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retorica de aristotles
ARISTÓTELES
OBRAS COMPLETAS
RETÓRICA
Título: Retórica
2.ª edição, revista
Autor: Aristóteles
Edição: Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Concepção gráfica: Branca Vilallonga
(Departamento Editorial da INCM)
Revisão do texto: Levi Condinho
Tiragem: 800 exemplares
Data de impressão: .evereiro de 2005
ISBN: 972-27-1377-9
Depósito legal: 221 943/05
OBRAS COMPLETAS DE ARISTÓTELES
COORDENAÇÃO DE ANTÓNIO PEDRO MESQUITA
VOLUME VIII
TOMO I
Projecto promovido e coordenado pelo Centro de .ilosofia da Universi-
dade de Lisboa em colaboração com o Centro de Estudos Clássicos da
Universidade de Lisboa, o Instituto David Lopes de Estudos Árabes e
Islâmicos e os Centros de Linguagem, Interpretação e .ilosofia e de Estu-
dos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra.
Este projecto foi subsidiado pela .undação para a Ciência e a Tecnologia.
ARISTÓTELES
RETÓRICA
Prefácio e introdução de MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR
Tradução e notas de MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR,
PAULO FARMHOUSE ALBERTO e ABEL DO NASCIMENTO PENA
(Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa)
CCEENNTTRROODDEEFFIILLOOSSOOFFIIAA DDAA UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEEDDEELLISISBBOOAA
IMIMPPRREENNSSAA NNAACCIIOONNAALL--CCAASSAA DDAAMMOOEEDDAA
LLIISSBBOOAA
22000035
PRE.ÁCIO
Nunca antes a retórica se estudou com tanto interesse e
em áreas tão distintas do saber, como nunca antes se estudou
o fenómeno retórico em contextos tão distantes do mundo que
aparentemente o viu nascer. A recente obra de George Ken-
nedy, Comparative Rhetoric, é disso um bom exemplo ao disser-
tar sobre a retórica não só em sociedades iletradas e sem es-
crita como os aborígenes da Austrália, os índios das Américas
e outras sociedade tradicionais, mas também em sociedades le-
tradas da Antiguidade que, para além da grega e da romana,
floresceram tanto na Mesopotâmia, em Israel e no Egipto, como
na China e na Índia. A retórica está na moda, e os temas que
acto contínuo se abordam em colóquios e congressos são os
mais diversos e surpreendentes, situando-se praticamente em
todas as áreas do saber humano.
Para muitos, a retórica pouco mais é do que mera mani-
pulação linguística, ornato estilístico e discurso que se serve de
artifícios irracionais e psicológicos, mais propícios à verbaliza-
ção de discursos vazios de conteúdo do que à sustentada ar-
gumentação de princípios e valores que se nutrem de um racio-
cínio crítico válido e eficaz. Mas a restauração da retórica ao
seu velho estatuto de teoria e prática da argumentação per-
suasiva como antiga e nova rainha das ciências humanas tem
vindo a corrigir essa noção enganosa, revalorizando-a como
ciência e arte que tão logicamente opera na heurística e na
hermenêutica dos dados que faz intervir no discurso, como
psicológica e eficazmente se cumpre no resultante efeito de
convicção e mobilização para a acção. No fundo, a retórica é
9
um saber que se inspira em múltiplos saberes e se põe ao ser-
viço de todos os saberes. É um saber interdisciplinar no senti-
do pleno da palavra, na medida em que se afirmou como arte
de pensar e arte de comunicar o pensamento. E como saber
interdisciplinar e transdisciplinar, a retórica está presente no
direito, na filosofia, na oratória, na dialéctica, na literatura, na
hermenêutica, na crítica literária e na ciência.
A retórica é uma das artes práticas mais nobres, porque o
seu exercício é uma parte essencial da mais básica de todas as
funções humanas. Daí a especial atenção que Aristóteles lhe
dedicou, corrigindo tendências sofísticas e codificando princí-
pios metodológicos e técnicos que, com o evoluir da tradição,
se haveriam de consagrar num cânone retórico de grande for-
tuna e proveito.
Na retórica aristotélica nós encontramos o saber como teo-
ria, o saber como arte e o saber como ciência; um saber teórico
e um saber técnico, um saber artístico e um saber científico. No
trânsito da antiga para a nova retórica, ela naturalmente trans-
formou-se de arte da comunicação persuasiva em ciência
hermenêutica da interpretação. O seu duplo valor como arte e
ciência, como saber e modo de comunicar o saber, faz dela
também um instrumento mediante o qual podemos inventar,
reinventar e solidificar a nossa própria educação. O esforço
transdisciplinar que hoje em dia se faz para melhor compreen-
der o papel da retórica e da hermenêutica na crítica do texto
filosófico e literário mostra-nos que estas são duas áreas do
saber intrinsecamente ligadas à essência da praxis humana.
O justo relevo dado por Chaïm Perelman à vertente
argumentativa desta arte colocou mais uma vez a Retórica de
Aristóteles na moda, e as traduções que dela se fazem suce-
dem-se em ritmo acelerado nas mais diversas línguas. Desafio
a que também respondeu a Imprensa Nacional-Casa da Moe-
da, ao haver concretizado há poucos anos a feliz decisão de
incluir obra tão representativa e actual na sua colecção «Clássi-
cos de .ilosofia» e agora lançar a sua 2.ª edição, integrada na
colecção «Biblioteca de Autores Portugueses». E com toda a jus-
tiça o faz, pois não é só a causa da retórica que esta importan-
te obra de Aristóteles serve enquanto teoria da comunicação ou
argumentação persuasiva. Muitos a têm igualmente recomen-
dado como obra filosófica de especial interesse para o estudo
da hermenêutica, da phronesis e da razão prática; uma obra que
merece ser lida no contexto e na interacção com as demais.
10
A Retórica de Aristóteles não é, como sabemos, um texto
fácil. Escrita em linguagem densa e acentuadamente elíptica,
esta obra torna por vezes árdua a tarefa de precisar com rigor
o sentido do texto estabelecido e de o transmitir com clareza
ao seu leitor. .oi esse o objectivo último dos tradutores no
intento de superarem as dificuldades impostas pelo próprio
texto. Se o conseguiram, foram eles também os primeiros
beneficiários; pois o seu trabalho resultou numa experiência
extremamente compensadora, e que tanto mais o será quanto
melhor vier a servir os seus leitores. Aqui reiteram eles tam-
bém a sua gratidão a quantos, directa ou indirectamente, con-
tribuíram para a sua concretização.
Lisboa, 2004.
MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR
11
INTRODUÇÃO
1. Origem da retórica e formação do sistema retórico
A retórica recebeu nas últimas três décadas uma cuidada atenção
da parte de um notável número de estudiosos 1. Há uns cinquenta anos,
.riedrich Solmsen publicou um artigo intitulado «The Aristotelian
Tradition in Ancient Rhetoric», em que sublinhava a importância de
Aristóteles para a história da retórica. Daí para cá, o interesse pela
retórica antiga e a sua relevância para a sociedade moderna têm au-
mentado dramaticamente. George Kennedy produziu, ao longo dos
anos, uma série de volumes que traçam a teoria e a prática da retórica
ao longo dos séculos desde a mais remota Antiguidade 2, e de ambos os
lados do Atlântico se respondeu com entusiasmo ao estabelecimento da
International Society for the History of Rhetoric.
1 Testemunham-no os 164 livros referidos por Brian Vickers na sua
«Bibliography of Rhetorical Studies, 1970-1980», in Comparative Criticism:
A Yearbook, 3, 1981, 316-322, e o interesse cada vez mais crescente pela
disciplina nas décadas seguintes.
2 The Art of Persuasion in Greece, Princeton, Princeton University
Press, 1963; Quintilian, New York, Twayne, 1969; The Art of Rhetoric in
the Roman World, Princeton, Princeton University Press, 1972; Classical
Rhetoric and its Christian and Secular Tradition from Ancient to Modern Ti-
mes, Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1980; Greek Rhetoric
under Christian Emperors, Princeton, Princeton University Press, 1983; New
Testament Interpretation through Rhetorical Criticism, Chapel Hill, University
of North Carolina Press, 1984; A New History of Classical Rhetoric, Prince-
ton, Princeton University Press, 1994.
15
Sendo uma das disciplinas humanas mais antigas e mais verda-
deiramente internacionais, a retórica, à semelhança da gramática, da
lógica e da poética, não é uma ciência a priori. Como observa Edward
Corbett 3, a Retórica de Aristóteles não é o produto da mera ideali-
zação de princípios nascidos com ele e por ele convencionados para
persuadir e convencer outras pessoas. É, sim, o produto da experiên-
cia consumada de hábeis oradores, a elaboração resultante da análise
das suas estratégias, a codificação de preceitos nascidos da experiên-
cia com o objectivo de ajudar outros a exercitarem-se correctamente
nas técnicas de persuasão.
Se a literatura é o nosso melhor veículo de acesso à cultura e à
civilização gregas, o facto é que essa literatura foi em larga medida mol-
dada pela retórica. Já em Homero os Gregos se distinguiram pela fa-
cúndia, e sempre gostaram de saborear a força e a magia das suas próprias
palavras. A retórica brotou da sua genial capacidade para a expressão
oral e inspirou-se no doce sabor da palavra usada com fins persuasivos.
Desde Homero que a Grécia é eloquente e se preocupa com a arte
de bem falar. Tanto a Ilíada como a Odisseia estão repletas de conse-
lhos, assembleias, discursos; pois, falar bem era tão importante para o
herói, para o rei, como combater bem 4. Quintiliano admira sem reser-
3 Classical Rhetoric for the Modern Man, New York, Oxford University
Press, 1971, p. XI.
4 Essas eram as duas virtudes neles mais apreciadas. .énix, por
exemplo, acompanhou Aquiles por ordem de seu pai, Peleu, para «o en-
sinar a falar bem e a realizar grandes feitos» (Ilíada, 9.443).
16
vas essa eloquência da Grécia heróica reconhecendo nela a própria per-
feição da oratória já a desabrochar 5. É a oratória antes da retórica; o
que naturalmente supõe uma pré-retórica, uma «retórica avant la lettre»
bem anterior à sua definitiva configuração como ciência do discurso
oratório 6. O mesmo se passa com os poemas elegíacos e líricos, que se
nos apresentam impregnados de estruturas discursivas de inspiração
retórica e intenção persuasiva. Calino dirigindo-se aos seus concidadãos,
e Safo a Afrodite são disso um exemplo bem significativo. Também na
tragédia os discursos em forma de diálogo são complementados pelos
do coro em forma de exposição. Até mesmo nos documentos históricos
os discursos são um constante elemento de animação literária, nomea-
damente em Tucídides, que ocupam uma larga percentagem da sua
obra. Nos próprios tratados filosóficos, o autor socorre-se com assinalá-
vel frequência do recurso ao discurso oratório. É, porém, Péricles que
estabelece a transição entre o período da eloquência espontânea e o da
eloquência erudita, adulta, simultaneamente dialéctica e filosófica. Os
únicos discursos a ele atribuídos chegaram até nós pela pena de
Tucídides, que colocou na sua boca três das mais importantes peças
oratórias que a sua obra contém 7, entre elas a «Oração fúnebre».
5 Institutio oratoria, 10.1.4651.
6 Vide «Sobre los orígenes de la oratoria (I)», Minerva, Revista de
.ilología Clásica, 1, 1987, 17.
7 Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, Brasília, HUCITEC,
1986, 1.140-145: «Os Atenienses decidem ir à guerra»; 2.35-46: «Oração fú-
nebre»; 2.60-64: «Defesa conciliadora de Péricles».
17
Esta tríade admirável de discursos representa bem a síntese da
sua motivação política, com especial destaque para o facto de que ele
via no povo o colaborador voluntário dos seus chefes e não o ins-
trumento cego das suas ambições, e em Atenas a escola da Grécia 8.
É bem conhecida a imagem que um dia empregou, a propósito dos
jovens soldados caídos na guerra: «o ano acaba de perder a sua Pri-
mavera» 9.
Atenas admirara em Péricles o seu primeiro orador, pois a pala-
vra dele exercera sobre os espíritos dos Atenienses uma influência
duradoura; tão duradoura como a própria independência. Pois, se
antes dele Atenas realizou grandes feitos, foi sob a pressão das cir-
cunstâncias, os favores da fortuna e a sagacidade dos seus chefes 10.
.oi, porém, só com ele e por ele que a cidade tomou consciência de si
mesma, do seu génio e do seu destino.
Péricles é, por conseguinte, a ponte que liga o passado ao fu-
turo, erguendo-se qual monumento vestido de glória sob a fronteira
de dois mundos. De um lado, temos a Grécia de Homero e de
Hesíodo, de Arquíloco, Safo e Alceu, de Píndaro e Ésquilo; a Grécia
espontânea e poética, de que o drama trágico foi manifestação su-
prema. Do outro lado, temos a Grécia que atinge a sua idade de
reflexão, a Grécia da prosa, da história, da eloquência política, da
8 tÁj `Ell£doj (2.41).
9 Aristóteles, Retórica, I, 7, 1365a.
10 Georges Perrot, LÉloquence politique et judiciaire à Athènes, Paris,
Hachette, 1873, pp. 44-45.
18
filosofia e da ciência. Péricles é, pois, a figura do orador que gover-
na pela palavra uma cidade livre 11, mantendo-a firme à cabeça da
Grécia.
.oi, porém, na Sicília que a retórica teve a sua origem como
metalinguagem do discurso oratório. Por volta de 485 a. C., dois ti-
ranos sicilianos, Gélon e Hierão, povoaram Siracusa e distribuíram
terras pelos mercenários à custa de deportações, transferências de
população e expropriações. Quando foram destronados por efeito de
uma sublevação democrática, a reposição da ordem levou o povo à
instauração de inúmeros processos que mobilizaram grandes júris
populares e obrigaram os intervenientes a socorrerem-se das suas fa-
culdades orais de comunicação. Tal necessidade rapidamente inspirou
a criação de uma arte que pudesse ser ensinada nas escolas e habili-
tasse os cidadãos a defenderem as suas causas e lutarem pelos seus
direitos. E foi assim que surgiram os primeiros professores da que
mais tarde se viria a chamar retórica.
.oi nesse decisivo momento histórico em que a democracia se
impôs à tirania, precisamente no tempo em que Atenas conheceu
Péricles, que Córax e Tísias de Siracusa conceptualizaram e publica-
ram o primeiro manual de retórica 12. Na mesma altura em que a
11 Ibidem, pp. 45-46.
12 Platão, Isócrates, Aristóteles e Cícero parecem favorecer a atribui-
ção da autoria do primeiro manual de retórica a Tísias (Cícero, Brutus,
46). Mas, como opina Hugo Rabe (Prolegomenon Sylloge, Leipzig, 1931,
p. 26), nada custa a aceitar a contribuição de Córax, uma vez que este
19
retórica desabrocha na Sicília, a arte do diálogo desenvolve-se em Eleia
com os filósofos idealistas e, graças a uma habilidade prodigiosa de
articular estes dois métodos, a Grécia inteira adere ao fascínio e ao
deslumbramento de ver discutir e dissertar sobre qualquer tema, quer
se trate de metafísica, moral, política ou qualquer outro tema que
mereça a defesa, o elogio ou a censura da comunidade.
De todos os que seguiram a vertente retórica, o mais célebre,
tanto pelos elogios dos seus admiradores como pelos ataques de Platão,
foi Górgias. .oi com ele que este sistema de ensino penetrou na Ática.
Natural da Sicília, como Córax e Tísias, Górgias reconhecia a força
persuasiva da emoção e a magia da palavra expressiva e bem cuida-
da, vendo no orador um psicagogo, um guia de almas mediante uma
espécie de encantamento. Em 427 a. C., os seus conterrâneos de
Leontinos enviaram-no a Atenas à cabeça de uma embaixada, e por
aí ficou como professor de dialéctica e retórica, como mestre de não
poucos oradores e educadores de Atenas.
Com Córax e Tísias produziu-se uma retórica puramente sin-
tagmática, uma retórica que se ocupa das partes do discurso e tem
sobretudo a ver com a dispositio. Com Górgias valorizou-se na retó-
rica uma nova perspectiva de natureza paradigmática, valorizaram-se
o estilo e a composição que têm a ver com a elocutio. O seu princi-
pal contributo foi «ter submetido a prosa ao código retórico, propa-
fora seu mestre e entretanto havia desenvolvido a divisão tripartida dos
discursos em proémio, ¢gèn, e epílogo (G. Kennedy, The Art of Persuasion
in Greece, Princeton, Princeton University Press, 1963, p. 59).
20
gando-a como discurso erudito, objecto estético, linguagem sobe-
rana, antepassado da literatura» 13. Numa palavra, abriu a prosa à
retórica e a retórica à estilística.
2. Natureza e finalidade da retórica
Definir a retórica não é tarefa fácil. Pois, como se crê, nunca
existiu um sistema uniforme de retórica clássica 14, embora se multi-
pliquem os esforços de a apresentar como um sistema 15. A retórica
foi sempre uma disciplina flexível, mais preocupada com a persuasão
dos ouvintes do que com a produção de formas de discurso; isto é,
mais preocupada com a função retórica do que com a configuração do
13 Roland Barthes, «A Retórica antiga», in Pesquisas de Retórica, Pe-
trópolis, Editora Vozes, 1975, p. 152.
14 Cf. L. Thurén, The Rhetorical Strategy of 1 Peter: With Special Regard
to Ambiguous Expressions, Abo, Abo Academis .örlag, 1990, pp. 50-51;
W. Wuelner, «Rhetorical Criticism and its Theory in Culture-Critical Pers-
pective: The Narrative Rhetoric on John 11», in P. J. Hartin and J. H. Petzer
(eds.), Text and Interpretation. New Approaches in the Criticism of the New
Testament, Leiden, Brill, 1991, p. 171.
15 H. Lausberg, Handbuch der literarischen Rhetorik (2 vols.), München,
Max Hüber, 1960; segunda edição revista, 1973; E. P. J. Corbett, Classical
Rhetoric for the Modern Student, New York, New York University Press,
1965; A. D. Leeman e A. C. Braet, Klassieke rhetorika. Haar inhoud, functie
en betekenis, Gröningen, Wolters-Noordhoff/.orsten, 1987.
21
próprio texto 16. Como acrescenta Kraftchick, «it is well to remember
that ancient rhetoric, in its rules as well as the manifestation of those
rules, was extremely fluid» 17.
Ao dissertar sobre a natureza da retórica, Quintiliano reflecte
sobre as várias definições desta, e deixa-nos perceber as seguintes qua-
tro como as mais representativas das convenções retóricas clássicas 18:
A definição atribuída a Córax e Tísias, Górgias e Platão:
peiqoàj dhmiourgÒj (geradora de persuasão);
A definição de Aristóteles: ¹ d r` htorik¾ per toà
doqntoj æj e pen doke dÚnasqai qewren tÕ piqanÒn
(a retórica parece ser capaz de descobrir os meios de per-
suasão relativos a um dado assunto);
Uma das definições atribuídas a Hermágoras: dÚnamij
toà eâ lgein t¦ politik¦ zht»mata (a faculdade de
falar bem no que concerne aos assuntos públicos);
A definição de Quintiliano, na linha dos retóricos es-
tóicos: scientia bene dicendi (a ciência de bem falar).
16 S. J. Kraftchick, «Ethos and Pathos Appeals in Galatians .ive and
Six: A Rhetorical Analysis», tese de doutoramento, Emory University,
Atlanta, 1985, pp. 69-94.
17 «Why do the Rhetoricians Rage?», in Text and Logos. The Huma-
nistic Interpretation of the New Testament, Atlanta, Scholars Press, 1990,
p. 61.
18 Institutio oratoria, 2.15.1-38.
22
Num aspecto todas estas definições concordam: que a retórica e
o estudo da retórica têm em vista a criação e a elaboração de discursos
com fins persuasivos. Mas, embora idênticas no essencial, elas real-
çam quatro elementos retóricos importantes 19: 1) o seu estatuto me-
todológico; 2) o seu propósito; 3) o seu objecto; e 4) o seu conteúdo
ético. Em primeiro lugar, todas as definições entendem tcnh como
um corpo de conhecimento organizado num sistema ou método, com
o fim de atingir um determinado objectivo prático, mas nem em to-
das se entende a retórica como arte/ciência (ars, tcnh/scientia,
pist»mh). Para os mestres de retórica, esta era de facto uma arte, ou
mesmo uma ciência, mas para os filósofos ela não passava de uma
experiência da valor didáctico relativo (mpeira, usus). Em segundo
lugar, no que toca à finalidade do discurso retórico, não resulta mui-
to clara nos autores clássicos a diferença entre o nível teórico da re-
tórica e o nível prático da eloquência. Normalmente, quando falam
da finalidade persuasiva da retórica, estão a pensar na finalidade dos
oradores e não na dos professores de retórica. Mas o facto é que o
mestre ensina, não persuade. É só indirectamente que ele está envol-
vido na finalidade persuasiva do discurso 20. Em terceiro lugar, no
que concerne ao objecto da retórica, os autores clássicos têm de igual
modo em mente a prática oratória e não a sua teoria. E por isso, tam-
19 A. D. Leeman e A. C. Braet, op. cit., pp. 52-57.
20 Curiosamente, para Aristóteles (Retórica, I, 1, 1354a), o fim da retó-
rica é a capacidade de descobrir os meios de persuasão, e não a persuasão
em si; para Quintiliano, o seu fim é não só persuadir, mas também falar bem.
23
bém aqui se dividem: enquanto uns, em termos teóricos, apenas con-
templam no seu horizonte retórico os três géneros de discurso público
(judicial, deliberativo e epidíctico) 21, outros admitem a aplicação das
convenções retóricas a qualquer outro assunto 22. Para eles, a retórica
transforma-se assim numa superciência, pois tem por objecto a reali-
dade total e aplica-se a qualquer texto. Em quarto lugar, põe-se a
questão de a retórica ser ou não ser eticamente neutra. Platão susten-
ta que ela deve ser eticamente responsável e comprometida. Aristóte-
les defende a sua neutralidade e faz depender do orador, não do sis-
tema retórico, o uso responsável ou não das técnicas de persuasão.
Quintiliano representa com a sua definição a posição intermédia: para
ele a eloquência é uma virtude, e o orador é um uir bonus capaz de
falar bem (dicendi peritus), isto é, de forma eticamente aceitável 23.
Retórica é, pois, uma forma de comunicação, uma ciência que se
ocupa dos princípios e das técnicas de comunicação. Não de toda a
comunicação, obviamente, mas daquela que tem fins persuasivos. Não
é, pois, fácil dar da retórica uma só definição. Quando dizemos que
ela é a arte de falar bem e a arte de persuadir, a arte do discurso
ornado e a arte do discurso eficaz, estamos simplesmente a tentar
estabelecer a relação entre duas maneiras de definir a retórica, de li-
21 Vide a definição de Hermágoras.
22 Vide definições de Aristóteles e Quintiliano. Para Cícero, o ora-
dor ideal deve ser capaz de falar adequadamente sobre qualquer assunto.
23 Cf. Jan Botha, Subject to whose authority?, Atlanta, Scholars Press,
1994, pp. 122-124.
24
gar o ornamento e a eficácia, o agradável e o útil, o fundo e a forma.
Quando os antigos dizem que a retórica é a arte de bem falar, fazem-
-no na consciência de que, para se falar bem é necessário pensar bem,
e de que o pensar bem pressupõe, não só ter ideias e tê-las lógica e
esteticamente arrumadas, mas também ter um estilo de vida, um vi-
ver em conformidade com o que se crê. Como diz Bourdaloue, «a lei
moral é a primeira e a última de todas, aquela pela qual cada uma
das outras se fortifica e completa. É por isso que, com razão, os an-
tigos faziam da virtude a condição essencial da eloquência, definindo
o orador como um uir bonus dicendi peritus.» 24 Arte de bem di-
zer, arte de persuadir, arte moral, eis os elementos implícita ou expli-
citamente verificados em quase todas as definições de retórica.
3. Conflito entre a retórica e a filosofia
Platão é considerado o maior escritor da prosa grega, «um mes-
tre de estrutura, caracterização e estilo» 25. Os seus diálogos reflec-
tem uma formação retórica esmerada. Mas, para ele, a retórica verda-
deira, uma retórica digna dos próprios deuses 26, é necessariamente
24 A. Profillet (trad.), La rhétorique de Bourdaloue, Paris, Belin, 1864,
pp. 45-46. Cf. Quintiliano, Institutio oratoria, 12.1-2.
25 George Kennedy, Classical Rhetoric and its Christian and Secular
Tradition from Ancient to Modern Times, Chapel Hill, University of North
Carolina Press, 1980, p. 42.
26 Platão, .edro, 273e.
25
filosófica e psicagógica, tendo sempre em vista o estabelecimento e a
afirmação da verdade. Esse foi, aliás, o grande conflito travado na
Antiguidade: o conflito de competência entre filósofos e retóricos.
Enquanto a retórica foi vista apenas como uma doutrina técnica do
discurso, entrou em declínio progressivo até que quase por completo
se apagou. Mas, quando ela voltou a ser contemplada à luz da sua
estrutura e da sua função filosófica, deu-se o seu ressurgimento e a
afirmação renovada da sua importância 27.
A forma é inseparável do fundo. Há, efectivamente, uma retóri-
ca filosófica por oposição à puramente técnica dos sofistas; uma retó-
rica que é o resultado combinado de natureza, conhecimento e práti-
ca. Pois, tanto para a descoberta da verdade pela via filosófica da
dialéctica como para a exposição persuasiva dessa verdade pela via da
retórica é necessária a mesma estrutura lógica, observa G. Kennedy
no seu comentário ao .edro 28. Diz, aliás, William Grimaldi 29 que
tanto Aristóteles como Platão e Isócrates entendiam a retórica e o seu
estudo como a articulação íntima de matéria e forma no discurso; que,
para os Gregos, o estudo da retórica era um método de educação e,
por conseguinte, uma actividade responsável e não a manipulação fácil
da linguagem.
27 Cf. Chaïm Perelman, Le champ de largumentation, Bruxelles, Pres-
ses Universitaires de Bruxelles, 1970, p. 221.
28 Classical Rhetoric, p. 57.
29 «Studies in the Philosophy of Aristotles Rhetoric», Hermes,
Zeitschrift für klassische Philologie, 25, 1972, p. 1.
26
Para qualquer destas figuras, a retórica era uma arte e não uma
técnica: a arte do lÒgoj. Todos eles reconheciam à retórica um funda-
mental papel de relevo na vida do homem e da cidade. Para todos
eles a retórica era, como arte do lÒgoj, o instrumento que habilitava
o homem a exprimir e veicular os resultados da confluência do inte-
lecto especulativo e prático, tornando-os acessíveis a todos para uma
convivência melhor e mais responsável na pÒlij. Não uma mera téc-
nica de elaboração de discursos, mas a essência do processo pelo qual
o homem tenta interpretar e tornar significativo, para si a para os
outros, o mundo real 30.
Na sua expressão lógica, a verdadeira retórica define-se como
articulação perfeita da mensagem nascida na mente, sendo de con-
denar e repudiar a sua transfiguração ou falsificação sofística que,
como técnica de aparência, negligencia a verdade profunda das coi-
sas e se contenta com a adesão do auditório a meras opiniões de cir-
cunstância ou conveniência. Quer isto dizer que ao lÒgoj interior 31
do homem se opõe o lÒgoj exterior 32; uma imitação corruptível do
modelo original nascido e conservado na mente, mas discurso mes-
mo assim útil e necessário como único intérprete de verbalização de
que o homem dispõe, desde que consentâneo com a verdade e hones-
tamente conformado ao pensamento na interpretação e na veiculação
da mensagem.
30 William Grimaldi, op. cit., p. 54.
31 lÒgoj ndi£qetoj.
32 lÒgoj proforikÒj.
27
Platão está na origem desta «questão fundamental que se põe
a propósito da retórica»: a da sua aparente ambiguidade 33. A retóri-
ca que defende no .edro e aquela que rejeita no Górgias são intei-
ramente diferentes. No Górgias trata-se de uma retórica sofística; no
.edro, de uma retórica filosófica.
Haverá um retórica puramente retórica? Uma retórica que não
tenha raízes na sofística nem na filosofia? Essa possibilidade, fundada
na ambiguidade da retórica, é estudada por Barbara Cassin 34 mediante
a análise das obras de Platão, Aristóteles e Perelman. Mais pragmático
do que Platão, Aristóteles contempla a retórica numa perspectiva dife-
rente, mas não se distancia da visão retórica do .edro. Segundo Leo-
nardo Spengel 35, «o locus classicus relativo à retórica de Aristóteles
é inscrever a retórica na continuidade do .edro». Mas há uma outra
linha de força bem mais evidente na concepção aristotélica da retórica:
a retórica é sem dúvida uma tcnh, uma dÚnamij e mesmo uma
pist»mh, pois é conhecimento que de modo algum se deve confundir
com a sofística ou a filosofia. «Em termos aristotélicos, não é difícil
explicar por que a retórica é análoga no campo argumentativo à dialéc-
33 Barbara Cassin, «Bonnes et mauvaises rhétoriques: de Platon à
Perelman», in .igures et conflits rhétoriques, édité par Michel Meyer et Alain
Lempereur, Bruxelles, Édition de lUniversité de Bruxelles, 1990, p. 17.
34 Op. cit., pp. 17-37.
35 Über die Rhetorik des Aristoteles, Munich, 1852. Cf. Antje Hellwig,
Untersuchungen zur Theorie der Rhetorik bei Platon und Aristoteles, Götingen,
1975, pp. 19 e segs.
28
tica no campo demonstrativo.» 36 Como antístrofe da dialéctica, a retó-
rica aristotélica nada mais é do que a antístrofe 37 da retórica filosófica
do .edro. Só assim se compreende como a definição que ele dá da re-
tórica intervém na determinação do seu rgon: «é claro que a sua fun-
ção não é persuadir, mas é ver os meios de persuasão de que dispomos
para cada caso» 38. Por conseguinte, não há duas retóricas: uma sofística
e outra filosófica; uma de facto e outra de direito. O que poderá haver
é um uso correcto ou incorrecto das suas convenções. A retórica pode
sair dos seus limites de competência, mas não deixa de ser retórica 39.
E nisso se distingue o bom do mau orador.
Ora esta mudança de sentido entre o valor da retórica em Platão
e o valor da retórica em Aristóteles foi de algum modo assumida por
C. Perelman. Simplesmente, ao reescrever Aristóteles 40 ele abre ca-
minho a uma nova retórica, fundindo por assim dizer a Retórica e
os Tópicos. A um «tudo é filosófico» de Platão, Perelman contrapõe
um «tudo é retórico», e insere a verbalização do próprio discurso fi-
losófico no campo da retórica 41.
36 Barbara Cassin, op. cit., p. 27.
37 Loc. cit.
38 Retórica, I, 1, 1355b. Para Aristóteles, a função da retórica não é,
pois, persuadir, como no Górgias e no .edro, mas sim ver, teorizar sobre o
modo de persuadir.
39 Barbara Cassin, op. cit., pp. 27-28.
40 «Logique et Rhétorique», Rhétoriques, Bruxelles, Éditions de lUni-
versité de Bruxelles, 1989, p. 71.
41 Barbara Cassin, op. cit., p. 31.
29
Actualmente, em resultado de uma longa evolução, a retórica
apresenta-se dividida em dois ramos: uma retórica da elocução, o es-
tudo da produção literária; e uma retórica da argumentação, o estudo
da palavra eficaz ou produção persuasiva. Estas duas retóricas inti-
tulam-se «novas retóricas»: tanto a que se passou a divulgar com
Chaïm Perelman, a partir da década de 1950, uma Nova Retórica
ou teoria da argumentação inspirada na essência da retórica de Aris-
tóteles 42; como a assinalada por Paul Ricoeur no quinto estudo da
sua Métaphore vive, «La métaphore et la nouvelle rhétorique», não
só ignorando a empresa perelmaniana como também apenas se refe-
rindo à retórica literária 43.
Esta ignorância recíproca tem aliás a ver com a fractura original
atrás referida. A definição aristotélica da retórica entra bem cedo em
concorrência com a de Crisipo, Cleantes e os estóicos, que contemplam
a retórica como ars bene dicendi, e assim promovem a tendência para
o privilégio da componente estético-estilística, em detrimento da eficá-
cia argumentativa. A retórica literariza-se e a dimensão argumentativa
da persuasão é negligenciada. O que os primeiros retóricos clássicos
entendiam como uma das suas partes a elocutio veio com o tem-
po a assumir-se como a essência da própria retórica 44.
42 Chaïm Perelman e L. Olbrechts-Tyteca, La Nouvelle Rhétorique:
Traité de lArgumentation, Paris, Presses Universitaires de .rance, 1958.
43 Paul Ricoeur, «La métaphore et la nouvelle rhétorique», in La
métaphore vive, Paris, Seuil, 1975, pp. 173-219.
44 Como justamente observa Antonio García Berrio: «A lo largo de
su historia de colaboración como disciplinas complementarias del discur-
30
Paul Ricoeur sublinha o fenómeno nos seguintes termos: «a re-
tórica de Aristóteles cobre três campos: uma teoria da argumentação,
que constitui o eixo principal e que fornece ao mesmo tempo o nó da
sua articulação com a lógica demonstrativa e com a filosofia (esta
teoria da argumentação cobre só ela dois terços do tratado) uma
teoria da elocução , e uma teoria da composição do discurso. O que
os últimos tratados de retórica nos oferecem é, segundo a feliz ex-
pressão de G. Gennete, uma retórica restrita 45, restrita primeiro à
teoria da elocução, depois à teoria dos tropos Uma das causas da
morte da retórica está aí: ao reduzir-se a uma das suas partes, a re-
tórica perdeu ao mesmo tempo o nexus que a ligava à filosofia me-
diante a dialéctica; e, perdido este nexo, a retórica transformou-se em
disciplina errática e fútil. A retórica morreu logo que o gosto de clas-
so, la Retórica, ciencia de la expresividad verbal y la Poética, ciencia de
la poeticidad expresivo-imaginaria, han actuado sobre un entendimiento
cambiante y desigual de la naturaleza del linguage comunicativo
estándar y del discurso literario y poético. La retorización de la poética
clásica fue posible por la confusión imperante en la cultura greco-latina
sobre la naturaleza del linguage artístico [] Podemos decir en síntesis,
que si, a efectos del recorte de su contenido a la sola elocutio, se ha
ablado de un proceso de poderosa poetización de la Retórica, la ten-
dencia inversa de retorización de la Poética y de la Literatura es una
realidad de alcance indiscutible» (Teoría de la Literatura, Madrid, Cáte-
dra, 1989, pp. 22-23; 160).
45 Gérard Genette, «Rhétorique restreinte», Communications, 16, Pa-
ris, Seuil, 1970.
31
sificar as figuras suplantou por completo o sentido filosófico que ani-
mava o vasto império retórico, mantinha unidas as suas partes, e li-
gava o todo ao organon e à filosofia primeira.» 46
Gérard Genette relaciona as origens modernas da chamada «re-
dução tropológica» com os tratados retóricos de Dumarsais e .onta-
nier nos séculos XVIII e XIX. A retórica passa assim a ser essencial-
mente uma arte da expressão, ou melhor, uma arte da expressão
literária convencionada. Na .rança, como na Itália e na Alemanha, a
retórica em pouco mais se transformou do que em uma teoria da pro-
sa literária. E, se na Inglaterra a velha tradição retórica conseguiu
resistir, foi graças à importância da psicologia no empirismo de Bacon,
Locke e Hume, e à influência da filosofia escocesa do bom senso, ob-
serva Perelman 47.
E acrescenta: «Ao lado da retórica, fundada sobre a tríade re-
tórica-prova-persuasão, Ricoeur lembra-nos que Aristóteles elaborou
uma poética, que não é técnica de acção mas técnica de criação, a qual
corresponde à tríade poiesis-mimesis-catharsis. Ora Aristóteles
ocupa-se da metáfora nos dois tratados, mostrando que a mesma fi-
gura pertence aos dois domínios, ora exercendo uma acção retórica,
ora desempenhando um papel na criação poética.» 48 Pois, como a
46 La métaphore vive, Paris, Seuil, 1975, pp. 13-14.
47 Chaïm Perelman, The New Rhetoric and the Humanities. Essays on
Rhetoric and its Applications, London, Reidel, 1979, pp. 3-4.
48 Chaïm Perelman, Lempire rhétorique. Rhétorique et argumentation,
Paris, Vrin, 1977, p. 13.
32
seguir sustenta, as figuras deixam de ser meras figuras ornamentais
e passam a ser usadas como figuras argumentativas, sempre que in-
tegradas numa retórica concebida como arte de persuadir e conven-
cer. Caso contrário, elas transformam-se em meros ornamentos que
apenas respeitam à forma do discurso, perdendo com isso a sua fun-
ção dinâmica.
4. A Retórica de Aristóteles
Aristóteles escreveu dois tratados distintos sobre a elaboração do
discurso. A sua Retórica ocupa-se da arte da comunicação, do dis-
curso feito em público com fins persuasivos. A Poética ocupa-se da
arte da evocação imaginária, do discurso feito com fins essencialmen-
te poéticos e literários. O que define a retórica aristotélica é precisa-
mente a oposição entre estas duas tcnai autónomas, entre estes dois
sistemas tão claramente demarcados, um retórico e outro poético. Os
que, a partir dele, reconhecem e aceitam tal oposição enquadram-se
na retórica aristotélica. Os que sustentam a fusão da retórica com a
poética, e consequentemente aceitam a transformação da retórica numa
arte poética de criação literária mediante a literaturização da própria
retórica, enquadram-se no movimento que, com a Segunda Sofística,
se viria a designar neo-retórica.
A crítica que Aristóteles fez aos teorizadores de retórica que
o precederam parece-nos ter assentado nas seguintes razões: na de eles
terem centrado a sua atenção no discurso judicial, em prejuízo dos
demais géneros; na de terem dado especial atenção ao estímulo das
33
emoções, com negligência evidente do uso da argumentação lógica; e
na da excessiva importância dada à estrutura formal do discurso 49.
A grande inovação de Aristóteles foi o lugar dado ao argumento
lógico como elemento central na arte de persuasão. A sua Retórica é
sobretudo uma retórica da prova, do raciocínio, do silogismo retórico;
isto é, uma teoria da argumentação persuasiva. E uma das suas maio-
res qualidades reside no facto de ela ser uma técnica aplicável a qual-
quer assunto. Pois proporciona simultaneamente um método de tra-
balho e um sistema crítico de análise, utilizáveis não só na construção
de um discurso, mas também na interpretação de qualquer forma de
discursos 50.
A Retórica de Aristóteles parece ter resultado de três momen-
tos distintos da sua vida. O livro 1.5-15 e partes do livro 3 foram
aparentemente escritos por volta de 350 a. C., quando ainda era mem-
bro da Academia e aí ensinava retórica. Entre 342 a. C. e 335 a. C.,
durante a sua estada na Macedónia, terá escrito a sua parte mais
substancial. A conclusão e os retoques finais da mesma poderão ter
sido realizados após o regresso do estagirita a Atenas em 335 a. C., e
a consequente abertura da sua própria escola 51. A Retórica dá, efec-
tivamente, sinais de se haver dirigido a diferentes audiências, reflec-
tindo talvez diferentes contextos e momentos diversos do seu ensino.
49 Vide George Kennedy, Aristotle on Rhetoric: A Theory of Civic Dis-
course, New York/Oxford, Oxford University Press, 1991, p. 9.
50 Ibidem, p. 309.
51 Cf. George Kennedy, Aristotle on Rhetoric, pp. 5-7.
34
É por isso que algumas partes parecem ter sido dirigidas primaria-
mente a estudantes de filosofia e outras não.
Entre os princípios que caracterizam o seu esquema retórico
relevam-se os seguintes:
1) A distinção de duas categorias formais de persuasão:
provas técnicas e não técnicas;
2) A identificação de três meios de prova, modos de apelo
ou formas de persuasão: a lógica do assunto, o carácter
do orador e a emoção dos ouvintes;
3) A distinção de três espécies de retórica: judicial, delibe-
rativa e epidíctica;
4) A formalização de duas categorias de argumentos retó-
ricos: o entimema, como prova dedutiva; o exemplo,
usado na argumentação indutiva como forma de argu-
mentação secundária;
5) A concepção e o uso de várias categorias de tópicos na
construção dos argumentos: tópicos especificamente re-
lacionados com cada género de discurso; tópicos geral-
mente aplicáveis a todos os géneros; e tópicos que pro-
porcionam estratégias de argumentação, igualmente
comuns a todos os géneros de discurso;
6) A concepção de normas básicas de estilo e composição,
nomeadamente sobre a necessidade de clareza, a com-
preensão do efeito de diferentes tipos de linguagem e
estrutura formal, e a explicitação do papel da metáfora;
7) A classificação e ordenação das várias partes do discurso.
35
5. Plano e conteúdo da Retórica
LIVRO I PROVAS OU MEIOS DE PERSUASÃO: PROVA LÓGICA
1.1-3 RETÓRICA, DIALÉCTICA E SO.ÍSTICA
1.1 Definição
A verdadeira retórica é uma forma de argumentação compará-
vel à dialéctica 52. Ao reflectir sobre a natureza da arte, e ao apresen-
tar a retórica como arte genuína, Aristóteles está aqui a afirmar a
sua racionalidade como forma de conhecimento prático e a identificá-
-la com a dialéctica 53.
Os manuais existentes: Negligenciam a argumentação lógica,
e ocupam-se apenas da oratória judicial, quando a deliberativa lhe é
superior. O estudante de retórica precisa sobretudo de compreender o
uso do entimema como instrumento fundamental da arte retórica.
Trata-se de um silogismo retórico, em tudo idêntico ao dialéctico como
sîma tÁj pstewj.
Utilidade da retórica: A retórica é útil, pois sem ela a verdade
pode ser derrotada num debate. Ela permite-nos debater ambos os
lados de uma questão.
52 !Antstrofoj é um termo tomado de empréstimo do movimento
de um coro na execução das odes corais: a estrofe denota o seu movi-
mento numa direcção; a antístrofe, o seu contramovimento. Significa a
repetição do mesmo padrão métrico da estrofe por diferentes palavras.
53 Vide Ethica Nicomachea, VI, 3, 1140a21.
36
Natureza das provas: Ao contrário da retórica dos sofistas, a
verdadeira arte retórica funda-se em provas (pstewj), entendendo-se
por prova uma espécie de demonstração (¢pÒdeixij tij), ou seja, um
raciocínio através de entimemas.
Os dois modos de prova: Um, não técnico ou artístico, por-
que não inventado pelo orador, socorre-se da evidência de testemu-
nhos ou contratos escritos (as ¥tecnoi psteij); o outro, técnico ou
artístico, porque se socorre de meios de persuasão criados pelo orador
(as ntecnoi psteij).
1.2 Os três meios de persuasão
Os meios artísticos de persuasão são três: os derivados do carác-
ter do orador (Ãqoj); os derivados da emoção despertada pelo orador
nos ouvintes (p£qoj); e os derivados de argumentos verdadeiros ou
prováveis (lÒgoj). São estes três elementos de prova que juntamente
contribuem para o raciocínio entimemático.
As formas dos argumentos: Os argumentos lógicos tomam
uma de duas formas: o entimema e o exemplo. É por meio deles que
Aristóteles introduz a teoria da lógica na sua teoria retórica.
Elementos de que derivam a matéria e a forma dos enti-
memas: Probabilidades e sinais. As probabilidades são premissas ge-
ralmente aceites, fundadas na experiência e no consenso. Os sinais
são geralmente de dois tipos: uns apontam para uma conclusão ne-
cessária; outros são refutáveis.
A matéria e a forma dos entimemas: Os tópicos. Sendo os
entimemas os veículos por excelência da argumentação retórica, as
37
suas premissas são materialmente constituídas por tópicos: os tópicos
específicos, aplicáveis a cada um dos géneros particulares de discurso
(judicial: justo/injusto; deliberativo: útil/inútil; epidíctico: belo/feio);
e os tópicos comuns, aplicáveis indistintamente a qualquer um dos
três géneros (possível/impossível; real/irreal; mais/menos).
1.3 As três espécies de retórica, ou géneros de discurso
Judicial ou forense, deliberativo ou político e demonstrativo ou
epidíctico. A situação do discurso consiste num orador, num discurso
e num auditório. O auditório, ou é juiz (no tribunal), ou espectador
(no conselho ou na assembleia). Os discursos deliberativos ou são exor-
tações ou dissuasões e visam mostrar a vantagem ou desvantagem de
uma determinada acção. Os discursos judiciais ou são acusações ou
defesas sobre coisas feitas no passado e visam mostrar a justiça ou in-
justiça do que foi feito. Os discursos epidícticos louvam ou censuram
algo, visando mostrar a virtude ou defeito de uma pessoa ou coisa.
1.4-15 AS ESPÉCIES DE RETÓRICA E RESPECTIVOS TÓPICOS
1.4-8 Retórica deliberativa
1.4 Os cinco temas mais importantes de deliberação:
.inanças, guerra e paz, defesa nacional, importações e exportações, e
legislação. Seguem-se os tópicos úteis a cada um destes temas.
38
1.5-6 Tópicos éticos: Definição de felicidade, como objectivo
último de toda a acção humana; descrição dos factores que para ela
contribuem, nomeadamente o bom nascimento, muitas e boas amiza-
des, bons filhos, idade avançada, virtudes físicas, reputação, honra e
virtude; explicação de cada um destes tópicos e valorização do tópico
do bom.
1.7 Tópico do mais/menos aplicado à comparação de
bens: Retomando um tópico comum a todas as espécies de retórica,
Aristóteles considera agora a sua aplicação específica à oratória
deliberativa. O orador precisa de mostrar que uma coisa é mais ou
menos importante, mais ou menos vantajosa, da mesma maneira que
precisará de mostrar que ela é possível ou impossível.
1.8 Tópicos sobre constituições políticas: Os relativos
aos quatro regimes, democrático, oligárquico, aristocrático e monár-
quico.
1.9 Retórica epidíctica
Tópicos que convêm à retórica epidíctica: Tudo o que tem a
ver com a nobreza e a virtude. Discutem-se as virtudes e o conceito
do belo, do nobre, do honesto e seus contrários. Sugerem-se os res-
pectivos tópicos. A vertente estética da retórica epidíctica é eviden-
ciada pela especial atenção dada ao tópico da amplificação nos dis-
cursos demonstrativos.
39
1.10-15 Retórica judicial ou forense
1.10 Tópicos sobre delitos ou transgressão consciente
das leis: As sete causas do delito e respectivos tópicos, tanto no que
concerne à acusação como à defesa.
1.11 Tópicos sobre prazer: A natureza do prazer; catálogo
de prazeres (quinze tipos de prazer) e respectivos tópicos.
1.12 Tópicos sobre agentes e vítimas de injustiça: De-
pois de referir o tópico de possibilidade/impossibilidade como re-
levante para este assunto, Aristóteles avança com uma lista de
factores ponderados pelo criminoso, razões para o crime e tipos de
crimes.
1.13 Tópicos sobre justiça e injustiça: Discutem-se os dois
tipos de lei, particular e geral, a lei escrita e não escrita, a lei natu-
ral; definem-se e classificam-se os crimes; reflecte-se sobre a justiça e
a equidade.
1.14 Graus de injustiça: Lista de tópicos sobre como argu-
mentar que algo é um mal maior. Quanto mais premeditado e brutal
é o crime, maior e mais grave ele é.
1.15 Meios inartísticos ou não técnicos de persuasão:
Aristóteles considera cinco os elementos de argumentação legal que
já estão naturalmente presentes nas circunstâncias, e não são retori-
camente criados pelo orador: leis, testemunhos, contratos, tortura e
juramentos.
40
LIVRO II PROVAS OU MEIOS DE PERSUASÃO:
LIVRO II EMOÇÃO E CARÁCTER
2.1-11 EMOÇÃO
2.1 O papel da emoção e o carácter
Aristóteles mostra como os elementos de argumentação psicoló-
gica também se podem usar como parte integrante da argumentação
entimemática. O sofista estimula as emoções para desviar os ouvintes
da deliberação racional. O orador aristotélico controla as paixões pelo
raciocínio que desenvolve com os seus ouvintes 54.
2.2-11 Como estimular emoção no auditório
Raciocínio com as emoções.
2.2-3 Ira e calma: A ira como emoção paradigmática; a ira e
a calma definidas e analisadas, com o fim de proporcionar material a
partir do qual se poderão construir argumentos entimemáticos. Aris-
tóteles define e classifica cada emoção, considerando a razão ou causa
de cada uma delas e o estado de espírito da pessoa que as experimenta.
54 Vide Larry Arnhart, Aristotle on Political Reasoning. A Commentary
on the «Rhetoric», DeKalb, Northern Illinois University Press, 1981, p. 112.
41
2.4 Amizade e inimizade
2.5 Temor e confiança
2.6 Vergonha e desvergonha
2.7 Amabilidade e indelicadeza
2.8-9 Piedade e indignação
2.10-11 Inveja e emulação
2.12-17 CARÁCTER
Como adaptar o carácter do orador à emoção dos ouvintes.
2.12-14 Carácter e idade
2.12 O carácter do jovem
2.13 O carácter do idoso
2.14 O carácter dos que estão no auge da vida
2.15-17 Carácter e fortuna
2.15 O carácter dos nobres
2.16 O carácter dos ricos
2.17 O carácter dos poderosos
42
2.18-26 ESTRUTURA LÓGICA DO RACIOCÍNIO RETÓRICO
Regresso ao estudo das formas de argumentação lógica. Até aqui,
ocupou-se da matéria ou das fontes do raciocínio entimemático. A par-
tir daqui, ocupa-se das estruturas formais de inferência, dos tópicos
como estratégias lógicas de argumentação.
2.18-19 .unção dos tópicos comuns a todas as espécies de retórica
Retorno ao tema destes tópicos e resumo final: catálogo de quin-
ze tópicos do possível/impossível, e referência aos do facto passado/
futuro, e do mais/menos importante.
2.20 Argumento pelo exemplo
Síntese do tema de argumentação paradigmática, e referência a
exemplos históricos, ou simplesmente criados. Incluem-se, neste caso,
parábolas, comparações e fábulas. Os exemplos podem ser usados como
evidência, e como epílogo para os entimemas.
2.21 O uso de máximas na argumentação
A máxima corresponde a uma das premissas ou à conclusão de
um entimema. Uma razão de apoio é por vezes expressa, e assim se
43
transforma em entimema. As máximas são de quatro tipos: as que
correspondem à opinião geral são simples; as que não correspondem à
opinião geral precisam de epílogo ou prova demonstrativa suplemen-
tar; as que com epílogo são entimemas imperfeitos; e as que com ele
têm conteúdo entimemático, mas não a forma.
2.22-25 O uso de entimemas
Estes capítulos resumem a discussão dos entimemas em 1.1-2,
expandindo a informação aí dada. .az-se referência a uma lista de
vinte e oito lugares-comuns devidamente ilustrados; tópicos que igual-
mente podem ser usados em qualquer um dos três géneros do dis-
curso oratório. Apresentam-se classificados em quatro grupos distin-
tos: antecedente/consequente, causa/efeito, mais/menos, qualquer outra
forma de relação. Todos eles supõem uma forma de inferência que se
move de uma coisa para outra: se isto, então aquilo. A partir do co-
nhecido, tira-se uma conclusão que se aplica ao que é desconhecido 55.
Descrevem-se, enfim, nove tópicos de entimemas aparentes ou fala-
ciosos, e discute-se o modo de refutação de entimemas.
2.26 Conclusão dos dois primeiros livros
55 Larry Arnhart, op. cit., p. 148.
44
LIVRO III ESTILO E COMPOSIÇÃO DO DISCURSO
Depois de um breve resumo dos dois primeiros livros e de algu-
mas observações sobre a pronunciação do discurso (ØpÒkrisij), Aris-
tóteles disserta sobre a lxij e a t£xij.
3.1 Introdução. Sumário dos livros 1 e 2
Referência à pronunciação do discurso e às origens da prosa ar-
tística. A pronunciação ocupa-se dos cuidados a ter com o movimento,
a expressão e a modulação da voz em função das seguintes qualidades:
volume, altura e ritmo. O estilo é necessário, mas deve funcionar mais
como auxiliar de argumentação do que como simples técnica de orna-
mentação. O mesmo se passa com a disposição dos argumentos.
3.2 Qualidades da expressão. A clareza
Define-se a principal virtude do estilo em prosa: a clareza. Afir-
ma-se a necessidade de a expressão se adequar ao assunto.
3.3 A frivolidade do estilo
Resulta da violação dos princípios de clareza e propriedade; nor-
malmente provocada pelo uso inadequado de: palavras compostas,
palavras estranhas e obsoletas, epítetos longos e numerosos, metáfo-
ras fora do contexto.
45
3.4 O uso de símiles
O símile é tratado neste capítulo como uma forma expandida de
metáfora.
3.5 A correcção gramatical
Referem-se cinco normas que visam a correcção da linguagem e
do estilo: emprego correcto das partículas, rigor no uso das palavras,
omissão de termos ambíguos, uso correcto do género, uso correcto do
número. Todas estas normas visam a clareza da linguagem, a recta
observância das regras gramaticais e das convenções da língua.
3.6 A solenidade da expressão
Entre as técnicas de amplificação, Aristóteles refere: o uso de
uma definição em vez de uma palavra, o recurso a metáforas e epíte-
tos, uso do plural pelo singular, uso do artigo, o recurso a estruturas
conjuncionais em vez da frase concreta, a descrição.
3.7 Adequação da expressão ao assunto
O estilo é apropriado se é patético, ético e proporcionado.
46
3.8-9 O ritmo e o estilo periódico
3.8 O ritmo: A prosa retórica deve ser rítmica sem ser mé-
trica. O discurso rítmico é mais agradável porque organiza as pala-
vras de acordo com uma estrutura. Cada género literário tem o seu
ritmo próprio.
3.9 A construção da frase; o estilo periódico: Período é,
segundo Aristóteles, um todo estruturado, uma frase com princípio e
fim em si mesmos e com uma extensão facilmente adaptável à capa-
cidade respiratória; uma frase cujas partes se inter-relacionam para
tornar o discurso mais inteligível e mais agradável ao ouvido; um todo
estruturado em que a tensão gerada no princípio se resolve no fim.
O estilo periódico é mais eficaz quando se estrutura antiteticamente.
3.10-11 A metáfora e a elegância retórica
Aristóteles refere na Poética quatro tipos de metáfora 56, mas aqui
considera apenas a metáfora por analogia. E um dos exemplos de me-
táfora por analogia que usa é o da observação de Péricles: que a falta
da juventude que pereceu na guerra foi tão sentida na cidade como no
56 Na Poética, 21, 1457b7-8, Aristóteles diz que usar uma metáfora é
dar a uma coisa o nome que pertence a outra, podendo operar-se a trans-
ferência do género para a espécie, da espécie para o género, da espécie
para a espécie, ou por analogia.
47
ano seria sentido o facto de este haver perdido a sua Primavera. Por
outras palavras, a juventude é para a vida o que a Primavera é para o
ano. Aristóteles parece mesmo sugerir que o movimento metafórico do
conhecido para o desconhecido por meio de uma semelhança entre os
dois é a estrutura que subjaz a todo o raciocínio humano 57. Chama,
aliás, a atenção para a correlação entre o raciocínio metafórico e o silo-
gístico ao notar que as regras fundamentais para o uso retórico das metá-
foras são as mesmas que para o uso dos entimemas: esse movimento
do conhecido para o desconhecido, do familiar para o menos familiar.
3.12 A expressão adequada a cada género
Aristóteles não faz aqui distinção explícita entre os diferentes
tipos de estilo (genera dicendi), mas já os pressupõe. .az distinção
entre o estilo de composições escritas e o estilo oratório. Ao discurso
demonstrativo convém o estilo elevado, mais literariamente trabalha-
do. Ao discurso judicial convém o estilo médio, exacto. Ao discurso
deliberativo convém o estilo oral natural e espontâneo.
3.13-19 As partes do discurso
3.13 As duas partes necessárias: Aristóteles reconhece que,
em alguns casos, o discurso pode ter de se dividir em quatro partes:
57 Cf. Larry Arnhart, op. cit., pp. 174-175.
48
proémio, narração, prova e epílogo. Mas as duas verdadeiramente
necessárias são a narração e a prova.
3.14 O proémio: A função do proémio é tornar clara a fina-
lidade do discurso. Tem por função tornar claro esse objectivo, prepa-
rando os ouvintes para a narração e a prova.
3.15 Tópicos de refutação: Ocupando-se ainda das questões
relacionadas com o proémio, Aristóteles avança com uma lista de onze
tipos de argumentos para remover do auditório atitudes desfavorá-
veis ao orador. Matéria que, em larga medida, foi posteriormente
absorvida pela teoria da st£sij 58.
3.16 A narração: À semelhança do que fizera com o proémio,
Aristóteles aprecia a narração e suas qualidades enquanto aplicável
aos três géneros de discurso.
3.17 A prova e a demonstração: A prova é aqui tratada
como parte fundamental do discurso oratório. Discute-se o seu uso
no plano da oratória judicial, epidíctica e deliberativa, com a suges-
tão de tópicos para cada um desses géneros. Comentam-se também as
várias maneiras de apresentar o carácter do orador e estimular as
emoções dos ouvintes.
58 Técnica de determinação do assunto em causa e do estado da
questão apresentada. Tema que foi pela primeira vez sistematizado
por Hermágoras de Temnos, no século II a. C., e veio a inspirar a teo-
ria da inuentio tanto na Rhetorica ad Herennium, como nos escritos de
Cícero e de Quintiliano (cf. George Kennedy, Aristotle on Rhetoric,
pp. 265-266).
49
3.18 A interrogação: Discute-se o uso da interrogação na
confrontação do orador com o adversário em tribunal. Acentua-se a
conveniência de brevidade tanto na interrogação como na afirmação
dos entimemas.
3.19 O epílogo: A conclusão visa dispor favoravelmente os
ouvintes em relação ao orador e desfavoravelmente em relação ao
adversário. Visa também a amplificação do assunto e o despertar da
memória dos ouvintes para os argumentos fundamentais.
6. A retórica peripatética
O desaparecimento da maior parte da literatura antiga impede-
-nos de fazer uma avaliação justa e completa do impacto que a Retó-
rica de Aristóteles teve na tradição posterior.
Uma coisa, porém, sabemos: que, como observa Roland Barthes,
«todos os elementos didácticos que alimentam os manuais clássicos
vêm de Aristóteles» 59.
A obra de Aristóteles é fundamental para a consolidação histó-
rica da retórica, não só porque define e aclara a sua função, mas tam-
bém porque estabelece as categorias indispensáveis à constituição do
sistema retórico. Os tratados retóricos posteriores irão complementar
e aperfeiçoar aspectos concretos do esquema de base adoptado, assu-
mindo-o como um marco teórico basicamente indestrutível e perma-
59 Op. cit., p. 155.
50
necendo fiéis à sua essência 60. O esquema simples e prático que Aris-
tóteles desenvolveu acabou assim por se tornar embrionariamente um
modelo para os mais ambiciosos e complexos manuais de retórica que
foram surgindo ao longo do período helenístico e da época imperial.
.oi sem dúvida a Aristóteles que Cícero e Quintiliano deveram
a sua inspiração retórica. Mas foi sobretudo com o pragmatismo des-
tes que complementarmente se produziu uma sistematização retórica
ainda mais coerente e sólida. Em meados do século II a. C., os retóricos
gregos começaram a fundar escolas de retórica em Roma, lançando
com elas os fundamentos de uma fecundante tradição retórica latina.
