |
| 199 Platão, Menón, 235d. | |
| 200 Termos aÜxhsij e mewsij. Correspondem respectivamente a am- | |
| plificatio e minutio da terminologia latina (Lausberg, 71 e segs.). | |
| 283 | |
| 1416a tiver, o discurso poderá parecer feito à pressa. Exemplo disto é | |
| o encómio de Górgias aos de Élide, pois, sem previamente ter | |
| preludiado e sem preparação, começa desde logo: | |
| Élide, cidade feliz. 201 | |
| 15 | |
| TÓPICOS DE RE.UTAÇÃO | |
| No que concerne à «acusação» 202, um dos recursos é usa- | |
| rem-se os mesmos elementos com que se pode refutar uma sus- | |
| peita capciosa: na verdade, nenhuma distinção provém do que | |
| se está a dizer, pelo que isto é de aplicação geral. | |
| Um outro tópico, de forma a ir ao encontro de todos os | |
| pontos em questão, é considerar que ou o facto não existe, ou | |
| que não é prejudicial; ou então que não o é para este indiví- | |
| duo, ou não é tão importante; ou não é injusto, ou não é muito; | |
| ou não é vergonhoso, ou não possui tal ordem de grandeza. | |
| Tais são os aspectos que respeitam a uma questão em disputa. | |
| É o caso de Ifícrates em resposta a Nausícrates 203: pois aquele | |
| aceitava que tinha agido como este afirmava e que, assim, pro- | |
| vocara prejuízo, mas que não cometera qualquer acto injusto. | |
| Outro elemento consiste em afirmar que um acto injusto | |
| o foi em retribuição; e, se causou prejuízo, foi, no entanto, belo; | |
| se causou dor, foi, porém, útil; ou outra coisa do mesmo género. | |
| Outro tópico é considerar que o acto foi um erro ou falta | |
| de sorte ou algo forçoso, tal como Sófocles quando afirmava | |
| que ele tremia não pelo que o acusador dizia «para parecer | |
| idoso» , mas por necessidade: é que não era por sua própria | |
| vontade que tinha 80 anos de idade 204. Pode-se também colo- | |
| car um elemento em substituição de outro: que não desejava | |
| causar prejuízo, mas uma coisa diversa, e que não tinha come- | |
| tido aquilo de que o acusavam, mas tinha sido por um acaso | |
| 201 Górgias, DK 82 B 10. | |
| 202 Cf. supra. | |
| 203 Nausícrates foi um discípulo de Ifícrates. Sobre Ifícrates, ver n. 120. | |
| 204 Trata-se possivelmente de Sófocles, que foi um dos membros da | |
| Proboule que deteve o poder em Atenas depois de 413 a. C. | |
| 284 | |
| que o prejuízo se tinha produzido: «é justo que me odieis, se | |
| eu agi de forma que isto tenha acontecido». | |
| Outro recurso utiliza-se se o acusador, no presente ou no | |
| passado, quer ele próprio ou alguém que lhe é próximo, tenha | |
| estado implicado nos factos. Outro ainda é se estão implicados | |
| outros indivíduos que todos concordam que não estão sujeitos à | |
| mesma acusação. Por exemplo, se certo indivíduo é acusado de | |
| ser adúltero porque é muito aperaltado, então outro qualquer sê- | |
| -lo-á certamente. Outro, se o próprio acusador, ou um outro | |
| qualquer, acusou já outros indivíduos, ou fez outros recaírem | |
| sob suspeita sem motivo de acusação, como a que ele agora | |
| move, e estes foram declarados não culpados. Outro consiste em | |
| contra-atacar o acusador: é que seria estranho que, se ele pró- | |
| prio não inspirar confiança, as suas palavras a venham a inspi- | |
| rar. Outro, se já tiver havido uma decisão, como no caso de | |
| Eurípides contra Higiénon, quando foi acusado de impiedade | |
| num processo de antidosis por ter escrito exortando a cometer | |
| perjúrio: «a minha língua jurou, mas não jurou o meu espíri- | |
| to» 205. Efectivamente, Eurípides afirmou que Higiénon cometia | |
| um acto injusto por trazer para os tribunais decisões concernen- | |
| tes às competições dionisíacas; pois aí já respondera ou respon- | |
| deria se ele o quisesse acusar. Outro consiste em acusar com a | |
| própria suspeita, mostrando como é grave, porque suscita juízos | |
| diversos e porque não é persuasiva no assunto em causa 206. | |
| Um tópico comum a ambos os oponentes é pronunciar si- 1416b | |
| nais de reconhecimento, como, por exemplo, Ulisses no | |
| Teucro 207, quando afirma que este é um familiar de Príamo, pois | |
| Hesíone é sua irmã; Teucro responde que seu pai, Télamon, era | |
| inimigo de Príamo e que não o tinha denunciado aos espiões. | |
| Outro recurso para o acusador é elogiar amplamente algo | |
| de pouca monta e censurar sucintamente o de maior importân- | |
| cia; ou, depois de ter exposto muitos aspectos positivos, censu- | |
| rar um ponto específico que é favorável para o assunto em | |
| causa. Tais tópicos são tecnicamente os mais habilidosos e os | |
| mais injustos, pois com eles procura-se causar prejuízo por | |
| meio de elementos bons, misturando-os com o que é mau. | |
| 205 Eurípides, Hipólito, 612. | |
| 206 O texto é pouco claro. | |
| 207 Tragédia perdida de Sófocles. | |
| 285 | |
| Algo comum ao acusador e ao defensor é o acusador | |
| enfatizar o lado pior, o defensor o melhor, visto que o mesmo | |
| acto pode ter sido feito por motivos diversos. Um exemplo é | |
| quando Diomedes escolheu Ulisses 208: um dirá que escolheu | |
| Ulisses porque o considerava o mais valente, outro não por esta | |
| razão, mas porque, por ser menos valoroso, era o único que | |
| não rivalizaria consigo. | |
| 16 | |
| A NARRAÇÃO | |
| Isto é o que havia a dizer quanto à acusação. Por seu turno, | |
| a narração 209 nos discursos epidícticos não é contínua, mas sim | |
| articulada em secções, pois é forçoso percorrer os factos de que o | |
| conteúdo do discurso trata. Quanto ao discurso, este é, por um | |
| lado, constituído por uma componente exterior à técnica (visto que | |
| o orador não é responsável pelos factos relatados); por outro, por | |
| uma componente técnica. Esta consiste em demonstrar quer que | |
| a acção se realizou, caso não seja credível, quer que ela foi de | |
| determinada qualidade ou ordem de grandeza, ou tudo isto ao | |
| mesmo tempo. É por esta razão que, por vezes, é conveniente não | |
| narrar tudo de forma seguida, porque este tipo de demonstração | |
| é difícil de reter na memória. A partir de certos factos, um indiví- | |
| duo pode ser apresentado como valoroso, noutras, como sábio ou | |
| justo. Um discurso deste tipo é mais simples, o de outro é | |
| multicolor 210 e complicado. Quanto a factos bem conhecidos, é | |
| necessário apenas recordá-los. Por isso é que muitos discursos | |
| epidícticos nem precisam de narração. É o caso, por exemplo, se | |
| desejares elogiar Aquiles: todos conhecem os seus feitos, o que é | |
| necessário é fazer uso deles. Porém, se se trata de Crícias 211, a | |
| narração é necessária, pois não são muitos os que o conhecem. | |
| Hoje em dia, diz-se de forma ridícula que a narração deve | |
| ser rápida. E, contudo, isto é como aquela do padeiro que per- | |
| 208 Cf. Il., 10.242. | |
| 209 O termo di»ghsij corresponde à narratio na teorização latina. | |
| 210 Ou seja, «confuso». | |
| 211 Chefe dos trinta tiranos que governaram Atenas nos finais do | |
| século V a. C. | |
| 286 | |
| guntava se deveria fazer a massa de consistência dura ou ma- | |
| cia; «o quê», replicou-lhe alguém, «não é possível fazê-la bem?». | |
| E aqui é o mesmo. Efectivamente, é preciso que se componham | |
| narrações não de grandes dimensões, tal como não se devem | |
| elaborar proémios nem provas muito extensas. Pois também aqui | |
| o melhor não é a rapidez ou a concisão, mas sim a justa me- | |
| dida. Isto significa falar tanto quanto aquilo de que o assunto | |
| necessita para ficar claro, ou tanto quanto permita supor que 1417a | |
| algo sucedeu ou que dele resultou algum prejuízo ou injustiça, | |
| ou que os assuntos são da importância que se quer demonstrar; | |