O tratado mais antigo em latim que dessa experiência resultou foi a
Rhetorica ad Herennium, obra anónima de 84/83 a. C., ora atri-
buída a Cícero ora a Cornifício 61. Oferece-nos uma sistematização
exaustiva do fenómeno retórico, pouco se distanciando do paradigma
aristotélico, mas proporcionando-nos, por acréscimo, uma síntese dos
fenómenos que marcaram a experiência oratória helenística, com uma
mais clara incidência nas teorias da st£sij e da elocução.
Se, com Aristóteles se consolidaram os fundamentos da teoria
retórica, com os seus discípulos e continuadores desenvolveu-se, apro-
fundou-se o estudo da mesma, e dilatou-se o âmbito da sua aplicação.
60 As diferentes contribuições que se sucedem, nomeadamente a de
Hermágoras de Temnos, no século II a. C., sobre os estados de causa, e a
de Demétrio de .aleros Sobre o Estilo, são exemplo disso.
61 Vide Guy Achard, Rhétorique à Herennius, intr. e trad., Paris, Les
Belles Lettres, 1989, pp. V-XIV.
51
Sendo o período helenístico conhecido como um tempo de cuidada
expansão e sistematização do conhecimento humano, não é pois de
admirar que o elevado valor atribuído à educação e o vínculo desta à
retórica viessem a encorajar ainda mais o desenvolvimento das con-
venções retóricas como importante ramo do saber. A atenção dada,
quase até à exaustão, a todos os passos do sistema retórico é uma das
suas grandes contribuições neste período. É o caso das inovadoras
teorias da thesis/hypothesis e das staseis no âmbito da inuentio, o
da especial atenção dada às técnicas de estilo e composição no âmbito
da elocutio, e o dos mais diversos exercícios de retórica no âmbito da
dispositio.
Dos muitos escritos sobre teoria retórica produzidos nesses tre-
zentos anos, à excepção do tratado de Demétrio Sobre o Estilo, pou-
co mais nos resta do que citações fragmentárias, paráfrases e comen-
tários obtidos a partir da obra de autores romanos e gregos do fim
desse período ou época imperial que se seguiu. O desaparecimento
desse riquíssimo filão literário impede-nos de fazer uma avaliação
exaustiva do impacto que a Retórica de Aristóteles teve na tradição
posterior, e do contributo avançado pelos seus continuadores na con-
solidação do sistema. Permite-nos, contudo, sentir que a obra resul-
tante permanece fiel à essência do modelo aristotélico.
Não obstante a gradual adaptação e modificação a que esse mo-
delo foi sendo sujeito, a Retórica de Aristóteles assume-se, de facto,
como um marco teórico basicamente indestrutível. Mas esse esquema
simples e prático de aplicação da lógica à retórica recebeu na época
um tratamento de expansão quase tão completo como o que a tradi-
ção retórica latina reflecte e perpetua.
52
Tal fenómeno deve-se, em parte, à tendencial aproximação dos
sistemas aristotélico e isocrático, representando o primeiro a corrente
da retórica filosófica e o segundo a da retórica técnica e sofística 62.
.enómeno de que dão testemunho tanto o De inuentione de Cícero 63,
como o autor da Rhetorica ad Herennium 64. Pois se, por um lado,
assinalam os principais traços de evolução da teoria retórica, nomea-
damente o aumento das partes do sistema de três para cinco 65, o
aumento das partes do discurso de quatro para seis 66, a expansão
lógica dos próprios esquemas de argumentação, e a descrição de cen-
tenas de figuras, por outro relevam o carácter escolar dessa mesma
62 Cf. Cícero, De inuentione, 2.8. A tradição sofística é por vezes re-
ferida como isocrática, não obstante Isócrates se haver demarcado dos de-
mais sofistas no seu tratado Contra os Sofistas; tratado em que ataca ou-
tros sistemas de educação e faz doutrina sobre os princípios e métodos
da sua escola.
63 De inuentione, 1.16; 2.8. Como oportunamente observa Albrecht
Diehl, «Cicero introduced to Rome what was then the most up-to-date
system of philosophical rhetoric, as taught by the academicians Philo and
Antiochus» (A History of Greek Literature: .rom Homer to the Hellenistic
Period, London and New York, Routledge, 1994, p. 285).
64 Escrita por um contemporâneo de Cícero, esta obra reflecte subs-
tancialmente a doutrina da fontes gregas anteriores e, segundo Guy
Achard, «apparaît bien comme une synthèse entre la tradition aristotéle-
cienne et la tradition isocratéenne».
65 Pelo acréscimo da actio e da memoria.
66 Pelo acréscimo da propositio ou diuisio, e da refutatio, confutatio ou
reprehensio.
53
teoria 67, não só valorizando nos seus currículos as técnicas de imita-
ção literária, mas também implementando a prática de exercícios de
composição sobre os mais diversos temas.
Hermágoras distingue-se, entre os muitos profissionais de retó-
rica do seu tempo 68, por ter dado à teoria da inuentio a forma elabo-
rada e sistemática que os retóricos latinos consagraram, e em especial
por ter sido o primeiro a desenvolver a doutrina da stasis 69. Dis-
tingue-se também pelo facto de haver atraído do campo da filosofia
para a retórica o tratamento das questões gerais. Entre as modifica-
ções que Hermágoras imprimiu ao sistema aristotélico, contam-se não
só o tratamento das questões relativas à ordem dos argumentos e ao
estilo num único capítulo a que deu o nome de o konoma 70, mas tam-
bém a divisão das questões políticas 71 em duas classes: qseij e
67 Rhetorica ad Herennium, 1.1.
68 «The first distinguished professional teacher of rhetoric after
Isocrates was Hermagoras of Temnos, who lived about the middle of the
second century B. C.» (George Kennedy, The Art of Persuasion in Greece,
Princeton, N. J., Princeton University Press, 1974, p. 303).
69 Vide Ray Nadeau, «Hermogenes On Staseis: A Translation with
an Introduction and Notes», Speech Monographs, 31, 1964, p. 370.
70 Quintiliano, Institutio oratoria, 3.3-9.
71 Questão política, para Hermágoras, parece ter sido qualquer coi-
sa que envolvesse o cidadão. «It would thus embrace all the traditional
kinds of oratory and oratorical exercises, including whatever ethical or
political matters might be involved in such speeches, but it would not
include discussion of metaphysics or abstract philosophical subjects not
54
Øpoqseij 72. .oi ele, aliás, o primeiro retor a estender formalmente
as teses ao campo retórico da argumentação e a fazer especial dou-
trina sobre o assunto 73. .oi ele também quem enfatizou as dimensões
heurística e política da retórica, subvalorizando a prova ética e emo-
cional. Herdeiro de uma tradição em que a controvérsia entre filóso-
fos e retóricos começa a dar sinais de alguma conciliação, Hermágoras
parece estar a querer romper com tendências de origem platónica e
estóica, seguindo a linha ecléctica da Academia e dividindo o campo
das competências retóricas em questões gerais e controvérsias sobre
casos particulares 74. Uma bipartição que tanto sustenta que as ques-
somehow related to political life» (George Kennedy, The Art of Persuasion
in Greece, pp. 304-305).
72 Quintiliano, Institutio oratoria, 3-5.4-16.
73 M. L. Clarke, «The Thesis in the Roman Rhetorical Schools of the
Republic», Classical Quarterly, 45, 1951, p. 161. Há testemunhos em Cícero
(De oratore, 3.79-80) e Diógenes Laércio (5.3) de que Aristóteles incluía o
exercício de teses na formação retórica dos alunos, o que não supunha
necessariamente uma formação retórica distinta da dialéctica (vide Jan van
Ophuijsen, «Where are the Topics Gone?», in Peripatetic Rhetoric after
Aristotle, New Brunswick and London, Transaction Publishers, 1994,
pp. 149-150).
74 Cautelarmente, observa M. L. Clarke que, «whether Hermagoras
was deliberatively and provocatively claiming for rhetoric what had
hitherto belonged to philosophy is doubtful. He seems to have done
nothing to implement his claim, and the rhetoricians continued to ignore
general questions.» (Rhetoric at Rome: A Historical Survey, London and New
York, Routledge, 1996, p. 9.) Cf. Cícero, De oratore, 1.86; 2.78; 3.110.
55
tões gerais não são património exclusivo do filósofo, como habilita o
orador a fazer uso delas na generalização do seu próprio pensamento.
Como resultado desta clarificação técnica, desenvolveu Hermá-
goras a teoria da stasis 75 face à necessidade de o orador verificar se
um determinado tema em discussão tem ou não consistência para o
conveniente tratamento retórico. Antes dele, o assunto fora circuns-
tancialmente referido ou tratado 76, mas só com ele recebeu o desen-
volvimento e a sistematização que merecia. Toda a teoria da stasis
depois dele reflecte as marcas da sua codificação 77.
75 A palavra o st£sij significa, em teoria retórica, o ponto em ques-
tão em qualquer conflito verbal. Tanto o termo grego como o latino status
ou constitutio significam postura, a posição em que cada parte em litígio
se coloca na defesa da sua posição e no ataque da posição contrária; isto
é, o ponto de partida dos respectivos argumentos.
76 Sobre os usos da stasis antes de Hermágoras, vide Richard Volk-
mann (Die Rhetorik der Griechen und Römer, Leipzig, Teubner, 1885, pp. 38-
-92), Octave Navarre (Essai sur la rhétorique grecque avant Aristote, Paris,
Hachette, 1900, pp. 259-271) e, em especial, Quintiliano (Institutio oratoria,
3.6.3; 3.6.31).
77 Tanto em Cícero, como no autor da Rhetorica ad Herennium, e so-
bretudo em Hermógenes de Tarso, que simplesmente a complementou e
aperfeiçoou [o seu tratado Per st£sewn, escrito por volta de 176 a. C.,
esteve presente nos programas de educação retórica por mais de um mi-
lénio e teve a primeira edição impressa em 1508 (vide Janet B. Davis,
«Stasis Theory», in Encyclopedia of Rhetoric and Composition, New York and
London, Garland, 1996, pp. 693-695)].
56
Quanto à elocutio, Teofrasto é um dos exemplos mais eloquen-
tes dos progressos que a teoria retórica experimentou nas escolas
helenísticas. Diógenes Laércio atribui-lhe cerca de uma vintena de
obras sobre retórica 78, e Cícero e Quintiliano dão-nos notícia dos seus
conteúdos através de comentários, paráfrases e citações, mas o facto é
que a maior parte da sua enorme produção literária se perdeu e dela
apenas nos restam para o tema escassos fragmentos 79.
A influência da sua doutrina fez-se não só sentir nas áreas do
estilo e da pronunciação do discurso, mas também na definição do
epiquirema como argumento completo 80 e na iniciação ao tratamento
da tese como exercício retórico. .oi, todavia, o seu tratado Sobre o
Estilo que mais acentuadamente contribuiu para lhe perpetuar a
memória como educador e teorizador de retórica 81. Na linha da tra-
78 Teofrasto escreveu uma Arte Retórica, e estudos individuais sobre
oratória forense, deliberativa e epidíctica, sobre entimemas, epiquiremas,
máximas e exemplos, sobre invenção, narração, amplificação, estilo, hu-
mor, pronunciação do discurso, etc. (Diógenes Laércio, 5.42-50).
79 Cf. W. .ortenbaugh, P. Huby, R. Sharples and D. Gutas (eds.),
Theophrastus of Eresus: Sources for his Life, Writings, Thought and Influence,
Leiden, Brill, 1992, pp. 667-670; W. .ortenbaugh, «Theophrastus, the
Characteres and Rhetoric», in Peripatetic Rhetoric after Aristotle, p. 15.
80 Vide .riedrich Solmsen, «The Aristotelian Tradition in Ancient
Rhetoric», in Aristotle. The Classical Heritage of Rhetoric, Keith Erickson
(ed.), Metuchen, N. J., Scarecrow Press, 1974, pp. 278-309.
81 Talvez por ser o tratado mais vezes referido. São, contudo, pou-
cos os fragmentos do Per lxewj, e lê-los não é fácil (cf. Maria Tanja
57
dição aristotélica, Teofrasto desenvolveu as ideias do mestre, introdu-
zindo explicitamente pela primeira vez no sistema as quatro virtudes
de estilo 82 e, porventura, inventando a doutrina dos três estilos 83.
Sugere George Kennedy, com fundamento nos autores que o
referiram e comentaram, que foi provavelmente Teofrasto quem enco-
rajou o processo de identificação das figuras, o qual levou os seus su-
Luzzatto, «Loratoria, la retorica e la critica letteraria dalle origini ad
Ermogene», in Da Omero agli Alessandrini: problemi e figure della letteratura
greta, ed. G. Arrighetti et al., Roma, NIS, 1988, p. 223).
82 Cícero, Orator, 33.79ss; De oratore, 3.10.37 ss; Quintiliano, Institutio
oratoria, 8.1-11. Evolução linear de uma simples virtude presente em Aris-
tóteles (a clareza, Retórica, 3, 1404b1) para as quatro de Teofrasto, as cin-
co dos estóicos, as muitas virtudes acessórias de Dionísio de Halicarnasso,
e finalmente para a ainda mais complexa classificação das dai de
Hermógenes (J. Stroux, De Theophrasti virtutibus dicendi, Leipzig, 1912,
pp. 125-126).
83 «If Theophrastus did invent the doctrine of the three styles it is
not greatly to his credit.» (M. L. Clarke, op. cit., p. 6.) Mas Dionísio de
Halicarnasso parece supô-lo, ao dizer num passo que, «três são os mo-
dos, segundo Teofrasto, de obter o estilo elevado, digno, e não banal:
a escolha das palavras, a sua composição harmoniosa e o uso das figu-
ras» (Isócrates, 3), e noutro admitir que lhe é atribuída a origem do médio
e misto (Demóstenes, 3). Como justamente observa George Kennedy, «since
the third book of Ciceros De oratore is heavily indebted to Theophrastus
On style, the presence of the theory of the three styles in Ciceros work is
some indication that they may have been found in Theophrastus» (The
Art of Persuasion in Greece, p. 279).
58
cessores à formulação de listas quase intermináveis 84. .oi, porém,
Demétrio quem, na mesma linha de influência peripatética, mais
aprofundou a matéria relativa ao estilo e à composição 85, e quem afi-
nal deu os primeiros sinais de abertura ao fenómeno de que iria re-
sultar a literaturização da própria retórica.
A primeira parte do seu De elocutione (1-35), dedicada ao es-
tudo das estruturas rítmicas e periódicas, reflecte como fonte primá-
ria a doutrina aristotélica. Ao ocupar-se da caracterização dos vários
tipos de período histórico, dialógico e oratório sustenta, com
Aristóteles, que a prosa retórica tem toda a vantagem em ser rítmica.
Sustenta também que o estilo periódico, organizado como um todo
84 The Art of Persuasion in Greece, pp. 276-278.
85 Até há bem pouco tempo creu-se que o autor do tratado De
elocutione foi Demétrio de .aleros, mas os estudiosos põem cada vez mais
em causa essa hipótese. A evidência interna do estilo ático levou acadé-
micos como G. M. A. Grube (A Greek Critic: Demetrius on Style, Phoenix,
suppl., vol. 4, Toronto, Toronto University Press, 1961) a argumentar a
favor de uma composição da primeira fase do período helenístico (cerca
de 270 a. C.), mas outros, como W. Rhys Roberts (Demetrius on Style, New
York, Arno, 1979) e D. M. Schenkeweld (Studies in Demetrius on Style,
Amsterdam, Hakkert, 1964), a sustentar uma autoria aticizante mais tar-
dia (o século I a. C.). George Kennedy sugere uma data de composição
que aponta para o princípio do século I a. C., muito embora .ilodemo
ainda a atribua, por volta de 70 a. C., a Demétrio de .aleros (A New
History of Classical Rhetoric, Princeton, Princeton University Press, 1994,
p. 88, n. 10).
59
estrutural com princípio e fim, oferece ao discurso as mesmas proprie-
dades que o ritmo, sendo ainda mais eficaz quando estruturado
antiteticamente. Cada período terá idealmente entre dois e quatro mem-
bros, mas mais significativas que a dimensão são a sua variedade e a
sua coerência interna, mais importante do que o número das unidades
que o integram é o equilíbrio homogéneo e harmónico da sua forma,
como estratégia psicologicamente vitalizadora de um conteúdo.
A parte mais substancial do De elocutione ocupa-se, entretan-
to, da invulgar teoria dos quatro estilos, por oposição aos dois 86 ou
três propostos pelos seus predecessores 87; nomeadamente, o estilo sim-
ples, o médio ou elegante, o elevado, e o veemente. Este último, po-
rém, pouco mais é do que uma variante do terceiro: ou, na classifica-
ção de Hermógenes, uma forma de estilo que se distingue entre as
demais como o uso correcto de todos os estilos 88.
Em suma, a obra de Teofrasto sobre as virtudes do estilo, os
estudos de Demétrio sobre o período oratório, o estilo e a composição,
a contribuição de Hermágoras para a definitiva vinculação da tese à
retórica e o desenvolvimento da teoria dos estados de causa, a con-
86 Cf. Demétrio, De elocutione, 2.36.
87 Aristóteles, Retórica, III, 1; cf. Cícero, Orator, 75-100.
88 DeinÒthj, a sétima forma ideal de estilo, é nada mais do que o
uso adequado de todos os estilos. Uma forma de estilo tão importante
que Hermógenes lhe promete dedicar um estudo em separado (Hermó-
genes, Per dwn, 2.368-380. Cf. Cecil Wooten, Hermogenes on Types of Style,
Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 1987, p. XVI).
60
cepção, enfim, de um cânone básico de exercícios retóricos são, no seu
conjunto, um testemunho vivo do enriquecido e diversificado apro-
fundamento do sistema aristotélico. O corpo de doutrina por eles
desenvolvido e veiculado foi o fundamento teórico de todo o ensino
que os mestres de retórica passaram aos seus discípulos ao longo de
vários séculos. Deles nos dão notícia os grandes manuais de educa-
ção oratória que então se usavam nas escolas do império romano. Pois,
como justamente observa George Kennedy, neles se verificam varia-
ções de ênfase e terminologia, mas pouco mais. Mesmo as contribui-
ções pessoais de Cícero e Quintiliano estão longe de comprometer as
convenções que enformam o cânone teórico da retórica helenística 89.
Os valores da paideia isocrática inspiraram na época helenística
uma forma de educação eminentemente retórica, dominante mesmo
nas escolas de filosofia. Da tensão então gerada por força do convívio
entre essas duas formas rivais de cultura uma oratória e outra
filosófica resultou a experiência de síntese que os retóricos roma-
nos encarnaram. Por um lado, a fronteira entre esses dois campos
diluiu-se a partir de Hermágoras e ensaiaram-se os caminhos de uma
retórica cada vez mais filosófica. Por outro lado, a experiência retó-
rica dominante foi dando sinais de abertura crescente à elocutio e
tendeu a afirmar-se como teoria literária. A forma adoptada pela cul-
tura grega no seu nível mais elevado acabou, pois, por ser a eloquên-
89 George Kennedy, Classical Rhetoric and its Christian and secular
Tradition from Ancient to Modern Times, Chapel Hill, The University of
North Carolina Press, 1980, p. 89.
61
cia, a arte de falar e de escrever 90. De arte de persuadir, a retórica
foi-se transformando em arte de criar. E, enquanto técnica ou arte do
discurso, ela acabou por se usar não só para produzir textos de ca-
rácter mais ou menos persuasivo, mas também para analisar os tex-
tos produzidos 91. Esse era o objectivo dos exercícios retóricos: ler re-
toricamente os textos, e exercitar-se na elaboração de temas com base
nos modelos de estrutura que os próprios textos inspiravam 92.
7. A tradução da Retórica
A presente tradução resulta do trabalho desenvolvido com a es-
treita colaboração de dois outros colegas: Abel do Nascimento Pena,
que traduziu o Livro II, e Paulo .armhouse Alberto, que traduziu o
90 H.-I. Marrou, «Educación y Retórica», in M. I. .inley (ed.), El Le-
gado de Grecia: Una Nueva Valoración, Barcelona, Editorial Crítica, 1983,
p. 206.
91 No capítulo sobre a educação dos jovens, Élio Téon diz que o
professor devia começar por seleccionar bons exemplos de textos antigos
para cada um dos exercícios e levar os alunos a estudá-los a fundo
[Progymnasmata, James R. Butts (ed.), University Microfilms International,
1986, 2.1-10].
92 Diz Téon de Alexandria mais adiante que «a prática dos exercí-
cios é absolutamente necessária não só para os que se preparam para ser
oradores, mas também para aqueles que desejam ser poetas ou prosado-
res (ibidem, 2.138-143).
62
Livro III. A edição adoptada foi a de W. D. Ross, Aristotelis Ars
Rhetorica, Oxford, Oxford University Press, 1959 93. E a tradução,
no seu intento de superar as dificuldades impostas pelo próprio texto,
responde a critérios hermenêuticos de clarificação que o visam tornar
mais inteligível ao leitor moderno. Seguiu-se, para tanto, o método
da equivalência dinâmica, e não o da pura correspondência formal,
por aquele melhor permitir a transferência das ideias expressas na
língua de origem para a nossa língua sem delas minimamente se
perder a essência dos seus conteúdos. Tanto mais que a língua de
Aristóteles se caracteriza pelas suas breuiloquentia e densidade elíp-
tica, exigindo por vezes uma reestruturação mais consentânea com a
dinâmica própria da língua receptora.
Aparentemente a contrariar esta natural tendência para uma
tradução pragmática, conservou-se por transliteração um pequeno
número de termos técnicos, por se entender que eles têm raízes tão
profundas na história das ideias que substituí-los poderia ainda tor-
nar mais obscura a captação do seu real sentido; termos como, por
exemplo, entimema, paradigma, silogismo, homeoteleuto, epidíctico,
ético, patético, apodíctico, periódico, etc. O sentido destes e outros
termos traduzidos é normalmente clarificado, ou mesmo comentado
em nota de rodapé.
93 Relembra-se que este volume é uma reedição, o que justifica o
afastamento em relação à norma fixada na Introdução Geral. (Nota do
coordenador.)
63
À medida que o leitor se vai habituando ao estilo aristotélico de
exposição e à forma como ele organiza e explicita os seus conteúdos,
mais facilmente irá captando a doutrina veiculada e melhor compreen-
derá o ritmo sequencial da mesma.
MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR
64
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RETÓRICA
LIVRO I
1
A NATUREZA DA RETÓRICA
A retórica 1 é a outra face 2 da dialéctica; pois ambas se 1354a
ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento
comum e não correspondem a nenhuma ciência em particular.
De facto, todas as pessoas de alguma maneira participam de
uma e de outra, pois todas elas tentam em certa medida ques-
tionar e sustentar um argumento 3, defender-se ou acusar 4.
Simplesmente, na sua maioria, umas pessoas fazem-no ao
acaso, e, outras, mediante a prática que resulta do hábito.
E, porque os dois modos são possíveis, é óbvio que seria também
possível fazer a mesma coisa seguindo um método. Pois é pos-
1 `H r` htorik», adjectivo usado como nome abstracto, correspondendo
a ¹ tcnh r` htorik».
2 !Antstrofoj traduz-se normalmente por «correlativo». Na lírica co-
ral, a estrutura métrica de uma strof» repete-se na ¢ntistrof», represen-
tando a primeira o movimento numa direcção, e a segunda o movimento
contrário. Ambos, porém, em coordenação oposta e complementar, como
artes que têm semelhanças gerais e diferenças específicas. Como observa
E. M. Cope, duas espécies de um mesmo género, a prova; dois modos de
prova que afinal se distinguem pela diferença dos meios probatórios que
empregam: um, o silogismo formal completo e a indução geral; o outro, o
entimema formalmente incompleto e o exemplo (The Rhetoric of Aristotle,
with a Commentary, Cambridge, University Press, 1877, p. 2). Este parale-
lismo entre retórica e dialéctica é aliás aceite por Cícero, ao traduzir a
afirmação de Aristóteles por «ex altera parte respondere dialecticae» (Ora-
tor, 32.114).
3 Como na dialéctica.
4 Como na retórica.
89
sível estudar 5 a razão pela qual tanto são bem sucedidos os que
agem por hábito como os que agem espontaneamente, e todos
facilmente concordarão que tal estudo é tarefa de uma arte 6.
Ora, os que até hoje compuseram tratados de retórica
ocuparam-se apenas de uma parte dessa arte 7; pois só os ar-
gumentos retóricos 8 são próprios dela, e tudo o resto é acessó-
rio. Eles, porém, nada dizem dos entimemas 9, que são afinal o
corpo da prova, antes dedicam a maior parte dos seus tratados
a questões exteriores ao assunto; porque o ataque verbal 10, a
compaixão, a ira e outras paixões da alma semelhantes a estas
não afectam o assunto, mas sim o juiz 11. De sorte que, se se
aplicasse a todos os julgamentos a regra que actualmente se
aplica em algumas cidades, sobretudo nas bem governadas,
aqueles autores nada teriam para dizer.
5 Qewren significa literalmente «ver», mas com a implicação de
«teorizar», daquilo que pode ser objecto de teorização ou estudo.
6 Como tcnh, a retórica é, para Aristóteles, um corpo de regras e
princípios gerais que a razão pode conhecer, uma forma de pist»mh, por
oposição à mera mpeira, o grau intermédio entre a simples experiência
prática e o conhecimento plenamente científico (cf. W. M. A. Grimaldi,
Aristotle, Rhetoric I: A Commentary, New York, .ordham University Press,
1980, pp. 4-6).
7 Como observa Grimaldi, esta frase tem sido objecto de várias lei-
turas, mas leituras que não põem em causa a essência do seu sentido.
O próprio contexto explicita o que Aristóteles tem em mente, pois anun-
cia a seguir que o que os tecnógrafos contemporâneos fizeram foi apre-
sentar apenas uma pequena parte da tcnh. Ao criticá-los, por se concen-
trarem basicamente no estímulo de uma resposta emocional, Aristóteles
está simplesmente a dizer que eles apenas escreveram sobre uma peque-
na parte da arte retórica. Não nega, portanto, que os p£qh sejam parte da
arte retórica. O que põe em causa é o seu mau uso.
8 O termo pstij difere no sentido conforme os contextos: fé, meio
de persuasão, prova. Em Aristóteles, significa normalmente «prova», «pro-
va lógica», «argumentação», «argumento lógico» ou «argumento retórico».
A partir daqui, traduzimo-lo simplesmente por «prova». Aristóteles dis-
tingue duas categorias de provas artísticas e não artísticas e classifi-
ca as primeiras em três espécies: prova ética, prova lógica e prova emo-
cional ou patética.
9 Entimema é um silogismo retórico: a forma dedutiva de argumen-
tação retórica que tem no paradigma a sua forma indutiva.
10 Diabol», ataque verbal calunioso, que inspira a suspeita.
11 Nada tem a ver com os factos essenciais, mas são meramente um
aspecto pessoal do homem que está a julgar o caso.
90
Pois todos entendem que as leis o devem referir, e alguns
adoptam mesmo a prática proibindo que se fale fora do assun-
to, como também acontece no Areópago, e com toda a razão;
pois está errado perverter o juiz incitando-o à ira, ao ódio ou à
compaixão. Tal procedimento equivaleria a falsear a regra que
se pretende utilizar.
Além disso, é manifesto que o oponente nenhuma outra
função tem que a de mostrar que o facto em questão é ou não
é verdadeiro, aconteceu ou não aconteceu; quanto a saber se
ele é grande ou pequeno, justo ou injusto, não havendo uma
definição clara do legislador, é certamente ao juiz que cabe
decidir, sem cuidar de saber o que pensam os litigantes.
É, pois, sumamente importante que as leis bem feitas de-
terminem tudo com o maior rigor e exactidão, e deixem o
menos possível à decisão dos juízes. Primeiro, porque é mais
fácil encontrar um ou poucos homens que sejam prudentes e
capazes de legislar e julgar, do que encontrar muitos. Segundo, 1354b
porque as leis se promulgam depois de uma longa experiên-
cia de deliberação, mas os juízos se emitem de modo impre-
visto, sendo por conseguinte difícil aos juízes pronunciarem-
-se rectamente de acordo com o que é justo e conveniente.
E, sobretudo, porque a decisão do legislador não incide sobre
um caso particular, mas sobre o futuro e o geral 12, ao passo
que o membro da assembleia e o juiz têm de se pronunciar
imediatamente sobre casos actuais e concretos. Na sua apre-
ciação dos factos, intervêm muitas vezes a amizade, a hostili-
dade e o interesse pessoal, com a consequência de não mais
conseguirem discernir a verdade com exactidão e de o seu
juízo ser obscurecido por um sentimento egoísta de prazer ou
de dor.
Quanto ao mais, voltamos a dizê-lo, importa deixar à de-
cisão soberana do juiz o mínimo de questões possível, mas não
se lhe deve subtrair a tarefa de verificar se um facto ocorreu
ou não, se virá ou não a ocorrer, se tem ou não existência real,
pois não é possível que o legislador preveja todos esses casos.
E, se o que dizemos é exacto, não resta a menor dúvida
de que matérias externas ao assunto são descritas como arte por
aqueles que definem outras coisas como, por exemplo, o que
devem conter o proémio ou a narração, e cada uma das de-
12 Cf. Ethica Nicomachea V 14, 1137b13 ss.
91
mais partes do discurso 13; pois, ao ocuparem-se destas ques-
tões, nada mais os preocupa senão o modo como poderão criar
no juiz uma certa disposição. Mas, sobre as provas propriamen-
te artísticas, nenhuma indicação avançam; isto é, sobre aquilo
que afinal torna o leitor hábil no uso do entimema.
É por isso que, embora o mesmo método convenha ao
género deliberativo e ao judicial, e embora a oratória delibe-
rativa seja mais nobre e mais útil ao Estado que a relativa a
contratos, aqueles autores nada têm a dizer sobre o primeiro
género, mas todos se esforçam por elaborar a arte do discur-
so judicial, porque é menos útil dizer algo fora do assunto nos
discursos deliberativos, e porque a oratória política é menos
nociva que a judicial, por ser de interesse mais geral. No gé-
nero deliberativo, o ouvinte julga sobre coisas que o afectam
pessoalmente e, portanto, o conselheiro apenas precisa de de-
monstrar a exactidão do que afirma. Mas nos discursos
judicais isso não basta, antes há toda a vantagem em cativar
o ouvinte; pois os juízes julgam sobre questões alheias e, por
conseguinte, buscando o seu interesse e escutando com parcia-
lidade, acabam por satisfazer a vontade dos litigantes mas não
1355a julgam como devem. Por isso, como já disse, a lei proíbe em
muitos sítios falar do que é alheio ao assunto, ao passo que,
nas assembleias deliberativas, são os próprios ouvintes que
cuidam de o evitar.
Ora, sendo evidente que o método artístico 14 é o que se
refere às provas por persuasão 15 e que a prova por persuasão
13 Os manuais de retórica demoravam-se no tratamento de cada
uma das partes do discurso: nomeadamente o proémio, a narração, as
provas e o epílogo.
14 O estudo da retórica em sentido estrito.
15 Grimaldi (pp. 19-20) reconhece três significados no termo pstij:
1) o estado de convicção ou confiança subjectiva que resulta de um racio-
cínio; 2) o método próprio da arte que produz esse estado de confiança
mediante a redução do argumento retórico à sua forma lógica (entimema
e exemplo); e 3) as fontes de que procedem as premissas dos argumen-
tos, também assumidas como espécies de prova (Âqoj, p£qoj e lÒgoj). As-
sim, pstij tanto significa lealdade, fé, confiança, como significa evidên-
cia ou prova digna de fé, e as variantes específicas de natureza mais lógica
ou psicológica que essas provas podem assumir (cf. David Hay, «Pistis as
Ground for .aith in Hellenized Judaism and Paul», Journal of Biblical
Literature, 108, 1989, pp. 461-476).
92
é uma espécie de demonstração (pois somos persuadidos so-
bretudo quando entendemos que algo está demonstrado), que
a demonstração retórica é o entimema e que este é, geralmente
falando, a mais decisiva de todas as provas por persuasão; que,
enfim, o entimema é uma espécie de silogismo, e que é do
silogismo em todas as suas variantes que se ocupa a dialéc-
tica 16, no seu todo ou nalguma das suas partes, e é igualmente
evidente que quem melhor puder teorizar sobre as premissas
do que e como se produz um silogismo também será o
mais hábil em entimemas, porque sabe a que matérias se apli-
ca o entimema e que diferenças este tem dos silogismos lógi-
cos. Pois é próprio de uma mesma faculdade discernir o ver-
dadeiro e o verosímil, já que os homens têm uma inclinação
natural para a verdade e a maior parte das vezes alcançam-na.
E, por isso, ser capaz de discernir sobre o plausível é ser igual-
mente capaz de discernir sobre a verdade.
.ica portanto claro que os outros autores tratam dentro
desta arte o que é alheio ao assunto, como claras ficam as ra-
zões por que eles sobretudo se inclinaram para a oratória judi-
cial.
Mas a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por
natureza mais fortes que os seus contrários. De sorte que, se os
juízos se não fizerem como convém, a verdade e a justiça se-
rão necessariamente vencidas pelos seus contrários, e isso é
digno de censura. Além disso, nem mesmo que tivéssemos a
ciência mais exacta nos seria fácil persuadir com ela certos
auditórios. Pois o discurso científico é próprio do ensino, e o
ensino é aqui impossível, visto ser necessário que as provas por
persuasão e os raciocínios se formem de argumentos comuns,
como já tivemos ocasião de dizer nos Tópicos 17 a propósito da
comunicação com as multidões. Além disso, é preciso ser ca-
paz de argumentar persuasivamente sobre coisas contrárias,
como também acontece nos silogismos; não para fazer uma e
16 Dialéctica é, em Platão e Aristóteles, um conceito abrangente.
Apresenta-se na República de Platão (531-539) como elemento determinante
e vital na educação do filósofo. Poderá definir-se como arte dialógica de
argumentação que examina proposições hipotéticas e não certas, bem
como as suas consequências. Aristóteles ocupa-se teoricamente dela nos
seus Tópicos.
17 Tópicos I 1.
93
outra coisa pois não se deve persuadir o que é imoral mas
para que nos não escape o real estado da questão e para que,
sempre que alguém argumentar contra a justiça, nós próprios
estejamos habilitados a refutar os seus argumentos. Ora nenhu-
ma das outras artes obtém conclusões sobre contrários por meio
de silogismos a não ser a dialéctica e a retórica, pois ambas se
ocupam igualmente dos contrários. Não porque os factos de
que se ocupam tenham igual valor, mas porque os verdadeiros
e melhores são pela sua natureza sempre mais aptos para os
silogismos e mais persuasivos. Além disso, seria absurdo que
a incapacidade de defesa física fosse desonrosa, e o não fosse a
1355b incapacidade de defesa verbal, uma vez que esta é mais pró-
pria do homem do que o uso da força física.
E se alguém argumentar que o uso injusto desta faculda-
de da palavra pode causar graves danos, convém lembrar que
o mesmo argumento se aplica a todos os bens excepto à virtu-
de, principalmente aos mais úteis, como a força, a saúde, a ri-
queza e o talento militar; pois, sendo usados justamente, pode-
rão ser muito úteis, e, sendo usados injustamente, poderão
causar grande dano.
É, pois, evidente que a retórica não pertence a nenhum
género particular e definido, antes se assemelha à dialéctica.
É também evidente que ela é útil e que a sua função não é
persuadir mas discernir os meios de persuasão mais pertinen-
tes a cada caso, tal como acontece em todas as outras artes;
de facto, não é função da medicina dar saúde ao doente, mas
avançar o mais possível na direcção da cura, pois também se
pode cuidar bem dos que já não estão em condições de re-
cuperar a saúde. Além disso, é evidente que pertencem a esta
mesma arte o credível e o que tem aparência de o ser, como
são próprios da dialéctica o silogismo verdadeiro e o silo-
gismo aparente 18; pois o que faz a sofística não é a capaci-
dade mas a intenção. Portanto, na retórica, um será retóri-
18 Como oportunamente observa G. Kennedy, «Rhetoric uses both
logically valid arguments and probabilities. The jump to sophistry in the
next sentence perhaps implies a recognition that the apparently persua-
sive and an apparent syllogism include fallacious arguments that
initially sound valid in an oral situation but will not hold up under
scrutiny. Both the orator and the dialectician need to be able to recognize
these» (op. cit., p. 35, n. 30).
94
co 19 por conhecimento e outro por intenção, ao passo que, na
dialéctica, um será sofista por intenção e outro dialéctico, não
por intenção mas por capacidade 20.
Procuremos agora falar do método em si: do modo como
e a partir de que fontes poderemos alcançar os nossos objecti-
vos. Depois de novamente definirmos o que é a retórica, como
fizemos no princípio, passaremos a expor o que resta do as-
sunto.
2
DE.INIÇÃO DA RETÓRICA E SUA ESTRUTURA LÓGICA
Entendamos por retórica a capacidade de descobrir 21 o
que é adequado a cada caso com o fim de persuadir 22. Esta
19 Na época clássica, r` »twr era o orador, e circunstancialmente tam-
bém o que desempenhava uma função de liderança na assembleia ou um
papel activo no tribunal. No período romano, o termo significa por nor-
ma retor, educador, professor de retórica.
20 A aparente obscuridade desta classificação resulta da falta de um
termo diferenciador no campo semântico da retórica como acontece no
da dialéctica. Como observa Quintín Racionero: «en la dialectica, quien
usa rectamente de la facultad o capacidad es dialéctico y quien hace un
uso desviado de la intención, sofista. En la retórica, en cambio, el nombre
es el mismo en los dos casos esto es, rétor, retórico , de modo que
solo cabe distinguir entre un rétor por ciencia (equivalente del dialéctico) y
un rétor por intención (equivalente del sofista).» De sorte que, «lo que
Aristóteles pretende, de todos modos, señalar aquí es que los perjuicios
de la retórica, en contra de la crítica platónica, no están ligados al arte o
a la facultad oratoria, sino a la intención moral del orador (Aristóteles,
Retórica, Madrid, Gredos, 1990, n. 29, p. 173).
21 Sobre dÚnamij toà qewrÁsai, vide David Metzger, «Aristotles Im-
perative for Rhetoric», in The Lost Cause of Rhetoric, Carbondale, Southern
Illinois University Press, 1995, pp. 26-49.
22 Da reflexão que Quintiliano faz sobre as várias definições clássi-
cas de retórica (Institutio oratoria, 2.1-21), quatro se distinguem como as
mais representativas: 1) a definição atribuída a Córax e Tísias, Górgias e
Platão (a retórica como peiqoàj dhmiourgÒj, criadora de persuasão; 2) esta
de Aristóteles (retórica como «a capacidade de descobrir os meios de per-
suasão no tratamento de qualquer assunto»); 3) a atribuída a Hermágoras
de Temnos (retórica como «a capacidade de falar bem no que respeita ao
tratamento e discussão das questões públicas»); 4) e a de Quintiliano, na
95
não é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada
uma das outras apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas da
sua competência; como, por exemplo, a medicina sobre a saú-
de e a doença, a geometria sobre as variações que afectam as
grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se pas-
sando com todas as outras artes e ciências. Mas a retórica pa-
rece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os meios de
persuasão sobre qualquer questão dada. E por isso afirmamos
que, como arte, as suas regras não se aplicam a nenhum géne-
ro específico de coisas.
Das provas de persuasão, umas são próprias da arte retó-
rica e outras não 23. Chamo provas inartísticas a todas as que
não são produzidas por nós, antes já existem: provas como tes-
temunhos, confissões sob tortura, documentos escritos e outras
semelhantes; e provas artísticas, todas as que se podem prepa-
rar pelo método e por nós próprios. De sorte que é necessário
utilizar as primeiras, mas inventar as segundas.
1356a As provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de
três espécies: umas residem no carácter moral do orador; ou-
tras, no modo como se dispõe o ouvinte; e outras, no próprio
discurso, pelo que este demonstra ou parece demonstrar.
Persuade-se pelo carácter quando o discurso é proferido
de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de
fé. Pois acreditamos mais e bem mais depressa em pessoas
honestas, em todas as coisas em geral, mas sobretudo nas de
que não há conhecimento exacto e que deixam margem para
dúvida. É, porém, necessário que esta confiança seja resultado
do discurso e não de uma opinião prévia sobre o carácter do
orador; pois não se deve considerar sem importância para a
persuasão a probidade do que fala, como aliás alguns autores
desta arte propõem, mas quase se poderia dizer que o carácter
é o principal meio de persuasão.
linha dos retóricos estóicos (a retórica como «scientia bene dicendi»,
2.15.21). São diferenças que reflectem preocupações distintas, tanto sobre
a natureza e a finalidade da retórica como sobre os seus objecto e conteú-
do ético.
23 As expressões ¥tecnoi psteij e ntecnoi psteij tanto se podem
traduzir por provas não técnicas e provas técnicas, como prefere G. Ken-
nedy, como por inartísticas e artísticas ou extrínsecas e intrínsecas, pois
se trata das provas que respectivamente não pertencem ou pertencem,
resultam ou não da técnica ou arte retórica.
96
Persuade-se pela disposição dos ouvintes, quando estes são
levados a sentir emoção por meio do discurso, pois os juízos que
emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria, amor ou
ódio. É desta espécie de prova e só desta que, dizíamos, se ten-
tam ocupar os autores actuais de artes retóricas. E a ela dare-
mos especial atenção quando falarmos das paixões.
Persuadimos, enfim, pelo discurso 24, quando mostramos
a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persua-
sivo em cada caso particular.
Ora, como as provas por persuasão se obtêm por estes três
meios, é evidente que delas se pode servir quem for capaz de
formar silogismos 25, e puder teorizar sobre os caracteres, so-
bre as virtudes e, em terceiro lugar, sobre as paixões 26 (o que
cada uma das paixões é, quais as suas qualidades, que origem
têm e como se produzem). De sorte que a retórica é como que
um rebento da dialéctica e daquele saber prático sobre os ca-
racteres a que é justo chamar política. É por isso também que
a retórica se cobre com a figura da política, e igualmente aque-
les que têm a pretensão de a conhecer, quer por falta de edu-
cação, quer por jactância, quer ainda por outras razões ineren-
tes à natureza humana. A retórica é, de facto, uma parte da
dialéctica e a ela se assemelha, como dissemos no princípio 27;
pois nenhuma das duas é ciência de definição de um assunto
específico, mas mera faculdade de proporcionar razões para os
argumentos.
Sobre a função destas artes e o modo como elas se relacio-
nam entre si, pouco mais nos resta para dizermos o suficiente.
24 LÒgoj significa tanto raciocínio como discurso, referindo-se mais
propriamente aqui à vertente lógica do discurso persuasivo.
25 Raciocinar logicamente.
26 Compreender o carácter humano, a virtude em todas as suas for-
mas e as paixões.
27 Não é sem razão que Aristóteles aqui evita o uso das categorias
formais de género e espécie. Ao dizer que a retórica é uma actividade
paralela à dialéctica, ele não está a afirmar que ela é uma espécie da dia-
léctica, pois contém elementos que dela não são próprios nomeadamen-
te o efeito persuasivo do carácter e a emoção. Também não afirma que a
dialéctica é uma espécie da retórica, embora enfatize a vertente lógica
desta e a sua directa relação com ela; e isto talvez porque a dialéctica se
ocupa das questões universais e a retórica das particulares (cf. G. Kennedy,
1991, 39, n. 46).
97
Mas no que toca à persuasão pela demonstração real ou apa-
1356b rente, assim como na dialéctica se dão a indução, o silogismo e
o silogismo aparente, também na retórica acontece o mesmo.
Pois o exemplo é uma indução, o entimema é um silogismo, e
o entimema aparente é um silogismo aparente. Chamo en-
timema ao silogismo retórico e exemplo à indução retórica.
E, para demonstrar, todos produzem provas por persuasão,
quer recorrendo a exemplos quer a entimemas, pois fora des-
tes nada mais há. De sorte que, se é realmente necessário que
toda a demonstração se faça ou pelo silogismo ou pela indu-
ção (e isso é para nós claro desde os Analíticos 28), então impor-
ta que estes dois métodos sejam idênticos nas duas artes.
Quanto à diferença entre o exemplo e o entimema, ela está
clara nos Tópicos 29 (pois já aí se falou do silogismo e da indu-
ção). Demonstrar que algo é assim na base de muitos casos
semelhantes é na dialéctica indução e na retórica exemplo; mas
demonstrar que, de certas premissas, pode resultar uma pro-
posição nova e diferente só porque elas são sempre ou quase
sempre verdadeiras, a isso chama-se em dialéctica silogismo e
entimema na retórica.
É também claro que cada uma destas espécies retóricas
tem o seu mérito; pois, o que foi dito na Metódica 30 aplica-se
igualmente aqui. De facto, uns exercícios retóricos são paradig-
máticos e outros entimemáticos; e, de igual modo, uns orado-
res são melhores em exemplos e outros em entimemas. Não
são, portanto, menos persuasivos os discursos baseados em
exemplos, mas os que se baseiam em entimemas são mais
aplaudidos. Da causa destas diferenças e do modo como se
deve usar cada um deles falaremos mais adiante. De momen-
to, tentaremos definir um e outro com mais precisão.
Atendendo a que o persuasivo é persuasivo para alguém
(ou é persuasivo e crível imediatamente e por si mesmo, ou pa-
rece sê-lo porque demonstrado mediante premissas persuasi-
vas e convincentes), e atendendo a que nenhuma arte se ocupa
do particular por exemplo, a medicina, que não especifica o
28 Analytica priora II 23; Analytica posteriora I 1.
29 Tópicos I 1; I 12.
30 Trata-se de uma obra perdida de Aristóteles. Temos dela notícia
em Dionísio de Halicarnasso, Epistula ad Ammaeum., 1.6, 8; no Catálogo,
52, de Diógenes Laércio; e em Hesíquio Milésio, Vita Arist.
98
que é remédio para Sócrates ou Cálias mas para pessoas da sua
condição (pois isso é que é próprio de uma arte, já que o indi-
vidual é indeterminado e não objecto de ciência) , tão-pouco
a retórica teorizará sobre o provável para o indivíduo por
exemplo, para Sócrates ou Hípias , mas sobre o que parece
verdade para pessoas de uma certa condição, como também faz
a dialéctica 31. Pois também esta não forma silogismos de pre-
missas tomadas ao acaso (ainda que assim pareça aos insensa-
tos) mas das que o raciocínio requer, e a retórica forma-os da
matéria sobre que estamos habituados a deliberar.
A função desta consiste em tratar das questões sobre as 1357a
quais deliberamos e para as quais não dispomos de artes espe-
cíficas, e isto perante um auditório incapaz de ver muitas coi-
sas ao mesmo tempo ou de seguir uma longa cadeia de racio-
cínios. Nós deliberamos sobre as questões que parecem admitir
duas possibilidades de solução, já que ninguém delibera sobre
as coisas que não podem ter acontecido, nem vir a acontecer,
nem ser de maneira diferente; pois, nesses casos, nada há a
fazer.
É possível formar silogismos e tirar conclusões, tanto de
coisas antes estabelecidas pelo silogismo, como de premissas de
que se não formou silogismo mas que o requerem por não se-
rem correntemente aceites. Destas duas linhas de raciocínio, a
primeira cadeia de silogismos é necessariamente difícil de se-
guir devido à sua extensão (pois se supõe que o juiz é uma
pessoa simples), e a segunda não é persuasiva porque as pre-
missas nem são admitidas por todos nem são plausíveis. De
sorte que é necessário que o entimema e o exemplo se ocupem
de coisas que podem ser para a maior parte também de outro
modo: o exemplo como indução, e o entimema como silogismo,
formado de poucas premissas e em geral menos do que as do
silogismo primário 32. Porque se alguma destas premissas for
31 Como assinala G. Kennedy, a dialéctica constrói a sua prova so-
bre a opinião geral, da maioria ou dos sábios. Nos Tópicos I 10, 104 ss.,
estabelecem-se as condições para que uma proposição seja dialéctica: que
ela pareça credível aos sábios, sem que ao homem comum pareça in-
crível.
32 O silogismo plenamente expresso: com premissa maior, premissa
menor e conclusão; o entimema: com menos uma premissa, geralmente a
menor.
99
bem conhecida, nem sequer é necessário enunciá-la; pois o pró-
prio ouvinte a supre. Como, por exemplo, para concluir que
Dorieu recebeu uma coroa como prémio da sua vitória, basta
dizer: pois foi vencedor em Olímpia 33, sem que haja necessi-
dade de se acrescentar a Olímpia a menção da coroa, porque
isso toda a gente o sabe 34.
Como são poucas as premissas necessárias à formação dos
silogismos retóricos (a maior parte dos assuntos sobre que
incidem juízos e deliberações pode receber solução diferente,
pois deliberamos e reflectimos sobre as acções, todas elas apre-
sentam em comum esta particularidade, e nenhuma delas é, por
assim dizer, necessária), e como as coisas que acontecem à
maioria e são possíveis apenas se podem provar mediante silo-
gismos formados de premissas semelhantes, tal como as neces-
sárias se concluem das necessárias (o que também sabemos
pelos Analíticos) 35, é evidente que, das premissas de que se for-
mam os entimemas, umas serão necessárias, mas a maior parte
é apenas frequente. E, posto que os entimemas derivam de
probabilidades e sinais, é necessário que cada um destes se
identifique com a classe de entimema correspondente 36.
Com efeito, probabilidade 37 é o que geralmente acontece,
mas não absolutamente, como alguns definem; antes versa so-
bre coisas que podem ser de outra maneira, e relaciona-se no
que concerne ao provável como o universal se relaciona com o
1357b particular. Quanto aos sinais 38, uns apresentam uma relação do
33 Os Jogos Olímpicos.
34 O entimema foi posteriormente entendido como um silogismo
abreviado, em que uma das premissas, geralmente a maior, não se ex-
pressava. Por exemplo: «Sócrates é mortal porque é homem»; ou, na or-
dem inversa, «Se Sócrates é homem é mortal». Em ambos os casos se
assume que «todos os homens são mortais».
35 Analytica priora I 8, 29b32-35.
36 O que significa que os entimemas necessários correspondem aos
indícios (shmea ¢nagkaa ou tekm»ria), e os frequentemente verdadeiros
correspondem às probabilidades (e kÒta).
37 A probabilidade é uma premissa plausível ndoxon), na medida
em que coincide com uma opinião geralmente admitida.
38 Shmeon é um sinal, signo ou indício de que algo aconteceu ou
existe. Por comparação com o conceito de probabilidade, o sinal supõe a
relação entre dois factos. Se esta relação for necessária, o sinal chama-se
tekm»rion (argumento concludente ou prova irrefutável). Se não for neces-
100
particular para o universal, outros uma relação do universal
para o particular. Destes sinais, os necessários são argumentos
irrefutáveis, e os não necessários não têm nome peculiar que
traduza a diferença. Chamo, portanto, necessários àqueles si-
nais a partir dos quais se pode formar um silogismo. E, por
isso, é argumento irrefutável o que entre os sinais é necessário,
pois quando se pensa que já não é possível refutar uma tese,
então pensa-se que se aduz um argumento concludente ou
irrefutável [tekmérion], como se o assunto já estivesse demons-
trado e concluído; visto que tékmar [conclusão] e péras [fim]
significam o mesmo na língua antiga.
De entre os sinais, um é como o particular em relação ao
universal; por exemplo, um sinal de que os sábios são justos é
que Sócrates era sábio e justo. Este é na verdade um sinal, mas
refutável, embora seja verdade o que se diz, pois não é suscep-
tível de raciocínio por silogismo. O outro, o sinal necessário, é
como alguém dizer que é sinal de uma pessoa estar doente o
ter febre, ou de uma mulher ter dado à luz o ter leite. E, dos
sinais, este é o único que é um tekmérion, um argumento con-
cludente, pois é o único que, se for verdadeiro, é irrefutável.
É exemplo da relação do universal com o particular se alguém
disser que é sinal de febre ter a respiração rápida. Este, porém,
é também refutável, embora verdadeiro, pois é possível ter a
respiração ofegante mesmo sem febre.
.ica, pois, até aqui explicado o que é uma probabilidade,
um sinal e um tekmérion, bem como o que os distingue. .oi,
porém, nos Analíticos 39 que estes foram mais explicitamente
tratados, bem como a razão pela qual certas proposições são
impróprias para o silogismo e outras são adequadas à sua for-
mação.
Já referimos que o exemplo é uma indução e de que coi-
sas esta indução se ocupa. O exemplo não apresenta relações
da parte para o todo, nem do todo para a parte, nem do todo
para o todo, mas apenas da parte para a parte, do semelhante
para o semelhante. Quando os dois termos são do mesmo gé-
sária, a conclusão reduz-se a uma mera probabilidade. De sorte que tanto
o e kÒj como o shmeon constituem modos da probabilidade real: no pri-
meiro caso, da probabilidade de um facto; no segundo, da probabilidade
de uma relação (cf. Quintín Racionero, op. cit., p. 186, n. 59).
39 Analytica priora II 27; Analytica posteriora I 30.
101
nero, mas um é mais conhecido do que o outro, então há um
exemplo; como quando se afirma que Dionísio tenta a tirania
porque pede uma guarda; pois também antes Pisístrato, ao
intentá-la, pediu uma guarda e converteu-se em tirano mal a
conseguiu, e Teágenes fez o mesmo em Mégara; estes e outros
que se conhecem, todos eles servem de exemplo para Dionísio,
de quem ainda se não sabe se é essa a razão por que a pede.
Todos estes casos particulares se enquadram na mesma noção
geral de que quem aspira à tirania pede uma guarda pessoal.
1358a Dissemos o que tínhamos a dizer sobre as fontes das pro-
vas por persuasão que parecem demonstrativas. Mas, quanto
aos entimemas, a maior diferença e a mais ignorada por quase
todos é a mesma que existe entre os silogismos dentro do mé-
todo dialéctico; pois alguns entimemas são formados de acor-
do com o método retórico, como também alguns silogismos o
são de acordo com o método dialéctico; outros entimemas,
porém, são formados conforme outras artes e faculdades, umas
já existentes, outras ainda não descobertas. É por isso que es-
tas diferenças não são percebidas pelos ouvintes, e quanto mais
se trata o assunto com método mais se sai dos limites da retó-
rica e da dialéctica. O que dizemos ficará mais claro se o expu-
sermos mais pormenorizadamente.
Digo, pois, que os silogismos retóricos e dialécticos são
aqueles que temos em mente quando falamos de tópicos 40; es-
40 Não é clara a doutrina aristotélica sobre os tÒpoi, pois Aristóteles
nem nos Tópicos nem na Retórica nos dá deles um definição explícita. São
princípios ou fontes de argumentação de natureza lógica ou retórica, e
apresentam-se geralmente divididos em dois grupos distintos: os dioi
tÒpoi e os koino tÒpoi. Os primeiros apresentam-se como os tópicos rela-
tivos a determinadas artes ou ciências, e especificamente apropriados a
cada um dos géneros do discurso oratório. Deles se forma o maior núme-
ro de entimemas. Os segundos apresentam-se como tópicos caracteristi-
camente retóricos, mais gerais, e aplicáveis a todos os géneros de discur-
so. Mas esta divisão carece de alguma clarificação. Sendo edh o termo
técnico privilegiado por Aristóteles para representar as proposições ade-
quadas a cada género, Y. Pelletier sustenta que o primeiro livro da Retó-
rica se ocupa das espécies próprias de cada género, e a maior parte do se-
gundo ocupa-se das espécies comuns, pertinentes em comum aos três
géneros oratórios. As primeiras proposições têm por objecto persuadir
como útil, justa, bela, ou de qualidade contrária a acção argumentada. As
últimas constituem os elementos preparatórios da argumentação princi-
pal e têm por objecto persuadir essa acção como possível ou impossível,
102
tes são os lugares-comuns em questões de direito, de física, de
política e de muitas disciplinas que diferem em espécie, como
por exemplo o tópico de mais e menos; pois será tão possível
com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre ques-
tões de direito, como dizê-los sobre questões de física ou de
qualquer outra disciplina ainda que estas difiram em espécie.
São, porém, específicas as conclusões derivadas de premissas
que se referem a cada uma das espécies e géneros; como, por
exemplo, as premissas sobre questões de física, das quais não
é possível tirar nem entimema nem silogismo aplicável à éti-
ca; e outras sobre ética, de que se não pode tirar nem enti-
mema nem silogismo aplicável à física. O mesmo se passa
com todas as demais disciplinas. Aqueles raciocínios a nin-
guém farão compreender qualquer género de ciência, pois não
versam sobre nenhum assunto particular. Mas os específicos,
quanto melhor escolha alguém fizer das suas premissas, mais
construirá, sem se dar conta, uma ciência distinta da dialécti-
ca e da retórica. Pois se, por acaso, volta aos princípios, não
será já dialéctica nem retórica, mas a ciência de que tomou
esses princípios.
Ora a maior parte dos entimemas deriva destas espécies
ditas particulares e específicas, sendo em menor número os que
derivam das comuns. É portanto necessário fazer também aqui,
como nos Tópicos, uma distinção entre as espécies e os lugares
de que se devem tomar os entimemas. Eu chamo espécies às
premissas próprias de cada género, e lugares às que são co-
real ou irreal, com maior ou menor índice da grandeza. Mas só os tÒpoi
de que Aristóteles se ocupa no final do segundo livro são, segundo
Pelletier, os verdadeiros lugares-comuns, como fórmulas de selecção e
estratégias de argumentação «useful for the discovery and construction
of a number of different arguments» [«Aristote et la découverte oratoire»,
III, Laval Théologique et Philosophique, 37 (1981), p. 65. Cf. ibidem, I, 35
(1979), pp. 3-20; II, 36 (1980), pp. 29-46; III, 37 (1981), pp. 45-67]. Assim, e
no seu entender, Aristóteles distingue três categorias de tÒpoi: os dia edh,
que fornecem as premissas adequadas a cada um dos três géneros do dis-
curso oratório; os koin£, que fornecem as premissas adequadas a qualquer
dos três géneros; e os koino tÒpoi, que constituem os métodos formais de
raciocínio «according to which enthymemes can be constructed through
the use of the premises provided by the eide and koina» (L. Arnhart,
Aristotle on Political Reasoning. A Commentary on the «Rhetoric», Decalb, IL,
Northern Illinois University Press, 1981, p. 51).
103
muns igualmente a todos. .alaremos, pois, em primeiro lugar
das espécies, mas, antes, definiremos os géneros da retórica
para que, determinando quantos são, tomemos em separado os
seus elementos 41 e premissas.
3
OS TRÊS GÉNEROS DE RETÓRICA:
DELIBERATIVO, JUDICIAL E EPIDÍCTICO
As espécies de retórica são três em número; pois outras
tantas são as classes de ouvintes dos discursos. Com efeito, o
discurso comporta três elementos: o orador, o assunto de que
1358b fala, e o ouvinte; e o fim do discurso refere-se a este último,
isto é, ao ouvinte. Ora, é necessário que o ouvinte ou seja es-
pectador ou juiz, e que um juiz se pronuncie ou sobre o passa-
do ou sobre o futuro. O que se pronuncia sobre o futuro é, por
exemplo, um membro de uma assembleia; o que se pronuncia
sobre o passado é o juiz; o espectador, por seu turno, pronun-
cia-se sobre o talento do orador. De sorte que é necessário que
existam três géneros de discursos retóricos: o deliberativo 42, o
judicial 43 e o epidíctico 44.
Numa deliberação temos tanto o conselho como a dissua-
são; pois tanto os que aconselham em particular como os que
falam em público fazem sempre uma destas duas coisas. Num
processo judicial temos tanto a acusação como a defesa, pois é
necessário que os que pleiteiam façam uma destas coisas. No
género epidíctico temos tanto o elogio como a censura. Os tem-
pos de cada um destes são: para o que delibera, o futuro, pois
aconselha sobre eventos futuros, quer persuadindo, quer dissua-
dindo; para o que julga, o passado, pois é sempre sobre actos
acontecidos que um acusa e outro defende; para o género epi-
díctico o tempo principal é o presente, visto que todos louvam
ou censuram eventos actuais, embora também muitas vezes ar-
gumentem evocando o passado e conjecturando sobre o futuro.
41 Stoicea significa aqui tÒpoi, como em 2.22.13 e em 26.1.
42 Ou político.
43 Ou forense.
44 Ou demonstrativo.
104
Cada um destes géneros tem um fim diferente e, como são
três os géneros, três são também os fins. Para o que delibera, o
fim é o conveniente ou o prejudicial; pois o que aconselha reco-
menda-o como o melhor, e o que desaconselha dissuade-o como
o pior, e todo o resto como o justo ou o injusto, o belo ou o
feio o acrescenta como complemento. Para os que falam em
tribunal, o fim é o justo e o injusto, e o resto também estes o
acrescentam como acessório. Para os que elogiam e censuram, o
fim é o belo e o feio, acrescentando, eles também, outros racio-
cínios acessórios. Sinal de que o fim de cada género é o que
acabámos de referir, é que por vezes o orador sobre nenhuma
outra coisa chega a disputar; por exemplo, o orador forense pode
não negar que fez algo ou que agiu mal, mas nunca confessará
que cometeu intencionalmente a injustiça, pois então não seria
necessário o juízo. Do mesmo modo, os oradores que aconse-
lham prescindirão muitas vezes do resto, mas jamais confessa-
rão que recomendam coisas prejudiciais ou que dissuadem de
algo que é proveitoso; não tomam sequer muitas vezes em con-
ta que é injusto escravizar os povos vizinhos, mesmo quando
não cometeram nenhuma injustiça. Semelhantemente, os que
elogiam e os que censuram não consideram se uma pessoa fez
acções convenientes ou prejudiciais, antes com frequência a lou-
vam por haver descuidado os seus interesses pessoais só para 1359a
cumprir o dever. Louvam, por exemplo, Aquiles por ter ido em
socorro do seu amigo Pátroclo, sabendo que tinha por isso de
morrer, quando, se o não fizesse, poderia continuar a viver. Para
ele tal morte era mais honrosa, mas era conveniente viver 45.
É evidente, pelo que acaba de ser dito, que é primeiramen-
te necessário ter as premissas destas três coisas 46, pois as pro-
vas irrefutáveis 47, as probabilidades e os sinais são premissas
retóricas. Porque, em geral, todo o silogismo se constrói a par-
tir de premissas, e o entimema não é mais do que um silogismo
que se deduz das ditas premissas 48. Ora, visto que as coisas
45 Cf. Il., 18.79 ss.
46 O conveniente, o justo, o belo, e seus contrários.
47 Tekm»rion é o nome dado ao ¢nagkaon shmeon, a prova necessá-
ria, concludente ou irrefutável, por oposição ao shmeon ¢nènumon, bem
mais próximo do sentido de e kÒj.
48 Isto é, dos tekm»ria, dos e kÒta e dos shmea (evidências ou ar-
gumentos irrefutáveis, probabilidades e indícios).
105
impossíveis não podem ter sido feitas no passado, nem se po-
dem fazer no futuro, que apenas as coisas possíveis o podem,
que as coisas irreais e irrealizáveis não podem ter sido feitas
no passado ou fazer-se no futuro, é necessário que o orador
deliberativo, o judicial e o epidíctico tenham premissas sobre o
possível e o impossível, se algo aconteceu ou não, e se virá a
ter ou não lugar. Além disso, como todos os oradores, quando
elogiam ou censuram, exortam ou dissuadem, acusam ou de-
fendem, não só se esforçam por provar o que disseram, mas
também que o bom ou o mau, o belo ou o feio, o justo ou o
injusto são grandes ou pequenos, quer falem das coisas em si,
quer as comparem entre si, é evidente que seria também ne-
cessário ter premissas sobre o grande e o pequeno, o mais e o
menos, tanto em geral como em particular; como, por exem-
plo, qual é o maior ou menor bem, a maior ou menor acção
justa ou injusta; e o mesmo em relação às demais coisas. Aca-
bámos de referir os lugares onde devemos necessariamente ir
buscar as premissas. A seguir, devemos fazer distinção entre
cada um deles individualmente; isto é, os que pertencem à
deliberação, aos discursos epidícticos e, em terceiro lugar, aos
judiciais.
4
O GÉNERO DELIBERATIVO
Importa primeiramente compreender que coisas, boas ou
más, aconselha o orador deliberativo, pois não se ocupa de
todas as coisas, mas apenas das que podem vir a acontecer ou
não. Sobre tudo o que necessariamente existe ou existirá, ou so-
bre tudo o que é impossível que exista ou venha a existir,
sobre isso não há deliberação. Nem mesmo há deliberação para
tudo o que é possível; pois, de entre os bens que podem acon-
tecer ou não, uns há por natureza e outros por acaso em que
a deliberação de nada aproveitaria. Mas os assuntos passíveis
de deliberação são claros; são os que naturalmente se relacionam
1359b connosco e cuja produção está nas nossas mãos. Pois desenvol-
vemos a nossa observação até descobrirmos se nos é possível
ou impossível fazer isso. Ora, não é necessário de momento
enumerar com exactidão cada coisa sobre que se costuma deli-
berar, nem dividi-la em espécies, nem mesmo dar dela uma
106
real definição conforme a verdade, porque tudo isso não é
próprio da retórica, mas sim de uma outra arte mais pene-
trante e verdadeira, e também porque actualmente lhe são
atribuídas muitas mais matérias do que as que lhe são pró-
prias. Com efeito, é certo o que atrás dissemos, que a retórica
se compõe, por um lado, da ciência analítica e, por outro, do
saber político relativo aos caracteres; além disso, ela é seme-
lhante, por um lado à dialéctica, e por outro aos discursos
sofísticos. E, quanto mais se tentarem imaginar a dialéctica ou
a retórica não apenas como faculdades mentais mas como
ciências, tanto mais se estará inadvertidamente a obscurecer
a sua real natureza, passando-se com isso a construir ciências
relativas a determinadas matérias estabelecidas e não só a
discursos. Ocupemo-nos, porém, agora do que é útil analisar
sobre o assunto, e ainda deixaremos campo de observação
para a ciência política.
Os temas mais importantes sobre os quais todos delibe-
ram e sobre os quais os oradores deliberativos dão conselho em
público são basicamente cinco, a saber: finanças, guerra e paz,
defesa nacional, importações e exportações, e legislação.
Por conseguinte, quem se dispuser a dar conselhos sobre
finanças deverá conhecer os recursos que tem a cidade e qual
o seu valor, a fim de, se algum for omitido, o repor, e se al-
gum for insuficiente, o aumentar. Deve também conhecer to-
das as despesas da cidade, a fim de eliminar o que for supér-
fluo e reduzir o que for excessivo. Pois não só enriquecem os
que aumentam os bens que já possuem, como também os que
reduzem os gastos. E não é só pela experiência interna que se
alcança uma visão geral destas coisas, é também necessário
estar informado do que os outros povos descobriram para
aconselhar sobre o assunto.
Quanto à guerra e à paz, é preciso conhecer o poder da
cidade, quanta força já tem e a quanta pode chegar, a natureza
das forças que tem à sua disposição e as que pode acrescentar;
e além disso, que guerras travou e como pelejou. É necessário
saber estas coisas não só sobre a própria cidade, mas também
sobre as cidades vizinhas. É necessário ainda saber com que
povos se pode esperar fazer a guerra, a fim de manter a paz
com as mais fortes e fazer a guerra contra as mais fracas.
É também necessário saber se os recursos militares da cidade 1360a
são iguais ou desiguais aos dos vizinhos, pois nisto também
pode ser superior ou inferior. Além disso, é necessário ter es-
107
tudado não só as guerras da própria cidade, mas também as
das outras em função dos seus resultados, pois de causas se-
melhantes resultam efeitos semelhantes.
Quanto à defesa do país, não se deve ignorar o modo
como este é guardado, mas conhecer o número e a espécie das
tropas que o defendem, bem como os lugares em que estão as
fortalezas (o que é impossível para quem não tem experiência
do território), a fim de que a defesa seja reforçada se for pe-
quena, e removida se for em excesso, e se protejam os lugares
mais convenientes.
Também, quanto a provisões, é necessário conhecer
quantos e quais os gastos suficientes à cidade, que alimen-
tos são produzidos no seu solo e quais são importados, que
exportações e importações são necessárias, a fim de se faze-
rem os devidos tratados e acordos. Pois é necessário que os
cidadãos não dêem motivo de queixa a duas classes de po-
vos: aos que são mais fortes e aos que são úteis para o co-
mércio.
Para a segurança do estado é necessário observar todas
estas coisas, mas não menos ser entendido em legislação; pois
é nas leis que está a salvação da cidade. Portanto, é indispen-
sável saber quantas são as formas de governo, o que convém a
cada uma, e por que causas próprias de uma forma de go-
verno ou contrárias a ela se corrompem. Digo que se cor-
rompem por causas próprias, porque, exceptuando a melhor
forma de governo, todas as demais se corrompem quer por
afrouxamento quer por tensão excessiva. Como, por exemplo,
a democracia, que se torna mais débil a ponto de finalmente se
transformar em oligarquia, não só quando afrouxada, mas tam-
bém quando tornada extremamente tensa; à semelhança do
nariz aquilino e achatado, que não só se torna normal quando
um destes defeitos abranda, como também se altera a ponto de
não mais parecer nariz quando o nariz se torna aquilino e acha-
tado em excesso. É útil para a legislação não só saber, pela
observação do passado, qual é a forma de governo convenien-
te, mas também conhecer as dos outros países e que formas de
governo se lhes ajustam. É, por conseguinte, claro que os rela-
tos de viagens pelo mundo são úteis para a legislação, pois
neles se podem aprender as leis dos povos, como o são para as
deliberações políticas as investigações daqueles que escrevem
sobre as acções humanas. Mas tudo isso pertence ao domínio
da política e não da retórica.
108
Estas são, pois, as questões mais importantes sobre as
quais deve tirar premissas quem se propõe aconselhar. Volte- 1360b
mos agora a referir as fontes de que devem derivar os argu-
mentos de exortação ou dissuasão sobre estes e outros assuntos.
5
A .ELICIDADE, .IM DA DELIBERAÇÃO
Pode dizer-se que cada homem em particular e todos em
conjunto têm um fim em vista 49, tanto no que escolhem fazer
como no que evitam. Este fim é, em suma, a felicidade e as
suas partes 50. Indiquemos, portanto, a título de exemplo, o que
em geral se entende por felicidade e quais os elementos das
suas partes constituintes; pois é dela mesma, das acções que
para ela tendem e daquelas que lhe são contrárias que versam
todos os conselhos e dissuasões. De facto, deve fazer-se o que
proporciona a felicidade ou alguma das suas partes, o que a
aumenta e não diminui; mas não se deve fazer o que a destrói
ou impede, ou produz os seus contrários.
Seja, pois, a felicidade o viver bem combinado com a vir-
tude, ou a auto-suficiência na vida, ou a vida mais agradável
com segurança, ou a pujança de bens materiais e dos corpos
juntamente com a faculdade de os conservar e usar; pois prati-
camente todos concordam que a felicidade é uma ou várias
destas coisas.
Ora, se tal é a natureza da felicidade, é necessário que as
suas partes sejam a nobreza, muitos amigos, bons amigos, a
riqueza, bons filhos, muitos filhos, uma boa velhice; também
as virtudes do corpo como a saúde, a beleza, o vigor, a estatu-
ra, a força para a luta; a reputação, a honra, a boa sorte, e a
virtude [ou também as suas partes: a prudência, a coragem, a
justiça e a temperança] 51. Com efeito, uma pessoa seria intei-
49 O termo skÒpoj apenas ocorre aqui e mais duas vezes na Retórica
(em 1362a18 e em 1366a24). É aparentemente sinónimo de tloj, mas
designando o objectivo ou propósito geral.
50 Elementos constituintes.
51 Este passo é omisso nos melhores manuscritos. Trata-se segura-
mente de uma adição posterior.
109
ramente auto-suficiente se possuísse os bens internos e exter-
nos, pois fora destes não há outros. Os bens internos são os da
alma e os do corpo; os externos são a nobreza, os amigos, o
dinheiro e a honra. Cremos, contudo, que a estes se devem
acrescentar certas capacidades e boa sorte, pois assim a vida
será muito mais segura. Definamos agora da mesma maneira
cada um destes bens em particular.
Nobreza significa para um povo e uma cidade que a ori-
gem dos seus membros é autóctone ou antiga, que os seus
primeiros chefes foram ilustres, e que muitos descendentes se
ilustraram em qualidades invejáveis. Para um indivíduo, a
nobreza deriva do homem ou da mulher e tem legitimidade
de ambos os lados; como no caso da cidade, significa que os
seus primeiros antepassados se distinguiram pela virtude, pela
riqueza ou por qualquer outra coisa honrosa, e que muitos
foram os membros ilustres da sua linhagem, homens e mulhe-
res, novos e velhos.
1361a O ter bons e numerosos filhos não é tema que ofereça
dúvidas. Para a comunidade, isso consiste em ter uma juven-
tude numerosa e boa; boa quanto às virtudes do corpo, como
estatura, beleza, força e capacidade para a luta; quanto à alma,
as virtudes do jovem são temperança e coragem. Para o indiví-
duo, ter bons e numerosos filhos significa ter muitos filhos
próprios, de ambos os sexos, e com as qualidades descritas. No
caso das mulheres, as virtudes do corpo são a beleza e a esta-
tura, e as da alma são a temperança e o amor ao trabalho sem
servilismo. Os indivíduos e a comunidade devem semelhante-
mente procurar desenvolver cada uma destas qualidades nos
seus filhos e filhas; pois os povos em que há imoralidade nas
mulheres, como os Lacedemónios, apenas se podem conside-
rar meio felizes.
Os elementos da riqueza são a abundância de dinheiro e
terra, a posse de terrenos que sobressaiam pela sua quantida-
de, extensão e beleza, e ainda a posse de móveis, escravos e
gado superiores em número e em beleza, sendo todos estes
bens seguros, dignos de um homem livre e úteis. São úteis
sobretudo os bens produtivos, e dignos de um homem livre os
de mero desfrute. Chamo produtivos aos bens que dão lucro, e
de mero desfrute aqueles que nenhuma utilidade têm que
mereça menção, além do seu uso. Segurança pode definir-se
como posse de bens em lugares e condições cujo uso está nas
nossas mãos; propriedade, como o direito de alienação ou não;
110
e por alienação entendo doação ou venda. Em geral, ser rico
consiste mais em usar do que em possuir, pois o exercício e o
uso de tais bens é a riqueza.
A boa reputação consiste em ser considerado por todos
um homem de bem, ou em possuir um bem tal que todos, a
maioria, os bons ou os prudentes o desejam.
A honra é sinal de boa reputação por fazer bem; são jus-
tamente honrados sobretudo os que têm feito o bem, eles e
também o que tem a capacidade de o fazer. A beneficência
refere-se tanto à segurança pessoal e a todas as causas de exis-
tência, como à riqueza, como ainda a qualquer outro bem cuja
aquisição não é fácil, seja em geral, seja num tempo ou num
lugar determinados; porque muitos ganham honras por cau-
sas que parecem pouco importantes, mas isso depende dos lu-
gares e das circunstâncias. As componentes da honra são: os
sacrifícios, as inscrições memoriais em verso e em prosa, os
privilégios, as doações de terras, os principais assentos, os tú-
mulos, as estátuas, os alimentos concedidos pelo Estado; prá-
ticas bárbaras, como a de se prosternar e ceder o lugar; e os
presentes apreciados em cada país. Pois o presente é a dádi-
va de um bem e um sinal de honra; e por isso os desejam
tanto os que ambicionam riqueza como os que perseguem
honras, pois com eles ambos obtêm o que buscam: bens ma- 1361b
teriais, o que desejam os avarentos; e honra, o que buscam os
ambiciosos.
A virtude do corpo é a saúde; e esta consiste em poder
usar o corpo sem enfermidade; pois muitos são saudáveis como
se diz que foi Heródico, a quem ninguém consideraria feliz em
matéria de saúde, uma vez que, [para a manter], tinha de se
abster de todos ou quase todos os prazeres humanos.
A beleza é diferente em cada idade. A beleza do jovem
consiste em ter um corpo capaz de suportar as fadigas, tanto
da corrida como da força, sendo agradável vê-lo em espectá-
culo; por isso, os mais belos são os atletas do pentatlo, porque
por natureza estão igualmente dotados para a força e a veloci-
dade. A beleza do homem maduro consiste na aptidão para os
trabalhos da guerra, e em parecer agradável inspirando temor.
A beleza do velho consiste na suficiência para resistir às fadi-
gas inevitáveis e em estar livre de dores para não sofrer ne-
nhum dos inconvenientes da velhice.
O vigor é a capacidade de mover um outro corpo como
se quer; ora um corpo move-se necessariamente puxando-o,
111
empurrando-o, elevando-o, apertando-o ou comprimindo-o, de
maneira que, quem é forte, é-o por poder fazer todas estas
coisas ou algumas delas.
A virtude da grandeza consiste em superar os outros em
altura, extensão e largura, com a reserva de que o excesso não
afrouxe os movimentos.
A virtude agonística do corpo é composta de grandeza,
vigor e rapidez (pois também o rápido é vigoroso); com efeito,
quem puder impulsionar as pernas de uma certa maneira, e
movê-las rápida e agilmente, é dotado para a corrida; quem
puder apertar e conter é apto para a luta; quem conseguir
defender-se a soco está apto para o pugilato; quem puder fa-
zer estes dois exercícios é atleta do pancrácio; e quem os pu-
der fazer todos é atleta do pentatlo.
A boa velhice é uma velhice lenta e sem dor; pois não é
boa velhice a do que envelhece rapidamente, nem a do que
envelhece devagar mas com sofrimento. Ela depende das vir-
tudes do corpo e da sorte, pois quem não é saudável nem forte
não estará livre de sofrimento nem viverá uma vida longa e
sem dor sem a ajuda da sorte. À parte o vigor e a saúde, existe
ainda uma outra faculdade de longevidade, pois muitos têm a
vida longa sem as virtudes do corpo. Mas a minúcia destas
questões em nada seria útil para o presente propósito.
O significado de muitos e bons amigos é fácil de com-
preender a partir da definição de amigo: amigo é aquele que
pratica a favor do outro o que julga que é bom para si. Quem
tem muitos destes tem muitos amigos; e se estes são homens
1362a virtuosos, tem bons amigos.
A boa sorte consiste na aquisição ou na posse daqueles
bens cuja causa é a fortuna: de todos, da maior parte ou dos
mais importantes. Ora a fortuna é a causa de algumas coisas
que também as artes proporcionam, e de muitas outras que não
dependem das artes como, por exemplo, as que a natureza
dispensa (e também é possível que a fortuna seja contrária à
natureza). Pois a arte é a causa da saúde, mas é a natureza a
causa da beleza e da estatura. Em geral, os bens procedentes
da fortuna são os que provocam a inveja. A fortuna é também
a causa daqueles bens que não têm explicação lógica, como
quando os restantes irmãos são feios e um deles é belo, ou
quando um homem descobriu um tesouro que os outros não
viram, ou quando a flecha atingiu o companheiro do lado e não
o alvo, ou ainda quando um homem que sempre frequentou
112
um determinado lugar foi o único que faltou, precisamente no
dia em que outros foram pela primeira vez e nele encontraram
a morte. Todos estes casos parecem ser exemplos de boa sorte.
Quanto à virtude, uma vez que ela é o lugar mais apro-
priado para os elogios, defini-la-emos quando nos ocuparmos
do elogio.
6
O OBJECTIVO DA DELIBERAÇÃO:
O BOM E O CONVENIENTE
.ica assim claro que coisas futuras ou presentes se devem
ter em mente na exortação e na dissuasão, pois elas são con-
trárias. Mas como o objectivo do que delibera é o conveniente,
e as pessoas deliberam, não sobre o fim, mas sobre os meios
que a ele conduzem, e como tais meios são o que é convenien-
te sobre as acções e o conveniente é bom, importa dar uma
definição geral dos elementos acerca do bom e do conveniente.
Entendamos por bom o que é digno de ser escolhido em
si e por si, e aquilo em função de que escolhemos outra coisa;
também aquilo a que todos aspiram, tanto os que são dotados
de percepção e razão, como os que puderem alcançar a razão;
tudo o que a razão pode conceder a cada indivíduo, e tudo o
que a razão concede a cada indivíduo em relação a cada coisa,
isso é bom para cada um; e tudo o que, pela sua presença, ou-
torga bem-estar e auto-suficiência; e a própria auto-suficiência; e
o que produz ou conserva esses bens; e aquilo de que tais bens
resultam; e o que impede os seus contrários e os destrói.
As consequências são de dois tipos: simultâneas ou poste-
riores; por exemplo, o conhecimento é posterior à aprendiza-
gem, mas a saúde é simultânea à vida. As causas produtoras
são de três tipos: umas, como o estar são, produzem saúde; ou-
tras, como os alimentos, produzem a saúde; e outras, como o
fazer exercício, dão, em geral, saúde. Estabelecido isto, segue-
-se necessariamente que sejam boas tanto a aquisição de coisas
boas como a perda de coisas más; pois neste caso a consequên-
cia de não ter mais o mal é concomitante, e no primeiro a de
ter o bem é subsequente. O mesmo se aplica à aquisição de um
bem maior em vez de um menor, e de um mal menor em vez
de um maior; pois, naquilo em que o maior excede o menor, 1362b
113
nisso está a aquisição de um e a privação do outro. Também
as virtudes são necessariamente um bem; pois é graças a elas
que os que as possuem desfrutam de bem-estar, e além disso
elas são produtoras de bens e de boas acções. Deverá dizer-se
à parte qual é a natureza e a qualidade de cada uma. O pra-
zer também é um bem; pois todos os seres vivos por nature-
za o desejam. De sorte que as coisas agradáveis e as belas são
necessariamente boas; pois as primeiras produzem prazer e,
das belas, umas são agradáveis e outras desejáveis por si
mesmas.
Ora, para as enumerar uma a uma, direi que as seguintes
coisas são necessariamente boas. A felicidade, porque é desejá-
vel em si mesma e auto-suficiente, e porque para a obter esco-
lhemos muitas coisas. A justiça, a coragem, a temperança, a
magnanimidade, a magnificência e outras qualidades semelhan-
tes, porque são virtudes da alma. A saúde, a beleza e outras
semelhantes, porque são virtudes do corpo e produtoras de
muitos bens; por exemplo, a saúde é produtora do prazer e da
vida, e por isso é tida como a melhor de todas, porque é a
causa das duas coisas que a maioria das pessoas mais preza:
o prazer e a vida. A riqueza, porque é a virtude da proprieda-
de e produtora de muitos bens. O amigo e a amizade, porque
também o amigo é desejável em si mesmo e produz muitos
bens. A honra e a glória, porque também elas são agradáveis e
geradoras de muitos bens, e geralmente se fazem acompanhar
da posse daquelas coisas pelas quais se recebem honras. A ca-
pacidade de falar e de agir, porque todas elas são produtoras
de bens. Ainda o talento natural, a memória, a facilidade de
aprender, a vivacidade de espírito e todas as qualidades do
género, porque estas faculdades são produtoras de bens. De
igual modo todas as ciências e as artes. Também a vida, pois
ainda que nenhum outro bem dela resulte, ela é desejável por
si mesma. E a justiça, porque é conveniente para a comunidade.
Estas são, pois, mais ou menos, as coisas geralmente reco-
nhecidas como bens. No caso de bens duvidosos, os silogismos
formam-se das seguintes premissas. É bom aquilo cujo contrá-
rio é mau. Também o contrário do que convém aos inimigos;
por exemplo, se convém muito aos inimigos que sejamos co-
vardes, é claro que a coragem é o que sobretudo convém aos
cidadãos. E, em geral, o que parece conveniente é o contrário
do que os nossos inimigos desejam ou daquilo de que se rego-
zijam. Por isso se disse: «Certamente que Príamo se alegra-
114
ria.» 52 Nem sempre é o caso, mas geralmente é assim, pois
nada impede que por vezes uma mesma coisa seja vantajosa
para as duas partes contrárias. Por isso se diz que os males
unem os homens, quando uma mesma coisa é prejudicial a um
e a outro. Também o que não é excessivo é bom, e o que é 1363a
maior do que deveria ser é mau. E igualmente o que causou
muito trabalho ou despesa, pois é já um bem aparente, e o tipo
de bem que se toma como um fim, e fim de muitos esforços; e
o fim é um bem. Donde se disse o seguinte: «Para que Príamo
tenha de que se gloriar» 53, e, «É vergonhoso ficares tanto tem-
po» 54 e também o provérbio, «partir-se o cântaro à porta» 55.
Também é bom o que a maioria deseja e o que parece
digno de ser disputado; pois o que todos desejam é sem dúvi-
da bom, e «a maioria» representa aqui «todos». É igualmente
bom o que é objecto de elogio, visto que ninguém louva o que
não é bom. E também o que os inimigos e os malvados lou-
vam; porque, como todos os outros, eles já o reconhecem se
também reconhecem os que sofrem o dano; pois é pela evidên-
cia que o reconhecerão, como também que são maus os que os
amigos censuram e bons os que os inimigos não censuram.
Razão pela qual os Coríntios se sentiram injuriados por Si-
mónides quando este escreveu:
Ílion não censura os Coríntios. 56
É bom também aquilo a que uma mulher ou um homem
sensato ou virtuoso deram a sua preferência, como por exem-
plo Atena a Odisseu, Teseu a Helena, as deusas a Alexandre e
Homero a Aquiles. E, em geral, as coisas preferidas são boas.
Ora as pessoas preferem fazer as coisas que referimos: as más
aos seus inimigos, as boas aos seus amigos, e as que são pos-
síveis. Estas, porém, são de dois tipos: coisas que podem acon-
tecer, e coisas que facilmente acontecem. E são fáceis todas as
que se fazem sem esforço ou em pouco tempo; pois a dificul-
52 Il., 1.255. Dito por Nestor sobre a conveniência para os Troianos
da querela entre Aquiles e Agamémnon.
53 Il., 2.176.
54 Il., 2.298.
55 É difícil precisar o sentido do provérbio. Desconhecido em grego.
56 .r. 36 Diehl.
115
dade define-se pelo esforço ou pela duração do tempo. Tam-
bém o que se faz como se deseja é bom; pois deseja-se o que
não é mau ou um mal menor do que o bem resultante, o que
acontece se ignoramos o castigo ou se este é pequeno. É prefe-
rível também o que é próprio, o que ninguém mais tem e o
que é extraordinário, pois assim é maior a honra. Igualmente o
que se harmoniza com a pessoa; ou seja, o que se lhe adequa
em razão do seu nascimento ou da sua capacidade, e tudo o
que ela pensa que lhe faz falta, por mais pequeno que seja, pois
não deixa de preferir fazê-lo. Igualmente que é de execução
fácil, porque isso é possível pelo facto de ser fácil. Ora são de
fácil execução as coisas que todos, a maior parte, os iguais ou
inferiores, levaram a bom termo. Ainda o que é agradável aos
amigos e odioso aos inimigos. E tudo quanto preferem fazer
os que admiramos. Também aquilo para que somos dotados e
de que temos experiência, pois pensamos que isso será mais
fácil de realizar. E também tudo o que nenhum homem vil
preferiria, pois isso é mais louvável. E tudo o que se deseja,
pois isso parece não só agradável mas também melhor. Acima
de tudo, cada um considera bom aquilo que é objecto do seu
1363b gosto particular; por exemplo: os que gostam de vencer, se
houver vitória; os que gostam de honras, se houver honra; os
que gostam de dinheiro, se houver dinheiro; e assim por dian-
te. No que respeita ao bom e ao conveniente, estas são as pre-
missas de que se devem tirar as provas.
7
GRAUS DO BOM E DO CONVENIENTE
Mas, porque muitas vezes se concorda que duas coisas são
convenientes, e se discorda sobre qual delas o é mais, convirá
em seguida tratar do maior bem e do mais conveniente 57. En-
tendamos, pois, que o excedente é o excedido e algo mais, e que
57 O tópico do maior e menor em termos de grandeza ou importân-
cia é identificado em I 3 1359a como um argumento comum a todas as
espécies de retórica, análogo às questões de possibilidade ou de facto.
Distingue-se do tópico do mais e menos referido em I 2 1358a, que se aplica
a um argumento particular (cf. G. Kennedy, op. cit., pp. 66-67).
116
o excedido está contido no excedente. Maior e mais são sempre
relativos a menos, mas grande e pequeno, muito e pouco são
relativos a uma grandeza média: é grande aquilo que a excede,
e pequeno o que a não atinge; e o mesmo se dirá do muito e do
pouco. Portanto, visto chamarmos bom ao que é preferível em
si e por si, e não por outra coisa, ao que todos os seres desejam
e ao que todo o ser que adquirisse razão e prudência preferiria;
ao que é próprio para produzir e conservar este bem, ou aquilo
a que o bem segue; visto também que aquilo por que se faz algo
é um fim, e o fim é a causa de todo o resto, e que é bom para
cada indivíduo o que relativamente a ele apresenta estas condi-
ções, então o maior número de boas coisas é necessariamente um
bem maior do que uma só coisa ou um número mais pequeno
delas, desde que essa uma ou essas poucas coisas se contem
entre as muitas; pois o maior número excede-as e o que é conti-
do é excedido. E se o máximo de um género excede o máximo
de outro género, o primeiro excede o segundo; e quando o pri-
meiro género é superior ao segundo, o maior do primeiro géne-
ro é superior ao maior do segundo. Por exemplo, se o maior
homem é maior do que a maior mulher, os homens são em ge-
ral maiores do que as mulheres; e se os homens são em abso-
luto maiores do que as mulheres, também o maior homem é
maior do que a maior mulher. Pois a superioridade dos géneros
e a dos seus representantes máximos são análogas.
O mesmo acontece quando um bem é sempre acompanha-
do por outro mas nem sempre o acompanha (a consequência
pode ser concomitante, subsequente ou potencial), pois o uso
da segunda coisa está implícita na primeira. Assim, a vida
acompanha a saúde, mas não a saúde a vida; o conhecimento
acompanha subsequentemente o estudo; e o roubo acompanha
potencialmente o sacrilégio, pois quem comete sacrilégio tam-
bém pode roubar.
As coisas que excedem o que é maior do que algo tam-
bém são maiores do que esse algo, pois são necessariamente
superiores ao maior. E as coisas que produzem um bem maior
são maiores; pois isso era o que entendíamos por causa produ-
tora do maior 58. O mesmo acontece com aquilo cuja causa pro-
dutora é maior; pois se a saúde é preferível ao prazer e um
maior bem, então a saúde é um bem maior do que o prazer.
58 Vide Retórica I 7, 1363b.
117
1364a E o que é mais desejável em si mesmo é superior ao que o não
é em si; por exemplo, a força é um bem maior que a saúde, pois
esta não é desejável por si mesma, ao passo que a força é, e isso
era o que afirmávamos ser o bem. E se uma coisa é um fim e
outra não, o fim é um maior bem; pois uma é desejável por
causa de outra coisa, e a outra por si mesma; por exemplo, o
exercício físico tem por fim o bem-estar do corpo. Igualmente o
que necessita menos de uma ou várias coisas é um maior bem,
porque é mais auto-suficiente, e ter menos necessidade é preci-
sar de menos coisas ou de coisas mais fáceis. E quando uma
coisa não existe ou não pode existir sem outra, mas esta outra
pode existir sem aquela, a que não precisa da outra é mais auto-
-suficiente e, por conseguinte, parece ser um maior bem. Se uma
coisa é princípio e outra não, ela é maior. E se uma coisa é cau-
sa e outra não, ela é maior pela mesma razão; pois sem causa
ou princípio é impossível que uma coisa exista ou venha a exis-
tir 59. Se há dois princípios, a que procede do maior princípio é
maior; e se há duas causas, a que procede da maior causa é
maior. E, inversamente, havendo dois princípios, o princípio da
maior é maior; e havendo duas causas, a causa da maior é maior.
.ica, pois, claro pelo que se disse que uma coisa pode ser maior
em dois sentidos; porque, se uma coisa é princípio e outra não,
a primeira parece ser maior, e igualmente se uma não é princí-
pio mas fim, mas a outra o é; pois o fim é maior, e não o prin-
cípio; como Leódamas disse, acusando Calístrato, que o que
aconselhou cometeu mais injustiça do que o que realizou a ac-
ção, pois não teria havido acção se não tivesse havido quem a
aconselhasse. Inversamente, acusando Cábrias, declarou que o
que tinha executado a acção era mais culpado do que aquele que
a tinha aconselhado; porque a acção não teria sido praticada se
não tivesse havido quem a executasse; pois por esta razão se
aconselha, para que se executem os actos.
O que é raro é também maior do que o abundante. Como
o ouro em relação ao ferro, embora seja menos útil; pois a sua
59 Na Metaph. V 1 Aristóteles regista sete significados da palavra
¢rc», dizendo contudo que todos têm a propriedade comum de ser «o
ponto de partida» de qualquer coisa que existe ou se conhece. Todas as
causas são ¢rca, mas nem todas as ¢rca são causas: a quilha de um
navio, por exemplo, ou o alicerce da uma casa (cf. G. Kennedy, op. cit.,
p. 69, n. 132).
118
posse constitui um maior bem, por ser de mais difícil aquisi-
ção. Mas, de um outro modo, o abundante é preferível ao raro,
porque a sua utilidade é maior, pois «muitas vezes» excede
«poucas»; donde se diz, o melhor é a água 60.
Em geral, o mais difícil é maior que o mais fácil, pois é
mais raro. Mas, de outro modo, o mais fácil é maior que o mais
difícil, pois corresponde ao que desejamos. É também mais
importante aquilo cujo contrário é maior e cuja privação é
maior. A virtude supera o que não é virtude, e o vício o que
não é vício, pois as virtudes e os vícios são fins e os contrários
não. E aquelas coisas cujas obras são mais nobres e mais feias
são também maiores, e as obras daquelas coisas cujos vícios e
cujas virtudes são maiores serão também maiores, pois tal
como são as causas e os princípios assim são os efeitos, e tal
como são os efeitos assim são também as causas e os princí-
pios. Coisas cuja superioridade é mais desejável e mais bela são
também preferíveis; por exemplo: é preferível ter acuidade vi-
sual a ter a olfactiva, pois a visão é melhor do que o olfacto.
É mais belo amar mais os amigos do que o dinheiro, de sorte 1364b
que o amor aos amigos é mais belo do que o amor ao dinhei-
ro. Inversamente, o excesso das coisas melhores é melhor, e o
das coisas mais belas, mais belo. Igualmente, as coisas cujos de-
sejos 61 são mais belos ou melhores; pois os maiores apetites são
os dos objectos maiores; e os desejos dos objectos mais belos
ou melhores são, pela mesma razão, melhores e mais belos.
E quanto mais belas e virtuosas são as ciências, tanto mais
belos e virtuosos são os seus objectos; pois, assim como é a
ciência, assim é a verdade, e cada ciência é soberana no seu
próprio domínio. E as ciências das coisas mais virtuosas e be-
las são análogas pelas mesmas razões. E o que as pessoas sen-
satas todas, muitas, a maioria, ou as mais qualificadas
julgariam ou têm julgado como um bem ou um bem maior, é-
-o necessariamente assim, ou em absoluto ou na medida da
sensatez com que emitiram o seu juízo. Mas isto é comum tam-
bém às outras coisas; pois a substância, a quantidade e a qua-
lidade de uma coisa são como as podem definir a ciência e a
60 Píndaro, O., 1.1.
61 !Epiquma é o desejo que nasce dos apetites, o desejo concupis-
cente, por relação a boÚlhsij ou desejo intencional.
119
sensatez. Mas nós temo-lo dito a respeito dos bens, pois defini-
mos como bem o que cada um escolheria para si se fosse sen-
sato. É, pois, claro que é maior o que a sensatez aconselha mais.
É preferível também o que existe nos melhores, ou em absolu-
to, ou na medida em que são melhores; por exemplo, a cora-
gem é melhor do que a força. De igual modo o que escolheria
o melhor, ou absolutamente ou na medida em que é melhor;
por exemplo, sofrer a injustiça mais do que cometê-la 62, pois
isso é o que escolheria o mais justo. E o que é mais agradável
é maior que o menos agradável; pois todos os seres buscam o
prazer e por ele se deixam seduzir; e estes são os critérios pe-
los quais temos definido o bem e o fim. É mais agradável o
prazer menos doloroso e o que dura mais tempo. E também o
mais belo que o menos belo; pois o belo é o agradável ou o
desejável em si mesmo. E todas as coisas de que os homens
mais desejam ser autores, quer para si mesmos quer para os
amigos, são bens maiores, e são maiores males aquelas coisas
de que eles menos o desejam. E as coisas mais duráveis são
melhores que as menos duráveis, e as mais seguras que as
menos seguras; porque o uso das primeiras é superior em tem-
po, e o das segundas em desejo; pois podemos fazer um maior
uso de coisas que são seguras quando as desejamos.
E assim como se seguem as correlações de termos e as for-
mas de flexão semelhantes, seguem-se também as demais coi-
sas; por exemplo, se «corajosamente» é mais belo e preferível a
«temperadamente», a coragem é também preferível à tempe-
rança, e ser corajoso a ser temperado. E o que todos preferem
é melhor do que o que nem todos preferem; e o que a maioria
prefere é melhor do que o que prefere a minoria; pois, como
1365a dissemos, o bem é o que todos desejam, de sorte que será
maior bem o que mais se deseja. Também o que preferem os
oponentes, ou os inimigos, ou os juízes ou aqueles a quem estes
julgam; pois, num caso é, por assim dizer, o veredicto de todo
o povo, no outro, o das autoridades e dos competentes. Umas
vezes é maior bem aquilo de que todos participam, pois seria
uma desonra não participar; mas outras é aquilo de que nin-
guém ou muito poucos participam, pois é mais raro. Também
as coisas mais dignas de elogio, porque são mais belas. E de
igual modo aquelas cujas honras são maiores, pois a honra é
62 Vide Górgias, 469c2.
120
uma espécie de recompensa pelo mérito. E aquelas cujas penas
são maiores. E as que são maiores do que as que se reconhe-
cem como grandes ou o parecem. Também as mesmas coisas
parecem maiores quando divididas em partes; pois parecem su-
periores a um maior número de coisas. Pelo que também diz o
poeta que as seguintes palavras persuadiram Meléagro a
levantar-se para lutar:
Quantos males sobrevêm aos homens cuja cidade é to-
mada; o povo perece, o fogo destrói a cidade, e estranhos
levam os filhos. 63
A combinação e acumulação, como em Epicarmo, produ-
zem o mesmo efeito, pela mesma razão que a divisão (pois a
combinação mostra grande superioridade) e porque isso pare-
ce ser a origem e a causa de grandes coisas. E porque o mais
difícil de obter e o mais raro é maior, também as ocasiões, as
idades, os lugares, os tempos e as faculdades engrandecem as
coisas. Pois se uma pessoa faz coisas acima da sua capacidade,
da sua idade, e do que os seus semelhantes podem fazer, e se
essas coisas se fazem de tal maneira, em tal lugar ou em tal
tempo, terão a grandeza das coisas belas, boas e justas, e dos
seus contrários; donde o epigrama ao vencedor olímpico:
Antes, levando aos ombros um duro jugo, transpor-
tava peixe de Agros para Tegeia. 64
E Ifícrates louvava-se a si mesmo dizendo donde tinha
chegado a tão alto. Também o que é natural é maior do que o
adquirido, porque é mais difícil. Donde também diz o poeta:
Eu sou o meu próprio mestre. 65
E a maior parte do grande é também mais desejável; como
Péricles disse, na sua oração fúnebre, que a juventude fora ar-
rebatada da cidade como se do ano se tivesse arrancado a Pri-
mavera. Também o que é útil em situações de maior necessi-
63 Il., 9.592-594.
64 Simónides, fr. 110 Diehl.
65 Od., 22.347.
121
dade; por exemplo, na velhice e nas enfermidades. E, de duas
coisas, é preferível a que está mais próxima do seu fim. Tam-
bém a que é útil a uma pessoa é preferível à que é útil em
absoluto. E a que é possível é preferível à impossível, pois uma
é-nos útil e a outra não. Também as coisas que pertencem ao
fim da vida; pois são mais fins as que estão próximas do fim.
E as que são conformes à verdade são preferíveis às que são
1365b conformes à opinião. O que é conforme à opinião define-se
como aquilo que não se escolheria se devesse ficar oculto.
E por isso poderia parecer que é preferível receber um benefí-
cio a fazê-lo; pois escolher-se-ia o primeiro ainda que passasse
despercebido, mas parece que não se escolheria fazer o benefí-
cio se ele ficasse oculto. São preferíveis também aquelas coisas
que se querem mais em realidade do que na aparência, porque
estão mais próximas da verdade. E por isso se diz que a jus-
tiça tem pouco valor, porque nela o parecer é preferível ao ser.
Não é esse, porém, o caso da saúde. Prefere-se também o que
é mais útil sob múltiplos aspectos; por exemplo, o que é mais
útil para viver, viver bem, sentir prazer, e praticar belas acções.
Por isso, a riqueza e a saúde parecem ser os maiores bens; pois
têm todas estas qualidades. E o que é menos doloroso e é
acompanhado de prazer é um maior bem; pois é mais do que
um bem, uma vez que o prazer e a ausência de dor são ambos
bens. E, de dois bens, o maior é o que, acrescentado ao mes-
mo, faz o todo maior. E as coisas cuja presença não passa des-
percebida são maiores do que aquelas em que passa, pois
aproximam-se mais da verdade. Por isso, ser rico parecerá ser
um maior bem do que aparentá-lo. E o que é muito apreciado,
ou porque é único, ou porque é acompanhado por outras coi-
sas, é um maior bem. Por isso a pena não é igual se alguém
tira um olho a quem só tem um, ou o tira a quem tem os dois,
pois aquele se priva do que mais aprecia.
Temos até aqui enumerado quase todas as premissas de
que é necessário tirar as provas para aconselhar e dissuadir.
8
SOBRE AS .ORMAS DE GOVERNO
O maior e mais eficaz de todos os meios para se poder
persuadir e aconselhar bem é compreender as distintas formas
122
de governo, e distinguir os seus caracteres 66, instituições e in-
teresses particulares. Pois todos se deixam persuadir pelo que
é conveniente, e o que preserva o Estado é conveniente 67. Além
disso, é soberana a manifestação do soberano, e as manifesta-
ções de soberania variam consoante as formas de governo; pois,
quantas são as formas de governo, tantas são também as ma-
nifestações de soberania. São quatro as formas de governo:
democracia, oligarquia, aristocracia e monarquia; de sorte que
o poder soberano e o de decisão está sempre em parte dos ci-
dadãos ou no seu todo. A democracia é uma forma de gover-
no em que as magistraturas se repartem por sorte 68. A oligar-
quia é uma forma de governo em que elas se atribuem segundo
o censo. A aristocracia é uma forma de governo em que elas se
atribuem com base na educação. Chamo educação à que é
estatuída pela lei, pois os que permanecem fieis às leis são os
que governam na aristocracia; eles parecem necessariamente os
melhores, e é daí que esta forma de governo recebeu o nome.
A monarquia é, como o nome indica, a forma de governo em
que um só é senhor de todos; e, de entre as monarquias, a que 1366a
exerce o poder sujeita a uma certa ordem é reino, e a que o
exerce sem limites é tirania.
Não se deve ignorar o fim de cada uma destas formas de
governo, pois as coisas escolhem-se em função do seu fim. Ora
o fim da democracia é a liberdade, o da oligarquia a riqueza, o
66 O texto de W. D. Ross, na edição de Oxford, regista a lição
½qh (sicut A), em vez de qh (QP e G) adoptada por Spengel, Cope e
Tovar. Esta leitura, como diz Racionero, favorece toda a argumenta-
ção de 1366a8-16, «con el expreso paralelismo ½qh tîn politewn de
1366a12» (Retórica, Introducción, traducción y notas, Madrid, Gredos,
1990, p. 236).
67 É com este enquadramento político do «conveniente» que Aristó-
teles encerra o estudo da oratória deliberativa. E compreende-se, porque,
como assinala Quintín Racionero, Aristóteles confirma e amplia progres-
sivamente na sua obra a tese «de la subordinación de las reflexiones so-
bre la praxis al marco del saber político: vid. Ethica Nicomachea 1. 2 y 8.9,
esp. 1160a10-30» (Retórica, Introducción, traducción y notas, Madrid, Gre-
dos, 1990, pp. 236-238, n. 208).
68 .orma característica de eleição nas democracias mais radicais da
Grécia, incluindo a de Atenas. Resulta da compreensão de que todos os
cidadãos são iguais e igualmente qualificados para participar no governo
da cidade.
123
da aristocracia a educação e as leis, e o da tirania a defesa
pessoal. Torna-se, portanto, claro que é em relação ao fim de
cada uma destas formas de governo que se devem distinguir
os hábitos, as instituições e os interesses, visto que é em rela-
ção ao fim que a escolha se faz. Ora, como as provas por per-
suasão não só procedem do discurso epidíctico mas também
do ético (pois depositamos confiança no orador na medida em
que ele exibe certas qualidades, isto é, se nos parece que é
bom, bem disposto ou ambas as coisas), será necessário que
dominemos os caracteres de cada forma de governo; pois o
carácter de cada uma dessas formas é necessariamente o ele-
mento mais persuasivo em cada uma delas. E estes caracteres
conhecer-se-ão pelos mesmos meios; pois os caracteres ma-
nifestam-se segundo a intenção e a intenção é dirigida para
um fim.
Acabam de ser referidos, na medida que convém ao as-
sunto na presente ocasião, os fins futuros ou actuais a que
devem chegar os que aconselham, as premissas de que eles
devem tirar as provas por persuasão sobre o que convém, bem
como o modo e os meios de obter conhecimento sobre os ca-
racteres e instituições de cada forma de governo; pois este as-
sunto discutiu-se em pormenor na Política.
9
A RETÓRICA EPIDÍCTICA
Depois disto, falemos da virtude e do vício, do belo e
do vergonhoso; pois estes são os objectivos de quem elogia
ou censura. Com efeito, sucederá que, ao mesmo tempo que
falarmos destas questões, estaremos também a mostrar aque-
les meios pelos quais deveremos ser considerados como pes-
soas de um certo carácter. Esta era a segunda prova; pois é
pelos mesmos meios que poderemos inspirar confiança em
nós próprios e nos outros no que respeita à virtude. Mas,
como muitas vezes acontece que, por brincadeira ou a sério,
louvamos não só um homem ou um deus mas até seres ina-
nimados ou qualquer animal que se apresente, devemos de
igual modo prover-nos de premissas sobre estes assuntos.
.alemos, portanto, também delas, pelo menos a título de
exemplo.
124
Pois bem, o belo 69 é o que, sendo preferível por si mes-
mo, é digno de louvor; ou o que, sendo bom, é agradável por-
que é bom. E se isto é belo, então a virtude é necessariamente
bela; pois, sendo boa, é digna de louvor. A virtude é, como
parece, o poder de produzir e conservar os bens, a faculdade
de prestar muitos e relevantes serviços de toda a sorte e em
todos os casos. Os elementos da virtude são a justiça, a cora- 1366b
gem, a temperança, a magnificência, a magnanimidade, a libe-
ralidade, a mansidão, a prudência e a sabedoria. As maiores
virtudes são necessariamente as que são mais úteis aos outros,
posto que a virtude é a faculdade de fazer o bem. Por esta
razão se honram sobretudo os justos e os corajosos; pois a vir-
tude destes é útil aos demais na guerra, e a daqueles é útil
também na paz. Segue-se a liberalidade; pois os liberais são
generosos e não disputam sobre as riquezas, que é o que mais
cobiçam os outros. A justiça é a virtude pela qual cada um
possui os seus bens em conformidade com a lei; e a injustiça é
o vício pelo qual retém o que é dos outros, contrariamente à
lei. A coragem é a virtude pela qual se realizam belas acções
no meio do perigo, como ordena a lei e em obediência à lei; o
contrário é covardia. A temperança é a virtude pela qual uma
pessoa se conduz como a lei manda em relação aos prazeres
do corpo. O contrário é a intemperança. A liberalidade é a vir-
tude de fazer bem com o dinheiro. A avareza é o contrário.
A magnanimidade é uma virtude produtiva de grandes bene-
fícios; a mesquinhez, o seu contrário. A magnificência é a vir-
tude de fazer coisas grandes e custosas; a mesquinhez e a mi-
séria, os seus contrários. A prudência é a virtude da inteligência
mediante a qual se pode deliberar adequadamente sobre os
bens e os males de que falámos em relação à felicidade.
Sobre a virtude e o vício em geral, bem como sobre as suas
partes, chega de momento o que dissemos. Quanto ao resto,
não é difícil de ver; pois é evidente que tudo o que produz a
virtude é necessariamente belo (porque tende para a virtude),
assim como é belo o que procede da virtude; e são estes os
sinais e as obras da virtude. Mas como são belos os sinais de
virtude e todas as coisas que são obras ou experiências de um
69 Este capítulo ocupa-se das virtudes e do conceito de tÕ kalÒn, «o
belo», «o nobre» e seu contrário «o feio», «o vergonhoso», como funda-
mentos de elogio e censura na retórica epidíctica.
125
homem bom, segue-se necessariamente que todas as obras ou
sinais de coragem e todos os actos corajosamente praticados são
igualmente belos; também as coisas justas e as obras feitas com
justiça são belas (mas não as justamente sofridas, pois esta é a
única virtude em que nem sempre é belo o que se faz com
justiça, antes é mais vergonhoso ser castigado justa do que in-
justamente). E o mesmo acontece com as demais virtudes. Tam-
bém são belas todas as coisas cujo prémio é a honra; e as que
visam mais a honra do que o dinheiro. Igualmente as coisas
desejáveis que uma pessoa não faz por amor de si mesma;
coisas que são absolutamente boas, como as que uma pessoa
fez pela sua pátria, descuidando embora o seu próprio interes-
se; coisas que são boas por natureza; e as que são boas, embo-
ra o não sejam para o próprio, pois estas últimas sê-lo-iam por
1367a egoísmo; são belas as coisas que é possível ter depois da morte
mais do que durante a vida; pois o que se faz em vida tem um
fim mais interesseiro. Também todas as obras que se fazem em
benefício dos outros, pois são mais desinteressadas; e todos os
êxitos obtidos para outros, mas não para o próprio; nomeada-
mente para os benfeitores, porque isso é justo. E os actos de
beneficência, pois são desinteressados. Também o contrário
daquelas coisas de que nos envergonhamos; pois envergonha-
mo-nos de palavras, acções e intenções vergonhosas, como tam-
bém Safo que, ao dizer-lhe Alceu, «Quero dizer algo, mas a
vergonha mo impede» 70, escreveu:
Se tivesses o desejo de coisas boas e belas, e a tua lín-
gua se não movesse para dizer alguma inconveniência, a
vergonha não te dominaria os olhos, antes falarias do que
é justo. 71
Também são belas as coisas pelas quais o homem luta sem
temor; pois, no que toca aos bens que conduzem à glória, é isso
que lhe sucede. E são mais belas as virtudes e as acções das
pessoas que são mais distintas por natureza como, por exem-
plo, as do homem mais do que as da mulher. Também aquelas
que são mais proveitosas para os outros do que para nós; por
isso o justo e a justiça são coisas belas. Vingar-se dos inimigos
70 Cf. Anth. lyr. Bergk-Hiller, fr. 42.
71 Cf. Safo, fr. 138 Campbell.
126
é mais belo do que reconciliar-se com eles 72, pois é justo pagar
com a mesma moeda, e o que é justo é belo, e é próprio do
homem corajoso não se deixar vencer. Também a vitória e a
honra se contam entre as coisas belas, pois são preferíveis
mesmo que infrutíferas e manifestam superioridade de virtu-
de. Belos são ainda os actos memoráveis, e tanto mais belos
quanto mais durável for a memória deles. Também os que nos
seguem depois da morte, os que a honra acompanha, os que
são extraordinários, e os que a um só pertencem são mais be-
los, porque mais memoráveis. Ainda os bens improdutivos,
pois são mais próprios de um homem livre. São belos também
os usos característicos de cada povo, e tudo o que em cada um
deles é sinal de elogio; por exemplo, entre os Lacedemónios é
belo usar o cabelo comprido, pois isso é sinal de um homem
livre, e não é fácil fazer um trabalho servil quando se tem o
cabelo comprido. É igualmente belo não exercer nenhum ofício
vulgar, pois é próprio de um homem livre não viver na depen-
dência de outrem.
No que concerne ao elogio e à censura, devemos assumir
como idênticas às qualidades existentes aquelas que lhes estão
próximas; por exemplo, que o homem cauteloso é reservado e
calculista, que o simples é honesto, e o insensível é calmo; e,
em cada caso, tirar proveito destas qualidades semelhantes
sempre no sentido mais favorável; por exemplo, apresentar o
colérico e furioso como franco, o arrogante como magnificente
e digno, e os que mostram algum tipo de excesso como se 1367b
possuíssem as correspondentes virtudes; por exemplo, o teme-
rário como corajoso e o pródigo como liberal; pois assim o
parecerá à maioria, e ao mesmo tempo se pode deduzir um
paralogismo 73 a partir da causa; pois, se uma pessoa se expõe
ao perigo sem necessidade, parecerá muito mais disposta a
fazê-lo quando o perigo for belo e, se for generosa com os que
por acaso encontra, também o será com os amigos; pois é ex-
cesso de virtude fazer bem a todos. Importa também ter em
conta as pessoas ante as quais se faz o elogio; pois, como
Sócrates dizia, não é difícil elogiar atenienses na presença de
atenienses. Convém ainda falar do que é realmente honroso em
72 Pois, segundo a Retórica I 9, 1366b, é justo que a cada um se dê o
que lhe é devido.
73 Argumento falacioso.
127
cada auditório; por exemplo, entre os Citas, os Lacedemónios
ou os filósofos. E, de um modo geral, o que é honroso deverá
ser classificado como belo, já que, segundo parece, o honroso e
o belo são semelhantes. E todas as acções que são como con-
vém são belas; como, por exemplo, as que são dignas dos an-
tepassados ou de feitos anteriores; pois adquirir mais honra
conduz à felicidade e é belo. Também se se ultrapassa o que
convém para algo melhor e mais belo; como, por exemplo, se
alguém é moderado na ventura, e magnânimo na desventura,
ou se se revela melhor e mais conciliador à medida que se ele-
va. .oi esse o sentido da palavra de Ifícrates, «donde eu parti e
a que cheguei!»; e do vencedor olímpico, «Antes suportando sobre
os meus ombros um duro» 74; e de Simónides, «Ela, cujo pai, ma-
rido e irmãos foram tiranos» 75.
Ora, como o elogio se faz de acções e é próprio do ho-
mem honesto agir por escolha, é preciso empenharmo-nos em
demonstrar que ele agiu por escolha. É igualmente útil mos-
trar que agiu assim muitas vezes. Por isso, também as coinci-
dências e as causalidades se devem entender como actos inten-
cionais; pois se se produzirem muitas acções semelhantes,
parecerá que elas são sinais de virtude e de intenção.
O elogio 76 é um discurso que manifesta a grandeza de
uma virtude. É, por conseguinte, necessário mostrar que as
acções são virtuosas. Mas o encómio refere-se às obras (e as
circunstâncias que as rodeiam concorrem para a prova, como,
por exemplo, a nobreza e a educação; pois é provável que de
bons pais nasçam bons filhos, e que o carácter corresponda à
educação recebida). E por isso fazemos o encómio de quem
74 Simónides, fr. 110 Diehl.
75 Ibidem, fr. 85 Diehl.
76 A distinção entre elogio e encómio encontra-se igualmente na
Ethica Eudemia II 1, 1219b8, e na Ethica Nicomachea I 2, 1101b31-34, se bem
que com base em critérios distintos. No primeiro passo, gkèmion é a nar-
ração de obras particulares, e painoj a de uma distinção da carácter ge-
ral. Mas, no segundo, painoj e gkèmion são termos usados para explicar
que elogiamos por acções e por obras, remetendo-se o elogio especifica-
mente à virtude das acções, e o encómio à das obras. No uso corrente da
língua grega, painoj é um termo geral para elogio ou louvor, e assim
usado em muitos contextos; ao passo que gkèmion se assume geralmente
como género retórico.
128
realizou algo. As obras são sinais do carácter habitual de uma
pessoa; pois elogiaríamos até quem nenhuma fez, se estivésse-
mos convencidos de que era capaz de a fazer. A bênção e a
felicitação são idênticas uma à outra, não são, porém, o mes-
mo que o elogio e o encómio. Mas, como a felicidade engloba
a virtude, também a felicitação engloba estes 77.
O elogio e os conselhos 78 pertencem a uma espécie co-
mum; pois o que se pode sugerir no conselho torna-se encómio
quando se muda a forma de expressão. Quando, portanto, sa- 1368a
bemos o que devemos fazer e como devemos ser, basta que,
para estabelecer isso como conselho, se mude a forma de ex-
pressão e se dê a volta à frase; dizendo, por exemplo, que
importa não nos orgulharmos do que devemos à fortuna, mas
só do que devemos a nós mesmos. Dito assim, tem a força de
um conselho; mas, expresso como elogio, será: ele não se sente
orgulhoso do que deve à fortuna, mas apenas do que deve a si
próprio. De sorte que, quando quiseres elogiar, olha para o
conselho que se poderá dar; e quando quiseres dar um conse-
lho, olha para o que se pode elogiar. A forma de expressão será
necessariamente contrária quando a proibição se transforma em
não-proibição.
Devemos igualmente empregar muitos meios de amplifi-
cação 79; por exemplo, se um homem agiu só, ou em primeiro
lugar, ou com poucas pessoas, ou se teve a parte mais relevan-
te na acção; pois todas estas circunstâncias são belas. Também
as derivadas dos tempos e das ocasiões, em especial as que
superam a nossa expectação. Também se um homem teve
muitas vezes sucesso na mesma coisa; pois esta é grande e
parecerá devida, não à fortuna, mas a si próprio. Ainda se es-
tímulos e honras foram inventados e estabelecidos por sua cau-
sa; e se ele foi o primeiro a receber um encómio, como Hipó-
loco, ou lhe foi erguida uma estátua na praça pública, como a
77 Por relação com «elogio» e «encómio», a «bênção» e a «felicitação»
referem-se a uma forma mais elevada de louvor, o qual implica o elogio
e o encómio, e se reserva tanto aos seres divinos como aos humanos que
mais se aproximam dos deuses (Ethica Nicomachea I 2, 1101b31-34).
78 O termo Øpoq»kh deve entender-se como sinónimo de sumboul»,
«conselho».