| o adversário, por seu turno, deve contrapor as razões opostas. | |
| Narra tudo quanto chama a atenção para o teu próprio va- | |
| lor: por exemplo, «admoestei-o, expressando sempre coisas justas, | |
| a não abandonar os filhos», ou a maldade do opositor: «respon- | |
| deu-me que, onde quer que ele se encontrasse, poderia ter sem- | |
| pre outros filhos», que é o que Heródoto afirma que os desertores | |
| egípcios respondiam 212; ou então o que for agradável aos juízes. | |
| Para o defensor, a narração pode ser mais breve 213. Na | |
| verdade, os pontos em questão são: ou que os factos não acon- | |
| teceram ou que não redundaram em prejuízo, ou que não são | |
| injustos ou de tamanha importância. De forma que não se deve | |
| perder tempo com o que é aceite por todos, a menos que se | |
| deva estender por questões como, por exemplo, que o acto teve | |
| lugar, mas que não foi injusto. É necessário expor os factos | |
| passados na medida em que suscitam compaixão ou indigna- | |
| ção, se descritos como actuais. Um exemplo é a defesa diante | |
| de Alcínoo, que Ulisses resume a Penélope, em sessenta ver- | |
| sos 214; outro é a forma como .aílo compõe em poema cícli- | |
| co 215, bem como o prólogo de Eneu 216. | |
| É conveniente que a narração incida sobre a componente | |
| «ética» 217. Isto assim resulta se soubermos o que produz a ex- | |
| 212 Heródoto, 2.30, alude à deserção dos soldados de Psamético I | |
| que defendiam a fronteira com a Etiópia, que, por não terem sido rendi- | |
| dos em três anos, se passaram para o lado do rei etíope. | |
| 213 Quintiliano, 4.2.43. | |
| 214 Od., 23.264-284; 310-343. | |
| 215 Nada sabemos sobre este poeta. | |
| 216 Trata-se de uma peça perdida de Eurípides. | |
| 217 À letra, «que a narração seja ética» (di»ghsij ºqik»), ou seja, que | |
| «exprima caracteres». Recorde-se que esta é uma das duas categorias de | |
| narratio (que se opõe à «emocional»). | |
| 287 | |
| pressão de carácter moral. Um recurso é mostrar a intenção | |
| moral: o carácter corresponde ao tipo de intenção, e a inten- | |
| ção moral, por sua vez, ao tipo de finalidade. É por isto que os | |
| textos matemáticos não expressam caracteres, porque não têm | |
| uma finalidade moral (pois não se constituem com tal finalida- | |
| de); mas os textos socráticos já a têm, pois é sobre tais temas | |
| que eles discorrem. | |
| Outros elementos que exprimem os traços morais são os | |
| que correspondem a cada um dos caracteres. Por exemplo, «ao | |
| mesmo tempo que falava, pôs-se a andar»: isto mostra clara- | |
| mente arrogância e rudeza de carácter. E não devemos falar | |
| com base no raciocínio, como hoje se faz, mas numa intenção: | |
| «eu desejava isto, pois eu tinha esta intenção» e «mas mesmo | |
| que não me tivesse sido proveitoso, era o melhor». A primeira | |
| frase é a de um indivíduo sensato, a outra, de um homem bom; | |
| pois é próprio de um homem sensato perseguir o que é pro- | |
| veitoso, de um homem bom, o que é belo. | |
| Se a intenção moral não resultar credível, então deve-se | |
| acrescentar a causa, como Sófocles faz. Um exemplo está na | |
| Antígona, em que esta se afligia mais com o irmão do que com | |
| marido ou filho, pois estes podem voltar a ter-se, uma vez mortos: | |
| Tendo mãe e pai partido para a morada do Hades | |
| não há irmão que possa jamais nascer. 218 | |
| Se não possuíres uma razão, podes dizer que não ignoras | |
| que o que dizes parece inacreditável, mas que tu és assim por | |
| natureza. Pois ninguém acredita que alguém faça voluntaria- | |
| mente algo a não ser em seu interesse próprio. | |
| Além disso, fala de forma a suscitar emoções 219, narran- | |
| do tanto as consequências que os ouvintes conhecem como os | |
| aspectos singulares que correspondem quer a si próprio quer | |
| 1417b ao opositor: «olhando-me desdenhosamente, partiu»; ou, por | |
| exemplo, como Ésquines diz sobre Crátilo, que este estava a | |
| assobiar e a bater palmas 220. É que estes elementos são per- | |
| 218 Sófocles, Antígona, 911-912. | |
| 219 Ou seja, a narratio «emocional» (di»ghsij paqhtik»), que emprega | |
| o recurso à emoções. | |
| 220 Ésquines foi um discípulo e companheiro de Sócrates. Crátilo é | |
| referido no diálogo homónimo de Platão. | |
| 288 | |
| suasivos, pois as coisas que os ouvintes conhecem são sinais 221 | |
| que permitem o conhecimento das que não se conhecem. Mui- | |
| tos destes elementos podem extrair-se de Homero: | |
| assim falou, e a velha cobriu o rosto com as mãos 222, | |
| pois, efectivamente, os que começam a chorar cobrem os olhos. | |
| Apresenta-te de imediato, a ti e ao teu opositor, como de certa | |
| personalidade, para que te vejam como tal. Porém, fá-lo | |
| disfarçadamente. Que isto é fácil, observa-o no caso dos men- | |
| sageiros das tragédias. Pois, não sabemos nada acerca do que | |
| vão dizer, mas apesar disso formulamos uma certa suposição. | |
| Deve-se proceder à narração em muitos sítios, se bem que, | |
| por vezes, não no início. | |
| No género deliberativo, a narração é menos importante, | |
| porque ninguém elabora uma narração sobre factos futuros. | |
| Mas se por acaso houver narração, que seja sobre acontecimen- | |
| tos passados de forma que, sendo recordados, se delibere me- | |
| lhor sobre os futuros, quer se critique quer se elogie. Porém, o | |
| orador nesse caso não perfaz a função de um orador do | |
| género deliberativo. Se o facto narrado não for crível, é neces- | |
| sário prometer que as razões serão ditas de imediato, e que | |
| serão tomadas as medidas que mais se desejarem. É o caso de | |
| Jocasta no Édipo de Cárcino, que respondia sempre com pro- | |
| messas a quem indagava em busca do seu filho 223; e o mesmo | |
| se passa com o Hémon 224 de Sófocles. | |
| 17 | |
| A PROVA E A DEMONSTRAÇÃO | |
| É necessário que as provas sejam demonstrativas. Visto que | |
| os pontos em debate são quatro, é útil formular a demonstração | |
| sobre o ponto que está em questão. Por exemplo, se a questão em | |
| 221 Em grego sÚmbola. | |
| 222 Od., 19.361. | |
| 223 Tragédia perdida de Cárcino (cf. Nauck, p. 789). | |
| 224 Personagem da Antígona. | |
| 289 | |
| causa for relativa à negação da ocorrência de algo, é necessário, | |
| no julgamento, antes de mais, a sua demonstração; e se for que | |
| não causou prejuízo, ou que não foi tão grave ou que foi justa, | |
| ela deve recair sobre estes aspectos; de modo idêntico, se o ponto | |
| em questão for sobre um facto que efectivamente ocorreu. Porém, | |
| devemos não esquecer que apenas no debate sobre este último | |
| ponto é forçoso apresentar o opositor como de mau carácter, pois | |
| a ignorância não é a causa do seu acto, como seria se o que esti- | |
| vesse em questão fosse o justo ou injusto. De tal forma que neste | |
| ponto o orador deve demorar-se, mas não nos outros. | |
| No discurso epidíctico, a amplificação deve ser empregue | |
| para provar que os factos são belos e úteis, pois tais factos têm | |
| de ser dignos de crédito. É por isso que poucas vezes reque- | |
| rem demonstração, a não ser que não sejam dignos de crédito | |
| ou que outro tenha a responsabilidade. | |
| No discurso deliberativo, poder-se-á discutir se o que se | |
| recomenda não terá consequências, ou que ocorrerá, mas que | |
| não será justo nem vantajoso nem de tamanha importância. | |
| É preciso também observar se, exterior ao assunto, se diz algo | |
| de falso, pois isto revelar-se-ia um argumento irrefutável de | |
| que se pronunciam falsidades sobre todo o resto. | |
| 1418a Exemplificação é o que é mais apropriado ao discurso de- | |
| liberativo, entimemas ao discurso judiciário. Efectivamente, um | |