79 A aÜxhsij, amplificação, é especialmente característica do género
epidíctico.
129
Harmódio e Aristogíton. Semelhantemente também nos casos
contrários. E se nele não se encontrar matéria suficiente para o
elogio, é necessário compará-lo com outros, como o fazia Isó-
crates, por não estar habituado à oratória judicial. Deve-se,
porém, comparar com pessoas de renome, pois resulta amplifi-
cado e belo se se mostrar melhor que os virtuosos.
A amplificação enquadra-se logicamente nas formas de
elogio, pois consiste em superioridade, e a superioridade é uma
das coisas belas. Pelo que, se não é possível comparar alguém
com pessoas de renome, é pelo menos necessário compará-lo
com as outras pessoas, visto que a superioridade parece reve-
lar a virtude. Entre as espécies comuns a todos os discursos, a
amplificação é, em geral, a mais apropriada aos epidícticos;
pois estes tomam em consideração as acções por todos aceites,
de sorte que apenas resta revesti-las de grandeza e de beleza.
Os exemplos, por seu turno, são mais apropriados aos discur-
sos deliberativos; pois é com base no passado que adivinha-
mos e julgamos o futuro. E os entimemas convêm mais aos
discursos judiciais; pois o que se passou, por ser obscuro, re-
quer sobretudo causa e demonstração.
.icam assim referidas as fontes de quase todos os elogios
e censuras, os elementos a ter em vista quando importa elogiar
e censurar, e as fontes dos encómios e das invectivas; pois,
adquiridas estas noções, são evidentes os seus contrários; por-
que a censura deriva dos contrários.
10
RETÓRICA JUDICIAL: A INJUSTIÇA E SUAS CAUSAS
1368b No que respeita à acusação e à defesa, poderemos em se-
guida falar do número e da qualidade das premissas de que se
devem construir os silogismos. Importa considerar três coisas:
primeiro, a natureza e o número das razões pelas quais se co-
mete injustiça; segundo, a disposição dos que a cometem; ter-
ceiro, o carácter e a disposição dos que a sofrem. .alaremos
ordenadamente destas questões, depois de haver definido o que
é cometer uma injustiça. Entendamos por cometer injustiça cau-
sar dano voluntariamente em violação da lei. Ora a lei ou é
particular ou comum. Chamo particular à lei escrita pela qual
se rege cada cidade; e comuns, às leis não escritas, sobre as
130
quais parece haver uma acordo unânime entre todos. As pes-
soas agem voluntariamente quando sabem o que fazem, e não
são forçadas. Ora os actos voluntários nem sempre se fazem
premeditadamente; mas todos os actos premeditados se fazem
com conhecimento, pois ninguém ignora o que decide fazer. Os
motivos pelos quais premeditadamente se causa dano e proce-
de mal em violação da lei são a maldade e a intemperança;
pois, se algumas pessoas têm um ou mais vícios, naquilo em
que são viciosas são também injustas; por exemplo, o avarento
em relação ao dinheiro, o licencioso em relação aos prazeres
do corpo, o efeminado em relação à indolência, o covarde em
relação aos perigos (pois os covardes abandonam por medo os
seus companheiros no perigo), o ambicioso pelo seu desejo de
honra, o colérico pela ira, o amante de triunfo pela vitória, o
rancoroso pelo desejo de vingança, o insensato por confundir
o justo e o injusto, e o insolente pelo desprezo da opinião dos
outros. E semelhantemente com os demais, cada um em rela-
ção ao objecto do seu vício.
Mas o que se refere a isto é claro, em parte pelo que dis-
semos sobre as virtudes, e em parte pelo que diremos sobre as
paixões. Resta-nos, porém, dizer por que causa se comete in-
justiça, com que disposição e contra quem. Primeiro, distinga-
mos o que nos propomos alcançar ou evitar quando tentamos
cometer injustiça; pois é evidente que o acusador deve exami-
nar o número e a natureza das coisas que existem no adversá-
rio, e todos desejam quando fazem mal ao próximo, e o defen-
sor deve examinar a natureza e o número das que nele não
existem. Ora todos fazem tudo, umas vezes não por iniciativa
própria, outras vezes por iniciativa própria. Das coisas não fei-
tas por iniciativa própria, umas fazem-se ao acaso, outras por
necessidade; e das que se fazem por necessidade, umas são por
coacção, outras por natureza. De sorte que todas as coisas que
se não fazem por iniciativa própria são resultado do acaso, da
natureza ou da coacção. Mas as que se fazem por iniciativa 1369a
própria e de que os próprios são autores, umas fazem-se por
hábito, outras por desejo, umas vezes pelo desejo racional,
outras vezes pelo irracional. A vontade é um desejo racional
do bem, pois ninguém quer algo senão quando crê que é bom;
mas a ira e a concupiscência são desejos irracionais. De manei-
ra que tudo quanto se faz, necessariamente se faz por sete cau-
sas: acaso, natureza, coacção, hábito, razão, ira e concupiscên-
cia. Mas, distinguir as acções na base da idade, dos hábitos
131
morais ou de quaisquer outros motivos é supérfluo; pois, se
acontece que os jovens são irascíveis e concupiscentes, não é
pela sua juventude que agem assim, mas por ira e concupis-
cência. Nem tão-pouco por riqueza ou pobreza. Sucede, porém,
que os pobres desejam o dinheiro pela sua indigência, e os ri-
cos desejam os prazeres desnecessários pela sua abundância.
E também estes agem assim, não por riqueza ou pobreza, mas
pelo seu desejo concupiscente. Semelhantemente, os justos e os
injustos, e todos quantos se diz que agem de acordo com a sua
maneira de ser agirão por estes motivos: ou por razão ou por
paixão; uns, porém, por caracteres e paixões honestas, e outros,
pelos seus contrários. Acontece que a umas maneiras de ser se
seguem umas acções, e a outras, outras; pois talvez no tempe-
rante, por ser temperante, se manifestem opiniões e desejos
bons acerca das coisas agradáveis, mas acerca das mesmas se
manifeste no intemperante o contrário. Por isso, devemos pôr
de lado estas distinções, e examinar as consequências habituais
de certas qualidades; pois, se uma pessoa é branca ou preta,
alta ou baixa, nada é determinado em consequência de tais
qualidades, mas, se ela é nova ou velha, justa ou injusta, já é
diferente. E, em geral, devemos considerar todas as circunstân-
cias que fazem diferenciar os caracteres dos homens; por exem-
plo, se uma pessoa se considera rica ou pobre, feliz ou infeliz,
fará alguma diferença. Mas falaremos disso mais tarde; por
agora, falemos em primeiro lugar do que resta do nosso tema.
Resultam do acaso os factos cuja causa é indeterminada,
aqueles que se não produzem em vista de um fim, nem sem-
pre, nem geralmente, nem de modo regular. Tudo isto é evi-
dente da definição do acaso. Resultam da natureza todos os
1369b factos que têm uma causa interna e regular; pois produzem-se
sempre ou geralmente da mesma maneira. Quanto aos que são
contrários à natureza, nenhuma necessidade há de precisar se
eles se produzem por uma causa natural ou por alguma outra;
pois poderia parecer que o acaso é também a causa de tais
coisas. Resultam da coacção os actos que se produzem contra
o desejo e os raciocínios dos mesmos que os praticam. E resul-
ta do hábito o que se faz por se haver feito muitas vezes. .a-
zem-se por cálculo os actos que, dos bens mencionados 80, pa-
recem ser convenientes ou como fins ou como meios para
80 Retórica I 6.
132
atingir um fim, quando são feitos por conveniência; pois tam-
bém os intemperantes praticam alguns actos convenientes, não
porém por conveniência, mas por prazer. Por paixão e ira se
cometem os actos de vingança. Mas há uma diferença entre
vingança e castigo; pois o castigo é infligido no interesse do
paciente, e a vingança no interesse daquele que a exerce com o
fim de se satisfazer.
Sobre o que é a ira, mostrá-lo-emos quando falarmos das
paixões 81. .az-se pelo desejo tudo o que parece agradável. Tam-
bém o familiar e o habitual se contam entre as coisas agradá-
veis; pois muitas coisas que não são naturalmente agradáveis se
fazem com prazer quando se tornam habituais. Assim, em resu-
mo, todos os actos que os homens praticam por si mesmos são
realmente bons ou parecem sê-lo, são realmente agradáveis ou
parecem sê-lo. Ora, como os homens fazem voluntariamente o
que fazem por si mesmos, e involuntariamente o que não fazem
por si mesmos, segue-se que tudo o que fazem voluntariamente
será bom ou aparentemente bom, será agradável ou aparente-
mente agradável. Com efeito, incluo no número das coisas boas
a libertação das que são más ou parecem más, ou a troca de um
mal maior por um menor (pois são até certo ponto desejáveis);
e igualmente no número das coisas agradáveis a libertação das
que são ou parecem molestas, ou ainda a troca de uma mais
molesta por outra que o é menos. Devemos, pois, familiarizar-
-nos com o número e a qualidade das coisas convenientes e
agradáveis. Ora, como já falámos do conveniente ao tratarmos
do género deliberativo, falemos agora do agradável. Devemos,
entretanto, considerar suficientes as nossas definições se elas
em cada caso não forem obscuras nem rigorosas 82.
11
O PRAZER COMO MATÉRIA DE ORATÓRIA JUDICIAL
Admitamos que o prazer é um certo movimento da alma
e um regresso total e sensível ao seu estado natural, e que a
dor é o contrário. Ora, se esta é a natureza do prazer, é evi- 1370a
81 Ibidem, II 2.
82 Demasiado técnicas.
133
dente que o que produz a disposição referida é agradável, e o
que a destrói ou produz o movimento contrário é doloroso.
É, portanto, em geral, necessariamente agradável tender para o
nosso estado natural, e principalmente quando recuperam a sua
própria natureza as coisas que se produzem conforme ela. Os
hábitos são igualmente agradáveis; porque o que é habitual
acontece já como se fosse natural, pois o hábito é de algum
modo semelhante à natureza; com efeito, o que acontece mui-
tas vezes está próximo do que acontece sempre; a natureza é
própria do que acontece sempre, e o hábito do que acontece
muitas vezes 83. É agradável também o que não resulta da
coacção, pois a coacção é contrária à natureza. Por isso o que é
necessário é doloroso, e com razão se disse:
Toda a acção imposta por necessidade é naturalmente
penosa. 84
As preocupações, o esforço e a aplicação intensa são dolo-
rosos; porque envolvem a necessidade e a coacção, se não fo-
rem habituais; pois neste caso o hábito fá-los agradáveis. Os
seus contrários são agradáveis; por isso as distracções, a ausên-
cia de trabalhos e cuidados, os jogos, o descanso e o sono se
contam entre as coisas agradáveis, pois nada disto se faz por
necessidade. Agradável é também tudo aquilo de que temos
em nós o desejo, pois o desejo é apetite do agradável. Dos
desejos, uns são irracionais e outros racionais. Chamo irracio-
83 E. M. Cope (An Introduction to Aristotles Rhetoric, Hildesheim,
1970, pp. 226-228) estuda as principais variantes do termo «hábito» (qoj)
em Aristóteles. Na Ethica Nicomachea II 1, 1103a14-26, o hábito é apresen-
tado como a causa das virtudes que se referem ao carácter ou às virtudes
éticas, por oposição às virtudes dianoéticas que têm a sua origem na
aprendizagem e na arte. O hábito é em si mesmo um processo de fixação
de condutas, que se opera mediante a repetição de movimentos e impul-
sos gravados na memória. Como observa Racionero, «a semelhança do
hábito com a natureza ou, melhor, a ideia de que o hábito constitui algo
assim como uma natureza induzida ou segunda, encontra-se várias vezes
em Aristóteles. Distingue-se do «modo de ser» (xij), que supõe uma ten-
dência geral de comportamento, e de «carácter» (Ãqoj) que constitui uma
inclinação suave e duradoura da personalidade, mas que tanto pode ser
natural como adquirida pela força do hábito (op. cit., p. 265, n. 271).
84 Pentâmetro atribuído a Eveno de Paros, fr. 8 West.
134
nais aos que não procedem de um acto prévio da compreen-
são; e são desse tipo todos os que se dizem ser naturais, como
os que procedem do corpo; por exemplo, o desejo de alimento,
a sede, a fome, o desejo relativo a cada espécie de alimento, os
desejos ligados ao gosto e aos prazeres sexuais e, em geral, os
desejos relativos ao tacto, ao olfacto, ao ouvido e à vista. São
racionais os desejos que procedem da persuasão; pois há mui-
tas coisas que desejamos ver e adquirir porque ouvimos falar
delas e fomos persuadidos de que são agradáveis.
Ora, como o prazer consiste em sentir uma certa emoção,
e a imaginação 85 é uma espécie de sensação enfraquecida, se-
gue-se que o lembrar e o esperar são acompanhados por uma
certa imagem daquilo que se lembra e espera. E se isto é as-
sim, é evidente que há prazer tanto para os que lembram como
para os que esperam, visto que também há sensação. De sorte
que, necessariamente, todos os prazeres ou são presentes na
sensação, ou passados na memória, ou futuros na esperança;
pois sentimos o presente, lembramos o passado e esperamos o
futuro. Por conseguinte, as coisas que se recordam são agradá- 1370b
veis, não só as que eram agradáveis quando existiam, mas tam-
bém algumas que então o não eram, se depois delas resultou
alguma coisa bela e boa. Donde também se disse: «Mas é agra-
dável lembrar os perigos estando salvo» 86; e: «O homem regozija-se
mesmo nos sofrimentos ao recordá-los, ele que muito padeceu e muito
realizou.» 87
A razão disto é que também é agradável não sofrer o mal.
O que esperamos é agradável, quando a sua presença parece
trazer-nos grande alegria ou utilidade, e utilidade sem dor. Em
geral, as coisas que nos alegram estando presentes também nos
alegram quando as esperamos e recordamos. Por isso, até a ira
é agradável, como também Homero escreveu sobre ela: «que é
85 Traduzimos aqui o termo fantasa por «imaginação», tendo em
consideração o contexto e a definição que o próprio Aristóteles dele avan-
ça no De anima III 3, 427b27-429a29, como «um movimento da sensação
em acção», e a distinção mais adiante entre «a fantasia própria do senti-
do» e a «fantasia racional» que, pela sua capacidade de combinar várias
imagens numa só, serve de base para as deliberações (cf. Q. Racionero,
op. cit., p. 266, n. 276).
86 Eurípides, Andromeda, fr. 133 Nauck.
87 Od., 15.400-401.
135
muito mais doce que o mel que destila gota a gota» 88; pois ninguém
se ira contra quem não pode ser atingido pela sua vingança; e,
contra quem nos é muito superior em força, ou não nos iramos
ou nos iramos menos.
Os desejos são na sua maioria acompanhados de um cer-
to prazer; pois as pessoas gozam de algum prazer, quer lem-
brando-se de como o alcançaram quer esperando que o alcan-
çarão; por exemplo, os que, tendo febre, são afligidos pela sede,
têm prazer em lembrar-se de que beberam e em esperar que
virão a beber. E, de igual modo, os namorados têm prazer em
falar, escrever e fazer sempre algo que se refira ao objecto
amado, pois em todas estas circunstâncias a memória lhes faz
crer que se encontram em presença dele. O começo do amor é
o mesmo para todos: quando não só se deleitam na presença
da pessoa amada, mas também se deleitam em lembrá-la quan-
do ausente, e lhes sobrevém a dor de ela não estar presente; e
até nessas aflições e lamentos há um certo prazer; pois a dor
deve-se à sua ausência, mas o prazer a recordá-la e, de algum
modo, a vê-la e às coisas que fazia ou como era. Por isso, com
razão se disse: «Assim falou, e em todos eles provocou o desejo de
chorar.» 89
A vingança também é agradável; pois, se é doloroso não
alcançar uma coisa, é agradável alcançá-la; e os iracundos afli-
gem-se em demasia quando não logram vingar-se, mas rego-
zijam-se quando esperam fazê-lo. É igualmente agradável a
vitória, não só para os que gostam de vencer, mas para to-
dos; pois produz uma imagem de superioridade, a qual, com
mais ou menos empenho, todos desejam. E porque a vitória é
agradável, também são necessariamente agradáveis os jogos
de combates e disputas (pois neles muitas vezes se obtém a
vitória), tais como jogos de ossos, da bola, de dados e de da-
1371a mas. O mesmo acontece com os jogos que requerem esforço;
pois uns tornam-se agradáveis quando a eles nos habituamos,
e outros são-no imediatamente, como, por exemplo, a caça
com cães e toda a sorte de caça. Porque onde há combate há
igualmente vitória. Por isso também a oratória judicial e a
erística são agradáveis para quem tem o hábito e a capacida-
de de as usar.
88 Il., 18.109.
89 Il., 23.108; Od., 4.183.
136
A honra e a boa reputação contam-se entre as coisas
mais agradáveis, porque cada um imagina que possui as
qualidades de um homem virtuoso, e sobretudo quando o
afirmam pessoas que ele considera dizerem a verdade. Con-
tam-se entre eles os vizinhos mais do que os que se encon-
tram afastados, os familiares e concidadãos mais do que os
estranhos, os contemporâneos mais do que os vindouros, os
sensatos mais do que os insensatos, e a maioria mais do que
a minoria; pois é mais provável que digam a verdade os que
acabamos de mencionar do que os seus contrários, já que
nenhuma importância ligamos à honra ou à opinião daque-
les que temos em pouca conta, como as crianças e os ani-
mais; e, se ligamos, não é pela opinião em si, mas por algu-
ma outra razão.
O amigo figura também entre as coisas agradáveis; por-
que é agradável amar (pois quem não gosta de vinho não tem
prazer em bebê-lo) e é agradável ser amado; pois também nes-
te caso uma pessoa tem a impressão de possuir um bem dese-
jado por todos os homens dotados de sentimento; e ser amado
é ser objecto de afeição por si mesmo. É igualmente agradável
ser admirado pela mesma razão que receber honras. Agradá-
veis são também a adulação e o adulador, pois o adulador é
um aparente admirador e um aparente amigo.
.azer muitas vezes as mesmas coisas é agradável; pois,
como dissemos, o que é habitual é agradável. Também a mu-
dança é agradável; pois mudar está na ordem da natureza,
porque fazer sempre a mesma coisa provoca um excesso da
condição normal. Donde se disse:
Doce é a mudança de todas as coisas. 90
Por esta razão, também o que se vê periodicamente é agra-
dável, tanto pessoas como coisas; pois há mudança do presen-
te, e é ao mesmo tempo raro o que se faz com intervalos. De
igual modo o aprender e o admirar são geralmente agradáveis;
pois no admirar está contido o desejo de aprender, de sorte que
o admirável é desejável, e no aprender se alcança o que é se-
gundo a natureza 91. Contam-se ainda entre as coisas agradá-
90 Eurípides, Or., 234.
91 O verdadeiro conhecimento ou filosofia.
137
1371b veis fazer o bem e recebê-lo; pois receber um benefício é alcan-
çar o que se deseja, e fazer o bem é possuir e ser superior: dois
fins a que todos aspiram. E, porque é agradável fazer o bem, é
também agradável ao homem corrigir o seu próximo e com-
pletar o que está nele incompleto 92. E, como aprender e admi-
rar é agradável, necessário é também que o sejam as coisas que
possuem estas qualidades; por exemplo, as imitações, como as
da pintura, da escultura, da poesia, e em geral todas as boas
imitações, mesmo que o original não seja em si mesmo agra-
dável; pois não é o objecto retratado que causa prazer, mas o
raciocínio de que ambos são idênticos, de sorte que o resulta-
do é que aprendemos alguma coisa. São ainda agradáveis as
aventuras e o salvar-se por pouco dos perigos, pois todas estas
coisas causam admiração. Visto que é agradável tudo quanto é
conforme à natureza, e que as coisas do mesmo género são
entre si conformes à natureza, todos os seres congéneres e se-
melhantes se agradam a maior parte do tempo; por exemplo, o
homem ao homem, o cavalo ao cavalo e o jovem ao jovem.
Donde se escreveram os seguintes provérbios: «cada um delei-
ta-se com o da sua idade», «busca-se sempre o semelhante», «a
fera conhece a fera», «sempre o gaio com o gaio», e outros
semelhantes a estes.
Ora como as coisas semelhantes e congéneres são todas
elas agradáveis para uma pessoa, e como cada um experimen-
ta no mais alto grau este sentimento para consigo próprio, se-
gue-se necessariamente que todos são mais ou menos aman-
tes de si mesmos; pois é sobretudo no indivíduo em si mesmo
que todas estas semelhanças existem. E porque todos são
amantes de si mesmos, todos têm necessariamente por agra-
dáveis as coisas que lhes pertencem, por exemplo, as suas
obras e as suas palavras. Por isso amam com tanta frequência
os aduladores, os amantes, as honras e os filhos; porque os
filhos são obra sua. É também agradável completar o que está
incompleto, pois desde então a obra passa a ser de quem a
concluiu. E porque é muito agradável mandar, é também
agradável passar por sábio; pois a sensatez é própria do man-
do, e a sabedoria é ciência de muitas e admiráveis coisas.
Além disso, como os homens são em geral ambiciosos, é ne-
cessariamente agradável censurar o próximo e governá-lo,
92 Isto é, suprir as suas necessidades.
138
assim como ocupar o seu tempo naquilo em que julgam ser
os melhores, como também diz o poeta:
Nisto cada um se esforça,
a dedicar a maior parte de cada dia
para conseguir de si mesmo ser o melhor. 93
Semelhantemente, como são agradáveis o jogo, toda a es-
pécie de folga e o riso, também o que é risível deve ser agra-
dável, tanto pessoas, como palavras e obras. As coisas risíveis 1372a
foram definidas separadamente nos livros sobre a Poética 94. Eis
o que tínhamos para dizer sobre as coisas agradáveis; as dolo-
rosas são manifestas pelos seus contrários.
12
AGENTES E VÍTIMAS DE INJUSTIÇA
12.1 CARACTERÍSTICAS DOS QUE COMETEM A INJUSTIÇA
Estas são as razões pelas quais se comete injustiça. Refira-
mos agora em que disposição e contra quem ela se comete. As
pessoas cometem injustiça quando pensam que a acção se pode
cometer e ser cometida por elas: ou porque entendem que o
seu acto não será descoberto ou, se o for, que ficará impune;
ou então porque, se este for punido, a punição será menor do
que o lucro que esperam para si mesmos ou para aqueles de
quem cuidam. .alaremos mais adiante das acções que parecem
possíveis ou impossíveis, pois são comuns a todos os géneros
de discurso. Quem sobretudo pensa que pode cometer injusti-
ça impunemente são os dotados de eloquência, os homens de
acção, os que têm grande experiência de processos, se tiverem
muitos amigos e forem ricos. É sobretudo quando se encontram
nas condições referidas que eles pensam poder cometer a in-
justiça; ou então, quando têm amigos, servos ou cúmplices que
satisfazem essas condições; pois, graças a esses meios, eles po-
dem agir sem ser descobertos nem punidos. E igualmente se
93 Eurípides, Antiope, fr. 183 (Nauck).
94 Poética II.
139
são amigos dos que sofrem a injustiça ou dos juízes; pois, por
um lado, os amigos não estão prevenidos contra a injustiça dos
seus amigos e procuram a reconciliação antes de recorrerem
aos tribunais; por outro, os juízes são favoráveis aos seus ami-
gos e, ou os deixam em completa liberdade, ou lhes infligem
penas leves.
Estão em condições de não ser descobertos aqueles que
têm um perfil contrário às acusações. Por exemplo, o débil ser
acusado de violência, ou o pobre e feio de adultério. Também
os actos que se cometem inteiramente às claras e à vista de
todos; pois nenhuma precaução se toma para os prevenir, pelo
facto de ninguém ousar sequer imaginá-los. E os que são tão
grandes e tão graves que ninguém se pensaria capaz de os
cometer; pois também estes não são prevenidos, porque todos
se previnem contra o que é habitual, quer sejam enfermidades
ou injustiças, mas ninguém toma precauções contra uma doen-
ça que nunca ninguém teve. Nas mesmas condições estão os
que não têm inimigos ou têm muitos; pois os primeiros pen-
sam que não serão descobertos porque se não tomam precau-
ções contra eles, e os segundos não são descobertos porque não
é crível que vão atacar quem está prevenido, e porque têm a
defesa de que se não arriscariam a tentá-lo. Os que têm algum
meio de ocultar a sua acção, quer seja artifício, lugar ou dispo-
sição favorável. Os que, se forem descobertos, conseguem evi-
tar o processo, adiá-lo, ou corromper os juízes. Os que, se fo-
rem condenados, podem evitar o pagamento ou adiá-lo por
longo tempo; ou quem, por falta de recursos, nada terá a per-
der. Aqueles para quem o ganho é evidente, importante ou
1372b imediato, e o castigo pequeno, inseguro ou distante. Aqueles
para quem o castigo não é igual ao benefício, como parece
acontecer no caso da tirania. Aqueles para quem as injustiças
são lucro, mas os castigos apenas desonra. Aqueles a quem,
pelo contrário, as injustiças proporcionarão algum elogio, se
lhes acontece, por exemplo, vingarem ao mesmo tempo o pai e
a mãe, como no caso de Zenão, e se o castigo apenas envolve
a perda de dinheiro, o exílio ou coisa semelhante; pois por
ambos os motivos [o ganho e a honra] e em ambas as disposi-
ções se comete a injustiça; mas as pessoas não são as mesmas,
antes em cada um dos casos denotam caracteres opostos. Os
que muitas vezes praticaram a injustiça sem que fossem desco-
bertos ou punidos; e os que muitas vezes foram mal sucedi-
dos; pois nestes casos, como nos combates, há sempre os que
140
estão dispostos a reiniciar a luta. Aqueles para quem o prazer
é imediato mas a dor sentida mais tarde, ou aqueles para quem
o ganho é imediato mas o castigo é sofrido mais tarde; pois
esse é o caso dos intemperantes, e a intemperança aplica-se a
tudo o que se deseja. Aqueles para quem, pelo contrário, a dor
e o castigo são imediatos, mas o prazer e o proveito são poste-
riores e mais duradoiros; pois estas são as coisas que os tem-
perantes e mais sensatos perseguem. Os que podem dar a im-
pressão de terem agido por acaso, ou por necessidade, ou por
natureza ou por hábito e, em geral, de terem cometido um erro
mas não uma injustiça. Aqueles para quem é possível obter
indulgência. Os que são necessitados. E há duas espécies de
necessidade: a necessidade do indispensável, como no caso dos
pobres; e a necessidade do supérfluo, como no caso dos ricos.
Também os que gozam de muito boa reputação e os que estão
privados dela; os primeiros por não parecerem culpáveis, e os
segundos por não se poderem desconsiderar mais.
12.2 CARACTERÍSTICAS DOS QUE SO.REM A INJUSTIÇA
Estas são, pois, as disposições que levam as pessoas a co-
meter a injustiça. Cometem-na contra as seguintes pessoas e nas
seguintes circunstâncias. Contra quem possui aquilo de que eles
próprios têm falta, ou para as necessidades da vida, ou para o
supérfluo, ou para o gozo dos sentidos, tanto contra os que
estão longe como os que estão perto; pois o despojo dos últi-
mos é rápido e o castigo dos primeiros é lento, como acontece
com os que despojam os Cartagineses 95. Contra os que não to-
mam precauções nem se guardam, antes são confiantes; pois é
fácil apanhá-los todos desprevenidos. Contra os indolentes; pois
é característico dos diligentes sair em defesa própria. Contra os
tímidos; pois não são inclinados a lutar por questões de ganho.
Contra os que foram muitas vezes alvo de injustiça sem acudir
aos tribunais, porque, como diz o provérbio, são presa dos Mí-
sios 96. Contra os que nunca sofreram injustiça e os que a so-
95 Na mente de Aristóteles estão, talvez, os ataques de piratas gre-
gos sobre navios cartagineses.
96 Dito muito frequente para designar os que não sabem ou não
podem defender-se.
141
freram muitas vezes; pois ambos estão desprevenidos: uns por-
que nunca injustiçados; os outros porque o não esperam ser
outra vez. Contra os que foram caluniados ou estão expostos a
sê-lo; pois os tais não se resolvem a acusar por temerem os
juízes, nem, se o fizerem, os conseguem persuadir; neste nú-
1373a mero contam-se os invejados e os odiados. Contra aqueles em
relação aos quais o agressor pode invocar como pretexto que
os seus antepassados, eles próprios ou os seus amigos fizeram
mal ou tiveram a intenção de o fazer, quer a si mesmo, quer
aos seus antepassados, quer aos que estão sob o seu cuidado;
pois, como diz o provérbio, «a maldade apenas precisa de um
pretexto». Contra os inimigos e os amigos; pois fazer mal a uns
é fácil, e a outros agradável. Contra os que não têm amigos.
Contra os que não são hábeis no falar, nem no agir; pois, ou
não tentam defender-se, ou preferem conciliar-se, ou não levam
a defesa a bom termo. Contra os que não têm vantagem em
perder tempo à espera do veredicto ou de uma indemnização,
como é o caso dos estrangeiros e dos trabalhadores por conta
própria; pois transigem com pouco e facilmente desistem dos
processos. Contra os que cometeram muitas injustiças ou in-
justiças semelhantes às que agora sofrem; pois quase parece
não ser injustiça que uma pessoa sofra um mal semelhante
àquele que se habituou a infligir a outrem; refiro-me, por exem-
plo, a alguém que maltrata quem tem por hábito ultrajar os
outros. Contra os que já nos fizeram mal, ou o quiseram fazer,
ou o querem agora fazer, ou se preparam para o fazer; pois
isto tem algo de agradável e belo e quase parece não ser uma
injustiça. Contra aqueles cujo mal dará prazer aos nossos ami-
gos, ou àqueles que admiramos ou amamos ou têm poder so-
bre nós, ou, numa palavra, àqueles por quem pautamos a nos-
sa vida. Contra aqueles em relação aos quais é possível alcançar
indulgência. Contra aqueles que censuramos e com quem já
divergimos, como Calipo fez com Díon 97; pois também tais
97 Observa Q. Racionero que Aristóteles está a falar de factos que
conhecia bem, pois se tratava de dois condiscípulos seus na Academia.
«Calipo había acompañado a Dión en la expedición que éste dirigió con-
tra Dionisio II en el 357, para liberar a los sicilianos de su tiranía, pero
cayó en desgracia de los mercenarios de Dión. Para salvarse urdió un
complot como resultado del cual Dión perdió la vida (354)» (op. cit.,
p. 279, n. 309). Esta história é narrada por Plutarco na Vita Dion., 54-56.
142
casos quase parecem não ser actos de injustiça. Contra os que
estão a ponto de ser atacados por outros, se eles não atacarem
primeiro, quando já não é possível deliberar; foi assim, diz-se,
que Enesidemo enviou a Gélon 98 o prémio de cótabo ao ter
ele reduzido à escravidão uma cidade, porque deste modo se
antecipou ao que ele próprio tinha a intenção de fazer. Contra
aqueles a quem se causa dano para depois se lhes poderem
fazer muitos actos de justiça, na ideia de que é fácil reparar o
mal feito; tal como disse Jasão, o Tessálio 99, que convém co-
meter algumas injustiças a fim de que também se possam fa-
zer muitas coisas justas.
Também facilmente se cometem as injustiças que todos os
homens ou a maior parte deles costumam cometer; pois pen-
sam vir a ser perdoados das suas ofensas. Os roubos fáceis de
ocultar: tais como os que rapidamente se consomem, como, por
exemplo, os alimentos; ou os objectos que podem mudar de
forma, cor, ou composição; ou os que se escondem com facili-
dade em muitos sítios, tais como os que se transportam facil-
mente ou os que é possível ocultar em pequenos esconderijos;
e também os que em nada se distinguem, e são em tudo seme-
lhantes a muitos outros que o que comete a injustiça já tem.
As injustiças que as vítimas têm vergonha de declarar, como
os ultrajes sofridos pelas mulheres da sua família, por elas pró-
prias, ou pelos seus filhos. Os delitos em que o recurso a tribu-
nal pareceria acto de pessoa conflituosa, como os danos de
pouca monta e facilmente perdoáveis.
Este é um relato mais ou menos completo das circunstân-
cias em que se comete a injustiça, a natureza das injustiças, as
vítimas destas e suas causas.
98 História mal conhecida. Há registo apenas de um Enesidemo,
membro da guarda pessoal de Hipócrates, tirano de Gela, e pai de Téron,
tirano de Ácragas (488-472 a. C.). Quanto a Gélon, sabe-se que foi tirano
de Gela e que posteriormente se estabeleceu em Siracusa (485 a. C.). Vide
W. M. A. Grimaldi, op. cit., p. 283. O cótabo era um jogo corrente em
simpósios, que consistia em acertar em algo com o vinho contido num
copo. O prémio do vencedor eram ovos, bolos e carnes doces. A principal
fonte de informação sobre este jogo é Ateneu, 479c-e, 487d-e, 665c-668f.
99 Trata-se do tirano de .eras entre 385 a. C. e 370 a. C. (Plutarco,
Moralia, 817s-818a).
143
13
CRITÉRIOS DE JUSTIÇA E DE INJUSTIÇA
1373b Distingamos agora todos os actos de injustiça e de justiça,
começando por observar que o que é justo e injusto foi já defi-
nido de duas maneiras em relação a dois tipos de leis e a duas
classes de pessoas. Chamo lei tanto à que é particular como à
que é comum. É lei particular a que foi definida por cada povo
em relação a si mesmo, quer seja escrita ou não escrita; e co-
mum, a que é segundo a natureza. Pois há na natureza um
princípio comum do que é justo e injusto, que todos de algum
modo adivinham mesmo que não haja entre si comunicação ou
acordo; como, por exemplo, o mostra a Antígona de Sófocles ao
dizer que, embora seja proibido, é justo enterrar Polinices, por-
que esse é um direito natural:
Pois não é de hoje nem ontem, mas desde sempre que
esta lei existe, e ninguém sabe desde quando apareceu. 100
E como diz Empédocles acerca de não matar o que tem vida,
pelo facto de isso não ser justo para uns e injusto para outros:
Mas a lei universal estende-se largamente através do
amplo éter e da incomensurável terra. 101
E como também o diz Alcidamante no seu Messeníaco 102:
Livres deixou Deus a todos, a ninguém fez escravo a
natureza. 103
Em relação às pessoas, a justiça é definida de duas manei-
ras; pois o que se deve fazer e não deve fazer é definido, quer
100 Sófocles, Antígona, 456-457.
101 Empédocles, DK B 135.
102 Vide G. Kennedy, op. cit., p. 103. Alcidamante era um sofista
anterior a Aristóteles, discípulo de Górgias e mestre de retórica. Este dis-
curso era provavelmente do género epidíctico.
103 Observa G. Kennedy que os manuscritos de Aristóteles não avan-
çam aqui uma citação, que ela é suprida por um comentador medieval.
Como a edição de Oxford a contempla, nós registamo-la igualmente.
144
em relação à comunidade quer em relação a um dos seus mem-
bros 104. Por conseguinte, é possível cometer a injustiça e prati-
car a justiça de duas maneiras, pois ela pratica-se em relação a
um determinado indivíduo ou em relação à comunidade; por-
que o que comete adultério ou fere alguém comete injustiça
contra um dos indivíduos, mas o que não cumpre os seus de-
veres militares comete-o contra a comunidade.
Tendo sido feita a distinção dos vários tipos de delitos, uns
contra a comunidade e outros contra um ou vários indivíduos,
retomemos o assunto e digamos o que significa sofrer injusti-
ça. Sofrer injustiça é ser vítima de um tratamento injusto por
parte de um agente voluntário; pois cometer injustiça definiu-
-se antes como um acto voluntário. E porque quem sofre injus-
tiça sofre necessariamente um dano, e um dano contra a sua
vontade, claramente se vê, pelo que atrás fica dito, em que
consistem os danos; pois as acções boas e más foram atrás de-
finidas em si mesmas, e disse-se que são voluntárias as que se
fazem com conhecimento de causa. De sorte que, necessaria-
mente, todas as acusações se referem ou à comunidade ou ao
indivíduo, tendo o acusado agido ou por ignorância e contra a
sua vontade, ou voluntariamente e com conhecimento; e, neste
último caso, com intenção ou por força da emoção. .alaremos
da cólera na parte em que nos ocuparmos das paixões; já falá-
mos, porém, das coisas que se fazem por escolha e da disposi-
ção com que se fazem.
Mas como muitas vezes o acusado reconhece haver prati- 1374a
cado uma acção, mas não está de acordo com a qualificação da
mesma ou com o delito que essa qualificação implica con-
fessa, por exemplo: que tomou algo, mas não o roubou; que
feriu primeiro, mas não ultrajou; que teve relações com uma
mulher, mas não cometeu adultério; que roubou, mas não co-
meteu sacrilégio (porque o objecto roubado não pertencia a um
deus); que cultivou terra alheia, mas não do domínio público;
que conversou com o inimigo, mas não cometeu traição , por
104 A legislação grega fazia distinção entre ofensa pública (graf») e
violação de direitos privados (dkh); mas, como observa G. Kennedy, essa
distinção difere da compreensão moderna de lei criminal e civil, na medi-
da em que muitas acções hoje consideradas crimes, incluindo o homicí-
dio, eram então tidas como violações de direitos privados (op. cit., p. 103,
n. 231).
145
esta razão, seria necessário dar definições destas coisas, do rou-
bo, do ultraje, do adultério, a fim de que, se quisermos mos-
trar que o delito existe ou não existe, possamos trazer à luz o
direito 105. Ora todos estes casos têm a ver com a questão de
determinar se a pessoa acusada é injusta, imoral ou não injus-
ta; pois é na intenção que reside a malícia e o acto injusto, e
termos tais como ultraje e roubo indicam já a intenção; porque,
se uma pessoa feriu outra, isso não significa que em todos os
casos cometeu um ultraje, mas apenas se a feriu por uma certa
razão, como para a desonrar, ou agradar a si mesmo. Nem, se
tomou um objecto às escondidas, cometeu em todos os casos
um roubo, mas apenas se o tomou para prejudicar alguém, e
para dele se apropriar. Passa-se em todos os outros casos o
mesmo que nestes.
Ora, como dissemos que há duas espécies de actos justos
e injustos (uns fixados pela escrita e outros não), ocupámo-nos
até aqui dos que as leis registam; mas dos que as leis não re-
gistam há também duas espécies: a dos que, por um lado, re-
presentam o mais elevado grau da virtude e do vício, a que se
reservam censuras e elogios, desonras, honras e recompensas;
por exemplo, agradecer a quem nos faz bem, pagar o bem com
o bem, acudir aos amigos e coisas semelhantes a estas; e a dos
que, por outro, correspondem a uma omissão da lei particular
e escrita. Pois o equitativo parece ser justo, e é equitativa a jus-
tiça que ultrapassa a lei escrita. Ora esta omissão umas vezes
acontece contra a vontade dos legisladores, e outras por sua
vontade: contra a vontade dos legisladores, quando o caso lhes
passa despercebido; e por sua vontade, quando o não podem
definir a rigor, mas se vêem na necessidade de empregar uma
fórmula geral que, não sendo universal, é válida para a maio-
ria dos casos. Também os casos em que não é fácil dar uma
definição devido à sua indeterminação; por exemplo, no caso
de ferir com um instrumento de ferro, ou determinar o seu
tamanho e a sua forma pois não chegaria a vida para enume-
rar todas as possibilidades. Se, pois, não é possível uma defini-
ção exacta, mas a legislação é necessária, a lei deve ser expres-
sa em termos gerais; de modo que se uma pessoa não tem mais
105 Hermágoras de Tempos desenvolve posteriormente a doutri-
na aqui implícita na chamada st£sij de definição, ou nos estados de
causa.
146
que um anel no dedo quando levanta a mão ou fere outra,
segundo a lei escrita é culpada e comete injustiça, mas segun-
do a verdade não a comete, e é isso que é equidade.
Ora, se a equidade é o que acabamos de dizer, é fácil de 1374b
ver quais são os actos equitativos e quais o não são, e quais as
pessoas que não são equitativas. Os actos que devem ser per-
doados são próprios da equidade, e é equitativo não julgar
dignos de igual tratamento os erros e os delitos, nem as des-
graças. Ora as desgraças são acções inesperadas e feitas sem
perversidade, os erros são acções não inesperadas e feitas sem
maldade, mas os delitos não são inesperados e fazem-se com
maldade; pois o que é provocado pelo desejo faz-se por mal-
dade. É igualmente próprio da equidade perdoar as falhas
humanas. Também olhar, não para a lei, mas para o legislador;
não para a palavra, mas para a intenção do legislador; não para
a acção em si, mas para a intenção; não para a parte, mas para
o todo; não para o que uma pessoa agora é, mas para o que ela
sempre foi ou o tem geralmente sido. Também lembrar-nos mais
do bem do que do mal que nos foi feito, e dos benefícios recebi-
dos mais do que dos concedidos. Também suportar a injustiça
sofrida. Também desejar que a questão se resolva mais pela
palavra do que pela acção. E ainda querer mais o recurso a uma
arbitragem do que ao julgamento dos tribunais; pois o árbitro
olha para a equidade, mas o juiz apenas para a lei; e por esta
razão se inventou o árbitro, para que prevaleça a equidade.
.ica deste modo definido o que respeita à equidade.
14
CRITÉRIOS SOBRE A GRAVIDADE DOS DELITOS
Um delito é maior na medida em que procede de uma
injustiça maior. E por isso os mais pequenos podem ser muito
graves, como por exemplo, o de que Calístrato acusou Mela-
nopo, que defraudou por dolo os construtores do templo em
três semióbolos sagrados 106. Mas no caso da justiça é o contrá-
106 Praticamente nada se sabe deste episódio; apenas que Calístrato
e Melanopo eram embaixadores de Tebas e rivais políticos por volta de
370 a. C. (cf. Xenofonte, Hellenica, 6.3.2-3; Plutarco, Vita Demost., 13).
147
rio 107. Estes delitos graves estão em potência nos delitos mais
pequenos; pois quem roubou três semióbolos sagrados também
será capaz de cometer qualquer injustiça. Umas vezes é assim
que é julgada a gravidade de um delito, outras é-o pela exten-
são do dano. Um delito é maior quando para ele não há casti-
go equivalente, antes todo o castigo lhe é inferior; quando para
ele não há remédio, por ser difícil senão impossível de reparar;
e quando a vítima não pode reclamar justiça, por o delito ser
irremediável; pois a justiça é castigo e remédio. Também se o
que sofreu o dano e a injustiça se castigou severamente a si
mesmo; pois é justo que o que cometeu o dano sofra um casti-
go ainda maior; por exemplo, Sófocles 108, ao falar a favor de
Euctémon 109 depois de este haver posto termo à vida por ter
1375a sido ultrajado, declarou que não fixaria uma pena inferior à que
a vítima tinha fixado contra si mesma. Um delito é também
maior quando foi um só a cometê-lo, ou foi o primeiro, ou se
cometeu com a ajuda de poucos; quando se cometeu muitas
vezes a mesma falta; quando por causa dele se procuraram e
inventaram meios de prevenção e castigo. Em Argos, por exem-
plo, é castigado aquele por cuja causa se estabeleceu uma nova
lei, e aqueles por cuja causa se construiu uma prisão. O delito
mais brutal é também o mais grave. Igualmente o mais preme-
ditado. E o que inspira nos ouvintes mais temor que compai-
xão. Os recursos retóricos são neste caso os seguintes: que o
acusado ignorou ou transgrediu muitas normas de justiça,
como por exemplo, juramentos, promessas, provas de fidelida-
de, votos matrimoniais; pois é um acúmulo de muitas injusti-
ças. Os delitos são ainda maiores quando cometidos no preciso
lugar em que se castigam os delinquentes, como fazem as fal-
sas testemunhas; pois onde é que uma pessoa não cometeria
um delito se o ousa cometer no próprio tribunal? São também
maiores quando causam a maior vergonha; e quando são co-
metidos contra a pessoa de quem se recebeu um beneficio; pois
neste caso a injustiça é maior, porque ao benfeitor se faz o mal
107 Os actos de justiça mais insignificantes não são os maiores.
108 Sugere Cope (I, 263) que este Sófocles é o mesmo adiante referi-
do em 3.18,19a26, aparentemente um dos trinta tiranos, referido por Xe-
nofonte (Hellenica, 2.3.2).
109 Xenofonte refere-se com este nome a um arconte de 408-407 a. C.
nas Hellenica, 1.2.1.
148
e não o bem que lhe é devido. É também mais grave o delito
que viola as leis não escritas; pois é próprio de uma pessoa
melhor ser justa sem que a necessidade a obrigue. Ora as leis
escritas são compulsórias, mas as não escritas não. Pode, con-
tudo, argumentar-se de outra maneira que o delito é mais gra-
ve, se viola as leis escritas; pois quem comete a injustiça que
atrai o temor e envolve o castigo também cometerá a que não
tem castigo a temer.
É isto o que temos a dizer sobre a maior ou menor gravi-
dade do delito.
15
PROVAS NÃO TÉCNICAS NA RETÓRICA JUDICIAL
Como continuação do que acabamos de expor, vamos ago-
ra falar sumariamente das provas a que chamamos não técni-
cas; pois elas são específicas da retórica judicial. Estas provas
são cinco em número: as leis, os testemunhos, os contratos, as
confissões sob tortura e o juramento.
.alemos primeiro das leis, mostrando como elas devem ser
usadas tanto na exortação e na dissuasão, como na acusação e
na defesa. Pois é óbvio que, se a lei escrita é contrária aos fac-
tos, será necessário recorrer à lei comum e a argumentos de
maior equidade e justiça. E é evidente que a fórmula «na me-
lhor consciência» significa não seguir exclusivamente as leis
escritas; e que a equidade é permanentemente válida e nunca
muda, como a lei comum (por ser conforme à natureza), ao
passo que as leis escritas estão frequentemente a mudar; don-
de as palavras pronunciadas na Antígona de Sófocles; pois esta
defende-se, dizendo que sepultou o irmão contra a lei de
Creonte, mas não contra a lei não escrita: 1375b
Pois esta lei não é de hoje nem de ontem, mas é eterna
[] Esta não devia eu [infringir], por homem algum 110
É também necessário dizer que o justo é verdadeiro e útil,
mas não o que o parece ser; de sorte que a lei escrita não é
110 Sófocles, Antígona, 456, 458.
149
propriamente uma lei, pois não cumpre a função da lei; dizer
também que o juiz é, por assim dizer, um verificador de moe-
das, nomeado para distinguir a justiça falsa da verdadeira; e
que é próprio de um homem mais honesto fazer uso da lei não
escrita e a ela se conformar mais do que às leis escritas. É ne-
cessário ainda ver se, de algum modo, a lei é contrária a outra
já aprovada ou a si mesma; por exemplo, por vezes uma lei
determina que todos os contratos sejam válidos, e outra proíbe
que se estabeleçam contratos à margem da lei. Também se a
lei é ambígua, a fim de a contornar e ver a que sentido se aco-
moda, se ao justo ou ao conveniente, e em seguida usar a in-
terpretação devida. E, se as circunstâncias que motivaram a lei
já não existem mas a lei subsiste, então é necessário demonstrá-
-lo e lutar contra a lei por esse meio.
Mas, se a lei escrita favorece a nossa causa, convirá dizer
que a fórmula «na melhor consciência» não serve para o juiz
pronunciar sentenças à margem da lei, mas apenas para ele não
cometer perjúrio no caso de ignorar o que a lei diz; que nin-
guém escolhe o bom em absoluto, mas o que é bom para si;
que nenhuma diferença existe entre não haver lei e não fazer
uso dela; que, nas outras artes, não há vantagem em ser mais
hábil do que o médico; pois o erro de um médico é menos
prejudicial do que o hábito de desobedecer à autoridade; e que
procurar ser mais sábio do que as leis é precisamente o que é
proibido pelas leis que são louvadas. São estas as distinções que
estabelecemos em relação às leis.
Quanto às testemunhas, elas são de duas espécies: as teste-
munhas antigas e as testemunhas recentes; e, destas últimas,
umas participam do perigo, as outras ficam de fora. Chamo tes-
temunhas antigas aos poetas e a todos aqueles homens ilustres
cujos juízos são bem conhecidos; por exemplo, os Atenienses
usaram Homero como testemunha no assunto de Salamina 111,
e, recentemente, os habitantes de Ténedos usaram o testemunho
de Periandro de Corinto contra os Sigeus 112. Também Cleo-
111 O passo da Ilíada 2.557-258 é citado por Sólon, na disputa com
os habitantes de Mégara a favor das reivindicações atenienses sobre a ilha
de Salamina.
112 Nada mais se conhece deste facto, a não ser o relatado no tex-
to, nem mesmo da existência de disputas entre os povos de Ténedos e
Sigeu.
150
fonte 113 se serviu contra Crícias dos versos elegíacos de Sólon,
para dizer que a sua família de há muito era notória pela sua
licenciosidade; porque, de outro modo, Sólon nunca teria escrito:
Diz, te peço, ao ruivo Crícias que dê ouvidos ao seu
pai. 114
Estes são, pois, os testemunhos sobre eventos passados;
mas para os eventos futuros servem também os intérpretes de
oráculos, como fez Temístocles, ao referir o muro de madeira 1376a
para significar que era necessário travar uma batalha naval 115.
Os provérbios, como se disse, são também testemunhos; por
exemplo, se alguém aconselha a não se tomar um velho por
amigo, serve-lhe como testemunho o provérbio: «Nunca faças
bem a um velho.» E, se aconselha a matar os filhos, depois de
ter morto os pais, pode dizer:
Insensato é aquele que, depois de ter morto o pai,
deixa com vida os filhos. 116
Testemunhas recentes são todas aquelas pessoas ilustres
que emitiram algum juízo; pois os seus juízos são úteis para os
que disputam sobre as mesmas coisas. Por exemplo, Eubulo
utilizou nos tribunais contra Cares o que Platão havia dito con-
tra Arquíbio, que «confissões de vício se tornavam comuns na
cidade» 117. São também as testemunhas que participam do ris-
113 Referência ao conhecido demagogo que interveio nos assuntos
de Atenas nos últimos anos da guerra do Peloponeso. Crícias era um dos
trinta tiranos, parente de Platão.
114 Sólon, fr. 18 Diehl-Beutler-Adrados.
115 Esta é uma referência às palavras do oráculo conservadas por
Heródoto (7.141-147): «Zeus previdente adverte Tritogenia (Atenas) que
só o muro de madeira é inexpugnável.» Quando as forças de Xerxes se
dirigiam para Atenas, os cidadãos consultaram o oráculo de Delfos, que
lhes disse para confiarem nos seus «muros de madeira», e Temístocles
interpretou esta palavra como referência à sua renovada armada. Eva-
cuaram então a cidade e derrotaram os Persas na batalha de Salamina.
116 Atribuído por Clemente de Alexandria (Strommata, 7.2.19) a Es-
tasino de Chipre, autor do poema épico Cypria, fr. 25 Allen.
117 Nada sabemos das circunstâncias que envolveram o julgamento
de Cares.
151
co de serem processadas, se dão a impressão de estarem a
mentir. Tais testemunhas servem apenas para determinar se um
facto ocorreu ou não, se é ou não é esse o caso; mas não são
testemunhas sobre a qualidade do acto, como, por exemplo, se
é justo ou injusto, se é conveniente ou inconveniente. Sobre
estas matérias, são mais dignas de crédito as testemunhas que
estão fora da causa, e as mais dignas de todas são os antigos,
pois não são corruptíveis. Para quem não tem testemunhas, os
argumentos de persuasão invocados relativamente aos testemu-
nhos podem ser os seguintes: que se deve julgar com base em
probabilidades, isto é, «na melhor consciência» 118; que os ar-
gumentos de probabilidade não se podem deixar corromper
por dinheiro; e que os argumentos de probabilidade não po-
dem ser surpreendidos em falso testemunho. Para quem tem
testemunhas frente a um adversário que as não tem, os seus
argumentos serão: que as probabilidades não valem perante o
tribunal; e que não haveria necessidade de testemunhas, se
bastasse especular na base de argumentos de probabilidade.
Uns testemunhos referem-se ao próprio, outros à pessoa do
adversário; uns aos factos, outros ao carácter moral das duas
partes; de sorte que é evidente que em nenhuma circunstância
deve faltar um testemunho útil; pois se não é possível produ-
zir sobre os factos um argumento favorável à nossa causa ou
desfavorável à do adversário, é ao menos possível produzi-lo
sobre o carácter, para provar a nossa honestidade ou a mal-
dade do adversário. Quanto aos demais argumentos sobre a
testemunha se é amiga, inimiga ou indiferente, se é de boa,
má ou mediana reputação, e quaisquer outras diferenças do gé-
nero , devem formar-se a partir dos mesmos lugares de que
derivamos os entimemas.
No que respeita aos contratos, o uso dos argumentos visa
aumentar ou anular a sua importância, provar que são dignos
1376b ou indignos de crédito: se nos são favoráveis, que são dignos
de crédito e válidos; se são favoráveis ao adversário, então o
contrário. Ora, para provar que eles são ou não são dignos de
crédito, os métodos em nada se distinguem dos que se referem
às testemunhas; pois é do que os seus signatários ou depositá-
rios forem que depende a confiança que os contratos inspiram.
118 Esta era uma expressão-tipo que vinculava os jurados atenienses
ao uso da maior discrição na formulação dos seus veredictos.
152
Quando a existência do contrato é reconhecida e este nos
é favorável, então importa amplificar a sua importância; pois o
contrato é uma lei particular e parcial; e não são os contratos
que conferem autoridade às leis, mas são as leis que tornam
legais os contratos. Em geral, a própria lei é uma espécie de
contrato, de sorte que quem desobedece a um contrato ou o
anula, anula as leis. Além disso, a maior parte das transacções,
e todas as que são voluntárias, fazem-se mediante contratos; de
sorte que, se estes se tornam inválidos, anula-se toda a relação
mútua entre os homens. Os demais argumentos que igualmen-
te se ajustam ao assunto são fáceis de ver.
Mas, se os contratos nos são desfavoráveis e favoráveis ao
nosso adversário, em primeiro lugar, são adequados os argu-
mentos que nos permitirão combater uma lei que nos é contrá-
ria; pois é absurdo pensarmos que não devemos obedecer às
leis, quando elas estão mal feitas e os legisladores se engana-
ram, mas que é necessário obedecer aos contratos. Depois, po-
demos argumentar que o juiz é o árbitro da justiça; pelo que
não é a letra do contrato que ele deve considerar, mas a solu-
ção mais justa. Que não é possível perverter a justiça por fraude
ou coacção (porque é ela natural), mas que os contratos se
podem igualmente fazer por quem pode estar a ser enganado
e coagido. Além disso, importa também verificar se os contra-
tos são contrários a alguma das leis escritas ou das leis univer-
sais e, de entre as escritas, se às nacionais ou às estrangeiras;
depois, se eles se opõem a outros contratos posteriores ou an-
teriores, porque, ou os posteriores são válidos e os anteriores
não, ou os anteriores são rectos e os posteriores fraudulentos,
da maneira que for mais útil. Importa ainda olhar para o inte-
resse, se ele é de algum modo contrário ao dos juízes, e todos
os argumentos do género; pois estes são igualmente fáceis de
descobrir.
As confissões sob tortura 119 são testemunhos de natureza
peculiar, e parecem merecer confiança, porque nelas está pre-
sente uma certa necessidade 120. Não é certamente difícil dizer
119 A tortura de escravos para testemunharem era uma prática cor-
rente na Grécia, dependente apenas do consentimento dos seus senhores.
120 Cf. Quintín Racionero, in Aristóteles, Retórica, Madrid, Gredos,
1990, p. 298, n. 361. No mundo antigo, a tortura é, em determinados ca-
sos, necessária para a confissão.
153
sobre estas confissões os argumentos possíveis: se elas nos fo-
rem favoráveis, podemos valorizá-las, dizendo que são os úni-
1377a cos testemunhos verídicos; se nos forem contrárias e favorece-
rem o adversário, podemos então refutá-las dizendo a verdade
sobre todo o género de torturas; pois os que são forçados não
dizem menos a mentira que a verdade, ora resistindo com obs-
tinação para não dizerem a verdade, ora dizendo facilmente a
mentira para que a tortura acabe mais depressa. É necessário
poder invocar exemplos do passado que os juízes conheçam.
É também necessário dizer que as confissões sob tortura não
são verdadeiras; pois muitos há que são pouco sensíveis e de
pele dura como pedra, capazes de nas suas almas resistir
nobremente à coacção, mas os covardes e timoratos apenas se
mantêm fortes antes de verem os instrumentos da sua tortura;
de sorte que nada de credível há nas confissões sob tortura.
Sobre os juramentos, podem-se fazer quatro distinções;
pois, ou se permite o juramento ao adversário e se aceita pres-
tá-lo, ou se não faz uma coisa nem outra, ou se faz uma coisa
e não a outra; e, neste caso, ou se permite o juramento sem
aceitar prestá-lo, ou se aceita prestá-lo sem o permitir. A par
destas, uma outra distinção pode ainda ser feita: se o juramen-
to já foi prestado, quer pelo próprio, quer pelo seu adversário.
Pois bem, não se permite o juramento ao adversário por-
que é fácil cometer perjúrio, porque ele, depois de jurar, se
recusa a pagar a dívida, e porque se entende que, se ele não
jurou, os juízes condená-lo-ão; também porque o risco de dei-
xar a decisão com os juízes é preferível, por neles se ter con-
fiança e não no adversário.
Uma pessoa recusa-se a jurar alegando que o juramento
se faz por dinheiro; que, se fosse desonesta, juraria sem difi-
culdade, porque mais vale ser desonesto por alguma coisa do
que por nada; que, jurando, teria vantagem, e, não jurando,
não; e que, por conseguinte, a sua recusa poderia ter por causa
a virtude, mas não o receio de perjúrio. Aplica-se aqui o dito
de Xenófanes 121 de que,
o desafio de um ímpio contra um homem piedoso carece de
igualdade;
121 Xenófanes de Cólofon, filósofo e poeta que viveu por volta de
500 a. C. (fr. A 14 Diels).
154
é como se um homem forte desafiasse um fraco a dar golpes
ou a recebê-los.
Se a pessoa aceita jurar, é porque tem confiança em si
mesma, mas não no adversário. E, dando a volta ao dito de
Xenófanes, deverá então dizer-se que assim há igualdade, se o
ímpio aceita o juramento e o homem piedoso jura; e que é gra-
ve não querer jurar em matérias em que se considera justo que
os juízes apenas decidam depois de haver jurado.
Mas, se permite o juramento, dirá que é piedoso querer
deixar o assunto com os deuses, que o adversário não deve
recorrer a outros juízes, porque a ele se concede tomar a deci-
são. Também que seria absurdo ele não querer jurar em assun-
tos sobre os quais acha justo que outros prestem juramento.
Ora, se está claro como convém falar em cada um destes
casos em particular, também está claro como convém falar
quando se combinam dois a dois. Por exemplo, se uma pessoa
quer prestar juramento mas não permiti-lo, se o permite mas
não o quer prestar, se o quer prestar e permitir, ou se não quer
uma coisa nem outra. Pois estas são forçosamente as combina- 1377b
ções que se podem formar a partir dos casos referidos, de sor-
te que os argumentos terão igualmente de ser combinações dos
já mencionados.