| concerne ao futuro, de forma que é forçoso narrar exemplos de | |
| acontecimentos passados; o outro, por seu lado, relaciona-se | |
| com factos que são ou não são, onde é mais necessária a de- | |
| monstração, pois os factos do passado implicam um tipo de ne- | |
| cessidade. É forçoso porém expor os entimemas não de forma | |
| contínua, mas intercalados. Se assim não for, prejudicam-se uns | |
| aos outros, pois há também um limite na quantidade. | |
| Ó amigo, visto que falaste tantas coisas quantas um | |
| homem sabedor diria 225, | |
| «tantas coisas», mas não «quais». | |
| Por outro lado, não procures entimemas sobre tudo. De | |
| outro modo, farás o que alguns filósofos fazem, que formulam | |
| silogismos cujas conclusões são mais conhecidas e mais plausí- | |
| 225 Od., 4.204. | |
| 290 | |
| veis que as premissas das quais as tiram. E também sempre | |
| que suscitares uma emoção, não formules um entimema, pois | |
| o entimema ou quebrará a emoção, ou será dito em vão; é que | |
| movimentos simultâneos chocam uns com os outros, e ou se | |
| anulam ou se tornam fracos. Ao mesmo tempo, não deves pro- | |
| curar entimema algum quando o discurso expressar caracteres | |
| morais. Na verdade, a demonstração não comporta carácter | |
| moral nem intenção 226. Porém, devem-se empregar máximas | |
| quer na narração, quer nas provas, porque exprimem caracte- | |
| res: «pois, eu o dei, embora sabendo que não se deve confiar | |
| em ninguém». Se, porém, for numa modalidade «emocional»: | |
| «e não me arrependo, embora seja eu o prejudicado; é que o | |
| lucro é para a ele, a justiça para mim». | |
| A oratória deliberativa é mais difícil que a judiciária, como | |
| é natural. Porque aquela reporta-se ao futuro, esta ao passado, | |
| ou seja, ao que é já do conhecimento de todos, e até dos adivi- | |
| nhos, como diz Epiménides de Creta 227, pois ele nunca pro- | |
| nunciava oráculos sobre acontecimentos futuros, mas sobre fac- | |
| tos passados que permaneciam porém obscuros. Por outro lado, | |
| a lei é um tema de base nos discursos judiciários; e quando se | |
| possui um princípio básico, é mais fácil encontrar uma demons- | |
| tração. Para mais, o género deliberativo não comporta muitas | |
| «digressões» 228 (como, por exemplo, aquelas contra o opositor | |
| ou acerca de outro indivíduo qualquer, ou com a intenção de | |
| suscitar emoções). Pelo contrário, é a que admite menos, a não | |
| ser que se queira afastar do assunto. Por conseguinte, é neces- | |
| sário desenvolver isto apenas quando embaraçados com falta | |
| de material. Isto é o que os oradores atenienses fazem, e tam- | |
| bém Isócrates. Pois até num contexto de deliberação formula | |
| acusações como, por exemplo, contra os Lacedemónios no Pa- | |
| negírico 229, ou a Cares no Discurso sobre os Aliados 230. | |
| No género epidíctico, é necessário combinar o conteúdo | |
| com episódios laudatórios, como Isócrates, que sempre intro- | |
| duz algum. O que Górgias afirmava, que nunca lhe faltava que | |
| 226 Proaresij, em grego. | |
| 227 DK 3 B 4. Epiménides de Creta foi um taumaturgo lendário, pos- | |
| sivelmente do século VI a. C. | |
| 228 Em grego, diathb». | |
| 229 Cf. Panegírico, 110-114. | |
| 230 Aristóteles refere-se a De pace, 27. | |
| 291 | |
| dizer, é análogo. Pois, se estava a falar de Aquiles, elogiava | |
| Peleu, em seguida Éaco, depois a divindade; do mesmo modo, | |
| se discursava sobre a coragem viril, referia que ela produz isto | |
| ou aquilo, ou de tal forma. | |
| Quando se dispõe de elementos demonstrativos 231, deve- | |
| -se discursar de modo que se expresse o carácter e resulte de- | |
| monstrativo. Porém, se não tiveres entimemas, concentra-te na | |
| componente «ética». E é mais ajustado para um homem de bem | |
| 1418b parecer virtuoso do que rigoroso no discurso. Os entimemas | |
| refutativos são mais prezados do que os demonstrativos, por- | |
| que os concernentes à refutação mais claramente põem em | |
| evidência o silogismo. Pois os contrários são mais facilmente | |
| reconhecíveis quando colocados frente a frente. | |
| Os elementos contra a argumentação do oponente não | |
| representam uma espécie diferente, mas pertencem às provas | |
| que refutam quer por meio de uma objecção, quer por silo- | |
| gismo. Seja em situação deliberativa, seja judiciária, o primeiro | |
| a discursar deve pronunciar primeiramente as provas pró- | |
| prias, e em seguida refutar as do oponente, destruindo-as e des- | |
| pedaçando-as. Mas se o discurso adversário for múltiplo, deve | |
| atacar primeiro os argumentos opostos. Assim fez Calístrato na | |
| assembleia dos Messénios: pois, destruindo antecipadamente o | |
| que eles iriam dizer, expôs então os seus argumentos. Porém, | |
| se se for o último a falar, deve-se falar primeiramente contra o | |
| discurso adversário, refutando e opondo silogismos, sobretudo | |
| se o que tiver sido dito tiver tido bom acolhimento. Pois tal | |
| como o espírito não é receptivo a um homem que foi anterior- | |
| mente censurado, do mesmo modo não o é para um discurso, | |
| se o adversário parece ter falado bem. Deve-se, portanto, criar | |
| espaço no espírito do ouvinte para o discurso que seguirá. | |
| Assim será, se tiveres destruído os argumentos contrários. Por | |
| conseguinte, depois de se combater seja contra todos os argu- | |
| mentos, seja contra os mais importantes, seja contra os que | |
| foram mais bem acolhidos, seja ainda contra os mais facilmen- | |
| te refutáveis, as provas próprias hão-de resultar convincentes. | |
| Primeiramente, das deusas serei aliada; pois, eu, [não | |
| penso que] Hera 232 | |
| 231 Apodexij, em grego. | |
| 232 Eurípides, Troades, 969 e 971. | |
| 292 | |
| Nestas palavras, tocou em primeiro lugar os argumentos | |
| mais simples. | |
| Isto é o que há a dizer no que diz respeito às provas. Re- | |
| lativamente à expressão de carácter moral, uma vez que di- | |
| zer algo acerca de si próprio pode tornar-se quer odioso, quer | |
| prolixo, quer contraditório, assim como, acerca de outrem, in- | |
| jurioso ou grosseiro, é preciso colocar outra pessoa a dizer tais | |
| coisas. Isto é o que Isócrates formula no .ilipe, e na Anti- | |
| dosis 233, e bem assim Arquíloco, nas suas invectivas. Pois, | |
| este último coloca o pai a falar acerca da filha, em certo verso | |
| jâmbico: | |
| Com dinheiro, não há nada de inesperado nem que se | |
| possa jurar ser impossível 234 | |
| e o carpinteiro Caronte, no poema jâmbico cujo início é | |
| Não quero as riquezas de Giges 235. | |
| Também assim procede Sófocles, colocando Hémon a | |
| defender Antígona contra o pai, como se fossem palavras de | |
| outro 236. | |
| Algumas vezes, é necessário modificar entimemas e fazê- | |
| -los «máximas» 237. Por exemplo, «é preciso que o ser racio- | |
| nal, quando a fortuna lhe sorri, faça a paz, pois assim obtém | |
| maior ganho» 238. Em entimema, teríamos: «pois, se é preciso | |
| fazer a paz sempre que tais mudanças forem as mais lucrati- | |
| vas e mais vantajosas, é forçoso, quando a fortuna é favorá- | |
| vel, fazer a paz». | |
| 233 Cf. Philip., 4-7, e Antidosis, 132-139 e 141-149. | |
| 234 Arquíloco, fr. 74.1 Bergk. | |
| 235 Arquíloco, fr. 25.1 Bergk. | |
| 236 Sófocles, Antígona, 683-709. | |
| 237 Traduzimos gnîmai. | |
| 238 Cf. Isócrates, Archid., 51. | |
| 293 | |
| 18 | |
| A INTERROGAÇÃO | |
| 1419a No respeitante à interrogação, é oportuno formulá-la so- | |
| bretudo quando, depois de o oponente responder a uma de | |
| duas perguntas, se se formula então a outra pergunta, resulta | |
| uma resposta absurda. Por exemplo, quando Péricles questio- | |
| nou Lâmpon 239 sobre a iniciação aos mistérios da Salvadora, | |
| respondendo-lhe este que não era permitido a um não-iniciado | |
| tais coisas ouvir, perguntou-lhe se ele próprio deles tinha co- | |
| nhecimento. Declarando que sim, «mas como», perguntou Pé- | |
| ricles, «se não és iniciado»? | |
| Um segundo caso é quando, das duas respostas, uma é | |
| evidente e quanto à outra é óbvio que o oponente com ela con- | |
| cordará quando se formula a pergunta. E obtendo a admissão | |
| desta premissa, não se deve interrogar o que é evidente, mas | |
| estabelecer a conclusão. Por exemplo, quando Meleto acusou | |
| Sócrates de não acreditar nos deuses, aceitando porém que este | |
| reconhecia um certo daemon, Sócrates perguntou se os daemones | |
| não seriam filhos dos deuses, ou algo divino; concordando ele, | |
| respondeu Sócrates: «porventura, há alguém que pense que | |
| existem filhos de deuses, mas não deuses?» 240 | |
| Outra situação é aquela em que se procura mostrar que o | |
| orador adversário produz elementos contraditórios ou fora do | |
| senso comum. Uma quarta circunstância é quando não é pos- | |
| sível àquele que deve responder refutar a argumentação adver- | |
| sária a não ser de forma sofística: pois, se responde dizendo | |
| que é mas não é, ou que umas vezes sim, outras não, ou que | |
| por um lado sim, por outro não, os assistentes fazem uma | |
| pateada por o orador não encontrar saída. | |
| Em circunstâncias distintas destas, não lances mão de tal | |
| recurso. Pois, se o adversário te levantar uma objecção, pa- | |
| recerá que foste vencido: é que não é pertinente colocar mui- | |
| tas interrogações, devido à fraqueza do auditório. É por isso | |
| também que é necessário condensar o mais possível os en- | |
| timemas. | |
| 239 Um dos três adivinhos ao serviço da cidade de Atenas, contem- | |
| porâneo de Péricles. | |
| 240 Cf. Platão, Apologia, 27b-d. | |
| 294 | |
| Por seu turno, é preciso que as perguntas ambíguas sejam | |
| respondidas não de forma concisa, mas com recurso a definição | |
| precisa no discurso. Às que parecem conter elementos contradi- | |
| tórios, convém responder de imediato, introduzindo a refutação | |
| antes que o oponente formule a pergunta seguinte ou que con- | |
| clua o silogismo; de facto, não é difícil antever em que é que | |
| radica o seu discurso. Isto é para nós claro a partir do que ficou | |
| exposto nos Tópicos, e bem assim as formas de o refutar. E, con- | |
| cluindo, se se formula a pergunta em forma de conclusão, há | |
| que dizer a razão. Por exemplo, questionado por Pisandro se lhe | |
| parecia bem, como aos restantes probulos 241, o estabelecimento | |
| dos Quatrocentos, Sófocles aquiesceu, «Porquê?» disse aquele, | |
| «estes acontecimentos não te parecem peníveis?»; este de novo | |
| aquiesceu. «Por conseguinte, tu fizeste uma má acção?» «Sim», | |
| retorquiu, «não havia outras melhores». | |
| É também o caso do Lacedemónio que prestava contas da | |
| eforia. Questionado se lhe parecia bem que os companheiros | |
| tivessem sido justiciados, ele admitiu que sim. «Pois tu não ti- | |
| veste um comportamento igual ao deles?» Ele também admitiu | |
| que sim. «Então, seria também justo se fosses executado?» «De | |
| modo algum», replicou. «Aqueles aceitaram dinheiro para as- | |
| sim agirem; eu não, procedi segundo a minha consciência.» Por | |
| conseguinte, é conveniente não formular perguntas após uma 1419b | |
| conclusão, nem fazer a pergunta como conclusão, a não ser que | |
| a verdade seja muito saliente. | |
| Relativamente ao «ridículo» 242, uma vez que parece ter | |
| alguma utilidade nos debates (Górgias afirmava, com razão, | |
| que é necessário desfazer a seriedade dos oponentes com iro- | |
| nia e a ironia com seriedade 243), já foi tratado na Poética 244 | |
| quantas são as suas espécies, das quais umas são apropriadas | |
| ao carácter do homem livre, outras não, de modo que o orador | |
| 241 Os probulos eram dez cidadãos, com algum poder executivo, | |
| nomeados em Atenas depois de 413 a. C. Entre eles, contava-se Sófocles | |
| possivelmente o tragediógrafo. Em 411, fizeram parte de uma comissão | |
| formada parar redigir uma constituição; isto levou à revolução dos Qua- | |
| trocentos. | |
| 242 TÕ geloon, em grego. | |
| 243 Deverá pertencer a uma Ars, de Górgias, perdida. | |
| 244 Referência à parte perdida da Poética que versava sobre a co- | |
| média. | |
| 295 | |
| poderá tirar delas a que lhe for mais apropriada. A ironia é | |
| mais adequada a um homem livre que o escárnio. O que em- | |
| prega ironia fá-lo para se rir dele próprio, o trocista, para es- | |
| cárnio dos outros. | |
| 19 | |
| O EPÍLOGO | |
| O epílogo é composto por quatro elementos: tornar o ou- | |
| vinte favorável para a causa do orador e desfavorável para a do | |
| adversário; amplificar ou minimizar; dispor o ouvinte para um | |
| comportamento emocional; recapitular. Após ter-se mostrado | |
| que se diz a verdade e o adversário falsidades, faça-se um elogio | |
| ou uma censura, e finalmente sublinhe-se 245 de novo o assunto. | |
| É necessário, pois, visar uma de duas coisas: uma, reve- | |
| lar-se como homem de bem quer diante dos ouvintes, quer em | |
| termos gerais; outra, apresentar o adversário como perverso, | |
| quer diante dos ouvintes, quer em termos gerais. A partir de | |
| que elementos é necessário preparar isto, já foram expostos os | |
| tópicos a partir dos quais é forçoso apresentar os outros como | |
| virtuosos ou como vis. | |
| Em seguida, vem a amplificação ou a minimização do que | |
| foi demonstrado, segundo a sua natureza. Pois é necessário que | |
| haja acordo quanto aos factos, se se tenciona referir a sua or- | |
| dem de grandeza. Efectivamente, também o crescimento dos | |
| corpos provém de elementos preexistentes. A partir de que ele- | |
| mentos é necessário amplificar ou minimizar estes tópicos, tam- | |
| bém já ficou anteriormente exposto. | |
| Depois, estando em evidência tanto as qualidades como as | |
| dimensões dos factos, convém provocar no ouvinte comporta- | |
| mentos emocionais. Estes são: a compaixão, a indignação, a ira, | |
| o ódio, a inveja, a rivalidade, o sentimento de discórdia. Os | |
| tópicos respectivos já foram atrás mencionados, de forma que | |
| resta recordar o que foi dito. Isto é ajustado fazer aqui e não | |
| nos proémios, como alguns dizem incorrectamente 246. Pois, | |
| 245 À letra, «martelar»; para a expressão, ver Aristófanes, Nuvens, 22. | |
| 246 Discordamos da conjectura de Ussing, aceite por Ross (cf. Racio- | |
| nero ad loc.). | |
| 296 | |
| para que a apreensão das ideias seja efectiva, prescrevem que | |
| se proceda a muitas repetições. Por conseguinte, no proémio, | |
| convém expor o assunto para que não passe despercebido acer- | |
| ca do que está em causa; no epílogo, bastam os pontos princi- | |
| pais do que foi demonstrado. O início do epílogo, por isso, | |
| enuncia que se cumpriu o que se prometera, de tal forma que | |
| se há-de expor o que foi tratado e porquê. Além disso, fala-se | |
| a partir da comparação com os argumentos do adversário. | |
| Convém comparar quantas coisas foram ditas sobre um mes- | |
| mo assunto, quer contrapondo-as («mas este disse tais coisas | |
| acerca disto, eu isto, por tais razões») quer lançando mão da 1420a | |
| ironia (como «pois este disse isto, eu isto», e «que faria se de- | |
| monstrasse tais coisas, mas não aqueloutras»), quer da interro- | |
| gação («que foi demonstrado?» ou «o que é que este demons- | |
| trou?»). Pode-se, pois, concluir deste modo por comparação, ou | |
| segundo a ordem natural dos argumentos, tal como se disse, e | |