Se antes se fez um juramento contrário ao que agora é
prestado, é necessário dizer que não há perjúrio; pois o come-
ter injustiça é voluntário e o perjúrio é cometer injustiça, mas o
que se faz por violência ou engano é involuntário. Devemos,
pois, aqui concluir que o perjúrio se faz com a mente e não
com os lábios. Mas, se o juramento feito pelo adversário for
contraditório, deverá dizer-se que tudo destrói quem não é fiel
ao que jurou; pois é por isto também que os juízes aplicam as
leis sob juramento. Poderá também dizer-se: «acham que
devereis julgar permanecendo fiéis aos vossos juramentos, mas
eles não permanecem fiéis aos seus». E muitas outras coisas se
poderão dizer na amplificação do assunto.
Isto é o que se nos oferece dizer sobre as provas não téc-
nicas.
155
LIVRO II
1
A EMOÇÃO
Tais são, pois, as matérias donde convém extrair os argu-
mentos para aconselhar e desaconselhar, louvar e censurar,
acusar e defender-se; tais são também as opiniões e as premis-
sas que são úteis para as provas, pois é sobre tais matérias e a
partir dessas premissas que se retiram os entimemas que tra-
tam propriamente 1 de cada um dos géneros oratórios.
Uma vez que a retórica tem por objectivo formar um juízo
(porque também se julgam as deliberações e a acção judicial é
um juízo), é necessário, não só procurar que o discurso seja de-
monstrativo e digno de crédito, mas também que o orador mos-
tre possuir certas disposições e prepare favoravelmente o juiz.
Muito conta para a persuasão, sobretudo nas deliberações e, na-
turalmente, nos processos judiciais, a forma como o orador se
apresenta e como dá a entender as suas disposições aos ouvin-
tes, de modo a fazer que, da parte destes, também haja um
determinado estado de espírito em relação ao orador. A forma
como o orador se apresenta é mais útil nos actos deliberativos,
mas predispor o auditório de uma determinada maneira é mais
vantajoso nos processos judiciais. Os factos não se apresentam
sob o mesmo prisma a quem ama e a quem odeia, nem são
iguais para o homem que está indignado ou para o calmo, mas,
1 !Ida. Aristóteles emprega este termo, não no seu sentido adver-
bial (propriamente ou particularmente) mas numa acepção mais técnica:
entimemas que, embora tendo um enunciado próprio, dependem especi-
ficamente de uma matéria argumental, sem terem de recorrer a lugares-
-comuns.
159
ou são completamente diferentes ou diferem segundo critérios
1378a de grandeza. Por um lado, quem ama acha que o juízo que
deve formular sobre quem é julgado é de não culpabilidade ou
de pouca culpabilidade; por outro, quem odeia acha o contrá-
rio. Quem deseja e espera alguma coisa, se o que estiver para
acontecer for à medida dos seus desejos, não só lhe há-de pa-
recer que tal coisa acontecerá, como até será uma coisa boa;
mas para o insensível e para o mal-humorado passa-se exacta-
mente o contrário.
Três são as causas que tornam persuasivos os oradores, e
a sua importância é tal que por elas nos persuadimos, sem
necessidade de demonstrações: são elas a prudência, a virtude
e a benevolência 2. Quando os oradores recorrem à mentira nas
coisas que dizem ou sobre aquelas que dão conselhos, fazem-
-no por todas essas causas ou por algumas delas. Ou é por falta
de prudência que emitem opiniões erradas ou então, embora
dando uma opinião correcta, não dizem o que pensam por
malícia; ou sendo prudentes e honestos não são benevolentes;
por isso, é admissível que, embora sabendo eles o que é me-
lhor, não o aconselhem. Para além destas, não há nenhuma
outra causa. .orçoso é, pois, que aquele que aparenta possuir
todas estas qualidades inspire confiança nos que o ouvem. Por
isso, o modo como é possível mostrar-se prudente e honesto
deve ser deduzido das distinções que fizemos relativamente às
virtudes, uma vez que, a partir de tais distinções, é possível
alguém apresentar outra pessoa e até apresentar-se a si próprio
sob este ou aquele aspecto. Sobre a benevolência e a amizade,
falaremos na parte dedicada às emoções 3.
As emoções são as causas que fazem alterar os seres hu-
manos e introduzem mudanças nos seus juízos, na medida em
que elas comportam dor e prazer: tais são a ira, a compaixão,
o medo e outras semelhantes, assim como as suas contrárias.
Mas convém distinguir em cada uma delas três aspectos. Ex-
2 .rÒnhsij enquanto virtude intelelectual e faculdade da razão prá-
tica; ¢ret» é a virtude de abrangência moral que acompanha a frÒnhsij
nas decisões práticas; eÜnoia traduz a benevolência necessária que acom-
panha a atitude e o comportamento respeitoso do orador face aos ouvin-
te. Cf. Política V 7, 1309a, estas mesmas virtudes aplicadas aos magistra-
dos. Cf. também Ésquines, Contra Ctesifonte, 169-170.
3 P£qh, habitualmente traduzido por «paixões».
160
plico-me: em relação à ira, por exemplo, convém distinguir em
que estado de espírito se acham os irascíveis, contra quem cos-
tumam irritar-se e em que circunstâncias; é que, se não se pos-
sui mais do que um ou dois destes aspectos, e não a sua tota-
lidade, é impossível que haja alguém que inspire a ira. E o
mesmo acontece com as outras emoções. Ora, como nas nossas
análises anteriores fizemos a descrição das respectivas premis-
sas, assim também procederemos em relação às emoções e
distingui-las-emos segundo o método estabelecido.
2
A IRA
Vamos admitir que a ira é um desejo acompanhado de dor
que nos incita a exercer vingança explícita devido a algum des-
prezo manifestado contra nós, ou contra pessoas da nossa con-
vivência, sem haver razão para isso. Se a ira é isto, forçoso é que
o iracundo se volte sempre contra um determinado indivíduo,
por exemplo, contra Cléon, mas não contra o homem em geral;
e que seja por algum agravo que lhe fizeram ou pretendiam
fazer, a ele ou a algum dos seus; além disso, toda a ira é acom- 1378b
panhada de certo prazer, resultante da esperança que se tem de
uma futura vingança. De facto, existe prazer em pensar que se
pode alcançar o que se deseja; mas como ninguém deseja o que
lhe é manifestamente impossível, o irascível deseja o que lhe é
possível. Por isso, razão tem o poeta para dizer sobre a ira 4:
que, muito mais doce do que o mel destilado,
cresce nos corações dos homens. 5
Por isso, há um certo prazer que acompanha a ira, e tam-
bém porque o homem vive na ideia de vingança, e a represen-
tação 6 que então se gera nele inspira-lhe um prazer semelhan-
te ao que se produz nos sonhos.
4 QumÒj.
5 Il., 18.109-110.
6 .antasa: «representação» ou «imaginação» mais do que propria-
mente «fantasia» de tipo sensorial ou racional.
161
O desdém é uma opinião em acto relativo a algo que, apa-
rentemente, não parece digno de qualquer crédito (pois pensa-
mos que tanto as coisas más como as boas são dignas de inte-
resse, assim como o que para elas tende, ao passo que, ao que
não damos nenhuma ou muito pouca importância supomo-lo
desprovido de valor). Há três espécies de desdém: o desprezo,
o vexame e o ultraje.
Quem desdenha despreza (pois despreza-se tudo o que se
julga não ter valor; precisamente, o que não tem valor é o que
inspira desprezo), da mesma forma que, quando se rebaixa
alguém, se mostra claramente desprezo por ele.
O vexame é um obstáculo aos actos de vontade, não para
daí se tirar proveito próprio, mas para impedir que não apro-
veite a outro. E como aquele que comete vexames não tira daí
proveito pessoal, despreza-o, pois, como se torna evidente, nem
sequer supõe que a pessoa vexada o possa prejudicar (é que,
nesse caso, sentiria temor e não desdém), nem possa vir a ob-
ter dela alguma coisa que valha a pena (pois, nesse caso, pen-
saria em ser amigo dela).
Da mesma forma, quem ultraja despreza. Consiste o ul-
traje em fazer e em dizer coisas que possam fazer sentir vergo-
nha a quem as sofre, não porque haja outro interesse além do
facto em si, mas por mero prazer. Com efeito, quem exerce
represálias não comete ultraje, mas vingança. Aquilo que cau-
sa prazer aos que ultrajam é o facto de eles pensarem que o
exercício do mal os torna superiores. É por isso que os jovens
e os ricos são insolentes, pois ao procederem dessa forma jul-
gam elevar-se acima dos demais. A desonra é inerente ao ul-
traje, e desonrar é desprezar, porque aquilo que não tem qual-
quer valor também não merece qualquer estima, nem para
bem, nem para mal. Assim, Aquiles, irado, diz:
desonrou-me, pois arrebatou-me e ficou com a minha re-
compensa 7
e
como a um desterrado privado de honra 8,
7 Il., 1.356.
8 Ibidem, 4.648.
162
como se por causa disso ficasse cheio de ira. Muitos pensam
que é conveniente ser mais respeitado pelos que nos são infe- 1379a
riores em estirpe, em poder, em virtude e, em geral, em tudo
aquilo em que se é muito superior; por exemplo, o rico é supe-
rior ao pobre em questões de dinheiro; o orador ao que não
sabe falar em matéria de eloquência; o governante ao governa-
do; o que se considera digno de comandar ao que só merece
ser comandado. Por isso se disse:
fúria grande é a dos reis, alimentadores de Zeus 9
e
mas também guarda no peito rancor 10,
uma vez que é por causa da superioridade que se indignam os
homens. Há ainda quem pense que se deve receber mais con-
sideração daqueles que, segundo nós, nos devem tratar bem; e
esses são aqueles a quem nós fizemos ou fazemos bem, nós ou
alguém por nós, ou alguma pessoa do nosso conhecimento, ou
ainda aqueles a quem queremos ou quisemos fazer algum
favor.
Pelo que fica dito, já se vê com clareza quais são as dispo-
sições em que se encontram as pessoas que se encolerizam,
contra quem o fazem e por que causas. Os seres humanos en-
colerizam-se quando sentem tristeza, pois quem sente amargu-
ra é porque deseja alguma coisa. Ora, se algum obstáculo se
opuser ao seu desejo, quer directamente, como por exemplo,
quando alguém o impede de beber, quer indirectamente, em
ambos os casos o resultado é nitidamente o mesmo. O ser hu-
mano encoleriza-se, se alguém se opuser à sua acção ou se al-
guém não colaborar com ele, ou se, de alguma forma, alguém
o perturbar quando está em tal estado. Eis a razão pela qual os
enfermos, os pobres, os que estão em guerra, os amantes, os
que têm sede e, em geral, os que desejam ardentemente algu-
ma coisa e não a satisfazem são iracundos e facilmente irritá-
veis, sobretudo contra aqueles que menosprezam a sua situa-
9 Ibidem, 2.196.
10 Ibidem, 1.82.
163
ção. Assim, por exemplo: o doente encoleriza-se contra os que
[desprezam] a sua doença, o pobre contra os que [são indife-
rentes] à sua pobreza, o soldado contra os que [subestimam] a
sua guerra, o apaixonado contra os que [desdenham] do seu
amor, e assim por diante; e além destes casos, todos os outros
em que se atente contra os nossos desejos. Na verdade, cada
pessoa abre caminho à sua própria ira, vítima da paixão que a
possui. De resto, acontece o mesmo quando surge algo que é
contrário à nossa expectativa, uma vez que o inesperado en-
tristece muito mais, assim como o imprevisto causa mais
prazer quando vem ao encontro dos nossos desejos. Daí que
seja possível ver com toda a clareza quais são os momentos,
tempos, estados de espírito 11 e idades mais propensos à ira,
bem como em que lugares e momentos acontece; acrescente-se
ainda que, quanto mais estamos nestas condições, mais propen-
sos somos à ira.
Assim, os que nesses estados de espírito estão predispos-
tos à ira enfurecem-se contra os que se riem, gozam e escarne-
cem deles visto que os insultam bem como contra os que
infligem ofensas tais que são sinais de opróbrio. Tais são, ne-
cessariamente, as acções inúteis que nem dão proveito a quem
as pratica, uma vez que parece só terem por causa o desejo de
ultrajar. Irritam-se, também, contra os que falam mal deles e
mostram desprezo pelas coisas que eles mais estimam, como,
por exemplo, os que põem toda a sua ambição na filosofia, caso
alguém fale contra a filosofia ou contra os que a colocam no
plano meramente pessoal; ou ainda quando alguém despreza
a sua aparência 12, e assim por diante em casos semelhantes.
Isto é muito mais frequente, quando suspeitam que não são su-
periores nas acções de que se gabam, ou absolutamente, ou se
1379b o são só em grau diminuto, ou acham que não o são segundo
uma opinião estabelecida; é que, quando se acham muito se-
guros da sua superioridade em assuntos que constituem objec-
to de gozo, não se preocupam nada com isso. Por outro lado,
irritam-se mais com os amigos do que com os que não são
11 Diaqseij traduz uma disposição (termo que usamos com alguma
frequência na tradução) facilmente variável ou um estado de espírito físi-
co, psíquico ou moral que se altera e que depende do hábito (ethos) e da
maneira de ser de cada um.
12 T¾n dan.
164
amigos; na verdade, pensam que é mais lógico receber deles
bom tratamento do que ao contrário. Também se enfurecem
contra aqueles que estão acostumados a honrá-los ou a consi-
derá-los, se depois não procederem do mesmo modo, por acha-
rem que estão a ser desprezados por eles; caso contrário, con-
tinuariam a portar-se da mesma maneira. O mesmo acontece
contra os que não agem reciprocamente, nem pagam com a
mesma moeda 13. Também se enfurecem contra os que agem
contra os seus interesses, se forem seus inferiores, pois todos
quantos assim procedem dão a impressão de os desprezar, uns
tratados como inferiores, outros como se os favores dispensa-
dos viessem de inferiores; crescem em cólera contra os que
não são tidos em nenhuma consideração, se, ainda por cima,
lhes mostram desprezo; é que a ira é uma forma de desprezo
contra os que não têm o direito de desprezar; ora, os inferiores
não têm o direito de desprezar. O mesmo contra os amigos, se
não falarem bem deles ou se não lhes fizerem bem, e, mais
ainda, se falarem e agirem contra eles ou se não estiverem aten-
tos às suas necessidades tal como, na tragédia de Anti-
fonte 14, Plexipo se enfurecia contra Meléagro. Ora, não se dar
conta disto é sinal de desprezo, já que as coisas que nos inte-
ressam não nos passam despercebidas. Igualmente, contra os
que se regozijam com as desgraças e, em geral, contra os que
permanecem indiferentes aos infortúnios, o que é sinal de hos-
tilidade ou de desprezo. Também contra os que não se impor-
tam do mal que causam, razão pela qual a ira cresce contra os
mensageiros de más notícias, e contra os que dão ouvidos
a maledicências ou tornam públicos os nossos defeitos: são
iguaizinhos aos que nos desprezam ou aos nossos inimigos.
Mas os amigos compadecem-se dos amigos, e todos os seres
humanos sofrem ante o espectáculo das suas próprias fraque-
13 Lit. «não correspondem de forma igual».
14 Antifonte, Meleager, 1399b27. Não se confunda este Antifonte, trá-
gico de Siracusa e contemporâneo de Dionísio I, com Antifonte de
Ramnunto, mestre de retórica, ou ainda com Antifonte, o Sofista (cf. Plu-
tarco, Vidas dos Dez Oradores, 1.832 C ss., e .ilóstrato, Vida dos Sofistas, I,
15, 3). A referência alude ao episódio em que Plexipo, um dos irmãos da
mãe de Meléagro (Alteia), foi morto por este numa disputa provocada
por Ártemis pela posse da cabeça do javali de Cálidon, sendo depois per-
seguido pelas Erínias (cf. Apolodoro, 1.67, e Ovídio, Metam., 8.270 ss.).
165
zas. E ainda contra os que nos desprezam diante de cinco cate-
gorias de pessoas: as que rivalizam connosco, as que admira-
mos, aquelas por quem queremos ser admirados, as que nos
inspiram respeito e as que nos respeitam. Se alguém nos des-
prezar diante delas, maior será a nossa ira. Também contra os
que desprezam as pessoas a quem seria vergonhoso que não
socorrêssemos, tais como, pais, filhos, mulheres, subordinados.
E também contra os que não reconhecem um favor, porque o
desprezo consiste em fazer alguma coisa fora do que é devido.
E contra os que ironizam diante dos que falam sério, porque a
ironia é qualquer coisa de desdenhoso 15. Também contra os
que são benfeitores de outros, mas não nossos, pois constitui
atitude desprezível considerar que o que é digno para uns não
o seja para outros. Mas também a falta de memória, inclusiva-
mente o esquecimento de coisas insignificantes, como, por
exemplo, esquecer-se do nome de certa pessoa, pode provocar
a ira, pois o esquecimento parece ser um sinal de desprezo;
com efeito, o esquecimento tem por causa a falta de interesse,
que é uma certa forma de desprezo.
1380a E com isto, falámos, simultaneamente, das pessoas contra
quem se sente ira, em que estados de espírito e por que moti-
vos. É evidente que o orador deve dispor, por meio do discur-
so, os seus ouvintes de maneira que se sintam na disposição
de se converterem à ira, representando os seus adversários
culpados daquilo que a provoca e como sujeitos dotados de um
carácter capaz de a excitar.
3
A CALMA
Uma vez que estar encolerizado é o contrário de estar
calmo, e a cólera é o oposto da calma, temos de tratar dos es-
tados de espírito dos calmos, em relação a quem, e por que ra-
15 A ironia parece constituir um poderoso recurso oratório que o
Estagirita atribui originariamente a Górgias. Para uma teorização da iro-
nia entre os antigos, veja-se Aristóteles, Ethica Nicomachea IV 8, 1127b22-
-23; Cícero, De oratore, 2.67, 269 ss.; Quintiliano, Instituto oratoriae, 8.6.44;
9.2.44 ss.
166
zões assim estão. Vamos admitir que a calma pode ser defini-
da como um apaziguamento e uma pacificação da cólera. Ora,
se os seres humanos se encolerizam contra os que os despre-
zam e esse desprezo é voluntário, é evidente que, em relação
aos que não procedem da mesma maneira, ou o fazem invo-
luntariamente ou aparentam fazê-lo, mostram-se calmos. De
modo semelhante, mostram-se calmos com os que pretendem
o contrário do que eles próprios fizeram; com os que fazem o
mesmo consigo próprios, pois ninguém parece desprezar-se a
si próprio; com os que reconhecem as suas faltas e se arrepen-
dem, visto que o mal-estar que provocaram nos outros os faz
sentir culpados e põe cobro à cólera. Um indício do que acabá-
mos de dizer está no castigo dado aos escravos: castigamos
sobretudo os que nos contradizem e negam as suas faltas, mas
apaziguamos a nossa cólera com os que reconhecem que são
castigados com justiça 16. A razão deste procedimento reside no
facto de que negar uma evidência é uma vergonha e que o de-
saforo é desprezo e desdém; pelo menos, não nos envergonha-
mos diante daqueles por quem temos um grande desprezo e
dos que se humilham na nossa presença e não nos contradi-
zem, pois parecem admitir que são inferiores, e os inferiores
são medrosos, e quem não é medroso não despreza. A prova
de que a ira cessa em relação aos que se humilham está nisto:
até os cães mostram que não mordem as pessoas que se sen-
tam 17; e com os que falam a sério, quando eles também proce-
dem com seriedade, pois parece-lhes que quem fala a sério não
desdenha; e com os que retribuem um favor com um favor
maior; com os necessitados e suplicantes, porque são mais
humildes; com os que não são soberbos, nem trocistas, nem
desdenhosos com ninguém, nem com gente honrada, nem com
os que são semelhantes a eles. Em geral, as coisas que produ-
zem serenidade devem examinar-se pelos seus contrários.
Mostramo-nos calmos com os que tememos e respeitamos, pois
enquanto estamos nessa disposição não sentimos cólera; com
efeito, é impossível sentir, a um tempo, medo e cólera. Quanto
16 Para idênticas considerações sobre o tratamento dado aos escra-
vos, cf. Oeconomica I 55, 1344a-b (obra já editada nesta colecção).
17 Alusão ao episódio da Od., 14.31, quando Ulisses, frente aos cães
ferozes de Eumeu, «sentou-se logo, deixando cair da mão o bastão que
levava». Ver ainda Plínio, Nat. hist., 8.41.61.
167
aos que agem por cólera, ou não nos encolerizamos com eles,
ou encolerizamo-nos menos, pois, ao que parece, não agiram
por desprezo: é que nenhum homem irado despreza, visto que
o desprezo não comporta mágoa, enquanto a ira é acompanha-
1380b da de mágoa. Também nos mostramos calmos com os enver-
gonhados.
É evidente que nos mostramos calmos quando nos encon-
tramos num estado de espírito contrário ao que dá origem à
cólera. Por exemplo, no jogo, no riso, nas festas, nos dias feli-
zes, num negócio bem sucedido, na prosperidade e, em geral,
na ausência de dor, de prazer sem insolência e de indulgente
esperança. Além disso, mostram-se calmos os que dão tempo
ao tempo e não se deixam dominar repentinamente pela ira,
porque o tempo faz cessar a ira 18. Mas a ira, mesmo aquela
mais forte que se sente contra uma certa pessoa, cessa, se já
antes tiver havido vingança contra outra. Por isso, .ilócrates
respondeu bem quando, diante do povo irritado, alguém lhe
perguntou: «Por que não te defendes?» «Ainda não.»
«Mas então quando?» «Quando vir que caluniaram outro.» 19
Na verdade, as pessoas ficam calmas depois de verem esgota-
da a sua ira contra outra. .oi o que aconteceu a Ergófilo: se
bem que os Atenienses estivessem mais indignados com ele do
que com Calístenes, deixaram-no ir em liberdade porque na
véspera tinham condenado Calístenes à morte 20. E as pessoas
tornam-se calmas se os seus ofensores forem apanhados e se
sofrerem um tratamento pior do que aquele que poderiam in-
fligir-lhe os que estão encolerizados contra eles, pois crêem que
já obtiveram de algum modo vingança; e também se elas pró-
18 Expressão já proverbial na literatura grega. Cf. Sófocles, Electra,
179, e Tucídides, 3.38.
19 .ilócrates estava à frente do partido pró-macedónio que se opu-
nha ao partido radical liderado por Licurgo e Demóstenes e foi um dos
principais responsáveis pelo tratado de paz com a Macedónia em 346 a. C.,
cujas consequências foram catastróficas para Atenas. Perseguido, exilou-
-se e foi condenado à morte à revelia em 343 a. C.
20 Calístenes e Ergófilo eram estrategos que participaram na expe-
dição do Queroneso e foram acusados de alta traição em 326 a. C. por
terem concluído um tratado de paz com Perdicas, rei da Macedónia, o
que provocou, uma vez mais, a indignação de Demóstenes (De falsa leg.,
180).
168
prias pensam que cometeram uma injustiça e estão a sofrer o
castigo merecido, pois a ira não se vira contra o que é justo:
é que, então, considera-se que não se está a sofrer um mal que
não seja merecido, pois isso era próprio da ira. Por isso, é pre-
ciso repreender primeiro com palavras, pois assim até os es-
cravos se ofendem menos quando são castigados. Também fi-
camos calmos quando pensamos que aquele que queremos
castigar não sabe que sofre castigo por causa de nós, nem o
aplicamos como represálias. Com efeito, a ira, por definição, é
qualquer coisa de pessoal, como é evidente. Por isso, tem ra-
zão Homero ao escrever:
Diz-lhe que foi Ulisses, saqueador de cidades 21
uma vez que não se poderia considerar Ulisses completamente
vingado, se Polifemo não soubesse quem tinha sido o autor e a
causa dos seus infortúnios. Deste modo, ninguém se encoleriza
nem contra os que não se apercebem dela, nem contra os mor-
tos, visto que estes sofreram até ao fim e já não podem sentir
dor, nem têm a percepção do que desejam os que estão irados.
Por isso, razão tem o poeta para dizer, acerca do cadáver de
Heitor, ao querer pôr fim à cólera de Aquiles,
maltrata uma terra surda, furibundo 22.
Portanto, fica claro que os que desejam tranquilizar um
auditório devem recorrer a estes tópicos 23, devendo trabalhá-
-los no sentido daqueles contra quem estão irritados ou inspi-
ram temor, ou sentimento de respeito, ou são benfeitores de-
les, ou agiram contra a própria vontade, ou estão arrependidos
do que fizeram.
21 Od., 9.504.
22 Il., 24.54. Palavras ditas por Apolo num concílio dos deuses.
23 Topoi ou «tópicos gerais». Refere-se provavelmente aos argumen-
tos apontados no começo deste livro.
169
4
A AMIZADE E A INIMIZADE
.alemos agora das pessoas que se amam e que se odeiam
e por que razões. Mas antes definamos o que é a amizade e o
que é amar. Admitamos que amar é querer para alguém aqui-
lo que pensamos ser uma coisa boa, por causa desse alguém e
não por causa de nós. Pôr isto em prática implica uma deter-
1381a minada capacidade da nossa parte. É amigo aquele que ama e
é reciprocamente amado. Consideram-se amigos os que pensam
estar mutuamente nestas disposições.
Colocadas estas hipóteses, é necessário que seja nosso
amigo aquele que se regozija com as coisas boas e se entristece
com as nossas amarguras, sem outra razão que não seja a pes-
soa amada. Todos nós nos alegramos quando acontece aquilo
que desejamos, mas todos nos entristecemos com o contrário,
de tal sorte que a dor e o prazer são sinais da vontade. Tam-
bém são amigos aqueles que têm por boas e más as mesmas
coisas, e por amigos e inimigos as mesmas pessoas. Daí resul-
ta, forçosamente, querer para os amigos o que se deseja para si
próprio; de modo que são amigos aqueles que, ao quererem
para si o que querem para a pessoa amada, mostram com toda
a evidência que são amigos dela. Amam-se os nossos benfeito-
res, tanto os que cuidam de pessoas que estão a nosso cargo,
como os que nos prestam serviços, sejam estes importantes ou
feitos com boa intenção, ou em ocasiões oportunas e tendo em
vista o nosso interesse, ou os que eventualmente achamos que
estariam dispostos a beneficiar-nos. E também os amigos dos
nossos amigos, os que amam os que nós amamos e os que são
amados pelas pessoas que nós amamos. Do mesmo modo, os
que têm os mesmos inimigos que nós e odeiam os que nós
odiamos, assim como aqueles que são odiados pelos mesmos
que nós odiamos. Para todas estas pessoas parece haver as
mesmas coisas boas que há para nós; por conseguinte, desejam
para elas as mesmas coisas boas que para nós, o que, segundo
a nossa definição, é próprio do amigo.
Amamos ainda os que estão dispostos a fazer-nos bem,
quer em dinheiro, quer em segurança. É por isso que temos em
grande estima os liberais, os corajosos e os justos. Por outro
lado, supomos que são assim as pessoas que não vivem a
expensas de outros, como, por exemplo, as que vivem do seu
170
trabalho; e, entre estas, as que vivem do trabalho do campo e,
sobretudo, as que trabalham por conta própria 24. E os mode-
rados, porque não são injustos, e os pacíficos, pela mesma ra-
zão; e aqueles de quem queremos ser amigos, se manifestarem
os mesmos desejos que nós. Tais são os que pela sua virtude
são bons e gozam de boa reputação, quer perante o mundo
inteiro, quer entre os homens mais qualificados, quer ainda
entre os que admiramos ou os que nos admiram.
E ainda os que são agradáveis no seu trato e convivência,
como, por exemplo, os complacentes e os que não espreitam
toda e qualquer ocasião para refutar os nossos erros e não são
amigos de brigas, nem de discórdias (pois todos estes são
aguerridos e os que nos combatem mostram claramente que
querem o contrário de nós). Também os que têm habilidade
para gracejar e para suportar gracejos: em ambos os casos, gera-
-se um espírito de camaradagem, que os torna capazes de ad-
mitir uma graça e de gracejar de bom gosto.
Também amamos os que elogiam as boas qualidades que
possuímos, especialmente aquelas que temos receio de não
possuir. E ainda os que têm um aspecto limpo, no vestuário e, 1381b
em geral, na maneira de viver. E os que não repreendem, nem
as nossas faltas, nem os favores que nos outorgaram, pois tan-
to uns como outros só servem para criticar. Também os que
não são rancorosos, nem alimentam queixas, mas, ao contrá-
rio, estão sempre dispostos a acalmar-se, pois supomos que
essas pessoas terão para nós a mesma atitude que têm para os
outros. E os que não são caluniadores, nem se metem na vida
do vizinho, nem na nossa, mas apenas procuram saber as coi-
sas boas, pois é assim que age o homem de bem. E os que não
fazem frente aos irascíveis ou tomam as coisas demasiado a
sério, porque esses são arruaceiros. E os que se interessam por
nós, por exemplo, os que nos admiram, os que nos acham pes-
soas honestas, os que rejubilam com a nossa companhia e, aci-
ma de tudo, os que partilham esses sentimentos naqueles as-
24 Não sendo muito comum a «apologia» do trabalho e do cultivo
dos campos (cf. Aristóteles, Oeconomica I 2, 134a25, a agricultura é «a mais
virtuosa de todas as ocupações naturais») convém registar o facto, tendo
em conta que o que sempre prevaleceu desde os poemas homéricos e
disso se fizeram eco a literatura e a arte (à excepção de Hesíodo) foram
ancestrais preconceitos fisiocráticos, denegrindo o trabalho braçal.
171
suntos em que nós queremos ser particularmente admirados ou
parecer honestos e agradáveis. Também os nossos semelhantes
e os que se ocupam das mesmas coisas que nós, desde que não
nos incomodem, nem tenham os mesmos meios de subsistên-
cia que nós, pois é daí que vem o provérbio
oleiro contra oleiro 25.
E os que desejam as mesmas coisas que nós, desde que
seja possível partilhá-las conjuntamente, pois, caso contrário,
acontece o mesmo que antes.
Também amamos aqueles com quem temos uma tal rela-
ção de amizade que não temos vergonha de actos vergonhosos
segundo a opinião comum, sem que todavia os desprezemos.
Mas aqueles na presença dos quais temos vergonha, actos ver-
gonhosos são de verdade 26. E aqueles com quem rivalizamos ou
pelos quais queremos ser emulados, mas não invejados, a esses
também os amamos ou queremos ser amigos deles.
E o mesmo acontece com aqueles a quem ajudamos a
adquirir bens, desde que isso não nos traga males maiores.
E aqueles que amam os amigos, ausentes e presentes. Por isso,
todos os seres humanos amam as pessoas que procedem assim
com os mortos. E, em geral, amamos os que são verdadeira-
mente amigos dos seus amigos e não os abandonam na adver-
sidade. De entre as pessoas de bem, amamos, sobretudo, os que
são bons amigos e os que não são fingidos connosco: tais são
os que nos falam das suas próprias fraquezas, pois já dissemos
que com os amigos não nos envergonhamos de actos que são
vergonhosos segundo a opinião pública; portanto, se quem sen-
te vergonha destes actos não ama, quem não sente vergonha
parece-se com quem ama. Também amamos a quem não nos
inspira medo e a quem nos inspira confiança, pois ninguém
ama a quem se teme.
25 Velho adágio já mencionado por Hesíodo (Opera et Dies, 25) que
traduz a rivalidade entre pessoas do mesmo ofício. Vejam-se ainda cita-
ções do mesmo adágio nas obras seguintes: Ethica Eudemia VII 1, 1235a18;
Poética V 10, 1312b4.
26 O contexto dialéctico do passo não esclarece totalmente a sintaxe
suspensa da frase. Note-se, no entanto, a distinção tradicional entre o que
é «opinião e verdade» (prÕj dÒxan ka prÕj ¢l»qeian).
172
A camaradagem, a familiaridade, o parentesco e outras
relações semelhantes são espécies de amizade. Um favor pro-
duz amizade, tal como o fazê-lo sem ser solicitado e sem os-
tentar que se fez, pois assim parece que se fez só por causa do
favorecido e não por outro motivo qualquer.
Quanto à inimizade e ao ódio há que estudá-los a partir 1382a
dos seus contrários. A cólera, o vexame e a calúnia são as cau-
sas da inimizade. Ora, a cólera resulta de coisas que afectam
directamente uma pessoa, mas a hostilidade também pode re-
sultar de coisas que nada têm de pessoal: basta supormos que
uma pessoa tem tal ou tal carácter para a odiarmos. Por outro
lado, a cólera refere-se sempre a um indivíduo particular, por
exemplo, a Cálias ou a Sócrates, mas o ódio também abrange
toda uma classe de pessoas: toda a gente odeia o ladrão e o
sicofanta 27. O tempo pode curar a cólera, mas o ódio é incurá-
vel. A primeira procura meter dó, o segundo procura fazer mal,
já que o colérico deseja sentir o mal que causa, mas ao que
odeia isso nada importa. As coisas que causam pena são todas
sensíveis, mas as que causam maiores males são as menos sen-
síveis, como a injustiça e a loucura; com efeito, a presença do
mal não nos causa pena. A ira também é acompanhada de
pena, mas não o ódio; o homem irado sente pena, mas não o
que odeia. Um pode sentir compaixão em muitas circunstân-
cias, o outro nunca; o primeiro deseja que aquele contra quem
está irado sofra por sua vez; o segundo que deixe de existir
aquele a quem odeia.
Do que até agora dissemos, resulta claro que é possível
demonstrar que classe de pessoas são inimigas e amigas, e fa-
zer que o sejam se não o forem, ou refutá-las se afirmam que
o são; e se, devido à ira ou à inimizade, se tornam nossas
adversárias, então há que «encaixá-las» 28 nas duas catego-
rias 29, conforme cada um prefira.
27 Sicofanta: «delator», «informador». Etimologicamente, o sicofanta
era o que informava o governo do contrabando de figos (sykon = «figo»).
O termo serviu depois para designar outras formas de denúncia, nomea-
damente políticas, já que Atenas pululava de oportunistas e delatores.
28 ¥gein: «conduzi-las».
29 Isto é, na de «amigo» ou de «inimigo».
173
5
O TEMOR E A CON.IANÇA
Quais as causas do medo? Quem tememos e em que esta-
do de espírito sentimos medo? É o que vamos esclarecer a se-
guir. Vamos admitir que o medo consiste numa situação aflitiva
ou numa perturbação causada pela representação de um mal
iminente, ruinoso ou penoso. Nem tudo o que é mal se receia,
como, por exemplo, ser injusto ou indolente, mas só os males
que podem causar mágoas profundas ou destruições; isto só no
caso de eles surgirem não muito longínquos, mas próximos e
prestes a acontecer; os males demasiado distantes não nos
metem medo. Com efeito, toda a gente sabe que vai morrer,
mas, como a morte não está próxima, ninguém se preocupa
com isso.
Se o temor é isto, forçoso é admitir que as coisas temíveis
são as que parecem ter um enorme poder de destruir ou de
provocar danos que levem a grandes tristezas. É por isso que
os sinais dessas eventualidades inspiram medo, pois mostram
que o que tememos está próximo. O perigo consiste nisso mes-
mo: na proximidade do que é temível.
O que tememos são o ódio e a ira de quem tem o poder
de fazer mal (é claro que essas pessoas querem e podem, e a
prova é que estão prontas a fazê-lo); tememos a injustiça que
dispõe desse mesmo poder, pois é por um acto de vontade de-
1382b liberada que o injusto é injusto; a virtude ultrajada, se tiver esse
mesmo poder (é evidente que, quando uma pessoa é insulta-
da, é-o sempre intencionalmente, e passa a dispor desse poder);
e o medo dos que podem fazer algum mal, visto que, por for-
ça das circunstâncias, tais pessoas também hão-de estar prepa-
radas para agir. Como a maior parte dos seres humanos são
bastante maus, dominados pelo desejo do lucro e cobardes nos
perigos, na maior parte dos casos é perigoso estar à mercê de
outrem; por conseguinte, é de recear que os que são cúmplices
de uma má acção não venham a tornar-se delatores, ou que os
cobardes não nos abandonem nos perigos. Os que podem co-
meter injustiça são temidos pelos que podem ser vítimas dela,
porque, a maior parte das vezes, os seres humanos, se pude-
rem cometer injustiça, cometem-na. E o mesmo sucede com os
que foram vítimas de injustiça ou acham que foram, uma vez
que estão sempre à espreita de uma oportunidade. São tam-
174
bém temíveis os que cometeram injustiças, quando dispunham
dessa capacidade, porque também eles, por sua vez, temem a
vingança; segundo o que foi estabelecido, isto é uma coisa te-
mível. E os que são antagonistas em coisas que não são possí-
veis de obter por uns e outros ao mesmo tempo: acabam por
estar sempre em luta uns contra os outros. E os que amedron-
tam os que são mais poderosos que nós, pois se podem preju-
dicar os que nos são superiores, mais podem prejudicar-nos a
nós. E os que temem os que são mais poderosos que nós, pela
mesma razão apontada. Também os que aniquilaram pessoas
mais fortes que nós e os que atacaram gente mais fraca do que
nós, porque esses, ou já são temíveis, ou podem vir a sê-lo, logo
que o poder deles tiver aumentado. De entre os que lesámos, e
que são nossos inimigos ou adversários, temos de recear, não
os arrebatados, nem os que falam com franqueza, mas antes os
mansos, os irónicos e os velhacos; é que nunca se sabe se estão
prontos a atacar, de tal modo que também nunca é evidente
saber se estão longe de o fazer. Tudo o que é temível é mais
temível ainda quando há uma falha irreparável, ou porque é
completamente impossível, ou porque não depende de nós,
mas dos nossos adversários. E o mesmo sucede com coisas que
não têm arranjo ou não são fáceis de arranjar. Numa palavra,
são temíveis todas as coisas que inspiram compaixão, quando
acontecem ou estão para acontecer aos outros. Pouco mais ou
menos, estas são as mais importantes coisas que tememos e as
que, por assim dizer, inspiram temor.
.alemos agora das disposições em que se encontram os
que sentem medo. Se o medo é acompanhado pelo pressenti-
mento de que vamos sofrer algum mal que nos aniquila, é
óbvio que aqueles que acham que nunca lhes vai acontecer
nada de mal não têm medo, nem receiam as coisas, as pes-
soas e os momentos que, na sua maneira de pensar, não po-
dem provocar medo. Assim, pois, necessariamente, sentem
medo os que pensam que podem vir a sofrer algum mal e os
que pensam que podem ser afectados por pessoas, coisas e
momentos.
Crêem que nenhum mal lhes pode acontecer as pessoas
que estão ou pensam estar em grande prosperidade (daí o se- 1383a
rem insolentes, desdenhosas e atrevidas, mas são a riqueza, a
força, as muitas amizades e o poder que as fazem assim), as
que pensam já ter sofrido toda a espécie de desgraças e per-
manecem frias perante o futuro, à semelhança dos que já algu-
175
ma vez apanharam uma surra de paulada 30. Para que sinta-
mos receio é preciso que haja alguma esperança de salvação
pela qual valha a pena lutar. E aqui vai um sinal disso:
o medo leva as pessoas a deliberar, ao passo que ninguém de-
libera sobre casos desesperados. Portanto, quando for vantajo-
so para um orador que os ouvintes sintam temor, convém
adverti-los no sentido de que pode acontecer-lhes mesmo al-
guma coisa de mal (sabendo que até outros mais poderosos que
eles também sofreram); convém ainda demonstrar-lhes como é
que gente da mesma condição sofre ou já sofreu, tanto por
parte de pessoas de quem não se esperaria, como por coisas e
em circunstâncias de que não se estava à espera.
Uma vez que ficou esclarecido o que é o medo, as coisas
temíveis e em que disposições sentimos medo, torna-se clara,
pelo que precede, a natureza da confiança, que coisas inspiram
confiança e quais as nossas disposições em relação a ela. A con-
fiança 31 é o contrário do medo, e o que inspira confiança é o
contrário do que inspira medo, de modo que a esperança é
acompanhada pela representação de que as coisas que estão
próximas podem salvar-nos, ao passo que as que causam te-
mor não existem ou estão longe. Infundem, pois, confiança as
desgraças que estão longe e os meios de salvação que estão
perto; a possibilidade e a disponibilidade de socorros numero-
sos e grandes, ou ambos ao mesmo tempo; e também o facto
de não termos sido vítimas de injustiças nem o termo-las co-
metido; não termos competidores, em geral, nem eles disporem
de poder ou, tendo poder, que sejam nossos amigos e nos te-
nham feito algum bem, ou nós a eles; e aqueles com quem há
comunhão de interesses, mesmo que sejam mais numerosos ou
mais poderosos do que nós, ou ambas as coisas.
30 O castigo com varas ou paus é confirmado pelas referências aos
«apaleados» feitas por Lísias, Contra Agor., 56; Demóstenes, Philip., III, 126;
Plutarco, Dio, 28. Segundo estes autores, este tipo de flagelação podia con-
duzir à morte do réu ou limitar-se a um castigo exemplar. Em todo o caso,
a alusão à indiferença dos «apaleados» pode ser encarada como expres-
são de valor proverbial entre os Gregos.
31 Q£rroj ou Q£rsoj também significa «coragem», «valor» (andreia),
mas Aristóteles está a falar das paixões ou disposições passionais que
opõem a confiança ao medo (fÒboj) assim como a «coragem» é uma vir-
tude por oposição à «cobardia», que é um vício. Vício é para A. tudo o
que é excessivo no comportamento humano.
176
São confiantes os que estão nas disposições seguintes:
os que pensam ter alcançado grandes êxitos e não sofreram
qualquer desaire, ou os que muitas vezes estiveram à beira de
perigos e deles escaparam. Porque os homens tornam-se insen-
síveis por duas razões: ou porque não têm experiência ou por-
que têm meios à sua disposição, tal como, nos perigos do mar,
confiam no futuro tanto os que não têm experiência das tem-
pestades como os que, graças à sua experiência, dispõem de
socorros. Passa-se o mesmo quando o que há a temer não é
idêntico para os nossos semelhantes, nem para os inferiores,
nem para aqueles em relação aos quais nos achamos superio-
res; mas só realizamos isso quando estamos em vantagem, ou
sobre eles pessoalmente, ou sobre os seus superiores, ou sobre
os seus iguais. Também se achamos que dispomos de mais e
melhores coisas, graças às quais inspiramos receio. Tais coisas
são: a muita riqueza, a força física, amigos, terras, equipamen- 1383b
tos bélicos, quer de todos os tipos, quer dos mais importantes.
E ainda se não tivermos cometido injustiças contra ninguém ou
não contra muitas pessoas ou não contra aqueles que inspiram
temor e, em geral, se estivermos bem com os deuses, tanto obe-
decendo aos seus presságios e oráculos, como às demais coi-
sas 32. É que a cólera inspira confiança; por outro lado, o não
cometer injustiças, mas sofrê-las, provoca cólera, sendo de su-
por que a divindade socorre os que são vítimas da injustiça.
O mesmo acontece quando, numa determinada empresa, pen-
samos que nada teremos de sofrer [nem sofreremos] ou que va-
mos ter êxito.
E assim, falámos das coisas que inspiram temor e confiança.
6
A VERGONHA E A DESVERGONHA
Que tipo de coisas provocam vergonha e desvergonha,
diante de quem e em que disposições, vê-lo-emos claramente a
seguir. Vamos admitir que a vergonha pode ser definida como
32 Segundo a maioria das edições (cf. Kassel e nota ad loc., Dufour,
Ross) o texto apresenta aqui uma lacuna ou, provavelmente, uma inter-
polação da autoria do próprio Aristóteles.
177
um certo pesar ou perturbação de espírito relativamente a ví-
cios, presentes, passados ou futuros, susceptíveis de comportar
uma perda de reputação. A desvergonha consiste num certo
desprezo ou insensibilidade perante estes mesmos vícios. Se a
vergonha é o que acabámos de definir, necessariamente expe-
rimentaremos vergonha em relação a todos aqueles vícios que
parecem desonrosos, quer para nós, quer para as pessoas por
quem nos interessamos. São desta natureza os actos que resul-
tam de um vício, como por exemplo, abandonar o escudo e fu-
gir, pois tal acto resulta da cobardia 33. Do mesmo modo, pri-
var alguém de uma fiança [ou tratá-lo injustamente], porque
isto é efeito da injustiça 34. E também manter relações sexuais
com quem não se deve ou onde e quando não convém, porque
isto é resultado de libertinagem. De igual modo, tirar proveito
de coisas mesquinhas ou vergonhosas ou de pessoas impossi-
bilitadas como, por exemplo, dos pobres ou dos defuntos; don-
de, o provérbio: surripiar de um cadáver 35, porque tais actos
provêm da cobiça e da mesquinhez. Não socorrer com dinhei-
ro, podendo fazê-lo, ou socorrer menos do que se pode. Do
mesmo modo, ser socorrido pelos que têm menos posses do
que nós e pedir dinheiro emprestado a quem parece que no-
-lo vem mendigar, assim como mendigar a quem parece que
no-lo vem reclamar, ou reclamar a quem parece que vem
mendigar; elogiar uma coisa para dar a sensação de que se
está a pedi-la e, apesar da recusa, fazer como se nada fosse;
tudo isto é sinal de mesquinhez. De modo semelhante, elo-
giar alguém que está presente ou exaltar as suas virtudes e
atenuar os seus defeitos, mostrar-se demasiado compungido
com quem sofre na nossa presença, e outros actos semelhan-
tes, são sinais de adulação.
É vergonha não suportar canseiras que os mais idosos
1384a suportam, ou os que vivem no luxo, ou os que gozam de uma
posição económica superior à nossa ou, em geral, os mais im-
possibilitados que nós: tudo isto é sinal de indolência. Também
33 Cf. Ésquines, Contra Ctesifonte, 175-176, um perfeito exemplo de
cobardia.
34 Não devolver o pagamento de uma fiança era considerado roubo
e sujeito a um complicado e moroso processo judicial. O tópico é aflorado
em Cícero, Tusculanae disputationes, 3.8.
35 Provérbio que aparece citado em Diógenes Laércio, 5.84.
178
receber benefícios de alguém com frequência e censurar o bem
que nos fez: tudo isto é sinal de baixeza de espírito e de mes-
quinhez. Igualmente, falar aos quatro ventos de si próprio e de
tudo se vangloriar, e declarar como próprias as coisas alheias:
isto é pura gabarolice.
Paralelamente, também os actos que provêm de cada um
dos outros vícios de carácter, bem como sinais deles ou coisas
semelhantes a eles, pois tais actos são em si vergonhosos e
ignominiosos. Além disso, é vergonhoso não participar naque-
las coisas belas em que participam, ou todos os homens, ou to-
dos os nossos pares, ou a maior parte dos homens entendo
por «nossos pares» os nossos compatriotas, os nossos cidadãos,
os que são da nossa idade, da mesma família e, em geral, os
que são da nossa condição pois já é uma vergonha não par-
ticipar, por exemplo, do mesmo grau de educação; e outras coi-
sas semelhantes. Todas estas coisas são ainda mais vergonho-
sas se se tornar claro que o são por culpa nossa, pois assim
mais parecem ter a sua origem num vício, se formos directa-
mente responsáveis do que aconteceu no passado, no presente
ou no futuro. Também sentimos vergonha dos que sofrem,
sofreram ou hão-de sofrer actos que comportam desonra ou
reprovação; são deste tipo os actos que nos conduzem à servi-
dão do corpo ou a actos vergonhosos que comportem violên-
cias físicas. E o mesmo acontece em relação a actos que condu-
zem à devassidão, tanto voluntários como involuntários (são
involuntários os actos impostos pela força); efectivamente, é
falta de coragem ou prova de cobardia suportar tais actos e não
se defender deles.
São estas e outras coisas como estas que causam vergo-
nha. Mas visto que a vergonha é uma representação imaginá-
ria que afecta a perda de reputação, pela perda em si mesma,
não por causa das suas consequências, e como ninguém se
importa com a reputação senão por causa daqueles que têm re-
putação, segue-se forçosamente que sentiremos vergonha na
presença daquelas pessoas cuja opinião nos interessa. Ora, in-
teressa-nos a opinião de quem nos admira, de quem admira-
mos ou por quem queremos ser admirados; daqueles com
quem ambicionamos rivalizar em honrarias e daqueles cuja
opinião não é de desprezar. Queremos ser admirados por to-
dos esses e admiramos ainda todos os que usufruem de algum
bem digno de estima ou de quem temos eventualmente neces-
sidade de obter algum bem que lhes pertence, como é o caso
179
dos amantes. Rivalizamos com os nossos pares e preocupa-nos
a opinião dos sensatos, na medida em que eles dizem a verda-
de: tais são os idosos e as pessoas instruídas. Sentimos vergo-
nha do que está à vista, e, mais ainda, do que está a descober-
to (e daí o provérbio: nos olhos está o pudor 36). Eis a razão pela
qual sentimos mais vergonha diante daqueles que estarão sem-
1384b pre presentes e nos rodeiam de atenções, porque em ambos os
casos andamos debaixo de olho. A mesma coisa acontece dian-
te daqueles que não estão sujeitos às mesmas acusações que
nós, pois é evidente que a opinião deles é contrária à nossa.
E também perante os que não são indulgentes com as pessoas
que estão visivelmente em falta. Como costuma dizer-se, com
o que cada um faz não se indigna o vizinho; por conseguinte,
o que não se faz é evidentemente indigno que outros o façam.
Também sentimos vergonha na presença dos que se dedicam a
propalar tais faltas junto de muitos outros, visto que a diferen-
ça entre «o não parecer» e «o não propalar» é nula. São pro-
pensos à charlatanice os que foram vítimas de uma injustiça,
porque estão sempre à espera de vingança, assim como os
maldizentes, porque, se não poupam os que não cometem er-
ros, menos ainda os que os cometem. Igualmente diante dos
que passam a vida a descobrir as faltas alheias, como, por
exemplo, os trocistas e os poetas cómicos, porque estes são, à
sua maneira, maldizentes e charlatães. Sentimos vergonha
diante dos que nunca falharam em nada, pois esses ainda es-
tão na posição dos que são admirados. Por esta mesma razão,
também sentimos vergonha diante dos que nos solicitam pela
36 Trata-se do pudor (a dèj) não da vergonha (a scÚnh), já que são
duas noções próximas, mas distintas. Este provérbio, nas suas múltiplas
variantes e muito popular na literatura grega clássica e helenística (cf.
Append. proverb., I 10 e I 38 Gott.) sublinha aquilo a que desde a época
homérica E. R. Dodds denominou shame culture. De facto, numa cultura
da vergonha, as raízes do pudor estão na visibilidade (Sófocles, Trachiniae,
596) o que corroboraria a etimologia popular do termo (embora não ates-
tada por nenhum dicionário): a dèj < de ¢-idèj (que não vê). A semântica
do alfa privativo remete-nos para a metáfora do olhar que Aristóteles
desenvolverá quer do ponto de vista subjectivo (a vista como sentido ex-
pressivo das paixões e dos afectos) quer objectivo, isto é, como argumento
retórico por meio do qual o orador pode demonstrar como certos enun-
ciados são capazes de fazer «saltar à vista» de todos a natureza e a pro-
fundidade das paixões.
180
primeira vez, porque a nossa reputação está intacta aos olhos
deles; tais são os que ainda recentemente procuravam ser nos-
sos amigos (pois só têm conhecimento das nossas melhores qua-
lidades, razão pela qual está tão bem aplicada a resposta de
Eurípides aos Siracusanos) 37 e, dentre os nossos antigos conhe-
cidos, os que não conhecem nada de mal que nos diga respeito.
Temos vergonha não só dos actos que foram qualificados
como vergonhosos, mas também dos sinais dos mesmos; por
exemplo, não só entregar-se aos prazeres do amor, mas tam-
bém aos sinais desses mesmos prazeres; não só cometer actos
vergonhosos, mas falar deles. De modo semelhante, sentimos
vergonha, não só diante das pessoas que acabámos de mencio-
nar, mas também diante daquelas que lhes vão revelar a nossa
vida 38, por exemplo, os criados e os amigos. Em geral, porém,
não sentimos vergonha, nem diante daqueles cuja opinião sobe-
ranamente desprezamos, por serem infiéis à verdade (porque
ninguém cora diante de criancinhas ou de animais), nem temos
a mesma atitude diante de conhecidos e de desconhecidos:
diante de conhecidos, sentimos vergonha pelo que de verdadei-
ramente vergonhoso possam pensar de nós; diante de pessoas
mais distantes, coramos por respeito a normas estabelecidas.
Sentimos vergonha nas disposições seguintes: primeiro, se
alguém que está à nossa frente estiver nas mesmas disposições
daqueles de quem dizíamos acima que eram pessoas que nos
faziam sentir vergonha. Essas pessoas eram as que nós admi-
ramos ou que nos admiram ou por quem queremos ser admi-
rados ou a quem pedimos algum serviço que só alcançaremos
se gozarmos de boa reputação. Ou tais pessoas são testemu-
nhas oculares da nossa conduta (como Cídias que, no seu dis-
curso sobre a clerúquia de Samos 39, pediu aos Atenienses que
37 Segundo um escoliasta medieval (Rabe, 106 s.), a historieta é
atribuída a Eurípides. Crê-se, no entanto, que não se trata de Eurípides,
poeta trágico, mas de Heurípides, general ateniense enviado como em-
baixador a Siracusa na Sicília, que deu a resposta seguinte: «Homens de
Siracusa, se não fosse por outra razão que a de virmos aqui pedir-vos aju-
da, devíeis ter vergonha, porque estamos aqui como admiradores vossos.»
38 Alusão ao tópico do público e do privado.
39 Klhrouca designava um tipo de colonização que pressupunha a
repartição das terras entre colonos atenieneses e povos colonizados. Como
este sistema beneficiava os Atenienses, acabou por ser motivo de abusos
e de numerosas revoltas dos naturais. Uma das mais célebres foi a de
181
imaginassem todos os Gregos a formar um círculo em redor
deles, para ver e não só para ouvir o que iam votar), ou por-
que estão perto de nós, ou porque logo vêm a saber do nosso
comportamento. É por esta razão que, nos momentos de infor-
1385a túnio, não queremos ser vistos pelos que antes eram nossos
émulos, pois os émulos são admiradores. Sentimos vergonha
quando recaem sobre nós actos e acções vergonhosas, quer
provenham de nós, quer dos nossos antepassados ou de ou-
tros a quem nos une algum grau de parentesco; e, de modo
geral, aqueles por quem sentimos respeito, sejam eles os que
acabámos de referir, sejam os que nos estão confiados, ou por-
que fomos mestres ou conselheiros deles, ou porque, tratando-
-se de outros iguais a nós, rivalizamos com eles no que toca a
honrarias. Muitas coisas se fazem ou deixam de se fazer por
causa da vergonha que sentimos diante dessas pessoas. E mais
envergonhados ficamos se corremos o risco de ser vistos e se
temos de conviver às claras com quem conhece os nossos ac-
tos. É o que querem dizer as palavras de Antifonte, o poeta,
quando estava prestes a ser morto à pancada por ordem de
Dionísio. Ao ver que os que iam morrer com ele tapavam a
cara quando passavam em frente das portas da cidade, disse:
«Por que vos escondeis? Temeis que algum destes vos veja
amanhã?» 40
Sobre a vergonha, é isto que há para dizer. Sobre a des-
vergonha, é óbvio que teremos de procurar argumentos a par-
tir dos seus contrários.
Samos em 440-339 a. C., logo após o triunfo de Péricles. De Cídias nada
sabemos. É provável, no entanto, que tenha estado envolvido militarmente
na segunda revolta de Samos contra a colonização ateniense em 352 a. C.
ou posteriormente.
40 O episódio é referido pelo Pseudo-Plutarco (Vida dos Dez Orado-
res, 1.832C ss.). Antifonte poeta, integrado numa embaixada, compareceu
diante de Dionísio, tirano de Siracusa (e também compositor de tragédias
ridicularizadas por outros). Este perguntou ao poeta qual era o melhor
bronze do mundo. Antifonte respondeu que o melhor bronze era aquele
de que estavam feitas as estátuas de Harmódio e Aristogíton. Esta refe-
rência aos tiranicidas irritou de tal maneira o tirano que o condenou ime-
diatamente à morte.
182
7
A AMABILIDADE
A quem se faz um favor 41, por que motivos e em que dis-
posições, esclarecê-lo-emos quando tivermos definido o favor.
Vamos admitir que «favor» pode ser definido como um servi-
ço, em relação ao qual aquele que o faz diz que faz um favor
a alguém que tem necessidade, não em troca de alguma coisa,
nem em proveito pessoal, mas só no interesse do beneficiado.
Um favor é grande, se a necessidade for extrema, ou se o favor
for importante e envolver dificuldades maiores, ou quando se
faz em circunstâncias críticas, ou quando se é o único, o pri-
meiro ou o principal benfeitor. Por sua vez, as necessidades são
desejos e, entre estes, especialmente os que vão acompanhados
de pena, quando não são satisfeitos: por exemplo, o amor, e os
que têm a sua origem em maus tratos físicos e em situações de
perigo, uma vez que tanto o que corre perigo como o que sen-
te pena experimentam tais desejos. É por isso que os pobres e
os exilados a quem se presta um auxílio, por pequeno que seja,
mas atendendo à gravidade das suas necessidades e às circuns-
tâncias, se mostram gratos. Por exemplo, aquele que deu a Li-
ceu a esteira 42. Assim sendo, é necessário que a ajuda que se
presta responda essencialmente a este tipo de necessidades, e
senão, em circunstâncias análogas ou mais importantes.
Uma vez que ficou claro a que pessoas, por que razões, e
com que disposições se faz um favor, torna-se evidente que se
devem extrair os argumentos destas fontes, mostrando que al-
gumas pessoas estão ou estiveram em tal pena ou necessidade,
e que outras prestaram ou prestam um serviço, respondendo a
esta ou àquela necessidade. Também se torna claro a partir de
que argumentos é possível recusar um favor e pôr em evidên-
cia os mal-agradecidos afirmando que, ou foi só no interesse 1385b
deles que prestaram ou prestam um serviço (e isto, na nossa
definição, não era um favor), ou que aconteceu por acaso, ou
41 C£rij.
42 Não é conhecido o conteúdo do episódio, mas pode muito bem
aludir a algum facto ocorrido com Aristóteles quando ensinava no Liceu
durante a sua primeira estada em Atenas. Em todo o caso, a história de-
via ser conhecida em meios frequentados por filósofos, o que reforça a
sua natureza «académica».
183
por força das circunstâncias; ou que o serviço é apenas uma
restituição, não uma dádiva, e que tanto se fez sabendo, como
não sabendo; em ambos os casos tratou-se de uma permuta, e
portanto não deveria considerar-se favor. Esta questão deve ser
examinada à luz de todas as categorias 43, já que o favor existe
ou porque é o que é, ou pela quantidade, qualidade, tempo e
lugar. Em todo o caso, um sinal de que não se prestou um
pequeno serviço é quando aos nossos inimigos prestamos os
mesmos serviços, ou idênticos ou maiores; é claro que tais ser-
viços não tiveram em mira os nossos interesses. Também há
que examinar se foi um serviço insignificante e só o sabe
quem o fez , uma vez que ninguém reconhecerá ter necessi-
dade de coisas insignificantes.