| depois, se se quiser, tratar separadamente os do discurso ad- | |
| versário. | |
| Como conclusão, é ajustada a expressão assindética, para | |
| que seja realmente epílogo e não discurso. | |
| Disse, ouvistes, tendes os factos, julgai! 247 | |
| 247 Provavelmente a conclusão de Lísias, Contra Eratóstenes. | |
| 297 | |
| ÍNDICES | |
| ÍNDICE DE TERMOS TÉCNICOS | |
| ¢gwnistikÒj 1.5, p. 112 ................................ Agonístico | |
| ¢kribologa 1.5, p. 112 ............................... Minúcia | |
| ¢naloga 3.2, p. 246; 3.7, p. 257 ............... Analogia | |
| ¢ntikeimnh lxij 3.9, p. 263 ...................... Discurso antitético | |
| ¢pÒdeixij 3.17, pp. 289, 292 ........................ Demonstração | |
| ¢popl£nhsij 3.13, p. 279 ............................ Divagação | |
| ¡rmona 3.1, p. 242 ...................................... Harmonia | |
| ¢rc» ation 1.7, p. 118 ............................ Princípio causa | |
| ¢steon 3.10, p. 265 ..................................... Elegância | |
| ¥tecnoi 1.2; 15.1, p. 96 ................................ Inartísticas, não técnicas | |
| aÜxhsij 1.9, p. 129 ....................................... Amplificação | |
| ¢fek»j 3.9, p. 262 ........................................ Simples | |
| geloon 3.18, p. 295 ...................................... Ridículo, risível | |
| glîtta 3.3, p. 250 ........................................ Glosa | |
| gnèmh 2.21, p. 208 ........................................ Máxima | |
| grafik¾ lxij 3.12, p. 275 .......................... Expressão escrita | |
| degma 3.14, p. 284 ....................................... Exemplo | |
| deiktik¦ nqm»mata 2.22, p. 213 ................ Entimemas demonstrativos | |
| dexij 3-7, p. 258 .......................................... Exposição enunciativa | |
| denwsij 2.24, p. 231 .................................... Exagero | |
| dhmhgorik¾ lxij 1.3, p. 104; 3.11, p. 276 Género deliberativo | |
| diabol» 1.1, p. 90; 3.14, p. 281 .................. Acusação, inculpação | |
| diaresij 2.23, p. 220 ................................... Divisão | |
| dialektik» 1.1, p. 89 .................................... Dialéctica | |
| di£noia 3.10, p. 266 ...................................... Compreensão, significado | |
| diatrib» 3.17, p. 291 .................................... Digressão | |
| di»ghsij 3.13, p. 278 .................................... Narração | |
| dihrhmnh lxij 3.9, p. 263 ......................... Discurso segmentado | |
| dikanik¾ lxij 1.3, p. 104; 3.11, p. 276 ..... Género judicial | |
| gkèmion 1.9, p. 128 ..................................... Encómio | |
| 301 | |
| llhnzein 3.5, p. 253 .................................. .alar correctamente | |
| e kÒj 1.2, p. 100 ............................................ Probabilidade | |
| e kèn 3.4, p. 252 ........................................... Símile, imagem | |
| e romnh lxij 3.9, p. 261 ............................ Enunciado contínuo | |
| nrgeia 3.11, p. 266 .................................... Acção, acto | |
| nqÚmhma 1.2., p. 98; 2.22, p. 213 .............. Entimema | |
| gkèmion 1.9, p. 127 ..................................... Encómio, elogio | |
| legktikÒj nqÚmhma 2.22, p. 215 .............. Entimema refutativo | |
| ntasij 2.25, p. 234 ...................................... Objecção | |
| ntecnoi tsteij 1.2, p. 96 ........................... Provas técnicas, artísticas | |
| xij 2.12, p. 193 ............................................ Hábito, maneira de ser | |
| painoj 1.9, p. 127 ....................................... Elogio | |
| peisÒdion 3.17, p. 291 ................................. Episódio | |
| peisodioàn 3.17, p. 291 ............................... Introduzir a um peisÒdion | |
| pexelgcoj 3.13, p. 279 .............................. Refutação suplementar | |
| pieik»j 1.13, p. 146 .................................... Equitativo | |
| pideiktikÕj lxij 1.3, p. 104; 3.12, p. 277 Estilo demonstrativo | |
| pidi»ghsij 3.13, p. 278 ............................... Epidiegese | |
| pqeton 3.2, p. 249 ...................................... Epíteto | |
| plogoj 3.19, p. 296 ................................... Epílogo | |
| pist»mh 1.1, p. 89 ....................................... Conhecimento | |
| poikodomen 1.7, p. 121 ............................... Acumulação | |
| rèthsij 3.18, p. 294 ................................... Interrogação | |
| ºqik¾ lxij 3.7, p. 258 ................................. Discurso de género ético | |
| Ãqoj 1.2.3, p. 96; 2.12, p. 193 ..................... Carácter | |
| atreÚmata 3.14, p. 281 ............................... Remédios | |
| dia ÑnÒmata 3.5, p. 254 .............................. Termos específicos | |
| katestrammnh kxij 3.9, p. 261 ................ Enunciado periódico | |
| koino tÒpoi 2.18, p. 201 ............................. Tópicos | |
| kÚrioj 3.2, p. 245 ......................................... Soberano, senhor, válido | |
| kîlon 3.9, p. 262 .......................................... Membro, colo | |
| lxij 3.1, p. 241 ............................................ Expressão enunciativa, enuncia- | |
| do, estilo | |
| lektikÒj 3.8, p. 260 ...................................... Coloquial | |
| lÒgoj 1.2, p. 97 ............................................. Discurso | |
| malakÒj 1.10, p. 131; 2.17.4-22.10 ............. Efeminado | |
| mgeqoj 1.5, p. 110 ....................................... Estatura | |
| meioàn 3.14, p. 283 ....................................... Minimizar, reduzir | |
| metaqor£ 3.10, p. 265 ................................... Metáfora | |
| mtron 3.1, p. 242 ......................................... Ritmo | |
| xenik¾ lxij 3.2, p. 245 ............................... Linguagem não familiar | |
| Ôgkoj 3.6, p. 256 ........................................... Solenidade | |
| o kea ÑnÒmata 3.2, p. 246 .......................... Termos apropriados | |
| omwnumia 2.24, p. 229; 3.2, p. 246 ............. Homonímia | |
| paqhtik¾ 3.7, p. 257 ..................................... Discurso do género emocional | |
| 302 | |
| p£qoj 1.2, p. 97; 2.8, 16 .............................. Paixão, emoção, sofrimento | |
| parabol» 2.20, p. 206 .................................. Parábola | |
| par£deigma 1.2, p. 101; 2.20, p. 206 .......... Exemplo | |
| par£doxon 2.21, p. 209 ................................. Paradoxo, contrário à expecta- | |
| tiva comum | |
| par£logoj 1.13, p. 147 ................................ Inesperado | |
| paralogismÒj 1.9, p. 127; 3.7, p. 257 ........ Paralogismo, argumento fala- | |
| cioso | |
| paralogistikÒj 1.9, p. 127 .......................... .alacioso | |
| parswsij 3.9, p. 264 ................................... Parisose, isocolo | |
| paromowsij 3.9, p. 264 ............................... Paromeose | |
| periconta ÑnÒmata 3.5, p. 254 .................. Termos gerais | |
| perodoj 3.9, p. 261 ...................................... Período | |
| peripteia 1.11, p. 137 ................................. Aventura, mudança súbita de | |
| fortuna | |
| pstij 1.1, p. 92; 1.2, p. 96 ......................... Prova, prova de persuasão, pro- | |
| va de fidelidade | |
| proaresij 3.17, p. 291 ................................ Intenção | |
| proodi»ghsij 3.13, p. 278 ............................. Prodiegese | |
| prÕ Ñmm£twn poien 3.11, p. 269 ................ Dispor diante dos olhos | |
| prÒqesij 3.13, p. 278 .................................... Exposição | |
| proomion 3.14, p. 279 .................................. Proémio | |
| prpon 3.2, p. 244 ......................................... Conveniente, adequado | |
| prÒtasij 1.3, p. 105; 2.1, p. 159 ................ Premissa | |
| prîsij 1.7, p. 120 ......................................... Declinação, flexão | |
| r` htorik» (ver dialektik») 1.1, p. 89 .......... Retórica | |
| r` uqmÒj 3.1, p. 242; 3.8, p. 259 .................... Ritmo | |
| saf¾ 3.2, p. 244 ........................................... Clareza de estilo | |
| shmeon 1.2, p. 100 ....................................... Sinal, argumento provável | |
| soloikzein 3.5, p. 255 ................................. .ormular solecismos | |
| stoiceon 2.22, p. 215 ................................... Elemento | |
| sÚmbokon 3.16, p. 289 .................................. Sinal que permite o conheci- | |
| mento | |
| sun£gein 1.2, p. 99 ....................................... .ormar silogismos, concluir | |
| sÚndesmoj 3.5, p. 253 ................................... Partícula coordenativa | |
| sunstrammmwj 2.24, p. 229 ........................ De forma concisa | |
| suntomna 3.6, p. 256 ................................... Concisão | |
| sÚstoika 1.7, p. 120 ..................................... Coordenações, conjugações de | |
| termos | |
| scetkiasmÒj 2.21, p. 211 ............................. Lamentação | |
| scÁma 2.24, p. 229; 3.8, p. 259 .................. .orma de expressão | |
| t£xij 3.13, p. 277 ......................................... Disposição | |
| tapein¾ lxij 3.2, p. 244 ............................. Género humilde | |
| tekm»rion 1.3, p. 105 .................................... Prova irrefutável | |
| tcnh 1.1, p. 90 ............................................. Arte, conjunto de regras | |
| 303 | |
| tcnologen 1.1, p. 90 .................................. Descrever como arte, reduzir a | |
| um sistema | |
| tÒpoi cf. koino tÒpoi ................................... Tópicos, lugares | |
| ØpÒkrisij 3.1, p. 242 .................................... Pronunciação | |
| yucrÒj 3.3, p. 249 ........................................ Esterilidade (no estilo) | |
| 304 | |
| ÍNDICE ONOMÁSTICO | |
| Acrópole, 226 Aristofonte, 219 | |
| Afrodite, 228, 274 Aristogíton, 130, 220, 231 | |
| Agamémnon, 274 Arquelau, 220 | |
| Ágaton, 204, 233 Arquíbio, 151 | |
| Aglaia, 276 Arquidamo, 252 | |
| Agros, 121 Arquíloco, 221, 293 | |
| Ájax, 189 Árquitas, 270 | |
| Alceu, 126 Atena, 115, 274 | |
| Alcibíades, 199 Atenas, 221 | |
| Alcidamante, 144, 221, 250-251 Atenienses, 150, 168, 181, 214, 221, | |
| Alcínoo, 287 | |
| Alexandre, 115, 218, 222, 233, 280 267, 271, 283 | |
| Amasis, 186 Ática, 219, 268 | |
| Anásqueto, 272 Atos, 263 | |
| Anaxágoras, 221 Áutocles, 222 | |
| Anaxândrides, 267, 272, 276 Beócios, 252 | |
| Andrócion, 252 Bias, 196 | |
| Androcles, 225 Bríson, 248 | |
| Anfiarau, 194 Cábrias, 118, 268 | |
| Antifonte, 165, 182, 225 Cálias, 99, 173, 247 | |
| Antígona, 144, 149, 293 Cálidon, 262 | |
| Antímaco, 256 Calíope, 247 | |
| Antístenes, 253 Calipo, 142, 223, 225 | |
| Aqueus, 232 Calístenes, 168 | |
| Aquiles, 105, 115, 162, 169, 214-215, Calístrato, 118, 147, 292 | |
| Cão celeste, 230 | |
| 218, 232, 252, 286, 292 Cárcino, 227, 289 | |
| Areópago, 91 Cares, 151, 267-268, 291 | |
| Ares, 273 Caridemo, 224 | |
| Aristides, 220, 280 Caronte, 293 | |
| Aristipo, 222 Cárpatos, 274 | |
| Aristófanes, 249 Cauno, 234 | |
| 305 | |
| Cefisódoto, 253, 267-268 Esíon, 268 | |
| Cicno, 215 Esopo, 207 | |
| Cídias, 181 Espeusipo, 267 | |
| Címon, 199 Ésquines, 288 | |
| Cleofonte, 150, 257 Estesícoro, 207, 210, 271 | |
| Cléon, 161, 254, 259 Estílbon, 221 | |
| Colunas de Hércules, 191 Estrábax, 224 | |
| Cónon, 222, 228 Eubeia, 267 | |
| Córax, 233 Eubulo, 151 | |
| Coríntios, 115 Euctémon, 148 | |
| Crátilo, 288 Eurípides, 181, 228, 245, 247, 281, 285 | |
| Creonte, 149 Europa, 281 | |
| Creso, 254 Eutidemo, 230 | |
| Crícias, 151, 286 Eutino, 204 | |
| Dario, 206 Êuxeno, 252 | |
| Delfos, 222 Evágoras, 222 | |
| Delos, 260 .aílo, 287 | |
| Demades, 232 .álaris, 207 | |
| Demócrates, 253 .eaces, 283 | |
| Demócrito de Quios, 263 .ilámon, 273-274 | |
| Demóstenes, 218, 232, 252 .ilémon, 276 | |
| Diógenes, o Cínico, 268 .ilipe, 219 | |
| Diomedes, 215, 225, 286 .ilócrates, 168 | |
| Diomedonte, 217 .iloctetes, 273 | |
| Díon, 142 Gélon, 143 | |
| Dionísio Calco, 247 Giges, 293 | |
| Dionísio, 102, 182, 199, 231 Gláucon de Teo, 242 | |
| Dioniso, 247, 253 Górgias, 243, 250-251, 259, 280, 284, | |
| Diopites, 185 | |
| Dodona, 221 291, 295 | |
| Dorieu, 100 Grécia, 206, 267 | |
| Drácon, 228 Gregos, 214, 219, 229, 269 | |
| Éaco, 292 Hades, 288 | |
| Egina, 267 Hális, 254 | |
| Eginetas, 214 Harmódio, 130, 219-220, 231 | |
| Egipto, 206 Hegesípolis, 222 | |
| Eleatas, 227 Heitor, 169, 215, 218 | |
| Élide, 284 Hélade, 225, 268 | |
| Empédocles, 144, 254 Helena, 115, 222, 233, 279 | |
| Enesidemo, 143 Helesponto, 263 | |
| Eniálio, 211 Hémon, 289, 293 | |
| Epicarmo, 121, 210 Hera, 292 | |
| Epidauro, 267 Heraclidas, 214 | |
| Epiménides de Creta, 291 Heraclito, 255 | |
| Ergófilo, 168 Hermes, 230 | |
| Heródico, 111, 228 | |
| 306 | |
| Heródoto, 287 Mísia, 247 | |
| Hesíone, 285 Mitilene, 221 | |
| Hierão, 199 Mixidémides, 222 | |
| Higiénon, 285 Monte Ida, 232 | |
| Hímera, 207 Nausícrates, 284 | |
| Hiparco, 231 Nicanor, 218 | |
| Hípias, 99 Nicérato, 273 | |
| Hipóloco, 129 Nícon, 271 | |
| Homero, 115, 135, 150, 169, 221, Nireu, 276 | |
| Odisseu, 115 | |
| 270, 276, 289 Olímpia, 100, 222 | |
| Idrieu, 252 Olímpios, 230 | |
| Ifícrates, 208, 219, 223, 247, 267, 284 Pã, 230 | |
| Ílion, 115, 215 Palamedes, 276 | |
| Isménias, 221 Pânfilo, 225 | |
| Isócrates, 130, 204, 222, 224, 259, Paros, 221 | |
| Pátroclo, 105, 218 | |
| 272, 279, 291, 293 Peleu, 292 | |
| Italiotas, 221 Peloponeso, 262 | |
| Jasão, 143, 227 Pélops, 262 | |
| Jocasta, 289 Penélope, 287 | |
| Lacedemónios, 214, 221, 266, 283, Penteu, 228 | |
| Pepareto, 221 | |
| 291, 295 Periandro de Corinto, 150 | |
| Lâmpon, 294 Péricles, 121, 199, 252, 266-267, 294 | |
| Lâmpsaco, 221 Pérsia, 206 | |
| Leódamas, 118, 226 Píndaro, 230 | |
| Léptines, 266 Pireu, 230, 267 | |
| Leucótea, 227 Pisandro, 295 | |
| Liceu, 183 Pisístrato, 102 | |
| Lícia, 260 Pítaco, 194 | |
| Licímnio, 248, 275, 279 Pitágoras, 221 | |
| Lícofron, 250, 264 Piteu, 225 | |
| Licoleonte, 268 Pitolau, 264, 267 | |
| Licurgo, 221 Platão, 151, 222, 252 | |
| Lócrios, 210 Plexipo, 165 | |
| Macedónia, 219 Pólibo, 281 | |
| Mantias, 221 Polícrates, 231 | |
| Maratona, 267 Polieucto, 267 | |
| Medeia, 227 Polifemo, 169 | |
| Mégara, 102 Polo, 228 | |
| Melanípides, 263 Potideianos, 214 | |
| Melanopo, 147 Prácis, 273 | |
| Meléagro, 212, 165 Príamo, 114-115, 280, 285 | |
| Meleto, 294 Pródico, 282 | |
| Mérocles, 267 | |
| Messénios, 292 | |
| Milcíades, 267 | |
| 307 | |
| Protágoras, 234, 255 Teágenes, 102 | |
| Querémon, 228, 275 Tebanos, 219 | |
| Quérilo, 280 Tebas, 218, 221 | |
| Quílon, 195, 221 Tegeia, 121 | |
| Quios, 221 Télamon, 189, 285 | |
| Radamanto, 276 Télefo, 247 | |
| Safo, 126, 221-222 Temístocles, 151 | |
| Salamina, 150, 214, 268 Ténedos, 150, 232 | |
| Samos, 181, 207, 252 Teodamante, 252 | |
| Sesto, 267 Teodectes, 217, 223-226, 231 | |
| Sicília, 268 Teodoro, 227, 245, 271, 278 | |
| Sigeus, 150 Teseu, 115, 222, 250 | |
| Sime, 276 Tessalisco, 221 | |
| Simónides, 115, 128, 199, 249 Teucro, 219, 285 | |
| Siracusanos, 181 Teumeso, 256 | |
| Síron, 250 Trasibulo, 226, 228, 231 | |
| Sísifo, 270 Trasímaco, 228, 243, 260, 273 | |
| Sócrates, 99, 101, 127, 173, 220, 222, Ulisses, 169, 225-226, 285-287 | |
| Xenófanes, 154-155, 224, 227 | |
| 283, 294 Xerxes, 206, 250 | |
| Sófocles, 144, 148-149, 227, 262, 281, Zenão, 140 | |
| Zeus, 163, 189, 260 | |
| 284, 288-289, 295 | |
| Sólon, 151, 221 | |
| 308 | |
| ÍNDICE GERAL | |
| Prefácio, | |
| por MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR .................................................... 9 | |