8
A PIEDADE
Acabámos de falar do favor e da ingratidão. .alaremos
agora do tipo de coisas que são dignas de piedade 44, quem tem
piedade e em que disposições experimentamos esse sentimen-
to. Vamos admitir que «a piedade» consiste numa certa pena
causada pela aparição de um mal destruidor e aflitivo, afectan-
do quem não merece ser afectado, podendo também fazer-nos
sofrer a nós próprios, ou a algum dos nossos, principalmente
quando esse mal nos ameaça de perto. É evidente que, por
força das circunstâncias, aquele que está a ponto de sentir pie-
dade se encontra numa situação de tal ordem que há-de pen-
sar que ele próprio, ou alguém da sua proximidade, acabará
por sofrer algum mal, idêntico ou muito semelhante ao que re-
ferimos na nossa definição. É por isso que a compaixão não
afecta nem os que estão completamente perdidos (pois pensam
que já nada mais podem sofrer, visto que já tudo sofreram),
nem os que se acham superfelizes, que são propensos à sober-
ba; de facto, se pensam que já possuem todos os bens, é evi-
dente que não há mal que os possa afectar, porque isto tam-
43 As categorias são os koinoí tópoi (tópicos gerais) de onde se po-
dem extrair argumentos retóricos relativos ao «favor» (c£rij).
44 Eleoj, que também traduzimos por «compaixão».
184
bém é um bem. Por outro lado, os que acham que pode recair
sobre eles o mal são aqueles que já sofreram algum e escapa-
ram dele: por exemplo, os idosos, devido à sua prudência e
experiência; os fracos e, sobretudo, os cobardes; os instruídos,
porque são mais calculistas; também os que têm pais, filhos ou
esposas, porque todos esses são partes de si mesmos e estão
sujeitos aos males de que falámos; também aqueles que não
estão incluídos no rol das paixões que excitam à coragem, como
por exemplo, a cólera ou a confiança (estes sentimentos não
calculam o futuro), nem se encontram num estado de espírito
que os leve à insolência (pois também não entra nos seus cál-
culos que possam vir a sofrer algum mal), mas sim aqueles que
estão entre estes extremos. Também não sentem piedade os que
andam intensamente amedrontados, nem a podem sentir os
que andam aturdidos, vítimas dos seus próprios males. Sente-
-se piedade quando se crê que existem pessoas honradas (aque-
le que não tem consideração por ninguém pensará que todos
são merecedores de mal) e, em geral, quando estamos dispos- 1386a
tos a lembrarmo-nos de que tais males já nos aconteceram, a
nós ou aos nossos, ou esperamos que nos aconteçam, a nós ou
aos nossos.
Está, pois, dito quais os estados de espírito em que se sen-
te piedade. Quanto àquilo que a produz, ficou esclarecido na
nossa definição. Tudo o que é penoso e doloroso, e que pode
causar destruição, também causa compaixão; da mesma manei-
ra, tudo quanto causa a morte, assim como todos os males
importantes causados pela .ortuna. São causas dolorosas e
destruidoras: a morte, as sevícias corporais, os maus tratos, a
velhice, as doenças e a falta de alimentação. Os males causa-
dos pela .ortuna são: a falta ou a escassez de amigos (por isso,
é digno de piedade o ser arrancado a amigos e familiares), a
fealdade, a fraqueza física, a invalidez, o mal que vem donde
se esperaria que viesse um bem, e ainda o facto de isso acon-
tecer muitas vezes, e um bem que pode vir a acontecer depois
de se ter sofrido um mal. .oi o que aconteceu a Diopites, que
depois de morto recebeu um presente do rei 45. E ainda o facto
de nunca acontecer nada de bom, ou então, quando acontece,
não haver tempo para o gozar. São estas e outras semelhantes
45 Alusão provável ao estratego ateniense mencionado por Demós-
tenes, De corona, 70, e Philip., 3.15. O rei é .ilipe da Macedónia.
185
as coisas de que nos compadecemos. Por outro lado, compade-
cemo-nos também das pessoas conhecidas, desde que a nossa
relação com elas não seja demasiado íntima (pois, neste último
caso, partilhamos com elas os mesmos sentimentos que senti-
mos connosco, razão pela qual Amasis 46, segundo dizem, não
chorou pelo filho que conduziam à morte, mas por um amigo
seu que pedia esmola: o caso do amigo é digno de piedade, o
do filho é horrível, e o horrível é diferente do que é digno de
compaixão, exclui mesmo a piedade e, muitas vezes, até é útil
para provocar emoções contrárias, uma vez que ainda não sen-
timos compaixão quando o que é terrível está perto de nós).
Também nos compadecemos dos nossos semelhantes pela
idade, carácter, modo de ser, dignidade e nascimento: em to-
dos estes casos sentimo-nos claramente mais ameaçados pelas
desgraças que nos possam atingir. Em geral, há que admitir
aqui que as coisas que receamos para nós são as mesmas que
geram piedade quando acontecem aos outros. As desgraças que
nos parecem próximas são as que produzem piedade; as que
se deram há dez mil anos ou hão-de acontecer no futuro, como
não as podemos esperar nem recordar, ou não nos comovem
em absoluto, ou não da mesma maneira. Nestas condições,
acontece necessariamente que aqueles que reforçam o seu des-
gosto por meio de gestos, de vozes, de indumentária e, em
geral, de gestos teatrais, excitam mais a piedade (pois, ao pôr
diante dos nossos olhos o mal, fazem que ele apareça próximo,
quer como algo que está para acontecer, quer como algo já
passado). É igualmente digno de compaixão o que acabou de
1386b acontecer ou o que está prestes a acontecer, razão pela qual nos
comovemos mais vivamente; por isso, são também sinais de
compaixão, por exemplo, as vestes dos que sofreram uma cala-
midade e outras coisas do mesmo género; também as acções,
as palavras e tudo o que vem dos que estão numa situação de
sofrimento, como, por exemplo, os moribundos. Mas, sobretu-
do, o que inspira piedade é ver gente honrada em situações tão
críticas; é que todas estas coisas, por parecerem tão próximas,
causam piedade, uma vez que o sofrimento é imerecido e sur-
ge diante dos nossos olhos.
46 Amasis, faraó do Egipto. Heródoto, 3.14, refere o mesmo episó-
dio mencionando Psaménio, filho e sucessor de Amasis, na época em que
o Egipto caiu sob o domínio persa.
186
9
A INDIGNAÇÃO
Contrapõe-se sobretudo à piedade o que se chama indig-
nação. À pena que se sente por males imerecidos contrapõe-se
de algum modo, embora provenha do mesmo carácter, a pena
experimentada por êxitos imerecidos. Ambas as paixões são
próprias de um carácter nobre, porque devemos não só sentir
tristeza e compaixão com os que sofrem um mal imerecido,
como sentir indignação contra os que imerecidamente gozam
de felicidade. De facto, é injusto aquilo de que beneficiamos
sem o termos merecido; por isso, também atribuímos aos deu-
ses indignação.
Em todo o caso, poderia parecer que a inveja é, da mes-
ma maneira, o contrário da piedade, porque é vizinha e da
mesma natureza da indignação; mas é uma coisa muito dife-
rente. Não há dúvida de que a inveja é uma pena perturba-
dora que concerne ao êxito, não de quem o não merece, mas
de quem é nosso igual e semelhante. Não é porque nos vá
acontecer algo de diferente, mas por causa da consideração que
temos pelo nosso próximo que isto deve acontecer da mesma
maneira a todos; porque a inveja e a indignação já não seriam
a mesma coisa, mas medo, se a pena e a perturbação fossem a
causa de que, da sorte dos outros, resultasse para nós alguma
desventura.
É evidente que estas paixões serão seguidas das suas con-
trárias, uma vez que aquele que sofre com os que sofrem re-
veses imerecidos alegrar-se-á ou ficará sem pena diante dos
que os sofrem merecidamente. Por exemplo, quando os parri-
cidas e os assassinos são castigados, não há homem honesto
que sinta pena; deve até alegrar-se em tais casos, assim como
naqueles em que os êxitos estão de acordo com o mérito:
ambas as coisas são justas e causam prazer ao homem honra-
do, porque, necessariamente, espera que o que aconteceu ao
seu semelhante lhe possa acontecer também a si. Todas estas
paixões provêm do mesmo carácter, assim como as suas con-
trárias do carácter oposto. Na verdade, a pessoa que se rego-
zija com o mal alheio é a mesma que tem inveja da sua felici- 1387a
dade, pois quando uma pessoa sente tristeza por algo que
alguém possa vir a ter ou a possuir, necessariamente sentirá
prazer pela sua privação e perda. Por isso, todas estas paixões
187
constituem obstáculos à compaixão, muito embora sejam dife-
rentes pelas razões que acabámos de apontar. Por conseguinte,
para impedir que a compaixão se manifeste, todas elas são
igualmente úteis.
.alemos em primeiro lugar da indignação, das pessoas
contra quem se sente, das suas causas e disposições; depois,
falaremos dos outros pontos. A questão é clara no que deixá-
mos dito: se a indignação é uma pena sentida relativamente a
quem parece gozar de uma felicidade imerecida, é óbvio, em
primeiro lugar, que não é possível alguém indignar-se por cau-
sa de todos os bens. Se um homem for justo e corajoso ou se
pretender alcançar uma virtude, ninguém, por certo, se indig-
nará contra ele (porque não despertam compaixão situações
contrárias a estas), mas indignar-se-á ao ver os maus tirarem
proveito da riqueza, do poder e de coisas semelhantes de que
são merecedores: numa palavra, os bons e os que por natureza
possuem bens, tais como nobreza, beleza e tantas coisas seme-
lhantes.
Por outro lado, uma vez que o que é antigo surge como
algo que está próximo daquilo que nos é natural, segue-se, ne-
cessariamente, que as pessoas que possuem um bem ou o ad-
quiriram recentemente e a ele devem a sua prosperidade exci-
tem mais indignação. É por isso que os novos-ricos causam
mais pena do que aqueles que o são há muito tempo, e de
nascença; o mesmo acontece com os governantes, os podero-
sos, os que têm muitos amigos, os bons filhos e coisas do mes-
mo género. E se tais bens lhes servem para adquirir outros, a
nossa indignação mantém-se mais acesa. Daí que nos causem
mais aflição os novos-ricos que assumem o poder, porque são
ricos, do que os ricos antigos. E o mesmo acontece noutros ca-
sos semelhantes. A razão disto é que uns parecem ter o que
lhes pertence, outros não; com efeito, o que sempre se mani-
festou a nós num certo estado parece ser assim na realidade,
de tal modo que os outros dão a sensação de possuírem o que
não lhes pertence. Ora, nem todos os bens são dignos do pri-
meiro que aparece, mas existe uma certa analogia e uma cer-
ta proporção: por exemplo, a beleza das armas não se harmo-
niza com o justo, mas com o corajoso; os casamentos distintos
não se ajustam aos novos-ricos, mas às pessoas de estirpe.
Portanto, se um homem de bem não obtém o que é propor-
cional à sua virtude, isso é motivo de indignação. E o mesmo
se diga do inferior que rivaliza com o superior, sobretudo
188
quando a desigualdade diz respeito ao mesmo bem, donde
diz o poeta 47:
Evitou o combate com Ájax, filho de Télamon,
pois contra ele se indignava Zeus, quando lutava com um
herói superior.
E se não, pelo menos quando o inferior rivaliza com o 1387b
superior, qualquer que seja a forma, como, por exemplo, se um
músico rivaliza com um homem justo: é que a justiça é melhor
do que a música.
Contra quem uma pessoa se indigna e porquê, ficou es-
clarecido no que precede: são as causas mencionadas e as que
lhes são idênticas. Uma pessoa é propensa à indignação se se
acha digna dos maiores bens e os possui; pois não é justo que
aqueles que não são nossos iguais sejam julgados dignos de
bens iguais aos nossos; e em segundo lugar, se uma pessoa é
boa e virtuosa, porque neste caso julga rectamente e odeia a
injustiça; e se uma pessoa é ambiciosa e aspira a certos privilé-
gios, e, sobretudo, se aquilo que ambiciona, outros o conse-
guem sem o merecer. De modo geral, os que se consideram
dignos de regalias que outros não merecem sentem-se tentados
a indignar-se contra tais pessoas e coisas. Isto explica que os
seres de carácter servil, os grosseiros e os desprovidos de am-
bição não sejam propensos à indignação, pois não há nada de
que se julguem dignos.
.ica claro, pelo que precede, em que casos os infortúnios,
as desgraças e os insucessos nos devem causar alegria ou não
nos causar pena, uma vez que, depois do que dissemos, os seus
contrários são evidentes. Por conseguinte, se o nosso discurso
predispõe devidamente os espíritos dos juízes e lhes mostra
que os que invocam a sua compaixão a não merecem, pelas
razões que apresentam, antes merecem que ela lhes seja re-
cusada, então será impossível suscitar essa compaixão.
47 Il., 11.542-3. O último verso falta nos manuscritos de Homero,
sendo referido pelo Pseudo-Plutarco, Vita Hom., 132.
189
10
A INVEJA
Também está claro por que razões, contra quem e em que
disposições sentimos inveja, se é que realmente a inveja con-
siste numa certa pena sentida contra os nossos semelhantes
devido ao êxito visível alcançado nos bens referidos acima, não
para nosso proveito pessoal, mas por causa daqueles. Sentirão,
pois, inveja aqueles que são ou parecem ser nossos pares, en-
tendendo por pares aqueles que são semelhantes a nós em es-
tirpe, parentesco, idade, disposição, reputação e posses. Tam-
bém são propensos à inveja aqueles a quem pouco falta para
tudo terem (por isso é que os que realizam grandes obras e os
homens de sucesso são invejosos), pois crêem que todos que-
rem tirar-lhes o que é seu. Também os honrados por qualquer
razão especial, e principalmente pela sua sabedoria ou felici-
dade. Também os ambiciosos são mais invejosos do que os que
não têm ambições. O mesmo se diga dos que se acham sábios,
já que ambicionam honras que correspondem à sabedoria. E, em
geral, os que buscam glória num determinado campo são mais
invejosos nesse campo. Também são invejosos os espíritos mes-
quinhos, porque tudo lhes parece grande.
Acabámos de referir os bens que são alvo de inveja. Os
1388a actos ou bens que reflectem o desejo profundo de glória e a
ambição de honrarias e aqueles que excitam a fama, e os que
são dons da fortuna, quase tudo isso dá origem à inveja; mas
sobretudo aqueles bens que aguçam a inveja de cada um em
particular, pensando que é preciso tê-los ou cuja posse assegu-
raria um pouco de superioridade ou daria uma leve inferiori-
dade. Por outro lado, também fica claramente exposto quais as
pessoas de quem se tem inveja, pois coincide com o que disse-
mos anteriormente. Invejamos as pessoas que nos são chega-
das no tempo, lugar, idade e reputação, donde o provérbio 48:
o familiar também sabe invejar;
e aqueles com quem rivalizamos em honras, já que rivaliza-
mos com os mesmos que acabámos de referir, nunca com os
48 Atribuído a um comentador de Ésquilo, fr. 305 Nauck.
190
que viveram há dez mil anos ou hão-de nascer, ou que já mor-
reram, nem com aqueles que habitam nos confins das Colu-
nas de Hércules 49. Em relação àqueles que julgamos, quer na
nossa opinião, quer na dos outros, serem muito inferiores a
nós ou então muito superiores, dá-se o mesmo processo, tan-
to no que se refere às pessoas como no que concerne aos
objectos. Ora, como rivalizamos com os nossos antagonistas
em competições desportivas e amorosas e, em geral, com
quantos aspiram às mesmas coisas que nós, necessariamente
é a estes que nós invejamos acima de tudo; razão pela qual
disse o poeta:
oleiro contra oleiro 50
Também invejamos aqueles cujas posses ou prosperida-
de constituem para nós motivo de desonra (são os que vivem
próximos de nós e são nossos pares), pois é evidente que não
conseguimos obter os bens que eles têm: ora, este ressentimen-
to causa-nos inveja. O mesmo sucede com os que têm ou che-
garam a adquirir tudo quanto nos caberia ter tido ou alguma
vez tivemos: é por isso que os velhos têm inveja dos jovens, e
os que esbanjaram muito em pouca coisa, dos que adquiri-
ram muito por pouco. Também os que a custo conseguiram
alguma coisa, ou nem a conseguiram, invejam os que tudo
conseguiram rapidamente. .ica também claro com que moti-
vos, a propósito de quem e em que disposições sentem ale-
gria as pessoas propensas à inveja; é que a disposição que
acompanha o sentimento de pena é também aquela que faz
sentir prazer em situações contrárias. De maneira que, se os
oradores são capazes de provocar tal disposição nos ouvin-
tes, e se os que pretendem ser dignos de suscitar piedade ou
de obter algum bem são representados como os invejosos que
acabámos de referir, é óbvio que não obterão compaixão dos
que têm autoridade.
49 Modo como os antigos designavam o fim do mundo conhecido,
tradicionalmente situado no estreito de Gibraltar.
50 Cf. supra, n. 25.
191
11
A EMULAÇÃO
Em que condições se sente emulação, que coisas a provo-
cam e relativamente a que pessoas, é o que vamos esclarecer a
seguir. Se a emulação consiste num certo mal-estar ocasionado
pela presença manifesta de bens honoríficos e que se podem
obter em disputa com quem é nosso igual por natureza, não
porque tais bens pertençam a outrem, mas porque também não
nos pertencem (razão pela qual a emulação é uma coisa boa e
própria de pessoas de bem, ao passo que a inveja é desprezí-
vel e própria de gente vil; assim, enquanto uns, através da
emulação, se preparam para conseguir esses bens, outros, pelo
contrário, através da inveja, impedem que o vizinho os consi-
ga), é forçoso admitir, então, que émulos são aqueles que se
1388b julgam dignos de bens que não têm mas que lhes seria possí-
vel vir a obter, uma vez que ninguém ambiciona aquilo que
lhe é manifestamente impossível. (É por isso que os jovens e
os magnânimos são levados à emulação.)
São igualmente émulos os que possuem bens dignos de
homens honrados. Tais são a riqueza, a abundância de amigos,
os cargos públicos e outras coisas semelhantes. Ora, como é pró-
prio destes serem honestos e como a posse de tais bens convém
aos que estão inclinados ao bem, tais bens são para eles motivo
de emulação. E aqueles a quem os outros consideram dignos de
tais bens, assim como antepassados, parentes, familiares, nação
ou cidade que são distinguidos com honrarias, esses experimen-
tam facilmente emulação por estas coisas, porque pensam que
lhes pertencem e «são» dignos delas. Ora, se os bens honoríficos
provocam emulação, necessariamente também as virtudes seme-
lhantes a provocarão e tudo quanto é útil e benéfico aos outros
(porque as pessoas têm em consideração os benfeitores e as pes-
soas de bem). E o mesmo acontece com todas as coisas boas que
podemos usufruir com os que estão próximos de nós, por exem-
plo a riqueza e a beleza, mais até do que a saúde.
Está também esclarecido quais as pessoas que suscitam
emulação: as que adquiriram os bens apontados e outros se-
melhantes, ou seja, os que enumerámos acima: coragem, sabe-
doria, liderança. Os que exercem autoridade podem beneficiar
muita gente: estrategos, oradores, e todos os que possuem po-
deres idênticos. Também aqueles a quem muitos desejam igua-
192
lar-se, ou de quem muitos querem ser conhecidos ou amigos,
ou que muitos admiram ou nós próprios admiramos. E ainda
aqueles a quem se tecem elogios ou encómios, seja pelos poe-
tas, seja pelos logógrafos 51. Mas menosprezam-se as pessoas
por motivos contrários, pois o desprezo 52 é o inverso da emu-
lação, assim como o facto de sentir emulação é o contrário de
desprezar. Segue-se, necessariamente, que, aqueles que estão
dispostos à emulação ou a ser emulados, se sintam inclinados
a desprezar aqueles que possuem defeitos contrários às coisas
que concitam a emulação. Por isso, muitas vezes se desprezam
os que são bafejados pela sorte, quando esta lhes chega sem
ser acompanhada dos tais bens apreciados.
Para concluir, já vimos como nascem e se dissolvem as
paixões e donde se tiram as provas relacionadas com elas.
12
O CARÁCTER DO JOVEM
Depois do que dissemos, vamos tratar dos tipos de carác-
ter, segundo as paixões, os hábitos, as idades e a fortuna. Por
paixões 53 entendo a ira, o desejo e outras emoções da mesma
natureza de que falámos anteriormente 54, assim como hábitos,
virtudes e vícios. Sobre isto também já falámos antes 55, e que
tipo de coisas cada pessoa prefere e quais as que pratica. As
idades são: juventude, maturidade 56 e velhice. Por fortuna en- 1389a
51 Lit. «prosador». Primitivamente, o logógrafo era, segundo Heró-
doto, um bom contador de histórias em verso. Tucídides trata-os como
«cronistas», isto é, mais preocupados em deleitar os ouvidos do que em
contar a verdade. Nem sempre foram bem considerados na época clássi-
ca e o termo assumiu mesmo valores pejorativos. Com efeito, os
logógrafos eram profissionais que, a troco de dinheiro, escreviam discur-
sos judicais ou epidícticos ou de outra natureza, que outros leriam. Al-
guns grandes oradores começaram por ser logógrafos, e dessa forma fize-
ram fortunas, como Lísias.
52 Sobre o desprezo (kataphrónesis), cf. II 2.
53 P£qh, «paixões» ou «emoções».
54 Cf. II 2-11.
55 Cf. I 9-10.
56 Lit. «idade adulta».
193
tendo origem nobre, riqueza, poder, e seus contrários e, em
geral, boa e má sorte.
Em termos de carácter, os jovens são propensos aos dese-
jos passionais e inclinados a fazer o que desejam. E de entre
estes desejos há os corporais, sobretudo os que perseguem o
amor e face aos quais os jovens são incapazes de dominar-se;
mas também são volúveis e rapidamente se fartam dos seus de-
sejos; tão depressa desejam como deixam de desejar (porque
os seus caprichos são violentos, mas não são grandes, como a
sede e a fome nos doentes). Também são impulsivos, irritadiços
e deixam-se arrastar pela ira. Deixam-se dominar pela fogosi-
dade; por causa da sua honra não suportam que os desprezem
e ficam indignados se acham que são tratados injustamente.
Gostam de honrarias, mas acima de tudo das vitórias (até por-
que o jovem deseja ser superior e a vitória constitui uma certa
superioridade). Estas duas características são neles mais fortes
do que o amor ao dinheiro (gostam pouco de dinheiro porque
não têm ainda experiência da necessidade, como diz o apo-
tegma de Pítaco em resposta a Anfiarau 57). Não têm mau, mas
bom carácter, porque ainda não viram muitas maldades. São
confiantes, porque ainda não foram muitas vezes enganados.
Também são optimistas, porque, tal como os bêbedos, também
os jovens sentem o calor, por efeito natural, e porque ainda não
sofreram muitas decepções. A maior parte dos jovens vive da
esperança, porque a esperança concerne ao futuro, ao passo
que a lembrança diz respeito ao passado; para a juventude, o
futuro é longo e o passado curto; na verdade, no começo da
vida nada há para recordar, tudo há a esperar. Pelo que acabá-
mos de dizer, os jovens são fáceis de enganar (é que facilmen-
te esperam), e são mais corajosos [do que noutras idades] pois
são impulsivos e optimistas: a primeira destas qualidades fá-
-los ignorar o medo, a segunda inspira-lhes confiança, porque
nada se teme quando se está zangado, e o facto de se esperar
57 Este apotegma é desconhecido e reveste uma atribuição duvido-
sa. De resto, a preposição eis tanto pode significar «dedicado a» Anfiarau,
como «contra». Pítaco, tirano de Mitilene (598-588 a. C.), era um dos sete
sábios, autor provável de muitas sentenças e máximas atribuídas ao gru-
po dos sete sábios. Anfiarau é o famoso adivinho que participou na len-
dária expedição dos Argonautas e na guerra dos Sete contra Tebas, cujo
desastre profetizou.
194
algo de bom é razão para se ter confiança. Também são enver-
gonhados (não concebem ainda que haja outras coisas belas,
pois só foram educados segundo as convenções). Também são
magnânimos porque ainda não foram feridos pela vida e são
inexperientes na necessidade; além disso, a magnanimidade é
característica de quem se considera digno de grandezas; e isto
é próprio de quem tem esperança.
Quanto à maneira de actuar, preferem o belo ao conve-
niente; vivem mais segundo o carácter do que segundo o cál-
culo, pois o cálculo relaciona-se com o conveniente, a virtude
com o belo. Mais do que noutras idades, amam os seus amigos
e companheiros, porque gostam de conviver com os outros e 1389b
nada julgam ainda segundo as suas conveniências, e, portanto,
os seus amigos também não. Em tudo pecam por excesso e
violência, contrariamente à máxima de Quílon 58: tudo fazem
em excesso; amam em excesso, odeiam em excesso e em tudo
o resto são excessivos; acham que sabem tudo e são obstina-
dos (isto é a causa do seu excesso em tudo). Cometem injusti-
ças por insolência, não por maldade. São compassivos, porque
supõem que todos os seres humanos são virtuosos e melhores
do que realmente são (pois medem os vizinhos pela bitola da
sua própria inocência, de tal sorte que imaginam que estes
sofrem coisas imerecidas). Gostam de rir, e por isso também
gostam de gracejar; com efeito, o gracejo é uma espécie de in-
solência bem-educada.
13
O CARÁCTER DO IDOSO
Tal é, pois, o carácter dos jovens. Os idosos, pelo contrá-
rio, e os que já passaram a flor da idade, possuem caracteres
que, na sua maior parte, são pouco mais ou menos os opostos
daqueles. O facto de terem vivido muitos anos, de terem sido
enganados e cometido faltas em diversas ocasiões, e ainda por-
que, por via de regra, aquilo que fazem é insignificante, em
tudo avançam com cautela e em tudo dizem menos do que
58 Sábio espartano a quem se atribui a máxima mhdn ¥gan «nada
em demasia» que, segundo a tradição, figurava no santuário de Delfos.
195
convém. Têm as suas opiniões, mas nada sabem ao certo, e, na
dúvida, acrescentam sempre «talvez» e «é possível» e tudo
dizem assim, mas nada afirmam de categórico. Também têm
mau carácter, pois ter mau carácter consiste em supor sempre
o pior em tudo. Além disso, são suspicazes devido à sua
desconfiança, e desconfiados devido à sua experiência. Por isso,
nem amam nem odeiam com violência, mas, segundo o preceito
de Bias 59, amam como se um dia pudessem vir a odiar e odeiam
como se pudessem vir a amar. E são de espírito mesquinho por
terem sido maltratados pela vida; por isso, não aspiram a nada
de grande, nem de extraordinário, só ao que é indispensável à
vida. Também são mesquinhos, porque os bens são indispensá-
veis à vida, mas, ao mesmo tempo, sabem por experiência como
é difícil adquiri-los e fácil perdê-los. São cobardes e propensos a
recear tudo, pois as suas disposições são contrárias às dos jo-
vens. São frios, ao passo que os jovens são ardentes, de modo
que a velhice abre o caminho à timidez, tendo em conta que o
medo é uma espécie de resfriado. Amam a vida, sobretudo nos
seus últimos dias, porque o desejo busca o que lhes falta e o que
faz falta é justamente o que mais se deseja. São mais egoístas do
que o necessário, o que representa também uma certa pequenez
de espírito. Vivem mais virados para o útil do que para o belo,
razão pela qual são egoístas; é que o útil é um bem só para nós
mesmos, ao passo que o belo é um bem absoluto. Os velhos são
1390a mais impudicos do que pudicos; e porque não têm na mesma
consideração o belo e o conveniente 60, não fazem grande caso
da opinião pública. São pessimistas, em razão da sua experiên-
cia (já que a maior parte das coisas que acontecem são más:
com efeito, a maior parte das vezes as coisas tendem para pior),
mas também devido à sua cobardia. Vivem de recordações
mais do que de esperanças, pois o que lhes resta da vida é
curto em comparação com o passado; ora, a esperança reside
no futuro e a recordação assenta no passado. Esta é também
uma das razões pelas quais são tão faladores, já que passam a
vida a falar de coisas passadas e sentem prazer em recordar.
59 Bias de Priene foi um dos sete sábios da antiga Grécia (século VI
a. C.; cf. Heródoto, I, 27). O preceito de Bias tornou-se proverbial na lite-
ratura antiga (cf. Sófocles, Ajax, 678; Eurípides, Hippolytus, 253; Cícero, De
amicitia, 16.59).
60 TÕ sumfron, que traduzimos por «útil» ou «conveniente».
196
Os acessos de cólera são agudos, mas frágeis; e, quanto
aos seus desejos, uns já os abandonaram, outros são fracos; por
conseguinte, nem são propensos aos desejos, nem procuram
satisfazê-los, mas agem segundo o seu interesse. Esta é a razão
pela qual os que atingem a velhice parecem moderados: é que
os seus desejos afrouxaram e são escravos do seu proveito. Vi-
vem mais segundo princípios calculistas do que segundo o
carácter: o calculismo depende das conveniências, ao passo que
o carácter depende da virtude. Se cometem injustiças é por ma-
lícia, não por insolência. Os idosos também são compassivos,
mas não pelas mesmas razões que os jovens: estes são compas-
sivos por humanidade, aqueles por fraqueza; com efeito, em
tudo vêem um mal que os ameaça, facto que, como vimos, os
inclina à compaixão 61. Por isso, andam sempre a queixar-se,
não gostam de brincadeiras, nem de rir: é que gostar de se la-
mentar é o contrário de gostar de rir.
Tais são, pois, os caracteres dos jovens e dos velhos. Por
conseguinte, como todos aceitamos favoravelmente discursos
que são conformes ao carácter de cada um e dos que nos são
semelhantes, não é difícil descortinar como é que as pessoas se
podem servir destes discursos para, tanto nós, como as nossas
palavras, assumirem tal aparência.
14
O CARÁCTER DOS QUE ESTÃO NO AUGE DA VIDA
Os que atingiram o auge da vida terão, evidentemente, um
carácter intermédio entre os que acabámos de estudar, pondo
de lado os excessos de uns e de outros: nem demasiado con-
fiantes (o que é temeridade), nem demasiado temerosos, mas
mantendo a justa medida em ambas as situações; nem confian-
tes em tudo, nem totalmente desconfiados, antes emitindo
juízos conforme a verdade; não vivendo só para o belo nem
para o útil, mas para ambas as coisas; não vivendo só para a 1390b
frugalidade, nem para a prodigalidade, mas para a justa medi-
da. O mesmo se diga relativamente ao arrebatamento 62 e ao
61 Ver II 8.
62 QumÒj, com o sentido de «paixão».
197
desejo. Nos adultos, a temperança vai acompanhada de cora-
gem e a coragem de temperança. Nos jovens e nos idosos estas
características estão separadas: os jovens são valentes e licen-
ciosos, os idosos moderados e cobardes. .alando em geral, tudo
quanto de útil está repartido entre a juventude e a velhice en-
contra-se reunido no auge da vida; tudo quanto naquela há de
excesso ou de carência, esta possui-o na justa medida. Quanto
ao resto, o corpo atinge o seu auge dos 30 aos 35 anos, e a alma
por volta dos 49 63.
Sobre a juventude, a velhice e a maturidade, e no que se
refere a cada um do seus caracteres, fiquemo-nos pelo que já
dissemos.
15
CARÁCTER E .ORTUNA: O CARÁCTER DOS NOBRES
.alemos a seguir dos bens que provêm da fortuna, pelo
menos daqueles que determinam nos homens um certo nú-
mero de caracteres. Carácter próprio da nobreza é tornar mais
ambicioso aquele que a possui. Todos os indivíduos, quando
possuem algum bem, têm por costume acrescentar-lhe outro;
ora, a nobreza é uma dignidade transmitida pelos antepassa-
dos. Também comporta uma certa tendência para o desprezo,
mesmo em relação àqueles que são semelhantes aos seus ante-
passados, porque a distância torna as mesmas coisas mais ve-
neráveis do que a proximidade, e presta-se mais à gabarolice.
Por nobre entendo aquele cujas virtudes são inerentes a uma
estirpe; por de nobre carácter entendo aquele que não perde
as suas qualidades naturais. Ora, a maior parte das vezes, não
é isso que acontece com os nobres, pelo contrário, muitos
63 A busca de dados cronológicos para estabelecer a noção de ma-
turidade ou de auge da vida (¢km») é frequente na literatura grega. Platão
supõe que a ¢km» física se atinge entre os 20 e os 30 anos, respectivamen-
te para a mulher e para o homem (República V 460e) e fixa a maturidade
intelectual nos 50 anos (República VII 540a). Recorde-se que Aristóteles terá
escrito este capítulo da Retórica por volta dos 49 anos, visto que ensinou
retórica em Atenas por volta dos 30 e regressou para fundar a sua pró-
pria escola aos 49 anos.
198
deles são de vil carácter. Nas gerações humanas há uma es-
pécie de colheita, tal como nos produtos da terra e, algumas
vezes, se a linhagem é boa, nascem durante algum tempo
homens extraordinários, depois vem a decadência. As famí-
lias de boa estirpe degeneram em caracteres tresloucados,
como os descendentes de Alcibíades e de Dionísio, o Antigo;
as que são dotadas de um carácter firme degeneram em estu-
pidez e indolência, como os descendentes de Címon, de
Péricles e de Sócrates 64.
16
O CARÁCTER DOS RICOS
Os caracteres que decorrem da riqueza estão à vista de
todos. Os que os possuem são soberbos e orgulhosos, porque
de certa maneira estão afectados pela posse das riquezas (es-
tão na mesma disposição daqueles que possuem todos os bens;
a riqueza, com efeito, funciona como uma medida de valor das 1391a
outras coisas, porque tudo parece poder comprar-se com di-
nheiro). São também efeminados 65 e petulantes: efeminados,
porque vivem no luxo e fazem ostentação da sua felicidade;
petulantes e até grosseiros, porque estão habituados a que toda
gente se ocupe dos seus desejos e os admire, e também porque
crêem que os outros desejam o que eles têm. De resto, é muito
natural que tenham estes sentimentos, uma vez que são mui-
tos os que precisam do que eles têm. Assim se explica o dito
de Simónides acerca dos sábios e dos ricos, quando a mulher
de Hierão lhe perguntava se era preferível ser rico ou sábio:
64 O filho de Alcibíades Alcibíades, o Moço , ocupa um lugar
tristemente célebre na crónica escandalosa de Atenas. Lísias (Contra
Alcib., 14 e 15) acusa-o de desobediência e traição. Quanto ao carácter
violento e desregrado de Dionísio II, o Antigo, já é bem conhecido do
próprio Platão e de Plutarco (Timol., 13). Responsável por sucessivos
fracassos do seu governo, só o seu desterro definitivo para Corinto em
344 a. C., onde consta que passou o resto da vida a ensinar numa esco-
la, trouxe paz a Siracusa. Sobre os filhos de Címon e de Sócrates nada
sabemos ao certo.
65 Melhor dizendo, «voluptuosos» (trufero).
199
«ser rico», respondeu ele, «pois vejo sempre os sábios passa-
rem o tempo à porta dos ricos» 66. Também se acham dignos
de governar, porque julgam possuir tudo aquilo por que vale
a pena governar. Em suma, o carácter de um rico é o de um
louco afortunado.
Os caracteres dos novos-ricos diferem dos antigos no
seguinte: os novos-ricos, além de terem todos os vícios dos
outros, ainda os têm em maior grau e com maiores defeitos
(é que no novo-rico há como que uma ausência de educação
no tocante à riqueza). Os ricos, quando cometem injustiças,
não o fazem por maldade, umas fazem-nas por insolência,
outras por intemperança, como, por exemplo, injúrias pes-
soais e adultério.
17
O CARÁCTER DOS PODEROSOS
De maneira semelhante acontece com os que se relacionam
com o poder, cujos traços de carácter são quase evidentes na sua
maioria. O poder tem, em parte, as mesmas características da ri-
queza, sendo algumas até melhores. Os poderosos são, por tem-
peramento, mais ambiciosos e mais viris que os ricos, porque
ambicionam realizar actos que podem cumprir, graças ao poder
de que dispõem. Também são mais diligentes, porque têm mais
responsabilidades, sendo obrigados a velar por tudo o que diz
respeito ao seu poder. São bastante mais dignos do que gra-
ves, porque a sua dignidade lhes confere mais respeito; assim,
os seus actos são moderados, uma vez que a dignidade é uma
gravidade polida e distinta. Se cometem injustiças, não são pes-
soas para pequenas injustiças, mas para grandes.
66 Simónides de Ceos passou os últimos anos da sua vida (468-
-467 a. C.) em Siracusa e ali fez parte do grupo de artistas e poetas pro-
tegidos pela corte do tirano Hierão I, cuja adulação por parte do poeta
terá sido motivo de muitas anedotas. Este dito é também legado por
Diógenes Laércio que atribui a resposta ao filósofo Aristipo neste ter-
mos: «Os filósofos sabem do que precisam, os ricos não» (Diog. Laerc.,
1.8 (Aristip., 69).
200
A boa sorte 67, nas suas diferentes formas, também possui
os caracteres que acabámos de descrever (com efeito, é para a
riqueza e o poder que tendem maioritariamente os efeitos da
sorte). Além disso, a boa sorte proporciona muitas vantagens
em relação a uma feliz descendência e a bens físicos. Portanto, 1391b
se por um lado as pessoas são mais arrogantes e irreflectidas
por causa da boa sorte, por outro um carácter excelente vai de
par com a boa sorte, nomeadamente, o ser piedoso em relação
aos deuses, o ter uma relação especial de confiança face ao divi-
no, e tudo isso justamente como consequência feliz da fortuna.
Com isto, já dissemos o suficiente sobre os caracteres rela-
cionados com a idade e a fortuna. Os caracteres opostos aos
que acabámos de referir tornam-se claros pelo estudo dos seus
contrários: por exemplo, o carácter do pobre, do desafortuna-
do e do sem poder.
18
ESTRUTURA LÓGICA DO RACIOCÍNIO RETÓRICO:
.UNÇÃO DOS TÓPICOS COMUNS
A TODAS AS ESPÉCIES DE RETÓRICA
Uma vez que o uso dos discursos persuasivos tem por ob-
jecto formular um juízo (pois acerca daquilo que sabemos e te-
mos juízo formado já não são precisos mais discursos), usamos
o discurso nos casos seguintes: quando nos dirigimos a uma
só pessoa para a aconselhar ou dissuadir, como, por exemplo,
o fazem aqueles que tratam de repreender ou de persuadir
(pois pelo facto de um ouvinte ser único, não significa que seja
menos juiz, visto que aquele a quem se deve persuadir é, em
termos absolutos, juiz); quando se fala contra um adversário,
ou contra uma tese proposta (já que forçosamente é preciso
usar o discurso para refutar os argumentos contrários, contra
os quais se faz o discurso, como se se tratasse da parte adver-
67 EÙtuca: tradução literal de um conceito poliédrico e central na
cultura grega, como é o de felicidade, fortuna e ventura, por oposição à
má sorte, infortúnio ou desventura (dustuca) de que se falou anterior-
mente em diversas circunstâncias.
201
sa); o mesmo acontece nos discursos epidícticos (neste caso, o
discurso dirige-se ao espectador como se fosse dirigido a um
juiz, embora, em geral, só seja absolutamente juiz aquele que,
nos debates políticos, julga as questões submetidas a exame;
são estas, no fundo, as questões controversas e sujeitas a deli-
beração e para as quais se procura solução). Como já falámos
anteriormente 68 dos caracteres correspondentes às diversas
constituições, ao tratarmos do género deliberativo, podemos
dar por definido como e por que meios há que dar aos discur-
sos forma de expressarem os caracteres.
Como para cada género de discurso havia um fim dife-
rente, e como sobre todos eles já foram definidas as opiniões
e as premissas de onde se obtêm as provas, tanto para o gé-
nero deliberativo, como para o epidíctico e o judicial 69, e
como, além disso, estabelecemos os meios que permitem dar
aos discursos o carácter ético, resta-nos agora tratar dos lu-
gares-comuns.
Todos os oradores devem, necessariamente, servir-se, nos
seus discursos, do possível e do impossível 70 e tentar demons-
trar, para uns 71, como serão as coisas, para outros 72, como fo-
ram. Além disso, há um tópico comum a todos os discursos:
o que diz respeito à grandeza, dado que todos os oradores fa-
zem uso da diminuição e da amplificação, quando deliberam,
1392a elogiam ou censuram e quando acusam ou defendem. Quanto
ao resto, uma vez definido isto, procuremos falar dos entime-
mas em termos gerais, tanto quanto é possível, e dos para-
digmas, a fim de que, colmatando o que falta, possamos com-
pletar o programa inicial. Contudo, entre os lugares-comuns, a
amplificação é o mais apropriado ao género epidíctico, como
já dissemos 73; o passado, ao género judiciário (porque o acto
de julgar recai sobre acontecimentos passados); o possível e o
futuro, ao género deliberativo.
68 Cf. I 8.
69 !Amfisbhtoàntej, melhor diríamos «discurso judicial», ou «contro-
vérsia judicial».
70 DunatÒn e ¢dÚnaton.
71 Discursos deliberativos.
72 Discursos judiciais.
73 Cf. I 9.
202
19
.UNÇÃO DOS TÓPICOS COMUNS
A TODAS AS ESPÉCIES DE RETÓRICA
.alemos em primeiro lugar do possível e do impossível.
Se foi possível um contrário existir ou ter existido, também o
outro contrário há-de parecer possível. Por exemplo, se um
homem pode gozar de boa saúde, também é possível que adoe-
ça, já que a potência dos contrários, enquanto contrários, é a
mesma. Se, de duas coisas semelhantes, uma é possível, a ou-
tra também é possível. E se o que é mais difícil é possível, o
mais fácil também é possível. Se é possível que uma coisa seja
virtuosa e bela, também é possível que seja ou exista simples-
mente. É mais difícil uma casa ser bela do que ser apenas uma
casa. E se uma coisa pode ter princípio, também pode ter fim,
porque nada acontece, nada começa a partir de impossíveis;
por exemplo, a diagonal de um quadrado não poderia come-
çar a existir, nem existir. Se uma coisa pode ter um fim, o co-
meço também é possível, porque todas as coisas partem de um
princípio. Se é possível que, pela sua essência ou pela sua gé-
nese, exista o posterior, também é possível que exista o ante-
rior: por exemplo, se é possível que exista um homem, então
também uma criança (porque somos crianças antes de sermos
homens); e se é possível existir uma criança, então também um
homem (porque a infância é um começo). Possíveis são tam-
bém aquelas coisas que, por natureza, suscitam o amor ou o
desejo, porque, a maior parte das vezes, ninguém ama nem
deseja o impossível. E o que é objecto das ciências e das artes
também pode existir ou existe. Também são possíveis as coisas
cujo princípio de realização está em certas pessoas sobre as
quais poderíamos exercer coacção ou persuasão; é o que acon-
tece com as pessoas de quem somos superiores, ou senhores
ou amigos. Se as partes de uma coisa são possíveis, o todo tam-
bém o é, e se o todo é possível, por via de regra, as partes tam-
bém o são. Ora, se o corte dianteiro, o cano e a gáspea podem
existir, então também podem existir sandálias 74; ora, se as san-
74 Os termos aqui utilizados correspondem aproximadamente às
partes do calçado, ou melhor, das sandálias (Øpod»mata), uma vez que não
sabemos o significado preciso dos termos (prÒscisma, kefalj, citèn); por
203
dálias são possíveis, também o corte dianteiro, o cano e a gás-
1392b pea. Se o género inteiro existe dentre as coisas possíveis, tam-
bém a espécie, e se a espécie, também o género; por exemplo,
se é possível construir um navio, também é possível construir
uma trirreme, e se uma trirreme, também um navio. Se, entre
duas coisas recíprocas por natureza, uma delas é possível, a
outra também: por exemplo, se o dobro é possível, a metade
também, e se a metade é possível, igualmente o dobro. Da
mesma maneira, se uma coisa pode ser feita sem arte e sem
preparação, mais possível ainda o será com arte e preparação.
Donde as palavras de Ágaton:
Na verdade devemos fazer algumas coisas com arte,
outras acontecem por necessidade e fortuna. 75
Se uma coisa é possível a pessoas inferiores, menos do-
tadas e mais insensatas, então sê-lo-á mais ainda aos seus
contrários, como disse Isócrates: «se Eutino veio a sabê-lo, es-
tranho seria que eu não o pudesse descobrir» 76. Quanto ao im-
possível, é evidente que ele resulta dos princípios contrários aos
que acabámos de enunciar.
Se uma coisa aconteceu, ela deve ser examinada com base
no que se segue. Em primeiro lugar, se aconteceu o que é
menos por natureza, poderia também acontecer o que é mais.
Se o que é habitualmente posterior se produziu, também o
anterior; por exemplo, se alguém se esqueceu de uma coisa, é
porque alguma vez a aprendeu. Se se podia e queria fazer uma
coisa, então fez-se, porque os homens, quando têm o poder e a
vontade de fazer uma coisa, fazem-na, desde que não haja nada
que os impeça. E ainda, se alguém queria fazer uma coisa e
nenhum agente exterior o impedia; se podia e estava irado, e
outro lado, e apesar de o exemplo ser retirado dos ofícios mais comuns
(como já era tradicional na escola socrática, cf. Gorgias, 490d-491a), não se
sabe a que parte ou a que tipo de sandálias ou sapatos se refere Aristó-
teles.
75 Ágaton foi um poeta trágico do século V, contemporâneo de Eu-
rípides e ligado ao círculo de Sócrates. É na casa de Ágaton que Platão
situa o seu Banquete.
76 A frase parece mutilada e não dispomos de outros testemunhos
que possam identificar com clareza a sua atribuição.
204
se podia e queria. A maior parte das vezes, no entanto, os in-
divíduos, quando podem, fazem o que lhes apetece, os frívolos
por intemperança, as pessoas de bem porque desejam o que é
honesto; se uma coisa estivesse para ser executada e alguém
tivesse a intenção de a fazer, é provável que quem está dispos-
to a fazê-la também a tenha feito. Da mesma maneira, se acon-
teceu uma coisa que é, por natureza, subsequente ou resultan-
te dela, então o antecedente e a causa também aconteceram; por
exemplo, se houve trovões, houve relâmpagos; e se uma pes-
soa quis seduzir outra pessoa, concluímos que a seduziu. De
todas estas coisas, umas acontecem por necessidade, outras são
assim a maior parte das vezes. Quanto a demonstrar que algo
não tem existência, é evidente que só podemos inferi-lo a par-
tir dos contrários mencionados.
Sobre o que vai acontecer no futuro, isso subentende-se 1393a
claramente dos mesmos argumentos. Com efeito, o que existe
em potência ou em vontade será, como será o que existe no
nosso desejo, na nossa ira e no nosso cálculo, conforme a capa-
cidade que se tem para agir; e estas coisas acontecerão quando
houver impulso para actuar ou intenção de se fazerem; ora, na
maior parte das vezes, acontece mais o que está na eminência
de acontecer do que o que não está. Se se produziu o que, por
natureza, é anterior: por exemplo, se o céu está coberto de
nuvens, é provável que chova. Se aconteceu uma coisa por
causa de outra, é provável que tal coisa venha a acontecer: por
exemplo, se há alicerces, também há casa.
Sobre a grandeza e a pequenez dos factos, o maior e o
menor e, em geral, o grande e o pequeno, subentende-se como
é óbvio das considerações precedentes. Assim, tratámos, a pro-
pósito do género deliberativo, da grandeza dos bens e, em ter-
mos gerais, do bem maior e do bem menor. Ora, como cada
um dos três géneros de discurso se propõe um certo bem como
fim, por exemplo, o conveniente, o belo e o justo, é óbvio que
é por intermédio destes que todos os oradores devem realizar
as suas amplificações. Além disso, buscar fora destes argumen-
tos a grandeza e a superioridade absolutas é o mesmo que fa-
lar em vão, porque, em relação ao útil, os factos particulares
são mais importantes que os universais.
Assim, sobre o possível e o impossível, o que ocorreu ou
não ocorreu antes e sobre se ocorrerá ou não, assim como so-
bre a grandeza e a pequenez dos factos, que seja suficiente o
que dissemos.
205
20
ARGUMENTO PELO EXEMPLO
Resta-nos falar das provas comuns a todos os géneros,
uma vez que já nos referimos às próprias. Estas provas comuns
são de dois géneros: o exemplo e o entimema, pois a máxima
é uma parte do entimema. Assim sendo, falaremos em primei-
ro lugar do exemplo que é semelhante à indução, e a indução
é um princípio.
Há duas espécies de exemplo: uma consiste em falar de
factos anteriores, a outra em inventá-los o próprio orador. Nes-
ta última, há que distinguir a parábola e as fábulas, por exem-
plo, as esópicas e as líbicas 77.
.alar de factos passados consistiria, por exemplo, em al-
guém dizer que era preciso fazer preparativos contra o rei da
Pérsia não permitindo que dominasse o Egipto 78, porque já an-
1393b teriormente Dario evitara atravessar a Grécia sem antes ter to-
mado o Egipto, e que, só depois de o ter tomado, é que passou
à Grécia; e que, por seu turno, Xerxes também não atacou a
Grécia sem antes haver tomado o Egipto, e que, só depois de o
ter submetido, é que dirigiu à Grécia. Assim, se o rei tomar o
Egipto, passará à Grécia; por isso, não se deve consentir que o
submeta.
São parábolas os ditos socráticos, e consistem, por exemplo,
em uma pessoa dizer que os magistrados não devem ser tirados
à sorte, porque isso é como se alguém escolhesse atletas por
sorteio, não os que são capazes de competir, mas os que a sorte
designasse; ou ainda, como se, entre os marinheiros, fosse sor-
teado aquele que deve pilotar o navio, como se, em vez daquele
que sabe, se devesse tomar o marinheiro que a sorte designou.
77 Segundo uma referência que remonta a Hermógenes (Progymn.,
1) ou a uma tradição anterior, nas fábulas esópicas intervinham animais
racionais e irracionais, enquanto nas líbicas só animais irracionais. Mas
na perspectiva do retórico Téon (Progymnasta, 3) o que distingue umas
das outras é o facto de as líbicas serem atribuídas a um líbio anónimo.
78 Os factos pretensamente «históricos» a que alude este argumento
levantam problemas cronológicos que não são totalmente claros. O rei em
causa parece ser Artaxerxes III Oco que em 343 a. C. enviou uma embai-
xada à Grécia pedindo uma aliança e reforços para uma expedição (falha-
da) contra o Egipto, que só viria a reconquistar em 343-341 a. C.
206
Um exemplo de fábula é a que refere Estesícoro a respeito
de .álaris e a de Esopo a favor de um demagogo. Tendo os ci-
dadãos de Hímera 79 escolhido .álaris como estratego com ple-
nos poderes, e estando a ponto de lhe atribuir uma escolta pes-
soal, Estesícoro, entre outras considerações, contou-lhes a fábula
seguinte: um cavalo tinha um prado só para si, mas chegou um
veado e estragou-lhe o pasto; o cavalo, querendo então vingar-
-se do veado, perguntou a um homem se o podia ajudar a punir
o veado. O homem consentiu, com a condição de lhe pôr um
freio e o montar armado com dardos. .eito o acordo, o homem
montou o cavalo e este, em vez de se vingar, tornou-se escravo
do homem. «Assim também vós», disse ele, «acautelai-vos, não
vá acontecer que, querendo vingar os vossos inimigos, venhais
a sofrer a sorte do cavalo; já tendes o freio ao eleger um estratego
pleno de poderes; se lhe dais uma guarda pessoal e permitis que
vos monte, então sereis escravos de .álaris.»
Esopo 80, por sua vez, quando falava publicamente em
Samos, numa altura em que se julgava a pena capital aplicada a
um demagogo, contou-lhes como é que uma raposa, ao atraves-
sar um rio, foi arrastada para um precipício e, não podendo de
lá sair, aguentou durante muito tempo, além ser atormentada
por numerosas carraças agarradas à pele. Um ouriço que anda-
va por ali, ao vê-la, aproximou-se compadecido e perguntou-lhe
se queria que lhe tirasse as carraças; mas a raposa não lho per-
mitiu. E como o ouriço lhe perguntasse porquê, ela respondeu:
«porque estas já estão fartas de mim e sugam-me pouco sangue;
se mas tiras, outras virão esfomeadas e sugar-me-ão o sangue
que me resta». «Também no vosso caso, homens de Samos»,
disse Esopo, «este homem não vos prejudicará mais (porque já é
rico); mas, se o matais, outros virão, pobres, que vos hão-de rou- 1394a
bar e esbanjarão o que vos resta.»
As fábulas são apropriadas às arengas públicas e têm esta
vantagem: é que sendo difícil encontrar factos históricos seme-
lhantes entre si, ao invés, encontrar fábulas é fácil. Tal como
para as parábolas, para as imaginar, só é preciso que alguém
seja capaz de ver as semelhanças, o que é fácil para quem é de
79 Cidade da Sicília.
80 Esta fábula não faz parte das colecções esópicas conhecidas, mas
é contada por Plutarco, An sena gerenda sit respublica, 790c, que a atribui a
Esopo.
207
filosofia. Assim, é fácil prover-se de argumentos mediante fábu-
las; mas os argumentos com base em factos históricos são mais
úteis nas deliberações públicas, porque, na maior parte dos ca-
sos, os acontecimentos futuros são semelhantes aos do passado.
Na falta de entimemas, convém usar exemplos como de-
monstração (a prova depende deles); quando se têm entime-
mas, há que usar exemplos como testemunhos, tomando-os
como epílogo dos entimemas. Senão vejamos: quando os exem-
plos são colocados em primeiro lugar, assemelham-se a uma
indução e, excepto nalguns casos, a indução não é própria da
retórica; colocados em epílogo funcionam como testemunhos e
o testemunho é sempre persuasivo. Por isso, quem os coloca
antes dos entimemas deve forçosamente recorrer a muitos, a
quem os utiliza como epílogo, basta um, porque um testemu-
nho honesto, mesmo que seja único, é útil.
Com isto, tratámos das diversas espécies de exemplos,
como e quando convém servir-se deles.
21
USO DE MÁXIMAS NA ARGUMENTAÇÃO
Acerca do uso das máximas, assim que tivermos definido o
que é uma máxima, ficará bem claro sobre que matérias, quan-
do e diante de quem se ajusta o seu emprego nos discursos.
A máxima é uma afirmação 81 geral que não se aplica, certamen-
te, a aspectos particulares, como, por exemplo, não referir que
tipo de pessoa é Ifícrates, mas ao universal; não a todas as coi-
sas, como, por exemplo, quando se diz que a linha recta é o con-
trário da curva, mas só às que envolvem acções e que podem
ser escolhidas ou rejeitadas em ordem a uma determinada acção.
Daí que, sendo o entimema um silogismo sobre tal tipo de coi-
sas, resulta que as conclusões e os princípios dos entimemas,
pondo de lado o silogismo em si, são máximas. Exemplo:
Nunca deve o homem que por natureza é sensato
ensinar os seus filhos a ser demasiado sábios. 82
81 !ApÒfasij.
82 Eurípides, Medea, 294-5.
208
Isto é uma máxima. Mas se lhe juntarmos a causa e o
porquê, o todo forma um entimema. Exemplo:
Sem contar com a preguiça que têm, colhem a inveja
hostil dos cidadãos. 83
E isto:
Não há homem que seja inteiramente feliz 85.
E isto: 1394b
Não há homem que seja livre 85
são máximas, mas passam a entimemas, se lhes acrescentarmos:
Porque o homem é escravo da riqueza ou da fortuna. 86
Se uma máxima consiste no que acabámos de dizer, há
necessariamente quatro espécies de máximas; umas vezes vão
com epílogo, outras sem ele. Por outro lado, necessitam de de-
monstração as máximas que exprimem algo de paradoxal ou de
controverso; quanto às que não têm nada de paradoxal, vão sem
epílogo. Estas não precisam necessariamente de epílogo, umas
porque já são conhecidas de antemão, como por exemplo:
Para um homem, a saúde é o que há de melhor, tanto
quanto me parece 87
(assim parece também à maioria); mas outras, assim que são
enunciadas, tornam-se evidentes para quem as olha com aten-
ção. Por exemplo:
Não há amante que não ame sempre. 88
83 Ibidem, 2961.
84 Eurípides, Stheneboea, fr. 661 Nauck.
85 Eurípides, Hecuba, 863.
86 Ibidem, 864.
87 Escólio, ou uma canção de banquete, atribuído a Simónides (cf.
Ateneu, 15.694e).
88 Eurípides, Troades, 1051.
209
Quanto às que vão seguidas de epílogo, umas são parte
de um entimema, tais como:
Nunca deve aquele que é sensato 89;
outras são verdadeiros entimemas, mas sem constituírem parte
do mesmo. Estas são particularmente apreciadas, sendo tam-
bém as que, por si mesmas, tornam clara a causa da afirma-
ção, por exemplo, nisto:
Não guardes rancor imortal, sendo mortal. 90
Dizer, «não há que guardar rancor» é uma máxima, mas
acrescentar «sendo mortal» é dizer o porquê. De modo idênti-
co em:
Um mortal deve sentir-se como mortal, não como
imortal. 91
Vê-se claramente, pelo que ficou exposto, quantas espé-
cies de máximas há e a que casos se aplica cada uma delas.
De um lado, as que são controversas ou paradoxais não pres-
cindem do epílogo, mas, caso precedam o epílogo, deve em-
pregar-se a máxima como conclusão (por exemplo, se alguém
dissesse: «quanto a mim, como não convém sujeitar-me à in-
veja, nem viver na preguiça, afirmo que não é preciso ser ins-
truído»); ou então, se se coloca a máxima no princípio, há que
juntar-lhe logo aquilo que a precede. Por outro lado, quanto
às que não são paradoxais, mas não são nada evidentes, ha-
verá que determinar previamente a causa, para lhes dar uma
forma mais concisa. Nestes casos são preferíveis os apotegmas
lacónicos e os enigmas, como, por exemplo, referir as pala-
1395a vras de Estesícoro na assembleia dos Lócrios, a saber: «que
não convém ser insolente, não vão as cigarras terem de can-
tar do chão» 92.
89 Eurípides, Medea, 295.
90 Verso de um trágico desconhecido.
91 Verso atribuído a Epicarmo, fr. 239 Olivier.
92 Demétrio, Sobre o Estilo, 99.100, atribui esta máxima a Dionísio
de Siracusa, não a Estesícoro.
210
Soa bem às pessoas de idade exprimirem-se por máximas
e dissertar sobre temas de que se tem experiência. De maneira
que, fazer uso de máximas quando não se atingiu tal idade é
tão pouco oportuno como andar a contar histórias. Do mesmo
modo, fazê-lo sobre temas de que não se tem experiência é uma
parvoíce e uma falta de educação. Sinal suficiente disso é o
facto de os camponeses serem muito sentenciosos e facilmente
se exprimirem assim.
.alar em termos gerais do que não é universal adequa-se
sobretudo à lamentação e ao exagero; nestes casos, deve-se
proceder assim, ou no início ou mais tarde, depois de termina-
da a demonstração. É conveniente também usar máximas tri-
viais e comuns, se forem úteis, porque, pelo facto de serem co-
muns, como toda a gente está de acordo com elas, podem
parecer verdadeiras, como, por exemplo, quando se exorta al-
guém a enfrentar um perigo, sem antes ter feito os sacrifícios
rituais:
O único, o melhor augúrio, é defender a pátria. 93
E a alguém que está em posição de inferioridade dir-se-á:
Imparcial é Eniálio. 94
E quando se aconselha a matar os filhos dos inimigos,
embora nada tenham feito de mal:
Insensato quem, tendo morto o pai, deixa viver os fi-
lhos. 95
Certos provérbios também são máximas, como aquele do
«vizinho Ático» 96. Convém ainda utilizar máximas para refu-
tar os ditos populares (entendo por ditos populares, por exem-
plo, o «conhece-te a ti mesmo» ou o «nada em demasia») quan-
do o carácter do orador surgir com maior relevo ou quando a
93 Il., 12.243.
94 Ibidem, 18.309. Eniálio é Ares, deus da guerra.
95 Verso atribuído a Estasino, suposto autor do poema épico Cypria,
já referido.