| INTRODUÇÃO: | |
| 1. Origem da retórica e formação do sistema retórico ........... 15 | |
| 2. Natureza e finalidade da retórica .......................................... 21 | |
| 3. Conflito entre a retórica e a filosofia ..................................... 25 | |
| 4. A Retórica de Aristóteles .......................................................... 33 | |
| 5. Plano e conteúdo da Retórica .................................................. 36 | |
| Livro I Provas ou meios de persuasão: prova lógica 36 | |
| Livro II Provas ou meios de persuasão: emoção e | |
| carácter .......................................................................... 41 | |
| Livro III Estilo e composição do discurso .................. 45 | |
| 6. A retórica peripatética .............................................................. 50 | |
| 7. A tradução da Retórica .............................................................. 62 | |
| Bibliografia: | |
| A. .ontes primárias ........................................................................ 65 | |
| B. .ontes secundárias .................................................................... 67 | |
| RETÓRICA | |
| LIVRO I | |
| 01. A natureza da retórica ...................................................................... 89 | |
| 02. Definição da retórica e sua estrutura lógica ................................ 95 | |
| 309 | |
| 03. Os três géneros de retórica: deliberativo, judicial e epidíctico 104 | |
| 04. O género deliberativo ....................................................................... 106 | |
| 05. A felicidade, fim da deliberação ..................................................... 109 | |
| 06. O objectivo da deliberação: o bom e o conveniente .................. 113 | |
| 07. Graus do bom e do conveniente .................................................... 116 | |
| 08. Sobre as formas de governo ............................................................ 122 | |
| 09. A retórica epidíctica .......................................................................... 124 | |
| 10. Retórica judicial: a injustiça e suas causas ................................... 130 | |
| 11. O prazer como matéria de oratória judicial ................................. 133 | |
| 12. Agentes e vítimas de injustiça ........................................................ 139 | |
| 12.1. Características dos que cometem a injustiça ................... 139 | |
| 12.2. Características dos que sofrem a injustiça ....................... 141 | |
| 13. Critérios de justiça e de injustiça ................................................... 144 | |
| 14. Critérios sobre a gravidade dos delitos ........................................ 147 | |
| 15. Provas não técnicas na retórica judicial ........................................ 149 | |
| LIVRO II | |
| 01. A emoção ............................................................................................. 159 | |
| 02. A ira ...................................................................................................... 161 | |
| 03. A calma ................................................................................................ 166 | |
| 04. A amizade e a inimizade ................................................................. 170 | |
| 05. O temor e a confiança ...................................................................... 174 | |
| 06. A vergonha e a desvergonha .......................................................... 177 | |
| 07. A amabilidade .................................................................................... 183 | |
| 08. A piedade ............................................................................................ 184 | |
| 09. A indignação ....................................................................................... 187 | |
| 10. A inveja ................................................................................................ 190 | |
| 11. A emulação ......................................................................................... 192 | |
| 12. O carácter do jovem .......................................................................... 193 | |
| 13. O carácter do idoso ........................................................................... 195 | |
| 14. O carácter dos que estão no auge da vida .................................. 197 | |
| 15. Carácter e fortuna: o carácter dos nobres .................................... 198 | |
| 16. O carácter dos ricos ........................................................................... 199 | |
| 17. O carácter dos poderosos ................................................................. 200 | |
| 18. Estrutura lógica do raciocínio retórico: função dos tópicos co- | |
| 18. muns a todas as espécies de retórica ............................................ 201 | |
| 19. .unção dos tópicos comuns a todas as espécies de retórica ...... 203 | |
| 20. Argumento pelo exemplo ................................................................. 206 | |
| 21. Uso de máximas na argumentação ................................................ 208 | |
| 22. O uso de entimemas ......................................................................... 213 | |
| 23. O uso de entimemas: os tópicos ..................................................... 216 | |
| 24. O uso de entimemas aparentes ....................................................... 229 | |
| 25. O uso de entimemas: a refutação ................................................... 234 | |
| 26. Conclusão dos dois primeiros livros ............................................. 237 | |
| 310 | |
| LIVRO III | |
| 01. Introdução ........................................................................................... 241 | |
| 02. Qualidades do enunciado. A clareza ............................................. 244 | |
| 03. A estirilidade do estilo ..................................................................... 249 | |
| 04. O uso dos símiles .............................................................................. 252 | |
| 05. A correcção gramatical ..................................................................... 253 | |
| 06. A solenidade da expressão enunciativa ........................................ 256 | |
| 07. Adequação do estilo ao assunto ..................................................... 257 | |
| 08. O ritmo ................................................................................................. 259 | |
| 09. A construção da frase: o estilo periódico ..................................... 261 | |
| 10. A metáfora ........................................................................................... 265 | |
| 11. A elegância retórica ........................................................................... 269 | |
| 12. A expressão adequada a cada género ........................................... 275 | |
| 13. As partes do discurso ....................................................................... 277 | |
| 14. O proémio ........................................................................................... 279 | |
| 15. Tópicos de refutação ......................................................................... 284 | |
| 16. A narração ........................................................................................... 286 | |
| 17. A prova e a demonstração ............................................................... 289 | |
| 18. A interrogação .................................................................................... 294 | |
| 19. O epílogo ............................................................................................. 296 | |
| ÍNDICES | |
| Índice de termos técnicos ........................................................................ 301 | |
| Índice onomástico ..................................................................................... 305 | |
| 311 | |
| COLABORADORES | |
| I. Coordenador | |
| António Pedro Mesquita (Centro de .ilosofia da Universidade de Lis- | |
| boa). | |
| II. Investigadores | |
| Abel do Nascimento Pena, Doutor em .ilologia Clássica, professor | |
| auxiliar do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da | |
| Universidade de Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássicos da Uni- | |
| versidade de Lisboa. | |
| Adriana Nogueira, Doutora em .ilologia Clássica, professora auxiliar do | |
| Departamento de Letras Clássicas e Modernas da .aculdade de Ciências | |
| Humanas e Sociais da Universidade do Algarve e investigadora do Centro de | |
| Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa. | |
| Ana Alexandra Alves de Sousa, Doutora em .ilologia Clássica, profes- | |
| sora auxiliar do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras | |
| da Universidade de Lisboa e investigadora do Centro de Estudos Clássicos | |
| da Universidade de Lisboa. | |
| Ana Maria Lóio, licenciada em Estudos Clássicos pela Universidade de | |
| Lisboa. | |
| António Campelo Amaral, Mestre em .ilosofia, assistente do Depar- | |
| tamento de .ilosofia da .aculdade de Ciências Humanas da Universidade | |
| Católica Portuguesa. | |
| António Manuel Martins, Doutor em .ilosofia, professor catedrático do | |
| Instituto de Estudos .ilosóficos da .aculdade de Letras da Universidade de | |
| Coimbra e director do Centro de Linguagem, Interpretação e .ilosofia da | |
| Universidade de Coimbra. | |
| António Manuel Rebelo, Doutor em .ilologia Clássica, professor asso- | |
| ciado do Instituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universi- | |
| dade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Clássicos e Huma- | |
| nísticos da Universidade de Coimbra. | |
| António Pedro Mesquita, Doutor em .ilosofia, professor auxiliar do De- | |
| partamento de .ilosofia da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa e | |
| investigador do Centro de .ilosofia da Universidade de Lisboa. | |
| Carlos Silva, licenciado em .ilosofia, professor associado convidado do | |
| Departamento de .ilosofia da .aculdade de Ciências Humanas da Universi- | |
| dade Católica Portuguesa. | |
| Carmen Soares, Doutora em .ilologia Clássica, professora associada do | |
| Instituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universidade de | |
| Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da | |
| Universidade de Coimbra. | |
| Delfim Leão, Doutor em .ilologia Clássica, professor associado do Ins- | |
| tituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universidade de | |
| Coimbra e investigador do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da | |
| Universidade de Coimbra. | |
| .rancisco Chorão, Mestre em .ilosofia, investigador do Centro de .ilo- | |
| sofia da Universidade de Lisboa. | |
| Hiteshkumar Parmar, licenciado em Estudos Clássicos pela Universi- | |
| dade de Lisboa. | |
| José Pedro Serra, Doutor em .ilologia Clássica, professor auxiliar do De- | |
| partamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universidade de | |
| Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássicos da Universidade de | |
| Lisboa. | |
| José Segurado e Campos, Doutor em .ilologia Clássica, professor cate- | |
| drático jubilado do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Le- | |
| tras da Universidade de Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássi- | |
| cos da Universidade de Lisboa. | |
| Manuel Alexandre Júnior, Doutor em .ilologia Clássica, professor cate- | |
| drático do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da | |
| Universidade de Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássicos da | |
| Universidade de Lisboa. | |
| Maria de .átima Sousa e Silva, Doutora em .ilologia Clássica, profes- | |
| sora catedrática do Instituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da | |
| Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Clássicos e | |
| Humanísticos da Universidade de Coimbra. | |
| Maria do Céu .ialho, Doutora em .ilologia Clássica, professora catedrá- | |
| tica do Instituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universi- | |
| dade de Coimbra e directora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos | |
| da Universidade de Coimbra. | |
| Maria José Vaz Pinto, Doutora em .ilosofia, professora auxiliar do De- | |
| partamento de .ilosofia da .aculdade de Ciências Sociais e Humanas da | |
| Universidade Nova de Lisboa e investigadora do Instituto de .ilosofia da | |
| Linguagem da Universidade Nova de Lisboa. | |
| Paulo .armhouse Alberto, Doutor em .ilologia Clássica, professor auxi- | |
| liar do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Uni- | |
| versidade de Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássicos da Uni- | |
| versidade de Lisboa. | |
| Pedro .alcão, licenciado em Estudos Clássicos pela Universidade de | |
| Lisboa. | |
| Ricardo Santos, Doutor em .ilosofia, investigador do Instituto de .ilo- | |
| sofia da Linguagem da Universidade Nova de Lisboa. | |
| III. Consultores científicos | |
| 1. .ilosofia | |
| José Barata-Moura, professor catedrático do Departamento de .ilosofia | |
| da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa. | |
| 2. .ilosofia Antiga | |
| José Gabriel Trindade Santos, professor catedrático do Departamento de | |
| .ilosofia da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigador | |
| do Centro de .ilosofia da Universidade de Lisboa. | |
| 3. Língua e Cultura Clássica | |
| Maria Helena da Rocha Pereira, professora catedrática jubilada do Ins- | |
| tituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universidade de | |
| Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da | |
| Universidade de Coimbra. | |
| 4. História e Sociedade Gregas | |
| José Ribeiro .erreira, professor catedrático do Instituto de Estudos Clás- | |
| sicos da .aculdade de Letras da Universidade de Coimbra e investigador do | |
| Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra. | |
| 5. Língua e Cultura Árabe | |
| António Dias .arinha, professor catedrático do Departamento de Histó- | |
| ria da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa e director do Instituto | |
| David Lopes de Estudos Árabes e Islâmicos. | |
| 6. Lógica | |
| João Branquinho, professor associado com agregação do Departamento | |
| de .ilosofia da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigador | |
| do Centro de .ilosofia da Universidade de Lisboa. | |
| 7. Biologia e História da Biologia | |
| Carlos Almaça, professor catedrático jubilado do Departamento de Bio- | |
| logia da .aculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. | |
| 8. Teoria Jurídico-Constitucional e .ilosofia do Direito | |
| José de Sousa e Brito, juiz jubilado do Tribunal Constitucional e profes- | |
| sor convidado da .aculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. | |
| 9. Aristotelismo Tardio | |
| Mário Santiago de Carvalho, Doutor em .ilosofia, professor catedrático | |
| do Instituto de Estudos .ilosóficos da .aculdade de Letras da Universidade | |
| de Coimbra e investigador do Centro de Linguagem, Interpretação e .ilosofia | |
| da Universidade de Coimbra. | |
| Acabou de imprimir-se | |
| em .evereiro de dois mil e cinco. | |
| Edição n.o 1011021 | |
| www.incm.pt | |
| E-mail: [email protected] | |
| E-mail Brasil: [email protected] | |
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