96 Cf. Tucídides, 1.70.
211
máxima for enunciada em tom patético. Há expressão de paté-
tico quando, por exemplo, alguém cheio de ira diz que é uma
mentira uma pessoa conhecer-se a si mesma: «em todo o caso,
se este homem se tivesse conhecido a si mesmo, nunca se teria
considerado digno de ser estratego» 97. O orador mostraria um
carácter superior, se sustentasse que não é preciso ao con-
trário do que se diz amar como se um dia houvesse de odiar,
mas antes odiar como se um dia houvesse de amar. É preciso,
pela maneira como se enuncia a máxima, evidenciar a sua in-
tenção; se não, haverá que explicitar a causa; por exemplo, dizer
assim: «deve-se amar, não como vulgarmente se diz, mas como
se se amasse sempre, porque amar de outro modo é próprio de
um traidor». Ou assim: «não me agrada o ditado, porque o ver-
dadeiro amante deve amar como quem devesse amar sempre».
E ainda: «não me agrada essa fórmula do «nada em demasia»,
porque aos maus, pelo menos, devemos odiá-los em excesso».
1395b As máximas são de grande utilidade nos discursos, por
causa da mente tosca 98 dos ouvintes, que ficam contentes
quando alguém, falando em geral, vai de encontro às opiniões
que eles têm sobre casos particulares. O que digo ficará eluci-
dado pelo que se segue, e, ao mesmo tempo, pelo modo como
se deve fazer a caça às máximas. Como já dissemos, a máxima
é uma afirmação universal; mas o que agrada aos ouvintes é
ouvir falar em termos gerais daquilo que eles tinham pensado
entender antes em termos particulares; por exemplo, se alguém,
por acaso, tivesse de tratar com maus vizinhos ou maus filhos
e, em seguida, ouvisse dizer: «nada mais insuportável do que
a vizinhança» 99; ou «nada de mais estúpido do que ter fi-
lhos» 100. Deste modo, o orador deve conjecturar quais as coi-
sas que os ouvintes de facto têm subentendidas e assim falar
dessas coisas em geral.
97 Desconhece-se quem é este homem referido por Aristóteles.
Segundo alguns intérpretes, tratar-se-ia de Ifícrates, um general do sé-
culo IV a. C., que o Estagirita expressamente nomeia em diversas partes
da Retórica.
98 O termo usado por Aristóteles (fortikÒthj) é um hápax legómenon.
Pretende indicar com ele o espírito rude e a falta de cultura dos juízes.
99 A sugestão é de Hesíodo, Erga, 345. Nas suas variantes e aplica-
da em circunstâncias diversas aparece também em Platão, Legi, VIII, 843c,
Tucídides, III, 113, Demóstenes, Contra Cal., 1.
100 Desconhece-se a origem e o autor desta máxima.
212
Este é já um dos aspectos em que o uso de máximas traz
vantagens, mas há outros ainda melhores: quando elas confe-
rem aos discursos um carácter «ético». Têm carácter «ético» os
discursos que manifestam claramente a intenção do orador.
Todas as máximas cumprem esta função, porque exprimem de
forma geral as intenções daquele que as enuncia, de tal sorte
que, se as máximas são honestas, também farão que o carácter
do orador pareça honesto.
Sobre as máximas, sobre a sua natureza e o número de
espécies, como se devem usar e que vantagens trazem, basta o
que acábamos de dizer.
22
O USO DE ENTIMEMAS
.alemos agora dos entimemas em geral: primeiro, do mé-
todo a seguir para os procurar e, depois, dos tópicos donde os
extraímos, pois cada um destes assuntos pertence a uma espé-
cie diferente. Que o entimema é um silogismo, já o dissemos
anteriormente, e também em que medida é um silogismo e em
que é que difere dos silogismos dialécticos. Porque em retórica
convém não fazer deduções de muito longe, nem é necessário
seguir todos os passos: o primeiro método é obscuro por ser
demasiado extenso, o segundo é pura verborreia, porque enun-
cia coisas evidentes. É esta a razão pela qual os oradores incul-
tos são mais persuasivos do que os cultos diante de multidões;
como dizem os poetas 101, os incultos são «mais inspirados pe-
las musas» 102 diante da multidão. Com efeito, os primeiros
enunciam as premissas comuns e gerais, os segundos baseiam-
-se no que sabem e no que está próximo do seu auditório. Por-
tanto, é assim que os oradores devem falar, não tomando como
101 Alusão à frase de Eurípides, Hippolytus, 988-9: «Aqueles que pa-
recem desajeitados perante os sábios parecem pessoas de grande cultura
aos olhos da multidão.»
102 Apesar da contradição aparente, preferiu-se traduzir à letra o
termo mousikèteroj que remete para o ambiente de persuasão gerado pela
musicalidade do discurso e que constitui uma das ideias inovadoras da
retórica de Górgias.
213
ponto de partida todas as opiniões, mas só certas e determina-
das, por exemplo, as dos juízes ou as daqueles que gozam de
1396a reputação; e o facto é que a coisa aparece mais clara, ou a to-
dos os ouvintes, ou à maior parte deles. E não se devem tirar
conclusões somente a partir das premissas necessárias, mas
também das que são pertinentes a maior parte das vezes.
Primeiro, convém saber que o assunto sobre o qual se vai
falar ou raciocinar quer se trate de um silogismo político ou
de outro género qualquer tem necessariamente de contar
com argumentos pertinentes, senão todos, pelo menos alguns;
porque, se não dispomos deles, não teremos nada donde reti-
rar uma conclusão. Explico-me: por exemplo, como poderíamos
aconselhar os Atenienses a entrar ou a não entrar em guerra,
se não tivéssemos conhecimento do seu poderio militar, se dis-
punham de uma marinha ou de uma infantaria ou de ambas a
coisas? Quais os efectivos, quais os recursos, os aliados e os ini-
migos, ou ainda que guerras enfrentaram e como se portaram,
e outras coisas semelhantes a estas? Ora, como poderíamos
fazer o elogio deles se não tivéssemos conhecimento do com-
bate naval de Salamina ou da batalha de Maratona, ou dos fei-
tos protagonizados pelos Heraclidas e de outras proezas seme-
lhantes? Todos os panegiristas extraem os seus elogios dos
gloriosos feitos, ou pelo menos, dos que parecem ser. O mes-
mo se passa com as censuras feitas a partir de elementos con-
trários, considerando se os censurados têm ou parecem ter al-
guma coisa de reprovável em matéria de censura: dizer, por
exemplo, que os Atenienses submeteram os Gregos e escravi-
zaram os Eginetas e os Potideianos que tinham combatido com
eles contra os bárbaros e se tinham notabilizado, e outras coi-
sas semelhantes, e se é que algum outro erro se lhes pode im-
putar. Do mesmo modo, os que fazem acusações ou agem
como defensores dispõem, para a sua argumentação, de factos
pertinentes.
É indiferente que se trate dos Lacedemónios ou dos
Atenienses, de um homem ou de um deus: o processo é o
mesmo. Com efeito, aquele que aconselha Aquiles, aquele que
elogia e censura, aquele que acusa e defende, tem de argumen-
tar sempre com factos pertinentes ou que parecem ser , a
fim de exprimir, nessa base, o elogio ou a censura, o que nele
há de belo ou de vergonhoso, acusando-o ou defendendo-o, se
concerne ao justo ou ao injusto e, por fim, aconselhando sobre
o que é conveniente ou prejudicial. O que é válido para estas
214
matérias também o é para outras. Por exemplo, tratando-se de
justiça, interessa saber se uma coisa é boa ou má e, nesse caso,
haverá que argumentar com base em atributos atinentes à jus-
tiça e ao bem.
Por conseguinte, como parece que todos os oradores se-
guem este método nas suas demonstrações, quer os seus silo-
gismos sejam mais rigorosos ou mais brandos (já que não ar- 1396b
gumentam a partir de todos os pressupostos, mas somente dos
que são relevantes para cada caso), e como também já ficou
esclarecido que, servindo-se do discurso, é impossível demons-
trar por outro meio, conclui-se, evidentemente, que, tal como
nos Tópicos 103, é indispensável, antes de tudo, ter seleccionado
sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que é
possível e mais oportuno. Quanto às questões que surgem de
improviso, a investigação deve seguir o mesmo método, aten-
dendo não aos argumentos indeterminados, mas aos que são
inerentes ao discurso, englobando o maior número possível e
que estejam mais próximos do assunto em causa. Quanto mais
factos atinentes ao assunto em causa se possuírem, mais fácil
será a demonstração, e quanto mais próximos estiverem dele,
mais próprios e menos comuns serão. Chamo comuns: louvar
Aquiles por ser homem e semideus, e por ter lutado contra
Ílion. Tudo isto é relevante para muitos homens, de maneira
que o orador que recorre a tais argumentos não elogia mais
Aquiles do que Diomedes. Chamo próprios os que se aplicam a
Aquiles e a mais ninguém, como, por exemplo, o ter matado
Heitor, o melhor dos Troianos, e Cicno, o qual, sendo invencível,
a todos impedia de desembarcar. E dizer também que, sendo o
mais jovem, e não estando ligado por juramento, participou na
expedição, e outros elementos do mesmo género.
Um meio, o primeiro, para escolher entimemas é o tópico.
Agora, porém, vamos falar dos elementos dos entimemas. En-
tendo por elemento e tópico a mesma coisa. Mas, primeiro, tra-
temos do que necessariamente deve dizer-se em primeiro lu-
gar. Há duas espécies de entimemas: os demonstrativos 104 de
algo que é ou não é, e os refutativos 105; a diferença é igual à
que existe na dialéctica entre refutação e silogismo. O entimema
103 Provável alusão a um passo dos Tópicos I 14-15 ou II 7, 112b.
104 Deiktik£.
105 !Elegktik£.
215
demonstrativo é aquele em que a conclusão se obtém a partir
de premissas com as quais se está de acordo; o refutativo con-
duz a conclusões que o adversário não aceita.
Os tópicos correspondentes a cada uma das espécies de
entimemas, que são úteis e necessários, temo-los mais ou me-
nos em nosso poder. Já antes fizemos a selecção das premissas
que se referem a cada um dos entimemas, de maneira que,
nessa base, cabe-nos agora extrair os entimemas relativos aos
tópicos do bem ou do mal, do belo ou do feio, do justo ou do
injusto. Quanto aos tópicos concernentes aos caracteres, às
emoções e às disposições, já antes os seleccionámos, utilizando
1397a o mesmo método. Seguiremos agora outro método, o método
geral, para todos os entimemas; trataremos, num capítulo su-
plementar, dos refutativos e dos demonstrativos e também dos
entimemas aparentes que não são realmente entimemas, por-
que nem sequer são silogismos. Quando tivermos esclarecido
tudo isto, definiremos as refutações, as objecções e as fontes
donde se deve partir para depois as opormos aos entimemas.
23
O USO DE ENTIMEMAS: OS TÓPICOS
Um dos tópicos dos entimemas demonstrativos é aquele
que se tira dos seus contrários. É conveniente examinar se o
contrário está compreendido noutro contrário, refutando-o se
não estiver, confirmando-o se estiver; por exemplo, dizer que
ser sensato é bom, porque ser licencioso é nocivo. Ou, como
no Messianicus 106: «se a guerra é a causa dos males presentes,
com a paz há que remediá-los».
Ou:
Uma vez que nem contra os que nos fizeram mal
sem querer é justo cair em ira,
também não convém mostrar-se agradecido
a alguém que à força nos faz um favor. 107
106 Trata-se do discurso sobre os Messénios, escrito em 366 a. C. por
Alcidamante, e já mencionado em I 13, 1373b.
107 Citação de um trágico desconhecido. O fragmento forma um
trímetro jâmbico.
216
Ou ainda:
Mas, se entre os mortais dizer mentiras
é persuasivo, acredita que o contrário também o é:
quantas verdades se tornam incredulidade para os mortais. 108
Outro tópico é o das flexões casuais semelhantes, porque
semelhantemente deveriam compreender ou não os mesmos pre-
dicados; por exemplo, dizer que o justo não é um bem em todas
as circunstâncias; é que se o fosse «justamente» seria sempre um
bem, mas, por agora, não é desejável morrer «justamente».
Outro é o que procede das relações recíprocas: se praticar
uma acção bela e justamente pertence a um dos termos, o
cumpri-la pertence a outro; e se uma pessoa tem o direito de
dar ordens, a outra tem-no de as cumprir; por exemplo, o que
Diomedonte, o colector de impostos, disse acerca dos impos-
tos: «se para vós não é vergonhoso vender, também para nós
não é vergonhoso comprar» 109. Ora, se os termos «bela e justa-
mente» se aplicam a quem sofreu a acção, também se aplica-
rão a quem a executou. Mas nisto há o risco 110 do paralogismo.
Com efeito, se alguém sofreu justamente um castigo, justa-
mente o sofreu, mas talvez não imposto por ti. Por isso, con-
vém examinar à parte se o paciente 111 merecia tal castigo e se 1397b
o agente 112 agiu justamente, e, em seguida, aplicar a ambos o
argumento apropriado. Nalguns casos há discordância quanto
a este ponto, e nada impede que se pergunte, como no Alcméon
de Teodectes: «Nenhum dos mortais odiava a tua mãe?» Em
resposta, diz-lhe Alcméon: «Sim, mas é preciso examinar e fa-
zer uma distinção.» «Como?» perguntou Alfesibeia, tomando a
palavra:
A morrer a condenaram, mas não a mim a matá-la. 113
108 Eurípides, Thyestes, fr. 396 Nauck.
109 Personagem e dito desconhecidos.
110 Lit. «possibilidade».
111 Paqèn.
112 Poi»saj.
113 Teodectes, discípulo de Platão, de Isócrates e de Aristóteles, fi-
cou célebre no século IV como autor de tragédias e de discursos oratórios.
Na tragédia, Alcméon assassinou a mãe, Erifile, para vingar a morte do
pai, Anfiarau. Alfesibeia é a esposa junto da qual chora a sua culpa.
217
Outro exemplo é o processo contra Demóstenes e os as-
sassinos de Nicanor: como o júri achou que era justo matá-lo,
também lhe pareceu justo que morresse. E ainda o caso do
homem que morreu em Tebas e acerca do qual se mandou fa-
zer um julgamento para saber se era justo tê-lo matado, por-
que não se considera injusto condenar à morte um homem que
morre justamente 114.
Outro tópico é o do mais e o do menos; por exemplo: «se
nem os deuses sabem tudo, menos ainda os homens». O que
equivale a dizer: «se de facto uma afirmação não se aplica ao
que seria mais aplicável, é óbvio que também não se aplica ao
que seria menos». O argumento, «uma pessoa que bate nos
vizinhos, também bate no pai», assenta no raciocínio seguinte:
«se há o menos, também há o mais» 115, visto que se bate sem-
pre menos nos pais do que nos vizinhos. Ou então empregam-
-se um e outro argumento desta forma: «se uma afirmação se
aplica ao que é mais, não se aplica», «se ao que é menos, apli-
ca-se», conforme seja preciso demonstrar o que é e o que não
é. Além disso, também se usa este argumento, quando não se
trata nem do mais, nem do menos. Donde o poeta:
Digno de compaixão é teu pai, que perdeu os filhos;
mas não o é também Eneu, [honra da Hélade] que
[perdeu um filho ilustre? 116
E ainda: se Teseu não foi culpado, Alexandre também não;
se os Tindáridas não cometeram injustiça, Alexandre também
não; se Heitor matou justamente Pátroclo, também Alexandre
a Aquiles; e se os outros artistas não são desprezíveis, os filó-
sofos também não; se os estrategos não são desprezíveis, por-
114 Não sabemos se se trata do famoso orador ateniense, cujas vida
e obra são sobejamente conhecidas. Nicanor é desconhecido. Quanto ao
homem de Tebas, talvez se trate de Eufron de Siciona que, numa
tentativa para libertar os seus compatriotas, teria sido assassinado por
mercenários a soldo dos Tebanos. Sobre o assunto, cf. Xenofonte, Helle-
nica, 7.3,5 ss.
115 A nossa tradução é aproximada. O excerto é susceptível de vá-
rias leituras e interpretações que seria moroso expor aqui em pormenor.
116 Versos de um trágico desconhecido. No entanto, o nome Oineus
sugere que podem pertencer a um Meléagro que tanto pode ser de Eurí-
pides como de Antifonte.
218
que são muitas vezes condenados à morte, os sofistas também
não. E ainda: «se um simples indivíduo deve preocupar-se com
a vossa glória, também vós vos deveis preocupar com a glória
dos Gregos» 117.
Outro tira-se da observação do tempo. Por exemplo, Ifí-
crates, no seu discurso contra Harmódio, disse: «Se, antes de
eu agir, vos tivesse pedido, como condição prévia, que me
concedêsseis a estátua, ter-ma-íeis dado. Agora que agi, não ma
concedereis? Então, não façais promessas enquanto esperais um
serviço, para depois de cumprido negardes a recompensa.»
Outro exemplo: uma vez, para que os Tebanos permitissem a
.ilipe atravessar o seu território para chegar à Ática, os embai- 1398a
xadores da Macedónia argumentaram: se, antes de ter decidi-
do ajudar os .ocenses, ele tivesse feito a respectiva petição, tê-
-la-iam prometido; seria, pois, absurdo que não o deixassem
passar agora, só porque então se tinha descuidado e tinha con-
fiado neles 119.
Outro ainda consiste em agarrar nas palavras pronuncia-
das contra nós e voltá-las contra aquele que as pronunciou,
como, por exemplo, no Teucro 119. Mas este lugar é diferente do
que utilizou Ifícrates contra Aristofonte, quando este lhe per-
guntou se entregaria a armada a troco de dinheiro. Tendo
Aristofonte respondido que não, logo lhe disse: «Então tu que
és Aristofonte não a entregarias, e eu que sou Ifícrates fá-lo-
-ia?» 120 Mas nestes casos é conveniente haver um adversário à
altura, mais susceptível de cometer injustiças, porque, de con-
trário, a resposta pareceria ridícula: por exemplo, se, para res-
117 Argumento provavelmente retirado de um discurso epidíctico no
qual o autor, à semelhança do Panegírico de Isócrates, exorta os cidadãos
atenienes (cf. o plural «vós») a lutar contra os bárbaros.
118 O incidente tem por cenário a expedição de .ilipe da Macedónia
à .ócia em 339 a. C. Os Tebanos e os Tessálios pediram a .ilipe que cas-
tigasse os .ocenses porque se tinham apoderado do tesouro de Apolo.
Quando .ilipe quis atacar a Ática, atravessando os territórios tebanos,
estes negaram-lhe a passagem instigados por Demóstenes.
119 O argumento alude a um episódio da guerra de Tróia em que
Ulisses acusa Teucro de não ter salvo o irmão da morte. Teucro volta
contra Ulisses a acusação utilizando os mesmos argumentos. Teucro era
uma tragédia de Sófocles.
120 Depois da derrota de Êmbato (356), Aristofonte acusou de con-
cussão três generais vencidos, Menesteu, Ifícrates e Timoteu.
219
ponder à acusação de Aristides 121, outro argumentasse o
mesmo para desacreditar o acusador. Em geral, o acusador pre-
tende ser melhor que o acusado, e portanto há que refutar esta
pretensão. Em geral, este argumento revela-se absurdo, sobre-
tudo quando alguém recrimina aos outros o que ele mesmo faz
ou poderia fazer, ou quando aconselha a fazer o que ele não
faz, nem poderia fazer.
Outro obtém-se partindo da definição. Por exemplo: «o
que é o divino (daimonion)? Um deus ou a obra de um deus?
Naturalmente, aquele que admite que é obra de um deus, for-
çosamente também há-de admitir que os deuses existem.» 122
Assim também argumentava Ifícrates, ao afirmar que o mais
nobre é o melhor. A verdade, porém, é que Harmódio e Aris-
togíton não possuíam qualquer nobreza antes de terem reali-
zado a sua nobre acção. Acrescentou ainda que ele próprio era
mais aparentado a eles, «porque as minhas obras estão, certa-
mente, mais próximas das de Harmódio e de Aristogíton que
as tuas». E ainda, como se diz no Alexandre: todos concordarão
que os desregrados não se contentam com o prazer de um só
corpo 123. Em virtude disso, Sócrates disse que não se desloca-
ria à corte de Arquelau, «porque», afirma ele, «é uma vergo-
nha não poder retribuir da mesma maneira tanto o bom como
o mau tratamento» 124. Todos estes casos constroem os seus
silogismos sobre a matéria que tratam, partindo de definições
e determinando a essência de uma coisa.
Outro obtém-se a partir dos diferentes sentidos de uma pa-
lavra, como vimos nos Tópicos sobre o uso correcto dos termos 125.
Outro provém da divisão. Por exemplo, se todos os seres
humanos fazem mal por três motivos (por este, por aquele, e
por mais aquele), é impossível que seja por dois deles, mas do
terceiro nem sequer se fala.
121 Estratego em 489-488 a. C., Aristides foi um político ateniense
que a tradição sempre considerou como exemplo de homem justo e ínte-
gro. .oi condenado ao ostracismo em 482 a. C.
122 Provável alusão ao argumento de Sócrates em Platão, Apologia,
27b.
123 Supomos tratar-se de um discurso epidíctico sobre Páris da au-
toria de um sofista desconhecido, semelhante ao Encómio de Helena de
Isócrates, e à palinódia de Helena, da autoria de Górgias.
124 Cf. Diógenes Laércio, 2.5.25 (Vita Socr.).
125 Cf. Aristóteles, Tópicos I 15.
220
Outro tópico retira-se da indução. Por exemplo, do caso
da mulher de Pepareto induz-se que são as mulheres a deter-
minar sempre a verdadeira paternidade dos filhos 126. Isto de- 1398b
monstrou-o em Atenas a mãe da criança ao orador Mantias que
negava que o filho fosse dele 127; o mesmo se deu em Tebas,
no pleito que opôs Isménias e Estílbon, quando a mãe, natural
de Dodona, certificou que o filho era de Isménias, e por isso
decidiram que Tessalisco era filho de Isménias 128. Outro exem-
plo encontra-se na Lei de Teodectes: «se aos que cuidam mal dos
cavalos dos outros não se confiam os próprios, aos que fize-
ram afundar os navios alheios também não se lhe confiam os
próprios 129. Por conseguinte, se isto vale para todos os casos,
conclui-se que a quem zela mal pela segurança alheia não é
proveitoso confiar-lhe a própria.» A esta conclusão chega tam-
bém Alcidamante 130 quando diz que todos os povos honram
os sábios: «por exemplo, os habitantes de Paros celebraram
Arquíloco, apesar de ser um difamador; os de Quios, Homero,
apesar de não ser cidadão; os de Mitilene, Safo, mal-grado ser
mulher; os Lacedemónios, Quílon e até o fizeram entrar no
conselho dos anciãos, apesar do pouco apreço que tinham pe-
las letras; os Italiotas honraram Pitágoras, os habitantes de
Lâmpsaco deram sepultura a Anaxágoras, embora fosse estran-
geiro, e ainda hoje continuam a honrá-lo. Os Atenienses, ao
aplicarem as leis de Sólon, foram felizes, e os Lacedemónios
com as de Licurgo; e em Tebas, quando os magistrados se fize-
ram filósofos, a cidade prosperou.» 131
126 Discurso de fonte desconhecida.
127 Cf. Demóstenes, Contra Best., 10.30.37.
128 Este Isménias era um político influente, amigo de Pelópidas, o
qual foi embaixador tebano na Macedónia e na Tessália (368 a. C.) e, mais
tarde, em Susa, na corte de Artaxerxes. Cf. Xenofonte, Hellenica, 5,2,25.
Os nomes dos outros personagens são desconhecidos.
129 Teodectes, célebre orador e poeta do século IV a. C., é menciona-
do em 2.23 e em diversas partes desta obra.
130 Alcídamas ou Alcidamante foi discípulo de Górgias, mas a cita-
ção é provavelmente retirada do seu discurso Mouseîon conhecido desde
a Antiguidade por ser uma espécie de «prontuário retórico».
131 Houve em Tebas um círculo cultural de forte influência pita-
górica ao qual terão pertencido Epaminondas e Pelópidas entre os anos
371 a. C. e 361 a. C. Mas a citação pretende remeter-nos para a teoria
platónica de um governo chefiado por filósofos (cf. República V 473d).
221
Outro tópico obtém-se de um juízo sobre um caso idênti-
co, igual ou contrário, sobretudo se for um juízo de todos os
homens e de todos os tempos; se não é de todos, pelo menos
da maior parte; ou dos sábios, de todos, ou da maior parte; ou
das pessoas de bem; ou ainda se os juízes se autojulgaram, ou
aqueles cuja autoridade reconhecem os que julgam; ou aqueles
a quem não se pode opor um juízo contrário, como, por exem-
plo, os que têm o poder soberano, ou aqueles a quem não con-
vém opor um juízo contrário, como os deuses, o pai, ou os
mestres. Tal é o que Áutocles disse de Mixidémides: «se às
veneráveis deusas lhes pareceu bem sujeitar-se à sentença do
Areópago, por que não a Mixidémides?» 132. Ou o exemplo de
Safo, que diz que morrer é um mal «pois assim o crêem os
deuses; de contrário, morreriam eles». Ou ainda como Aristipo
respondeu a Platão, que, a seu ver, lhe tinha falado num tom
demasiado sobranceiro: «Sem dúvida, mas o nosso companhei-
ro» disse ele referindo-se a Sócrates «nunca nos teria fa-
lado assim.» E Hegesípolis perguntou ao deus em Delfos, de-
pois de ter consultado o oráculo em Olímpia, se era da mesma
1399a opinião que seu pai, pois achava que seria uma vergonha para
ele dizer coisas contraditórias 133. E o que Isócrates 134 escreveu
a respeito de Helena, dizendo que era uma mulher virtuosa,
pois assim a julgara Teseu; e a propósito de Alexandre, a quem
as deusas escolheram para árbitro; e de Evágoras, que era vir-
tuoso, porque, como disse Isócrates, «Cónon, por exemplo, uma
vez derrotado, abandonou todos os outros e foi ter com Evá-
goras».
Outro tópico tira-se das partes, como, por exemplo, nos
Tópicos, quando se pergunta que espécie de movimento é a
alma: este ou aquele? 135 Um exemplo tomado do Sócrates de
132 Mixidémides é-nos desconhecido. Áutocles foi um político
ateniense que participou na missão de paz a Esparta em 371 a. C. e, como
estratego, tomou parte activa na guerra em 369 a. C. e 362 a. C. As deu-
sas a que se refere o passo são as .úrias que, na cena final das Euménides
de Ésquilo, abdicam da vingança contra Orestes e aceitam a decisão do
tribunal do Areópago.
133 Refere-se a Apolo, filho de Zeus. A história aparece em Xeno-
fonte, Hellenica, 4.7,2. Hegesípolis I foi rei de Esparta em 394 a. C. e con-
sultou o oráculo de Delfos antes da campanha contra Argos em 390 a. C.
134 Cf. Isócrates, Helena, 18-22; Evagoras, 51-52.
135 Tópicos II 4.
222
Teodectes: «que santuário profanou? Que deuses não honrou
entre os que a cidade venera?»
Outro tópico retira-se, já que na maior parte dos casos
acontece que a uma mesma coisa se segue um bem e um mal,
das consequências: aconselhar ou desaconselhar, acusar ou de-
fender-se, louvar ou censurar. Por exemplo, a educação tem
como consequência a inveja que é um mal, enquanto ser sábio
é um bem; por conseguinte, não é preciso receber educação,
porque não convém ser invejado; por outro lado, convém ser
instruído, porque convém ser sábio. Este tópico constitui a Arte
de Calipo 136 que junta o tópico do possível e os outros de que
já tratámos.
Outro tópico consiste, quando precisamos de aconselhar
ou desaconselhar a propósito de duas coisas opostas, em utili-
zar, para ambas as coisas, o tópico anterior. A diferença, con-
tudo, consiste no seguinte: no primeiro, os termos contrapõem-
-se por mero acaso, no segundo, são termos contrários. Por
exemplo, a sacerdotisa que não deixava o filho falar em públi-
co: «porque» dizia ela «se disseres o que é justo, os ho-
mens odiar-te-ão; se disseres o que é injusto, os deuses». Nesse
caso, é preferível falar em público, pois se falares com justiça,
os deuses amar-te-ão, se com injustiça, os homens. É o que diz
o provérbio: comprar a salina e o sal. E a blaísosis 137 consiste
nisto: quando a cada um de dois contrários se segue um bem
e um mal, há que contrapor cada um deles como contrário do
outro.
Outro consiste em (já que em público não se louvam as
mesmas coisas que em privado, uma vez que em público se
louvam sobretudo as coisas justas e belas, e que em privado se
preferem as que são úteis) procurar deduzir o contrário a par-
tir de uma destas afirmações. Dos paradoxos este é o tópico
que goza de mais autoridade.
Outro consiste em retirar consequências por analogia. Por
exemplo, Ifícrates, quando quiseram obrigar o filho, que era
136 Segundo se crê, Calipo foi discípulo de Isócrates. Desta Kallppou
tcnh só temos conhecimento desta citação.
137 Blaswsij é uma variedade do quiasmo que, na sua expressão
mais simples, consiste em dispor em cruz quatro membros de um mesmo
período, de modo que o primeiro corresponda ao quarto e o segundo ao
terceiro.
223
muito jovem mas de grande estatura, a desempenhar um car-
go público, disse que se consideravam homens as crianças de
elevada estatura, então que decidissem por decreto que os
1399b homens de pequena estatura eram crianças. E Teodectes, em
A Lei 138, diz: «Se de mercenários como Estrábax e Caridemo
fazeis cidadãos, porque são honestos, não deveríeis exilar aque-
les mercenários que cometeram faltas irreparáveis?»
Outro tópico tira-se disto: se a consequência é a mesma, é
porque também é a mesma a causa de que deriva. Por exemplo,
Xenófanes dizia que tanto cometem impiedade aqueles que di-
zem que os deuses nascem, como os que afirmam que morrem:
em ambos os casos, com efeito, a consequência é haver um tem-
po em que os deuses não existem. E, em geral, há que admitir
que a consequência de cada um dos dois termos é sempre a mes-
ma: «Ides pronunciar-vos, não sobre Isócrates, mas sobre o seu
género de vida, isto é, sobre se é útil filosofar.» 139 Do mesmo
modo, diz-se: «dar terra e água» é ser escravo e «participar numa
paz comum» é fazer o que está mandado. Portanto, entre ter-
mos opostos convém tomar aquele que é mais útil.
Outro provém do facto de que nem sempre se escolhe o
mesmo depois e antes, mas ao invés. Por exemplo, este entime-
ma: «Se no exílio lutámos para voltar à pátria, uma vez que vol-
támos deveríamos exilar-nos para não termos de combater?» 140
Umas vezes prefere-se ficar em casa em lugar de combater, ou-
tras prefere-se não combater à custa de não ficar em casa.
Outro tópico consiste em dizer que aquilo em virtude do
que alguma coisa poderia ser ou poderia acontecer é a causa
efectiva de que seja ou aconteça. Por exemplo, se uma pessoa
der uma coisa a outra para depois lha tirar e lhe causar mal.
Donde, estas palavras:
a muitos a divindade, não por benevolência,
concede grandes venturas, mas para que
as desgraças que recebam sejam mais visíveis. 141
138 Cf. supra, II 23.
139 Citação livre de Isócrates, Antid., 173.
140 Citação de um discurso perdido de Lísias, 34.11, sobre a situa-
ção de Atenas em 403 a. C.
141 Versos de uma tragédia desconhecida, recolhidos por Nauck
(fr. 82).
224
Do mesmo modo, este passo do Meléagro de Antifonte:
Não para matar o monstro, mas para que testemunhos
fossem da virtude de Meléagro perante a Hélade. 142
E também podemos citar as palavras do Ájax de Teodec-
tes: Diomedes escolheu Ulisses, não para o honrar, mas para
ter um companheiro que lhe fosse inferior, pois é possível que
o tenha feito por esta razão.
Outro tópico, que é comum aos que litigam e aos que
deliberam, consiste em examinar as razões que aconselham a
fazer uma coisa e desaconselham a fazer a mesma e que ra-
zões levam as pessoas a praticar e a evitar tais actos. Por isso,
se estas razões existem, convém agir, se não existem, não agir.
Por exemplo, se uma coisa é possível, fácil e útil para nós e
para os nossos amigos ou prejudicial para os inimigos; e, se,
no caso de ser prejudicial, o prejuízo causado vier a ser infe-
rior ao lucro. É destas razões que se parte para persuadir e dos 1400a
seus contrários para dissuadir; destas mesmas se parte para
acusar e defender: as que dissuadem utilizam-se na defesa; as
que aconselham, na acusação. A este tópico se resume toda a
Arte de Pânfilo 143 e de Calipo.
Outro tópico tira-se dos factos que se admite existirem, mes-
mo os inverosímeis, porque não acreditaríamos neles se não exis-
tissem ou não estivessem para acontecer. Com mais razão ain-
da, aceitamos o que existe ou o que é provável. Portanto, se um
facto é inverosímil e improvável, é porque tem probabilidades
de ser verdadeiro, pois não é por ser provável e plausível que
parece tal. Por exemplo, Androcles 144, o Piteu, ao criticar a lei e
ao notar que as suas palavras suscitavam contra ele um grande
murmúrio, disse: «As leis precisam de uma lei que as corrija; os
142 Sobre o Meléagro de Antifonte, ver p. 218, n. 116.
143 Pânfilo é referido, mas ignorado por Cícero: «Pamphilum nescio
quem» (De oratore, III, 21); cf. também Quintiliano, Institutiones oratoriae,
3.6.34 (se é que se trata do mesmo Pânfilo).
144 Admite-se que este Androcles foi adversário de Alcibíades du-
rante a revolução oligárquica de Atenas, em consequência do incidente
das estátuas de Hermes (411 a. C.). Acabou por ser assassinado, ele e ou-
tros cidadãos, por partidários de Alcibíades. Cf. Andócides, Sobre os Mis-
térios, 27; Plutarco, Alcibiades, 19; Tucídides, 8.65.
225
peixes precisam de sal; no entanto, não é provável nem plausí-
vel que os peixes criados na água salgada precisem de sal; tam-
bém as azeitonas precisam de azeite, embora seja inverosímil
que aquilo de onde se extrai o azeite precise de azeite.»
Outro tópico, peculiar à refutação, consiste em examinar
os pontos contraditórios, ver se há alguma contradição entre
os tópicos referentes a tempos, acções e discursos, dirigindo
depois estas contradições separadamente à parte contrária. Por
exemplo: «diz que vos ama, mas conspirou com os Trinta 145»;
ou dirigindo-se ao próprio orador: «diz que sou amigo de plei-
tos, mas não pode demonstrar que eu tenha provocado um só
que seja»; ou então, referindo-se ao orador e à parte contrária:
«este nunca foi capaz de emprestar dinheiro, mas eu já resga-
tei muitos de vós».
Outro tópico, relacionado com homens e factos que foram
ou parecem suspeitos, consiste em explicar a causa do que é es-
tranho, pois há uma razão para que assim pareça. Por exemplo:
tendo uma mulher caído em cima do próprio filho, à força de
tantos abraços, julgou-se que estava a fazer amor com o meni-
no; explicada a causa, desfez-se a suspeita. Outro exemplo é o
que encontramos no Ájax de Teodectes: Ulisses expõe contra Ájax
por que motivo, sendo ele mais corajoso que Ájax, não o parece.
Outro procede da causa: porque, se a causa existe, é que
o efeito se produz; se não existe a causa, também não se pro-
duz o efeito. A causa e aquilo de que é causa são inseparáveis;
e sem causa não há coisa. Por exemplo, Leódamas, em respos-
ta às acusações de Trasibulo 146, que o acusava de ter sido pu-
blicamente difamado numa inscrição da Acrópole, mas que
mandara apagar o nome dele durante o governo dos Trinta,
afirmou que tal não era possível, porque os Trinta tê-lo-iam
considerado mais digno de confiança, se na pedra tivesse fica-
do gravado o seu ódio contra o povo.
Outro tópico consiste em examinar se não seria ou não é
possível fazer uma coisa melhor que aquela que se aconselha,
145 Clara alusão ao governo autocrático dos Trinta Tiranos de 404 a. C.,
inimigos do regime democrático restabelecido por Trasibulo.
146 Trata-se de Trasibulo de Colitos (não de Trasibulo de Estíria refe-
rido em nota anterior) que foi acusador de Alcibíades em 406 a. C. Mais
tarde (382 a. C.) conseguiu excluir do arcontado a um tal Leódamas (ou Leo-
damante) a quem acusou de ser inimigo do povo (cf. Lísias, Discursos, 26.13).
226
ou que se faz, ou que já se fez. Claro está que, se assim não
fosse, não se teria agido assim, porque ninguém escolhe volun- 1400b
tariamente e com conhecimento de causa um mau partido. Mas
este raciocínio é enganador, porque muitas vezes só posterior-
mente é que se torna claro como proceder da melhor maneira;
antes era obscuro.
Outro consiste, quando se vai fazer algo contrário ao que
já se fez, em examinar ambas as coisas ao mesmo tempo. Por
exemplo, quando os Eleatas perguntaram a Xenófanes se de-
viam ou não fazer sacrifícios e entoar trenos em honra de
Leucótea 147, deu-lhes este conselho: se a consideravam deusa,
nada de trenos, se a consideravam humana, nada de sacrifícios.
Outro tópico consiste em acusar ou defender-se a partir
dos erros da parte contrária. Por exemplo, na Medeia de
Cárcino 148, os seus acusadores acusam-na de ter matado os
filhos, porque não se encontravam em parte nenhuma (o erro
de Medeia consistiu em ter enviado os filhos para longe); mas
ela defendeu-se argumentando que teria matado, não os filhos,
mas Jasão, uma vez que teria sido um erro não o ter feito, se é
que, na verdade, pensava fazer uma destas duas coisas. Este
tópico e esta espécie de entimema constituem toda a Arte ante-
rior a Teodoro 149.
Outro tópico obtém-se do nome. Por exemplo, como diz
Sófocles:
Claramente levas o nome de ferro. 150
147 Leucótea, mais conhecida por Ino, é, na mitologia grega, filha
de Cadmo, rei de Tebas. Para escapar à fúria de Atamante, o marido en-
louquecido, precipitou-se no mar com o cadáver do filho Melicerta e trans-
formou-se na deusa branca (= Leucótea), divindade marítima protectora
dos navegadores.
148 Poeta trágico do século IV a. C., citado por Aristóteles. Cf. Poéti-
ca 16; Retórica III 17.
149 Teodoro de Bizâncio foi um distinto mestre de retórica, contem-
porâneo de Lísias, e autor de, pelo menos, duas Artes Retóricas: uma de-
dicada à oratória judicial, outra é uma reestruturação da primeira incluí-
da num sistema mais geral de retórica. Sobre este magister, cf. Platão,
.edro, 266e, e Aristóteles, Sophistici elenchi 34.
150 Sidero significa ferro. No texto há um jogo etimológico (que, de
resto, remete para o tópico enunciado apò toû onómatos) entre o nome
Sidhrè (nome próprio) e sdhroj (ferro ou arma de ferro). O verso é reti-
rado da tragédia de Sófocles, Tiro, fr. 597 Nauck.
227
E tal como costumava dizer-se nos elogios aos deuses, e
como Cónon chamava a Trasibulo «o de ousadas decisões» 151,
e Heródico dizia a Trasímaco: «és sempre um combatente ou-
sado» 152, e a Polo: «és sempre um potro» 153. Também de Drá-
con, o legislador, se afirmava que as suas leis não eram de
homem, mas de dragão, (porque eram muito severas) 154. Como
também Hécuba, em Eurípides, diz a Afrodite:
É com razão que a palavra «insensatez» começa o
nome da deusa. 155
E como Querémon:
Penteu, epónimo de desgraça futura. 156
Entre os entimemas, os refutativos gozam de mais reputa-
ção que os demonstrativos, porque o entimema refutativo con-
segue a junção de contrários em curto espaço e porque as coi-
151 Thrasyboulon. Mais um exemplo de jogo de palavras muito apre-
ciado pelos Atenienses. Com efeito, o nome Thrasyboulos é um composto
de qrasÚj (ousado) e boul» (resolução, decisão). Cónon é um general
ateniense, vencedor de Pisandro em Cnido (394 a. C.) e restaurador da
democracia ateniense. Quanto a Trasibulo de Estíria, ver supra, n. 146.
152 Thrasymachos, mestre de retórica que surge na República de Platão
(livro I) como interlocutor de Sócrates, é visto aqui sob o ângulo etimoló-
gico: qrasÚj e m£ch (audaz ou ousado no combate). Quanto a Heródico,
desconhecem-se testemunhos fidedignos.
153 Como se sabe, Polo, sofista discípulo de Górgias, significa «po-
tro» ou «cavalo».
154 Drakon significa «dragão» ou «serpente». Entre 624 a. C. e
621 a. C., parte das leis atenienses foram reduzidas a escrito. Nelas se in-
troduz, pela primeira vez na Grécia, a distinção fundamental entre homi-
cídio voluntário e involuntário. Esta empresa foi atribuída a um certo
Drácon, de cuja existência alguns historiadores duvidam. Mais tarde,
Drácon ficará famoso por ser extremamente severo, donde o adjectivo
«draconiano» que ficou proverbial. Cf. Aristóteles, Política II 12.
155 Troades, 990. O nome da deusa Afrodite, responsável primeira
pela destruição de Tróia e pela desgraça de Hécuba, começa por ¢frosÚnh
(insensatez, loucura).
156 PenqeÚj (nome próprio) e pnqoj (luto, tristeza). Jogo de palavras
de acordo com a natureza trágica do herói. Cf. Eurípides, Bacchae, 508.
Quanto a Querémon, só sabemos que foi um poeta trágico do século IV a. C.
228
sas aparecem mais claras ao ouvinte quando se apresentam em
paralelo. De todos os silogismos refutativos e demonstrativos,
os de maior aplauso são aqueles em que, sem serem superfi-
ciais, se prevê desde o princípio a conclusão (porque os ouvin-
tes sentem-se, ao mesmo tempo, mais satisfeitos, pelo facto de
os terem pressentido), assim como aqueles que só são entendi-
dos à medida que vão sendo enunciados.
24
O USO DE ENTIMEMAS APARENTES
Mas como pode haver um silogismo [verdadeiro] e outro
que, sem o ser, pareça que o é, necessariamente também have-
rá um entimema [verdadeiro] e outro que, sem ser entimema,
pareça que o é, dado que o entimema é uma espécie de silo-
gismo. São tópicos dos entimemas aparentes os seguintes: 1401a
Um provém da expressão 157. Uma parte deste consiste,
como na dialéctica, em dizer no fim, à guisa de conclusão, o
que ainda não se concluiu no silogismo: «uma coisa não é isto
e aquilo; logo, será necessariamente isto e aquilo». No caso dos
entimemas, expressar uma coisa de forma concisa e antitética
parece ser um entimema (pois tal forma de expressão é domí-
nio do entimema) e parece que tal processo deriva da própria
forma de expressão. Para se exprimir de maneira semelhante à
do silogismo, é útil enunciar os pontos capitais de muitos silo-
gismos. Por exemplo: salvou uns, castigou outros, libertou os
Gregos 158. Ora, cada um destes pontos já estava demonstrado
por outros, mas quando se reúnem tem-se a impressão de que
deles resulta alguma conclusão.
Outro entimema aparente é o que procede da homoní-
mia 159. Por exemplo, dizer que um rato é um animal de mérito
porque dele procede o mais venerado rito de iniciação, uma
vez que os mistérios são as cerimónias mais veneráveis de to-
157 Par¦ t¾n lxin.
158 Exemplos extraídos do Evágoras de Isócrates (65-69), que cultiva
um típico discurso epidíctico em honra do rei de Sálamis em Chipre.
159 Sobre este tópico, cf. Aristóteles, Sophistici elenchi 4, 165b31-
-166a22, e Poética 25, 1461a.
229
das 160. Caso semelhante é o da pessoa que, para elogiar um
cão, o comparasse ao Cão celeste 161 ou a Pã, porque Píndaro
disse:
Oh ditoso aquele a quem da grande deusa cão multiforme
chamam os Olímpios 162,
ou que não ter sequer um cão em casa é uma desonra, de sorte
que o cão é evidentemente uma coisa honrosa. Outro exemplo
é dizer que Hermes é o mais comunicativo 163 dos deuses, por-
que é o único que se chama «comum Hermes» 164. Outro ainda
é dizer que a palavra (lÒgoj) é o que há de mais precioso, por-
que os homens honestos não são dignos de dinheiro, mas de
consideração. Com efeito, esta expressão não se utiliza univo-
camente.
Outro tópico consiste em argumentar combinando o que
estava dividido ou dividindo o que estava combinado. Porque,
como uma mesma coisa parece o que muitas vezes não é, con-
vém fazer o que das duas coisas for mais útil em cada caso.
Tal é o argumento utilizado por Eutidemo 165, quando, por
exemplo, diz saber que há uma trirreme no Pireu, porque cada
um destes termos é conhecido, isto é, a trirreme e o Pireu. E o
mesmo se diga nas ocasiões em que alguém sustenta que co-
nhecer as letras é conhecer a palavra, uma vez que a palavra é
160 De novo, jogo de palavras entre màj (rato) e muot»ria (mistérios).
161 Como salienta Kennedy (n. 236) «the metaphorical meaning of
dog here is unclear», mas também não permite a interpretação do comen-
tador medieval Stephanus, que vê neste sintagma uma referência clara a
Diógenes e aos Cínicos. Na mitologia, a constelação do Sírio introduz os
dias do Cão. Cf. Il., 22.27-29.
162 .r. 96 Snell. A «grande deusa», no tempo de Píndaro, parece ser
mais Deméter que Cíbele, cujo culto, vindo da .rígia, só se espalharia por
toda a Grécia em época posterior à de Píndaro.
163 KoinwnikÒn.
164 Teofrasto (Characteres, 30) explica o equívoco desta expressão que
se tornou proverbial: Hermes, entre muitas outras funções, era deus dos
achados. Quando alguém encontrava no chão um objecto de valor, o acom-
panhante (koinônos) reclamava a metade exclamando: «koinos Hermes».
165 Sofista originário de Quios, mestre em erística ou arte de dispu-
tar, que dá nome ao célebre diálogo de Platão, Eutidemo. Aristóteles, nas
Refutações Sofísticas 20, 177b12, discute as falácias de Eutidemo.
230
o mesmo que as letras. E ainda quando se afirma que, se a dose
dupla é nociva à saúde, a dose simples não pode ser saudável.
Seria absurdo que duas coisas boas somassem uma má. Assim
apresentado, o entimema é refutativo, mas passa a demonstra-
tivo, se for apresentado da maneira seguinte: não é possível que
um bem seja dois males. Mas, todo este tópico é paralogístico.
Como também o é aquele dito de Polícrates sobre Trasibulo 166,
a saber: que tinha liquidado trinta tiranos, já que procedeu
assim por acumulação. Ou o que se diz no Orestes de Teo-
dectes, que consiste numa divisão:
Justo é que, se uma mulher mata o seu marido
morra ela também, e que o filho vingue o pai. De facto, foi isso
que aconteceu. Mas, juntando as duas coisas, estes factos tal- 1401b
vez não sejam uma coisa justa. Também pode haver aqui um
paralogismo de omissão, uma vez que se evita dizer por obra
de quem foi morta a mulher.
Outro consiste em estabelecer ou refutar um argumento
por meio do exagero. Isto acontece quando, sem se provar que
se fez nem que nem se fez, se amplifica o facto: é que isto cria
a ilusão de que ou não se fez, quando quem amplifica é quem
sustenta a causa, ou que se fez, quando o acusador é quem
amplifica. Na realidade, não há entimema, porque o ouvinte
cai em paralogismo ao julgar o que o acusado fez ou não fez,
sem que tal esteja demonstrado.
Outro tópico tira-se do signo; também aqui não há silo-
gismo. Por exemplo, se alguém dissesse: «às cidades são úteis
os amantes, porque o amor de Harmódio e de Aristogíton der-
rubou o tirano Hiparco» 167. Ou ainda se alguém dissesse que
Dionísio 168 é ladrão, porque é mau. Ora isto não é um silo-
gismo, porque nem todo o mau é ladrão, embora todo o la-
drão seja mau.
166 Trata-se de Trasibulo de Estíria (ver supra, n. 146 e 151). O sofis-
ta Polícrates pediu para Trasibulo, que tinha posto fim ao regime dos Trin-
ta, trinta recompensas. Cf. o episódio em Quintiliano, Institutio oratoria,
III, 6, 26.
167 A propósito desta versão, cf. Tucídides, 6.54. O argumento em
si é retirado do discurso de Pausânias. Cf. Platão, Symposium, 182c.
168 Um dos tiranos de Siracusa entre 405 a. C. e 343 a. C.
231
Outro decorre do acidente. Por exemplo, aquilo que Polí-
crates diz a respeito dos ratos: «que prestaram um grande ser-
viço roendo as cordas do arco» 169. Ou ainda se alguém disses-
se que o facto de ser convidado para um banquete é o mais
alto sinal de distinção, dado que, por não ter sido convidado,
Aquiles ficou ressentido contra os Aqueus em Ténedos 170. .i-
cou ressentido por se sentir desconsiderado, embora tal tenha
acontecido por não ter sido convidado.
Outro tópico tira-se da consequência. Por exemplo, no
Alexandre 171 diz-se que ele era magnânimo, porque, despre-
zando a companhia de muitos da sua igualha, passava a vida
sozinho no Monte Ida. Ora, como os magnânimos têm tais ca-
racterísticas, também se poderia pensar que ele era magnâni-
mo. Do mesmo modo, porque um homem é elegante e anda
a passear à noite, se conclui que é adúltero, uma vez que os
adúlteros são assim. Sofisma análogo é dizer que nos templos
os mendigos cantam e dançam e que os exilados podem vi-
ver onde quiserem; e como parece que os que podem fazer
isto são felizes, também aqueles a quem tais liberdades são
permitidas podem parecer felizes. Mas toda a diferença está
no como, pelo que este sofisma incorre no paralogismo de
omissão.
Outro consiste em apresentar o que não é causa, como
causa. Por exemplo: quando acontecem várias coisas ao mes-
mo tempo ou umas a seguir às outras. O que acontece «depois
disso» toma-se como se fosse «a causa disso». Este processo
emprega-se sobretudo em política. Por exemplo, Demades 172
dizia que o governo de Demóstenes era a causa de todos os
males, porque depois dele veio a guerra.
169 Sofista conhecido por uma célebre Acusação de Sócrates escrita por
volta de 393-394 a. C. .oi também autor de várias apologias e de um
Panegírico do Rato. Acerca deste episódio, veja-se Heródoto, II, 141, que
atribui o fracasso da expedição de Senaqueribe ao Egipto a uma invasão
de ratos que roeram as cordas dos arcos e as correias dos carros do exér-
cito assírio.
170 Este episódio é anterior à guerra de Tróia. Sófocles compôs so-
bre o assunto uma tragédia hoje perdida.
171 Talvez se trate de alguma apologia anónima do troiano Páris.
172 Político e orador ateniense, morto em 318 a. C. Partidário pró-
-macedónio depois de Queroneia (338), foi certamente um adversário de
Demóstenes.
232
Outro consiste na omissão do quando e do como. Dizer,
por exemplo, que Alexandre raptou Helena justamente, uma
vez que o pai desta lhe concedera o direito de escolher o ma-
rido. Tal direito não era válido para sempre, mas só a primeira
vez, porque o pai tinha autoridade só até esse momento. Ou se 1402a
alguém dissesse que bater em homens livres é ultrajante, pois
isso não é absoluto em todos os casos, só naqueles em que al-
guém toma a iniciativa de bater injustamente.
E ainda, tal como na erística, do facto de se poder consi-
derar uma coisa absolutamente e não absolutamente, mas só
em relação a uma coisa, resulta um silogismo aparente. Por
exemplo, na dialéctica, afirmar que o não-ser existe, porque o
não ser é não-ser; e que o desconhecido é objecto de conhe-
cimento, porque o incognoscível, enquanto incognoscível, cons-
titui objecto de conhecimento científico. Assim também, na
retórica, há um entimema aparente do não absolutamente pro-
vável, mas do provável em relação a algo. Esta probabilidade
não é universal, como também diz Ágaton:
Bem se poderia dizer que o único provável é que
aos mortais aconteçam muitas coisas improváveis. 173
De facto, o que está à margem da probabilidade produz-
-se, de tal maneira que também é provável o que está fora da
probabilidade. Se assim é, o improvável será provável, mas não
em absoluto. Do mesmo modo que na erística, o não acrescen-
tar em que medida, em relação a quê e de que modo torna o
argumento capcioso, também aqui, na retórica, acontece o mes-
mo, porque o improvável é provável, mas não de forma abso-
luta, só relativa. É deste tópico que se compõe a Arte de
Córax 174: «se um homem não dá pretexto a uma acusação, por
exemplo, se, sendo fraco, for acusado de violências (porque não
é provável); mas se der azo a uma acusação, por exemplo, se
for forte (dir-se-á que não é provável, justamente porque ia
173 .r. 9 Nauck.
174 Córax e o seu discípulo, Tísias, consideravam o ensino da retó-
rica como uma arte. .undaram escolas na Sícilia no segundo quartel do
século V a. C. A referência expressa à Arte de Córax deve ser confrontada
com a descrição que faz Platão (.edro, 267a e 273e) da retórica da proba-
bilidade (to eikos).
233
parecer provável)». O mesmo se diga em relação a outros ca-
sos, uma vez que, forçosamente, um homem dá ou não dá azo
a ser acusado. Ambos os casos, parecem, pois, prováveis, mas
um parecerá provável, ao passo que o outro não absolutamen-
te provável, a não ser como dissemos. Também nisto consiste
tornar mais forte o argumento mais fraco. Daqui que, com jus-
tiça, os homens se sentissem tão indignados com a declaração
de Protágoras 175, pois é um logro e uma probabilidade não
verdadeira, mas aparente, e não existe em nenhuma outra arte,
a não ser na retórica e na erística.
25
O USO DE ENTIMEMAS: A RE.UTAÇÃO
.alámos dos entimemas, tanto dos que são, como dos que
aparentam sê-lo. A seguir trataremos da refutação. Podemos
refutar de duas maneiras: ou fazendo um contra-silogismo, ou
aduzindo uma objecção. O contra-silogismo, como é óbvio,
pode ser feito a partir dos mesmos tópicos, uma vez que os
silogismos derivam de opiniões comuns; muitas destas opi-
niões, porém, são contrárias umas às outras. As objecções
tiram-se, como nos Tópicos, de quatro lugares: do próprio enti-
mema, ou do seu semelhante, ou do seu contrário, ou de coi-
sas já julgadas.
A partir do próprio entendo, por exemplo, o facto de al-
1402b guém apresentar um entimema sobre o amor e o classificar
como virtuoso. Aqui, a objecção seria feita de duas maneiras:
ou dizendo, em geral, que toda a indigência é má ou, parcial-
mente, que não se falaria de «amor de Cauno» 176, se não hou-
vesse também amores perversos.
A partir do contrário tira-se uma objecção, por exemplo:
se o entimema consistisse em dizer que o homem bom faz bem
175 O argumento «tornar a causa mais fraca na mais forte», que
Aristóteles atribui a Protágoras, é, em Aristófanes, motivo de crítica à
sofística (cf. Nuvens, 889 ss.).
176 A expressão alude a amores incestuosos. Segundo o mito, Cauno,
filho de Mileto, exilou-se para não ceder ao amor incestuoso de Bíblis,
sua irmã gémea. Cf. a versão de Ovídio, Metam., 9.453 ss.
234
a todos os amigos, a contraposição seria dizer que o homem
mau faz mal a todos.
A partir do semelhante, por exemplo: se o entimema con-
sistisse em dizer que os que foram mal tratados odeiam sem-
pre, contrapor que os que foram bem tratados amam sempre.
Quanto aos juízos que procedem de homens famosos: por
exemplo, se o entimema diz que convém ser indulgente com
os bêbedos, porque pecam por ignorância, deve objectar-se que,
nesse caso, Pítaco 177 não merece qualquer elogio, uma vez que
não promulgou penas mais severas para os que cometem fal-
tas em estado de embriaguez.
Os entimemas formulam-se a partir de quatro tópicos e
estes quatro são: a probabilidade 178, o exemplo 179, o tekmé-
rion 180, o sinal 181; por outro lado, há entimemas que se tiram
da probabilidade que, as mais das vezes, é real ou parece sê-
-lo; há também os que se tiram por indução, a partir da seme-
lhança de um ou de muitos factores, quando, tomando o geral,
se chega logo por silogismos ao particular mediante o exem-
plo; há ainda os que se tiram do necessário e do que sempre é,
por meio do tekmérion; outros obtêm-se por generalização ou a
partir do que é em particular, quer exista quer não, por meio
de sinais. Uma vez que o provável não é o que sempre se pro-
duz, mas sim a maioria das vezes, é evidente que estes enti-
memas podem sempre refutar-se aduzindo uma objecção.
Trata-se de uma refutação aparente, mas nem sempre verda-
deira, uma vez que para o proponente não se trata de refutar
que tal coisa é provável, mas de provar que não é necessária.
Por isso, tem sempre mais vantagem aquele que defende
do que aquele que acusa, devido justamente a este paralogismo.
O acusador, por seu lado, fundamenta a sua demonstração nas
probabilidades: com efeito, refutar que algo não é provável não
177 Pítaco de Lesbos exerceu em Mitilene, durante dez anos, a fun-
ção de a sumn»thr (árbitro entre facções políticas de uma cidade e respon-
sável pelo estabelecimento da paz em tempo de guerra civil). Aristóteles
define este cargo como uma «tirania electiva» (Política III 9).
178 E kÒj.
179 Par£deigma.
180 Tekm»rion. Prova ou argumento concludente.
181 Shmeon. Também signo ou indício.
235
é o mesmo que refutar que não é necessário. E como o que ge-
ralmente acontece comporta sempre uma objecção (porque o
provável não poderia ser, simultaneamente, o que sempre acon-
tece, mas sempre e necessariamente), o juiz, por seu lado, ima-
gina, ou que a refutação é assim mesmo, ou que o facto não é
provável, ou que não lhe compete julgar, e nisso cai em
paralogismo, como já dissemos antes (porque ele deve julgar,
não só partindo do necessário, mas também do provável, e é
nisto que consiste «julgar segundo a melhor consciência»). As-
sim sendo, não basta refutar mostrando que uma coisa não é
necessária; a refutação deve igualmente mostrar que não é pro-
vável. Chegar-se-á a esta conclusão, se a objecção se fundamen-
tar principalmente no que acontece com mais frequência.
É admissível que isto aconteça de duas maneiras: ou com tem-
po ou com factos. No entanto, a objecção será mais forte se se
fundamentar em ambos os critérios ao mesmo tempo, pois,
1403a quanto mais vezes um facto acontece e acontece do mesmo
modo, tanto mais provável será.
Refutam-se também os sinais e os entimemas baseados
neles, mesmo que sejam reais, como dissemos no livro primei-
ro. Que todo o sinal é impróprio para o silogismo, já o demons-
trámos nos Analíticos 182.
Por outro lado, no que concerne aos exemplos, a refuta-
ção é a mesma que a utilizada para as probabilidades. Se há
um caso que seja diferente, o argumento é refutado, dizendo
que não é necessário, mesmo se, na maior parte dos casos ou
das vezes, se repete de maneira diferente; e ainda que, na maior
parte dos casos e com mais frequência, assim aconteça, há que
combater o adversário sustentando que o caso presente não é
semelhante, ou que não se deu de maneira semelhante, ou que
comporta alguma diferença.
Quanto às provas concludentes e aos entimemas baseados
nelas, não é possível refutá-los argumentando que são impró-
prios de um silogismo (o que também já esclarecemos nos
Analíticos). Assim sendo, o único caminho que nos resta é mos-
trar que o argumento alegado não tem qualquer pertinência.
Mas, se se admitir que é pertinente e que constitui uma prova
conclusiva, então torna-se irrefutável e tudo se converte numa
demonstração evidente.
182 Cf. Analytica priora II 27, 70a24-37.
236
26
CONCLUSÃO DOS DOIS PRIMEIROS LIVROS
Amplificar e diminuir não são um elemento do entimema.
Entendo por «elemento» e «tópico» uma e a mesma coisa, por-
que é elemento e tópico aquilo a que se reduzem muitos
entimemas. Amplificar e diminuir são entimemas que visam
mostrar que uma coisa é grande ou pequena, boa ou má, justa
ou injusta, ou que possui outras qualidades. A todas estas coi-
sas se referem os silogismos e os entimemas, de sorte que, se
nenhuma delas constitui tópico do entimema, a amplificação e
a diminuição também não o serão.
Não são as refutações uma espécie de entimemas [diferen-
te dos que já estabelecemos], pois é evidente que refuta, ou
quem demonstra, ou quem aduz uma objecção, apresentando
assim a contrademonstração de um facto oposto. Por exemplo,
se o adversário mostrou que um facto se deu, este mostrará que
não se deu; se o adversário provou que não se deu, este pro-
vará que se deu. De sorte que não há diferenças (pois ambas
as partes empregam os mesmos argumentos, dado que ambos
aduzem entimemas sobre o que não é e sobre o que é).
A objecção também não é um entimema, mas, como já se disse
nos Tópicos 183, consiste em apresentar uma opinião da qual re-
sultará claramente que o adversário não procedeu por silo-
gismo ou que introduziu algum elemento falso.
Assim, como três são as matérias que precisam de ser tra-
tadas referentes ao discurso, a propósito dos exemplos, das
máximas e dos entimemas, e, de um modo geral, de tudo quan-
to diz respeito à inteligência, e como já assinalámos também 1403b
de onde poderemos extrair os argumentos e o modo de os re-
futar, resta-nos agora falar do estilo e da composição.
183 Talvez Tópicos VIII 10, 161a1. Mas crê-se que a citação está erra-
da, remetendo para os Analytica priora anteriormente citados.
237
LIVRO III
1
INTRODUÇÃO
São três os aspectos concernentes ao discurso que têm de
ser tratados. O primeiro, de onde provêm as provas; o segun-
do é relativo à expressão enunciativa 1; o terceiro, à forma como
convém forçosamente organizar as partes do discurso. Sobre as
provas já se falou: quantas são as fontes, que são três, quais
são elas, e por que razão há somente estas três (é que todos os
homens, ao fazerem um juízo, são persuadidos, ou porque são
tomados por uma certa emoção, ou porque consideram que o
orador possui certas qualidades, ou porque houve uma de-
monstração concludente). Tratou-se também dos entimemas e
de onde são necessariamente extraídos (pois, por um lado, exis-
tem as espécies de entimemas, por outro, os tópicos). Será ne-
cessário, agora, discorrer sobre a expressão. É que, na verdade,
não basta possuir o que é preciso dizer, mas torna-se também
forçoso expor o assunto de forma conveniente; e isto contribui
em muito para mostrar de que tipo é o discurso.
Em primeiro lugar, de acordo com a natureza do assunto,
examinou-se aquilo que é naturalmente primeiro, ou seja, os
elementos a partir dos quais se obtém a persuasividade. Ago-
ra, em segundo lugar, ver-se-á a disposição destes elementos
no enunciado. O terceiro dos pontos, que detém a maior im-
portância e que ainda não foi tratado, será o dos aspectos res-
peitantes à pronunciação 2. Esta, na realidade, só muito tarde
1 Por lxij entendemos a expressão linguística, o enunciado, o estilo.
2 Por «pronunciação» traduzimos o termo ØpÒkrisij, equivalente ao
latino actio ou pronuntiatio. O termo refere-se propriamente ao acto de pro-
241
fez a sua entrada, inclusivamente na tragédia e na rapsódia 3,
pois, inicialmente, eram os próprios poetas a representar as sua
tragédias. É, porém, evidente que existe algo deste género tam-
bém na retórica, tal como na poesia, aspecto que alguns outros
autores trataram, como Gláucon de Teo 4.
A pronunciação assenta na voz, ou seja, na forma como é
necessário empregá-la de acordo com cada emoção (por vezes
forte, por vezes débil ou média) e como devem ser empregues
os tons, ora agudos, ora graves ou médios, e também quais os
ritmos de acordo com cada circunstância 5. São, por conseguin-
te, três os aspectos a observar: são eles volume, harmonia e
ritmo. Aqueles que, entre os competidores, empregam estes três
aspectos arrebatam quase todos os prémios; e tal como os ac-
tores têm agora mais influência nas competições poéticas do
que os autores, o mesmo se passa nos debates deliberativos
devido à degradação das instituições políticas.
Nenhum tratado, porém, foi composto sobre esta temática,
visto que mesmo os aspectos concernentes ao estilo só muito
tarde começaram a ser considerados. Além disso, quando de-
1404a vidamente examinada, parece assunto vulgar. Todavia, uma
vez que toda a matéria concernente à retórica está relacionada
com a opinião pública 6, devemos prestar atenção à pronuncia-
ção, não porque ela em si é justa, mas porque é necessária. Pois
o que é justo é que deve ser almejado num discurso, mais do
que não desagradar ou agradar. Justo é competir com os factos
por si só, de forma que todos os elementos exteriores à de-
nunciar o discurso em público, com todo um conjunto de técnicas que
vão desde a projecção da voz ao próprio movimento do corpo do orador.
Veja-se Longino, Ars (Spengel, Rhet. Graec., 1, 310); Rhet. Her., 3, 11.19-36;
Quintiliano, 11.3.
3 Trata-se de recitação de poemas épicos.
4 Provavelmente trata-se do Gláucon citado por Platão, Ion, 530d,
autor de um dos mais antigos tratados de crítica literária.
5 Desta forma, Aristóteles abarca três dos principais parâmetros da
representação sonora: intensidade ou volume; harmonia, aqui designado
¡rmona, respeita à propriedade de um som ser mais agudo ou mais gra-
ve; ritmo, parâmetro que diz respeito à disposição dos elementos no vec-
tor tempo. Cícero, De oratore, 3.57-58. Análise deste aspecto em Cope,
Introd., pp. 379-392.
6 Por «opinião pública» traduzimos dÒxa. A concepção de que a re-
tórica visa a aceitação por parte do ouvinte é platónica (Górgias, 502e).
242
monstração são supérfluos. Em todo o caso, ela é extremamen-
te importante, como foi dito, por causa do baixo nível do audi-
tório. Daí que, em qualquer método de ensino, seja necessário
que haja algo referente à expressão; pois, no que respeita a de-
monstrar algo com clareza, há uma certa diferença entre expri-
mirmo-nos deste ou daquele modo. Ela não é certamente mui-
to grande, mas tudo isto consiste num processo de expor e
destina-se a um ouvinte. E por isso é que ninguém ensina geo-
metria desta forma.
Na verdade, sempre que a pronunciação chega a ser con-
siderada, fará o mesmo efeito que representar; apenas alguns
autores tentaram dizer algo, e muito pouco, acerca da pronun-
ciação, como Trasímaco nos Éleos 7. Além disso, a representa-
ção teatral é algo inato e o mais desprovido de técnica artísti-
ca, enquanto na expressão enunciativa é um elemento artístico.
Por isso, os actores que são melhores neste aspecto ganham e
tornam a ganhar prémios, tal como os oradores pela pronun-
ciação. Na verdade, há discursos escritos que obtêm muito mais
efeito pelo enunciado do que pelas ideias.
Os poetas foram os primeiros, como seria natural, a dar
um impulso a este aspecto. Efectivamente, palavras são imita-
ções, e a voz é, de todos os nossos órgãos, o mais apropriado
à imitação. Por isso, as artes que foram então estabelecidas
foram a rapsódia e a representação teatral, além de outras
mais. E uma vez que os poetas, embora dizendo coisas fúteis,
pareciam obter renome graças à sua expressão, por esta mes-
ma razão foi um tipo de expressão poética o primeiro a sur-
gir, como a de Górgias 8. E ainda agora muitas pessoas sem
instrução pensam que são estes oradores os que falam da for-
ma mais bela.
7 Trasímaco da Calcedónia foi um sofista e retor cuja actividade se
centra no último terço do século V. Na história da oratória, a sua impor-
tância reside em questões como o emprego das emoções na actio e o inte-
resse devotado ao ritmo e à construção do período. Platão, .edro, 267c e
271a; Cícero, Orator, 12.39.
8 Trata-se de um dos mais influentes e marcantes sofistas (sé-
culos V-IV a. C.) da história da retórica antiga. As características mais
famosas são o uso de certas figuras de estilo de grande efeito como as
estruturas antitéticas, os isocolos, a parisose e o homeoteleuto (as chama-
das «figuras gorgiânicas»).
243
Isto, porém, não é assim, pois a expressão própria da poe-
sia é diferente da do discurso. E o resultado é manifesto: nem
os autores de tragédia utilizam já o mesmo modo. Mas tal
como mudaram de tetrâmetros para o jambo, porque este era
de todos os outros ritmos o mais semelhante à prosa, assim
abandonaram as palavras que eram exteriores à linguagem
corrente, com as quais os predecessores ornamentavam o seu
discurso, tal como, ainda agora, os autores de hexâmetros. Por
isso, é ridículo imitar aqueles que já não usam aquele estilo de
expressão. Assim sendo, é evidente que não é necessário exa-
minarmos pormenorizadamente tudo o que há sobre a expres-
são enunciativa, mas apenas os aspectos relativos ao assunto
que estamos aqui a expor. E aquele outro tipo de expressão
referido já foi tratado na Poética 9.
2
QUALIDADES DO ENUNCIADO. A CLAREZA
1404b Consideremos, por conseguinte, que estas questões foram
já examinadas e proponhamos como definição que a virtude
suprema da expressão enunciativa é a clareza 10. Sinal disso é
que se o discurso não comunicar algo com clareza, não perfa-
rá a sua função própria. E ele nem deve ser rasteiro, nem
acima do seu valor, mas sim adequado 11. É verdade que o
estilo poético não será porventura rasteiro, mas nem por isso
é apropriado a um discurso de prosa. Por seu turno, entre os
nomes e os verbos, produzem clareza os que são «próprios» 12,
9 Aristóteles, Poética 19-22.
10 É um dos termos centrais da retórica clássica. Corresponde ao
termo latino perspicuitas.
11 TÕ prpon, no original. Trata-se de um termo de difícil tradução.
Significa essencialmente a harmonia entre os elementos discursivos e bem
assim do seu conteúdo e da circunstância social em que se dá o acto
enunciativo. Corresponde à noção de aptum na teoria latina.
12 Em grego t¦ kÚria. Trata-se do nome no seu sentido prevale-
cente, que se usa especificamente para designar cada objecto ou entidade
em linguagem comum (que se opõe a nomes insólitos ou estranhos).
Cf. Poética 21, 1457b3; Cícero, De oratore, 3, 37.149.
244
ao passo que outros tipos de palavras, que foram discutidos
na Poética 13, produzem não um estilo corrente 14, mas orna-
mentado.
Por conseguinte, o afastamento do sentido corrente faz um
discurso parecer mais solene. Na verdade, as pessoas sentem
perante falantes estrangeiros e concidadãos o mesmo que com
a expressão enunciativa. É necessário, portanto, produzir uma
linguagem não familiar 15, pois as pessoas admiram o que é
afastado, e aquilo que provoca admiração é coisa agradável. Na
poesia, este efeito é produzido por muitos elementos, e é so-
bretudo aí que tais palavras são ajustadas, pois esta está mais
afastada dos assuntos e das personagens de que o discurso tra-
ta. Na prosa, porém, tais recursos são menores, pois o tema é
menos elevado. De resto, também na poesia será inapropriado
que um escravo ou alguém demasiado jovem ou sobre um
assunto demasiado trivial pronuncie belas palavras. Na prosa,
o que é apropriado pode ser obtido igualmente quer con-
centrando quer ampliando. É por isto que os autores, ao com-
porem, o devem fazer passar despercebido e não mostrar
claramente que falam com artificialidade, mas sim com natura-
lidade, pois este último modo resulta persuasivo, o anterior, o
oposto. Na verdade, as pessoas enchem-se de indignação como
contra alguém que contra elas conspirasse, tal como perante vi-
nhos adulterados. Era isto que se passava com a voz de Teo-
doro 16 em comparação com a dos outros actores: aquela pare-
cia, na verdade, pertencer à personagem, ao passo que as
outras pareciam pertencer a outras personagens quaisquer.
Passa correctamente despercebido o artifício se se compõe es-
colhendo-se palavras da linguagem de todos os dias: isto é o
que Eurípides faz e foi ele o primeiro a mostrá-lo 17.
13 Poética 21.
14 Ou seja, a linguagem do dia-a-dia.
15 A expressão terminológica lxij xenik» é de difícil tradução. Re-
fere-se a algo «estrangeiro», ou seja, não familiar, estranho.
16 Actor famoso dos inícios do século IV a. C. (Aristóteles, Política
IV 17, 1336b28).
17 Uma das características do enunciado euripidiano, sobretudo na
sua fase tardia, mais em evidência na opinião dos críticos antigos (por
exemplo, Dionísio de Halicarnasso, Imit., 6.2).
245
Dos nomes e dos verbos de que o discurso é composto
(sendo os tipos de nomes aqueles que foram já examinados na
Poética 18), devem utilizar-se, pouquíssimas vezes e em número
reduzido de situações, palavras raras 19, termos compostos e neo-
logismos (onde, diremos mais tarde 20; a razão para tal já foi
dita: pois ao tenderem para a elevação, afastam-se do que é
adequado). Só o termo «próprio» e «apropriado» 21 e a metáfo-
ra são valiosos no estilo da prosa. Sinal disto é que são só es-
tes que todos utilizam. Na verdade, todos falam por meio de
metáforas e de palavras no seu sentido «próprio» e «apropria-
do», o que deste modo demonstra que, se se compõe correcta-
mente, o texto resultará algo de não familiar, mas, ao mesmo
tempo, será possível dissimulá-lo e resultar claro. Esta, disse, é
a maior virtude do discurso retórico. Por seu turno, as pala-
vras úteis para o sofista são as homónimas (pois é por meio
destas que ele perfaz a sua má acção), para os poetas, os sinó-
nimos. Por palavras em sentido «próprio» e sinónimas refiro-
1405a -me, por exemplo, a «ir» e «andar»; pois ambas são empregues
em sentido «próprio» e são sinónimas uma da outra.
Ora bem, a qualidade de cada uma das palavras deste
tipo, bem como quantas são as formas de metáfora e que este
elemento possui a maior eficácia tanto na poesia como no dis-
curso oratório, foi, como mencionámos, já tratado na Poética 22.
No discurso de prosa, porém, é necessário ter muito mais cui-
dado em relação a estes elementos, tanto mais que a prosa
possui menos recursos do que a poesia. É sobretudo a metáfo-
ra que possui clareza, agradabilidade e exotismo, e ela não
pode ser extraída de qualquer outro autor. É necessário empre-
gar no discurso quer epítetos, quer metáforas ajustadas; e isto
provém da analogia. Se assim não for, a inapropriedade reve-
18 Poética 21.
19 Glîssa, em grego. O termo refere-se a termos inusitados ou caí-
dos em desuso, e por conseguinte de difícil significação para o falante
comum.
20 Infra, caps. 3 e 7.
21 T¦ o kea ÑnÒmata, em grego. O termo designa uma categoria den-
tro das palavras «próprias», exprimindo uma maior intensidade de preci-
são: de entre vários termos «próprios», um será mais «apropriado».
22 Poética 21-22.
246
lar-se-á, pois é ao estarem ao lado uns dos outros que os con-
trários mais se evidenciam. Deve-se, todavia, ponderar se, tal
como uma veste escarlate é apropriada a um jovem, o poderá
ser a um velho (pois, a mesma indumentária não é convenien-
te para ambos). Se tu desejares enaltecer o assunto, usa uma
metáfora retirada das de maior valor dentro do mesmo géne-
ro; mas se desejares censurar, uma retirada das de menor va-
lor. Quero dizer, por exemplo, afirmar-se que uma pessoa que
mendiga «suplica» e uma pessoa que suplica «mendiga», por-
que são coisas contrárias dentro do mesmo género, visto que
ambas são formas de «pedir», perfaz o que foi dito. Tal como
quando Ifícrates chamou a Cálias «sacerdote pedinte» em vez
de «sacerdote porta-archote»; este afirmou que Ifícrates não era
iniciado: se fosse, não o teria denominado como «sacerdote pe-
dinte», em vez de «sacerdote porta-archote» 23. É que ambos
são termos religiosos, mas um é prestigiante, o outro despresti-
giante. Do mesmo modo, aqueles a que chamamos «aduladores
de Dioniso» denominam-se a si próprios «artistas» (ambas são
metáforas, aquela dos detractores, esta dos do partido contrário);
agora, até os salteadores se chamam a si próprios «homens de
negócios», e por isso é que é lícito dizer que aquele que prati-
cou um delito cometeu um erro e que aquele que cometeu um
erro praticou um delito, e daquele que roubou afirmar quer que
«tomou», quer que «arranjou». Por seu turno, é inapropriada
uma frase como a que diz o Télefo de Eurípides 24
governando o remo e chegando à Mísia,
porque «governar» é muito superior ao que seria conveniente.
Assim, não resulta despercebida.
Por outro lado, há um erro nas sílabas caso elas não sejam
signos de uma sonoridade agradável; por exemplo, Dionísio
Calco 25, nas suas elegias, apelida a poesia de «grito de Calío-
23 Ifícrates foi um general ateniense (c. 415-354 a. C.) que combateu
contra Epaminondas (ver supra, I 7). Cálias era membro de uma famí-
lia no século IV, que detinha um cargo no culto de Elêusis (Xenofonte,
Hellenica, 6, 3, 3).
24 Eurípides, fr. 705 Nauck.
25 Poeta ateniense do século V a. C.; na sua poesia, contam-se ele-
gias simpóticas e enigmas com famosas metáforas. Os seus fragmentos
encontram-se em Diehl, Ant. lyr., 1, 88-90.
247
pe» pois ambos os termos se referem a vozes; todavia, a metá-
fora é defeituosa com vozes que não são signos 26. É ainda
necessário usar metáforas provindas não de coisas muito afas-
tadas, mas de coisas semelhantes e do mesmo género e da
mesma espécie da do termo usado, designando assim algo que
não tem designação, de forma que seja evidente que estão re-
lacionadas. Por exemplo, no renomado enigma 27:
eu vi um homem colar a fogo bronze a um homem.
1405b Efectivamente, este padecimento não possui designação,
mas ambos são um tipo de aplicação (denomina-se «colagem»
a aplicação da ventosa). É, com efeito, a partir de bons enig-
mas que se constituem geralmente metáforas apropriadas. Ora,
metáforas implicam enigmas e, por conseguinte, é evidente que
são bons métodos de transposição.
Por outro lado, devem provir de coisas belas. Beleza ver-
bal, como Licímnio diz, reside no som e no significado; e outro
tanto se passa com a fealdade 28.
Em terceiro lugar ainda, eis o que contradiz aquele argu-
mento dos sofistas: pois, não é, como afirma Bríson 29, que ne-
nhuma expressão é em si mesmo feia, se se utilizar uma ex-
pressão em vez de outra que signifique a mesma coisa. Ora isto
é falso, pois há palavras mais apropriadas do que outras, e mais
semelhantes ao objecto e mais próprias para trazer o assunto
para diante dos olhos. Além disso, não estando nas mesmas
condições, uma palavra quer dizer isto e aquilo de tal forma
que, deste modo, temos de admitir uma palavra é mais feia ou
mais bela que outra: pois ambas significam o belo e o feio, mas
não apenas de que forma a coisa é bela ou feia; ou então po-
dem significar o mesmo, mas em maior ou menor grau.
Daqui é que se devem tirar as metáforas: de coisas belas
quer em som, quer em efeito, quer em poder de visualização,
26 Texto corrupto. Deve considerar-se do mesmo modo o texto que
figura entre até final do livro.
27 Dito muito popular na Antiguidade, atribuído a Cleobulina (tam-
bém citado em Aristóteles, Poética 22, 1458a29).
28 Licímnio de Quios foi um poeta ditirâmbico do século V a. C.,
orador e autor de tratados de retórica.
29 Bríson terá sido discípulo de Sócrates e de Euclides de Mégara.
A sua doutrina sobre os números foi popular entre os estóicos.
248
quer numa outra qualquer forma de percepção. Não é a mes-
ma coisa dizer, por exemplo, «aurora de dedos de rosa» ou «de
dedos de púrpura», ou ainda, de forma mais pobre, «de dedos
rubros».
Também nos epítetos 30, é lícito aplicar coisas provindas
do vil e do vergonhoso (como, por exemplo, «matricida»),
bem como do melhor (como, por exemplo, «o vingador do
pai») 31. Simónides, quando o vencedor de uma competição de
mulas lhe deu uma recompensa miserável, não quis compor
o poema, sob o pretexto de que suportava com dificuldade
compor sobre «mulas» 32; mas quando ele lhe pagou o sufi-
ciente, escreveu 33:
viva, filhas dos cavalos de pés velozes como a tempestade!
E, contudo, elas eram também filhas de burros.
O mesmo se pode obter por meio de diminutivos. Um
diminutivo é aquele que torna mais pequeno tanto uma coisa
má, como uma boa, como Aristófanes quando ironiza nos Ba-
bilónios 34, empregando «ourozito» por «ouro», «vestezita» por
«veste», «injuriazita» por «injúria», «doençazita» por «doença».
Contudo, é necessário sermos cautelosos e observarmos, em
ambos os casos, a justa medida.
3
A ESTERILIDADE DO ESTILO
A esterilidade 35 do estilo reside em quatro aspectos. Em
primeiro lugar, nas palavras compostas, como, por exemplo,
quando Lícofron 36 diz «o céu de-muitas-faces da terra de-ele-
30 Por «epíteto» entende-se um atributo de um substantivo.
31 Eurípides, Orestes, 1587-1588.
32 Ou seja «meio-burros» (ºmiÒnoj em grego).
33 Simónides, fr. 515 Page.
34 Aristófanes, fr. 90 Kock.
35 Por «esterilidade» traduzimos t¦ yucr£. Corresponde ao termo
latino frigidum ou insulsum.
36 Sofista e retor da escola de Górgias (DK 2, 307-308).
249
vados-cimos» e «a costa de-estreitas-passagens». Ou tal como
Górgias chamava «engenhosos-no-mendigar» «jurando-em-
1406a -falso e jurando-com-sinceridade» 37; ou mesmo como Alcida-
mante 38, ao dizer «a alma cheia de cólera e o olhar-ficando-
-cor-de-fogo», e que o zelo se tornaria «produtor de um bom
fim», e que a persuasão das palavras era «produtora de um
bom fim»; e que a espuma do mar era «cor-de-azul-escuro».
É que tudo isto, devido à sua composição, revela-se poético.
Esta é uma das causas. Outra resulta da utilização de glo-
sas 39, tal como quando Lícofron apelida Xerxes de «homem-
-monstro» e Síron «homem malfeitor» 40, ou quando Alcidamante
diz «brincadeiras na poesia», «insensata presunção da natureza»
e «acicatado por cólera não misturada com discernimento».
O terceiro aspecto manifesta-se no uso de epítetos exten-
sos, inoportunos, ou muito repetidos. Na poesia, com efeito, é
apropriado dizer-se «leite branco», mas no discurso estas ex-
pressões são inapropriadas. E se o seu uso for excessivo, con-
fundem e tornam evidente que se trata de poesia. Ainda que
seja necessário, por vezes, utilizar estes epítetos (pois transfor-
mam o habitual e tornam o discurso não familiar), é necessá-
rio, porém, ter em vista a justa medida, uma vez que, se não,
isto produz um mal maior do que falar ao acaso: isto não está
certamente bem, mas o anterior está claramente mal. Por isso é
que o discurso de Alcidamante parece frívolo, pois ele utiliza
epítetos não como um condimento, mas como prato principal,
de tal modo são frequentes e extensos e óbvios. Por exemplo,
não diz «suor», mas «suor húmido»; não «para os Jogos Ístmi-
cos», mas «para a assembleia solene dos Jogos Ístmicos»; não
«leis», mas «leis soberanas das cidades»; não «a correr», mas
«a correr com o impulso da alma»; não «inspiração das Musas»,
mas «recebendo da natureza a inspiração das Musas»; e ainda
por «sombria» designa a «preocupação da alma»; e não «de-
miurgo do prazer», mas «demiurgo do prazer pandémico» e
«servidor do prazer dos ouvintes»; não «escondeu-se na rama-
37 DK B 15.
38 Retor e sofista do século IV a. C., natural da Eólia, foi discípulo
de Górgias. Enfatizava a importância do poder da improvisação baseado
num vasto conhecimento.
39 Em grego, glèssa. Ver supra.
40 Síron foi um mítico salteador morto por Teseu.
250
gem», mas «na ramagem do bosque»; não «cobria o corpo»,
mas «a nudez pudibunda do corpo»; e o «desejo reflector da
alma» (este caso é, ao mesmo tempo, uma palavra composta e
um epíteto, de modo que o resultado é um termo poético), e
também «o extragavante excesso de perversidade». Por isso é
que aqueles que se exprimem poeticamente de forma inapro-
priada introduzem o ridículo e o frívolo e, devido à prolixida-
de de palavras, a falta de clareza. Pois, sempre que tal é lança-
do sobre alguém que já entendeu algo, destrói a clareza pelo
obscurecimento. Utilizam-se palavras compostas sempre que o
objecto não tem nome e a palavra é de formação fácil, tal como
«passatempo»; mas, se este recurso for muito utilizado, redun-
da totalmente poético. Por isso, o enunciado pleno de palavras 1406b
compostas é o mais valioso para os poetas de ditirambos (pois
estes são de sonoridades amplas), os termos invulgares para os
poetas épicos (pois este estilo é majestoso e empolado), e a me-
táfora para os autores de jambos na verdade, é o que eles
usam hoje em dia, como foi dito.
O quarto tipo de frivolidade reside nas metáforas. Na rea-
lidade, há também metáforas inapropriadas, umas devido ao seu
carácter burlesco (e também os comediógrafos utilizam metáforas),
outras porque são demasiado majestosas e trágicas. Algumas,
porém, não resultam claras se provierem de algo muito afastado,
tal como Górgias ao formular «actos pálidos e exangues», e «se-
measte vergonhosamente, improficuamente ceifaste». De facto, isto
é demasiado poético. Ou também como Alcidamante quando
denomina a filosofia «uma fortificação para a lei» 41, e a Odisseia
«um belo espelho da vida humana», e «trazendo nenhuma destas
brincadeiras para a poesia». Todas estas expressões não são per-
suasivas, pelas razões expostas. A frase de Górgias para a ando-
rinha, quando, voando sobre ele deixou cair um excremento,
resultou no melhor que os trágicos fazem. Pois disse-lhe ele:
«É vergonhoso, ó .ilomela.» Na verdade, isto não é vergonhoso
para uma ave, mas seria vergonhoso para uma jovem 42. Assim,
ele censurou-a dizendo o que fora, mas não o que agora é.
41 Ou «contra a lei»: a frase grega é propositadamente ambígua.
42 Górgias, DK 82 A 23. Mito grego, segundo o qual, de acordo
com a versão grega, foi metamorfoseada em andorinha para escapar à vio-
lência do cunhado, Tereu, ou, na versão latina, em rouxinol (sendo Tereu
seu esposo).
251
4
O USO DOS SÍMILES
O símile 43 é também uma metáfora. A diferença, na verda-
de, é pequena: sempre que se diz «lançou-se como um leão», é
um símile; mas quando se diz «ele lançou-se um leão», é uma
metáfora. Pois, devido ao facto de ambos serem valorosos, trans-
ferindo-se o sentido, chamou-se «leão» a Aquiles 44. O símile é
útil na prosa, embora poucas vezes, pois é um elemento poético.
Além disso, deve ser utilizado como as metáforas, pois no fun-
do não passa de metáfora, diferenciando-se no que foi dito.
São símiles, por exemplo, como no caso em que Andró-
cion 45 disse a Idrieu que ele era semelhante aos cachorros de-
sacorrentados: pois aqueles lançavam-se para morder, e Idrieu,
um vez libertado das correntes, era igualmente temível. Do
mesmo modo, Teodamante comparava Arquidamo a Êuxeno
que, por analogia, não sabia geometria 46; na verdade, então
Êuxeno também seria um «Arquidamo com conhecimentos de
geometria». Do mesmo modo ainda, na República de Platão, se
diz que aqueles que espoliam cadáveres são semelhantes a ca-
chorros que mordem as pedras sem tocarem naquele que lhas
atira; ou aquela referente ao povo, que este se assemelha a
um marinheiro valoroso, mas um pouco surdo; ou aquela refe-
rente aos versos de alguns poetas que parecem «jovens sem
beleza», pois uns perdendo a flor da juventude, outros perden-
1407a do o ritmo, já não parecem a mesma coisa 47. E vejam-se tam-
bém as de Péricles, aos habitantes de Samos: que se asseme-
lhavam a «crianças, que aceitam um bocado de pão, mas
chorando»; como aos Beócios, que eram parecidos «com sobrei-
ros»: pois os sobreiros eram esfrangalhados por eles próprios e
os Beócios lutavam uns contra os outros. Do mesmo modo,
Demóstenes 48 ao referir-se ao povo: que este é semelhante aos
43 Em grego, e kèn. Certos autores traduzem-no como «imagem».
44 Il., 20.164.
45 Andrócion foi um orador ateniense oponente de Demóstenes.
Numa embaixada ao rei Mausolo da Cária, conheceu Idreu, irmão do rei.
46 Nada se sabe sobre estas três personagens.
47 Platão, República V, 469e, VI, 488a-b, e X, 601b, respectivamente.
48 Poderá tratar-se não de Demóstenes, o orador, mas sim do polí-
tico que chefiou a expedição à Sicília em 413 a. C.
252
que enjoam nos barcos. E também Demócrates 49 comparou os
oradores a amas que, metendo na boca os pedaços de pão, os
dão a comer às crianças com a sua saliva. Enfim, assim Antís-
tenes comparou o delicado Cefisódoto com o incenso, pois este
também, ao ser consumido, é encantador 50.
Em todos estes casos, é possível formulá-los quer como
símiles quer como metáforas, de forma que todos os que são
celebrados quando expressos como metáforas, é evidente que
sê-lo-ão também quando símiles; e o mesmo com os símiles,
que são metáforas a que falta uma palavra. É necessário, por
seu turno, que a metáfora, proveniente da analogia, tenha sem-
pre uma correspondência entre dois termos do mesmo género.
Assim, por exemplo, se a taça é o «escudo de Dioniso», então
é apropriado chamar «taça de Ares» ao escudo 51.
5
A CORRECÇÃO GRAMATICAL
O discurso é, por conseguinte, constituído por estes ele-
mentos. O princípio básico da expressão enunciativa, porém, é
falar correctamente 52. Isto radica em cinco aspectos.
O primeiro reside nas partículas coordenativas 53, que de-
vem ser colocadas antes ou depois umas das outras, tal como
algumas exigem segundo a sua natureza. Assim, men e ego men
exigem ser seguidas de de e ho de respectivamente 54. Por seu
49 Orador ateniense partidário da Macedónia (Plutarco, Moral., 803e-f).
50 Antístenes (c. 445-c. 360 a. C.) foi um dos mais fiéis discípulos de
Sócrates e o fundador da escola cínica. Cefisódoto será uma de duas per-
sonagens do mesmo nome: ou o político que se evidenciou nas conversa-
ções no Queroneso; ou o orador ateniense que participou no colóquio de
Esparta de 371.
51 Trata-se porventura de expressão de Timóteo (fr. incert. 16 Bergk),
embora Ateneu, 11, 502b, a atribua a Anaxândrides.
52 Traduz o termo llhnzein, que corresponde ao termo latino lati-
nitas. Lausberg, 463 (Cícero, De oratore, 3, 11, 40). Reporta-se à correcção
linguística do enunciado.
53 Sundsmoi na expressão grega. Trata-se de todo o elemento que
coordena ou subordina outros elementos do discurso.
54 Partículas gregas que significam, grosseiramente e de forma algo
imprecisa, «por um lado» «por outro».
253
turno, é necessário que correspondam umas às outras enquan-
to estão na memória do ouvinte, e nem as afastar muito, nem
colocar uma partícula coordenativa antes da que é necessária;
pois poucas vezes isto é apropriado. «Eu, quando ele me falou
(pois Cléon tinha vindo pedir-me e implorar-me) pus-me a
andar, levando-os comigo.» Neste caso, encontram-se muitas
partículas coordenativas em vez da partícula coordenativa
requerida. Se houver muitas de permeio antes de «pus-me a
andar», o sentido fica pouco claro.
O primeiro aspecto reside, pois, na correcta colocação das
partículas coordenativas. O segundo consiste em falar por meio
de termos «específicos», e não «gerais» 55.
O terceiro é não utilizar vocábulos ambíguos. Isto a não
ser que se prefira o contrário, ou seja, fingir que se diz algo
por meio delas quando não se tem nada para dizer. Com efei-
to, indivíduos deste género utilizam tais termos na poesia,
como Empédocles 56. Iludem, pois, com os seus rodeios exces-
sivos, e os ouvintes ficam impressionados, tal como muita
gente perante os oráculos; pois, quando estes são expressos
por meio de vocábulos ambíguos, aqueles dão o seu assen-
timento:
Ao atravessar o Hális, Creso destruirá um grande
reino 57;
1407b porque ao falarmos em geral, o erro é menor. Por isso é que os
adivinhos aludem aos assuntos por meio de palavras deste tipo.
Pois, será mais bem sucedido, no jogo do par ou ímpar, quem
disser «par» ou «ímpar», do que se disser a quantidade preci-
55 Em grego t¦ da ÑnÒmata e t¦ periconta ÑnÒmata, respectivamente.
56 Empédocles (c. 493-c. 433 a. C.) foi um dos mais notáveis e
legendários homens do século V a. C., natural de Ácragas, na Sicília.
Cientista, poeta, orador, filósofo, homem de Estado, é ligado pela tradi-
ção aos pitagóricos. Entre os poemas que escreveu contam-se dois longos
poemas em hexâmetros dactílicos, Acerca da Natureza e Purificações.
Porventura, Aristóteles refere-se a DK A 25, exemplo clássico de ambi-
guidade.
57 Heródoto, 1.53 e 91. Creso, rei da Lídia, interpretou o oráculo
como anunciando a destruição de Ciro, o seu inimigo. Todavia, destruiu
o seu próprio reino.
254
sa; o mesmo se passa se se disser que algo vai acontecer em
vez de quando (é por isso que os intérpretes dos oráculos não
determinam quando). Tudo isto é semelhante, de forma que
deve ser evitado, a não ser pela razão aduzida.
O quarto aspecto reside em distinguir o género das pala-
vras, tal como Protágoras 58: masculino, feminino e neutro. De
facto, também isto é necessário aplicar correctamente. «Tendo
ela chegado e tendo ela terminado o seu discurso, partiu.»
O quinto aspecto consiste em empregar correctamente o
plural, dual, singular 59: «tendo eles chegado, bateram-me».
Em geral, é forçoso que o que se escreve seja bem legível
e facilmente pronunciável. No fundo, é a mesma coisa. Ora, isto
não é produzido pela abundância de conjunções, nem por tex-
tos que não são facilmente pontuáveis, como os de Heraclito.
Na verdade, é trabalhoso pontuar os textos de Heraclito pelo
facto de ser obscuro com qual dos termos, o da frente ou o de
trás, se estabelece a relação. Isto é o que se vê no próprio iní-
cio do seu poema. De facto, afirma «sendo este o logos sempre
os homens são incapazes de compreender» 60. É, pois, pouco
claro relativamente a qual dos membros se deve relacionar com
a pontuação o «sempre». Além disso, a falta de correspondên-
cia (ou seja, se não se ligarem dois termos como é ajustado a
ambos) provoca ainda solecismo. Por exemplo, a «ruído» e
«cor», o termo «ver» não é comum, mas já é comum «percep-
cionar». Resulta obscuro se alguém falar sem colocar primeiro
o que deve ir primeiro, procurando colocar de permeio muitas
palavras. Por exemplo, «dispunha-me, tendo conversado com
ele sobre estas e aquelas coisas e deste modo, a partir», mas
não «dispunha-me pois, tendo conversado sobre estas coisas e
aquelas e deste modo, então a partir».
58 Protágoras, DK A 27. Protágoras de Abdera foi um eminente au-
tor de teoria retórica do século V. Segundo se crê, foi o primeiro a teorizar
sobre o género das palavras.
59 No original, «inúmero, o pouco e o uno», ou seja, os três núme-
ros da língua grega.
60 DK 22 A 4. «Os homens dão sempre mostras de não compreen-
derem que o logos é como eu descrevo» (trad. Carlos Lauro da .onseca,
in G. S. Kirk, J. E. Raven, M. Schofield, Os .ilósofos Pré-Socráticos, Lisboa,
19944, p. 193).
255
6
A SOLENIDADE DA EXPRESSÃO ENUNCIATIVA
Para a solenidade 61 da expressão contribuem os seguintes
elementos:
Em primeiro lugar, utilizar uma frase em vez de um nome.
Por exemplo, não empregar «círculo», mas «superfície equidis-
tante do centro». O contrário respeita à concisão 62, ou seja, usar
um nome no lugar de uma frase. Caso haja algo de vergonhoso
ou inconveniente, se o elemento vergonhoso for na frase, em-
pregue-se um só nome; se for numa palavra, use-se uma frase.
Revelar as ideias por meio de metáforas e epítetos, toman-
do-se precauções contra a coloração poética.
Mudar o singular em plural, como fazem os poetas. Por
exemplo, sendo um só o porto, assim dizem: «para os portos
aqueus», e também, «da carta, estas inumeráveis tabuinhas» 63.
Não unir palavras, mas cada substantivo deve ir com o
seu artigo. Por exemplo, a frase «da mulher, da nossa»; se qui-
sermos expressar-nos de forma concisa, deverá ser o contrário:
«da nossa mulher».
Exprimirmo-nos por meio de conjunções coordenativas. Se
se desejar fazê-lo de forma concisa, omitam-se as conjunções
coordenativas; mas que a frase não fique assindética. Por exem-
plo, «tendo caminhado e tendo falado com ele», «tendo cami-
nhado, falei com ele».
1408a Por último, é valioso o procedimento de Antímaco: falar
daquilo que o objecto não possui. Assim faz acerca do Teu-
meso 64:
há uma pequena colina exposta aos ventos 65,
61 Por «solenidade» traduzimos Ôgkoj, que no seu sentido primário
tem a ver com a expansividade, com o empolamento de algo. Correspon-
de ao latino dignitas (Rhetorica ad Herennium, 4.13.18) e refere-se ao estilo
sublime.
62 Corresponde ao termo latino breuitas (Quintiliano, 4.2.49).
63 Eurípides, Ifig. T., 727.
64 O Teumeso é uma montanha na Beócia.
65 Antímaco, Thebais, fr. 2 Kinkel. Trata-se de Antímaco de Cólofon,
da segunda metade do século IV, um poeta de estilo rebuscado (cf. Cícero,
Brut., 51.191) e eminente erudito, editor de Homero.
256
pois a amplificação pode ampliar-se até ao infinito. No que res-
peita às coisas positivas e às negativas, este recurso de se falar
das qualidades que os objectos não têm pode ser utilizado con-
forme resulte de maior utilidade. E daqui extraem os poetas
termos como «melodia sem acompanhamento de cordas» e
«sem acompanhamento de lira», que são produzidos a partir
das propriedades ausentes. Tal recurso é bem aceite nas metá-
foras por analogia, como por exemplo dizer que «a trombeta»
é uma «melodia sem acompanhamento de lira».
7
ADEQUAÇÃO DO ESTILO AO ASSUNTO
A expressão possuirá a forma conveniente 66 se exprimir
emoções e caracteres, e se conservar a «analogia» 67 com os
assuntos estabelecidos. Há analogia se não se falar grosseira-
mente acerca de assuntos importantes, nem solenemente de
assuntos de pouca monta, nem se se colocarem ornamentos
numa palavra vulgar. Se assim não for, assemelha-se a um re-
gisto de comédia. É, por exemplo, o caso de Cleofonte 68; pois
ele designa de modo idêntico certas coisas como se dissesse
«venerável figueira».
O discurso será «emocional» 69 se, relativamente a uma
ofensa, o estilo for o de um indivíduo encolerizado; se relativo a
assuntos ímpios e vergonhosos, for o de um homem indignado
e reverente; se sobre algo que deve ser louvado, o for de forma
a suscitar admiração; com humildade, se sobre coisas que sus-
citam compaixão. E de forma semelhante nos restantes casos.
O estilo apropriado torna o assunto convincente, pois, por
paralogismo, o espírito do ouvinte é levado a pensar que aquele
66 Traduz o termo prpon.
67 Traduz o termo ¢naloga e tÕ ¢n£logon. Significa a justa propor-
ção entre duas entidades.
68 Poeta trágico ateniense, de cuja obra nada chegou aos nossos dias,
citado em Poética 2, 1448a12.
69 O termo em grego é paqhtik», ou seja, um tipo de enunciado
«emocional», no sentido em que intenta sobretudo suscitar as emoções no
auditor.
257
que está a falar diz a verdade. Com efeito, neste tipo de circuns-
tâncias, os ouvintes ficam num determinado estado emocional
que pensam que as coisas são assim, mesmo que não sejam
como o orador diz; e o ouvinte compartilha sempre as mesmas
emoções que o orador, mesmo que ele não diga nada. É por esta
razão que muitos impressionam os ouvintes com altos brados.
Esta mesma exposição enunciativa, sendo constituída por
signos 70, exprime caracteres 71 quando a acompanha uma ex-
pressão apropriada a cada «classe» 72 e «maneira de ser» 73.
Denomino «classe» o relativo à idade, como, por exemplo, crian-
ça ou homem ou velho; ou mulher e homem; ou lacónio e
tessálio; «maneiras de ser», aquilo segundo o que cada um é
como é na vida, pois nem toda a maneira de ser corresponde a
que as vidas sejam do tipo que são.
Se se disserem nomes apropriados à maneira de ser,
exprimir-se-ão caracteres. Na verdade, o rústico e o instruído
não falam do mesmo modo. Os ouvintes sentem alguma emo-
ção, e os logógrafos utilizam à saciedade recursos como, «quem
não sabe?», «todos sabem». Pois o ouvinte concorda embaraça-
do, de modo a participar do mesmo que todos os outros.
1408b A utilização oportuna ou inoportuna destes elementos é
comum a toda esta matéria. Contra todo o excesso, há um re-
médio muito conhecido: o orador deve antecipar a crítica, pois
assim parece que fala verdade, uma vez que não passa desper-
cebido ao orador o que está a fazer. Além disso, não se deve
utilizar a analogia 74 em todos os recursos ao mesmo tempo
(deste modo, este recurso passa despercebido ao ouvinte).
Quero dizer, por exemplo, se as palavras são duras, que não
se utilizem a voz ou a expressão facial correspondentes; senão,
torna-se evidente o que cada coisa é. Se se fizer uma de um
modo, outra de outro, embora o resultado seja o mesmo, passa
despercebido. Por conseguinte, se se disser o que é suave com
dureza e com suavidade o que é duro, o discurso não se torna
persuasivo.
70 Dexij em grego.
71 O discurso «ético» (ºqik») é o contraponto do «emocional ou pa-
tético».
72 Gnoj em grego, ou seja, «género», «categoria».
73 xij, em grego, ou seja, «maneira de ser», «temperamento».
74 Ou seja, a adequação da voz ao tema, por exemplo.
258
Por seu turno, as palavras compostas e a abundância de
epítetos, sobretudo de termos invulgares, são ajustadas ao ora-
dor do género emocional. É que se perdoa ao orador encoleri-
zado que pronuncie «um mal que-se-estende-até-ao-céu» ou
que diga «monstruoso» 75, sempre que possuir já a atenção dos
ouvintes e os tiver feito entusiasmarem-se, com elogios ou vi-
tupérios, com cólera ou amizade. Assim, por exemplo, formula
Isócrates no final do Panegírico «ó fama e recordação» e «quem
quer que tenha suportado» 76. Tais coisas são ditas quando os
oradores estão entusiasmados, de forma que é evidente que os
ouvintes aceitam o que eles dizem por estarem todos no mes-
mo estado de espírito. É por isso que são também ajustadas na
poesia: é que a poesia é algo que provém da inspiração. É, por-
tanto, assim que é necessário utilizá-lo, ou então por meio de
ironia, como formulava Górgias 77 e como se expõe no .edro 78.
8
O RITMO
A forma da expressão não deve ser nem métrica nem des-
provida de ritmo 79. De facto, a primeira não é persuasiva, pois
parece artificial, e, ao mesmo tempo, desvia a atenção do ou-
vinte, pois fá-lo prestar atenção a elemento idêntico, quando a
este regressar. O mesmo sucede com as crianças, que, quando
os arautos clamam «qual é o senhor que o liberto escolhe?», se
antecipam dizendo «Cléon» 80. Por seu lado, a forma de expres-
são desprovida de ritmo é ilimitada. É, porém, necessário que
seja limitada (pois o ilimitado é desagradável e ininteligível),
mas não pelo metro. E, de facto, todas as coisas são delimita-
75 O primeiro termo ocorre em Od., 5.239, e Ésquilo, Agamémnon,
92; o segundo em Il., 3.229 e 5.395.
76 Panegírico, 186.
77 Cf. DK 82 A 11, 15, 15a, 19, 24.
78 Cf. Platão, .edro, 231d e 241e.
79 Questão muito debatida na retórica antiga: Cícero, Orator, 63.212,
De oratore, 1.47.182-183; Quintiliano, 9.4.45.
80 Político ateniense do século V, general na Guerra do Peloponeso.
.oi retratado de forma negativa por Tucídides e Aristófanes.
259
das pelo número. O número da forma da expressão é o ritmo,
do qual os metros são divisões 81. Por isso, é necessário que o
discurso seja rítmico, mas não métrico: neste caso, resultaria
num poema. O ritmo, porém, não deve ser totalmente exacto,
e isto resultará se o for apenas até certo ponto.
De entre os ritmos, o heróico é solene, embora desprovido
da harmonia da linguagem coloquial. O jambo, por seu turno,
é a própria linguagem da maioria das pessoas (por isso, de
entre todos os metros, é o jambo que, ao falarmos, mais utili-
zamos); no entanto, o discurso deve ser solene e capaz de emo-
cionar 82.
O troqueu é o mais semelhante ao córdax 83. Isto é eviden-
te nos tetrâmetros, pois o tetrâmetro é um ritmo de corrida 84.
1409a Resta, ainda, o péan, que se usa a partir de Trasímaco, embora
não fossem ainda capazes de definir o que era. O péan é um
terceiro tipo de ritmo, e está relacionado com os acima referi-
dos. É um três por dois, enquanto dos precedentes um é um
por um, o outro é dois por um. Semelhante é o um e meio por
um, que é o péan. Os outros ritmos devem ser postos de lado
pelos argumentos expressos, e porque são métricos. Porém,
deve-se utilizar o péan, pois é o único dos ritmos referidos que
não é métrico, de tal forma que passa perfeitamente desperce-
bido.
Hoje em dia, utiliza-se o péan tanto no início como no fi-
nal. Contudo, é necessário que o final seja diferente do início.
Há duas formas de péan, opostas uma à outra. Destas, uma é
apropriada ao início, como, aliás, se utiliza. Ela é a que uma
longa inicia e três breves terminam:
Nascido em Delos ou se Lícia
e
tu, que feres à distância, filho de Zeus, de cabelos de ouro.
81 Poética 4, 1448b21.
82 Ibidem 4, 1149a25-26; Cícero, Orator, 56.189.
83 Tipo de dança de carácter obsceno.
84 Aristóteles associa «troqueu» ao verbo trcw («correr»).
260
A outra é ao contrário: o seu início são três breves e o fi-
nal uma longa:
atrás da terra e das águas, a noite ocultou o oceano. 85
E esta é a que produz o final apropriado. Pois a breve,
porque é incompleta, faz que fique truncado. Deve-se, con-
tudo, terminar com a longa e que o final resulte claro, não
devido ao copista nem à marca de parágrafo, mas devido ao
ritmo.
.icou dito, portanto, que é necessário que o discurso
possua um ritmo conveniente e que não seja desprovido de
ritmo, e quais são os ritmos e como são os que produzem um
ritmo correcto.
9
A CONSTRUÇÃO DA .RASE: O ESTILO PERIÓDICO
O enunciado é necessariamente ou «contínuo» 86 e unido
por elementos coordenativos, como nos prelúdios dos ditiram-
bos, ou «periódico» 87 e semelhante às antístrofes dos poetas ar-
caicos. O enunciado «contínuo» é o primitivo (outrora todos o
usavam, agora não são muitos a fazê-lo). Designo «contínuo»
aquele que não tem fim em si próprio, a não ser que o conteú-
do expresso esteja concluído. Ele é, porém, desagradável pelo
facto de não ser limitado, pois todos desejam ter à vista o fi-
nal. É por isso que é nas curvas dos hipódromos que os con-
correntes estão ofegantes e esgotados, pois ao avistarem a meta
não se sentem cansados. Este é, por conseguinte, o enunciado
«contínuo».
O «periódico», por seu turno, é o que está organizado em
«períodos». Chamo «período» ao enunciado que possui princí-
85 D. L. Page, Poetae Melici Graece, Oxford, 1962, p. 511.
86 Em grego lxij e romnh; corresponde em latim a oratio perpetua.
Lausberg, 451. Certos autores, como Racionero, traduzem o termo por
«expressão coordenativa».
87 Corresponde a lxij katestrammnh. Certos críticos, como Racio-
nero, preferem designá-la por «expressão correlativa».
261
pio e fim em si próprio e uma dimensão fácil de abarcar com
1409b um só olhar. Tal é agradável e fácil de compreender. Agradá-
vel, por ser contrário ao enunciado ilimitado e porque o ou-
vinte julga sempre que retém algo e que este é delimitado por
si mesmo; além disso, é desagradável não haver nada a prever
nem a completar. É fácil de compreender, porque é fácil de
memorizar; e isto deve-se ao facto de o enunciado em perío-
dos possuir número, que é a coisa mais fácil de memorizar. Por
isso, todos memorizam melhor versos do que prosa, pois pos-
suem número pelo qual são medidos. É forçoso, porém, que o
«período» seja completo no que respeita ao sentido, e que
não seja cortado em dois como os jambos de Sófocles,
Cálidon é esta região, da terra de Pélops 88,
pois, devido à divisão do verso, é possível entender o contrá-
rio, como no caso desta citação, ou seja, que Cálidon fica no
Peloponeso.
O período pode ser formado por membros ou ser sim-
ples 89. O período formado por vários membros é completo, di-
visível e fácil de respirar, não na sua divisão como aquele
período, mas como um todo (um membro é uma das partes
de um período). Chamo «simples» a um período de um só
membro. É necessário que os membros e os períodos não se-
jam nem muito breves nem muito extensos. É que o breve pro-
voca, muitas vezes, um sobressalto no ouvinte (pois resulta
forçosamente como que num choque devido a um embate
quando, precipitando-se para a frente, para o término da me-
dida de cujo limite tem uma ideia, o ouvinte é impelido para
trás pois o orador já terminou). Os muito extensos fazem o au-
ditório ficar para trás, tal como aqueles que dão a volta muito
por fora dos postes: pois também estes ficam para trás em re-
lação aos seus companheiros de marcha. De forma análoga, os
períodos muito extensos tornam-se num discurso semelhante a
um prelúdio de ditirambo. Isto é o que sucede no texto de
88 Trata-se do primeiro verso do Meléagro de Eurípides (fr. 515 Nauck).
89 O termo grego é kîlon. Em português também se pode designar
«colo».
262
Demócrito de Quios em que parodiava Melanípides por este
compor prelúdios em vez de antístrofes:
Este homem faz mal a si próprio ao fazer mal a um
outro, um extenso prelúdio é o pior mal para um poeta. 90
O mesmo é apropriado afirmar sobre membros muito lon-
gos. Os membros demasiado curtos não constituem um perío-
do, pois fazem o ouvinte «cair de cabeça».
É próprio do enunciado composto por membros ser quer
«segmentado», quer «antitético» 91. É «segmentado», por exem-
plo, em: «muitas vezes me enchi de admiração pelos que orga-
nizam os festivais panegíricos e os que instituíram as competi-
ções atléticas» 92. Por sua parte, é «antitético» quando em cada
membro ou o oposto está disposto junto ao oposto, ou o mes-
mo está conectado com opostos, tal como: «foram proveitosos 1410a
a ambos, quer aos que ficaram, quer aos que os acompanha-
ram; pois a estes forneceram mais do que tinham na pátria,
àqueles deixaram na pátria o suficiente» 93. «.icar» e «acompa-
nhar» são opostos, tal como «suficiente» e «mais». Ou então,
«de tal forma que aqueles que precisam de dinheiro e os que
querem fruí-lo» 94; «fruição» opõe-se a «aquisição»; e ainda,
«acontece muitas vezes nestas circunstâncias que o sensato fa-
lha e o insensato tem sucesso» 95; e «de imediato foram julga-
dos dignos de recompensas do valor, e não muito depois to-
maram o poder sobre os mares» 96; e «navegar pela terra e
marchar sobre o mar, unindo o Helesponto e cavando um ca-
nal no Atos» 97. E «embora sendo cidadãos por nascimento, são
privados da cidadania por uma lei» 98. E «alguns deles, na ver-
90 Paródia a Hesíodo, Erga, 265-266. Demócrito de Quios terá sido
um contemporâneo de Demócrito de Abdera. Melanípides foi um poeta
do século V, que compôs epopeias, epigramas e ditirambos.
91 Em grego ¹dihrhmnh lxij e ¹¢ntikeimnh lxij, respectivamente.
92 Isócrates, Panegírico, 1.
93 Ibidem, 35.
94 Ibidem, 41.
95 Ibidem, 48.
96 Ibidem, 72.
97 Ibidem, 89.
98 Ibidem, 105.
263
dade, morreram miseravelmente, outros salvaram-se vergonho-
samente 99. E «em privado, utilizar bárbaros como escravos,
publicamente, olhar com indiferença muitos dos nossos aliados
reduzidos à escravidão» 100. E «ou possuir em vida ou após a
morte deixá-lo para trás» 101. E o que alguém disse a Pitolau
e Lícofron num julgamento: «quando estes homens estavam
na sua pátria, eles venderam-vos, mas vindo para junto de
vós, eles compraram-vos» 102. Todos estes exemplos ilustram
o que foi dito. Tal enunciado é agradável, porque os contrá-
rios são mais fáceis de reconhecer (e mais fáceis de reconhe-
cer ainda quando colocados junto uns dos outros), e porque
se afiguram semelhantes ao silogismo. Pois a «refutação» é a
reunião de opostos.
Tal é a antítese. Por seu turno, é «isocolo» se os membros
forem iguais 103, «paromeose» se cada membro possuir extre-
mos similares 104. É forçoso que tenha tal similitude ou no iní-
cio ou no fim. No início, tem sempre a forma de palavras. No
fim, poderão ser as mesmas sílabas finais, ou desinências da
mesma palavra, ou a mesma palavra. No início, são coisas
como «um campo não cultivado, recebeu um campo infértil de
ti» 105, e «sensíveis eram aos presentes e fáceis de persuadir
pelas palavras» 106. E no final: «terias pensado que ele gerara
uma criança, mas que ele mesmo se tornara a criança»; «nos
maiores cuidados e nas mais pequenas esperanças». Quanto às
desinências de um mesmo nome: «ele é digno de ser posto em
bronze, mas não digno de uma moeda de bronze». No que
respeita à mesma palavra: «enquanto vivo, tu falaste mal dele,
e agora escreves mal dele». E à mesma sílaba «o que é que de
terrível sofreste, se de que o homem era cruel te apercebeste?»
1410b É possível que um só exemplo tenha, ao mesmo tempo, todos
99 Ibidem, 149.
100 Ibidem, 181.
101 Ibidem, 186.
102 Pitolau e Lícofron foram os assassinos de Alexandre, tirano de
.eras, na Tessália (369-358 a. C.). Não se sabe mais sobre o episódio em
questão.
103 Também denominado «parisose». Vide Lausberg, 336.
104 Vide Lausberg, 357.
105 Aristófanes, fr. 649 Kock.
106 Il., 9.526.
264
estes elementos: antítese, isocolo e homeoteleuto. Os inícios dos
«períodos» foram quase todos enumerados nos Teodectes. Além
disso, há também falsas antíteses, como, por exemplo, a com-
posta por Epicarmo:
por vezes, eu estava em casa deles, por vezes eu estava
junto deles. 107
10
A METÁ.ORA
Dado que estes elementos já foram definidos, torna-se ago-
ra necessário dizer de onde provêm as expressões «elegan-
tes» 108 e as «de maior aceitação» 109. Certamente a sua formu-
lação é própria do talento natural e da exercitação; mas é
também algo que pertence ao nosso método. .alaremos, pois,
deste tema e faremos as enumerações pertinentes.
Que seja o seguinte o nosso pressuposto: uma aprendi-
zagem fácil é, por natureza, agradável a todos; por seu turno,
as palavras têm determinado significado, de tal forma que as
mais agradáveis são todas as palavras que nos proporcionam
também conhecimento. É certo que há palavras que nos são
desconhecidas, embora as conheçamos no seu sentido «apro-
priado» 110; mas é sobretudo a metáfora que provoca tal. Efec-
tivamente, sempre que ele chama à velhice «palha» 111, pro-
duz ensinamento e conhecimento por meio da categoria:
ambos, na verdade, já não estão na «flor da idade». O mesmo
produzem, sem dúvida, os símiles dos poetas. Por isso, se os
formulam bem, parecem de uma «elegância urbana». Na ver-
dade, um símile é, tal como foi dito anteriormente, uma me-
táfora, diferindo apenas numa adição. É, de facto, menos
107 DK 23 B 30.
108 Por «elegância» traduzimos o termo tÕ ¢steon; corresponde ao
termo latino urbanitas.
109 T¦ eÙdokimoànta, ou seja, as expressões que gozam de melhor re-
putação.
110 T¦ kÚria em grego (ver supra).
111 Od., 14, 214.
265
agradável porque mais extenso e porque não diz que «isto
é aquilo»; não é certamente isto o que o espírito do ouvinte
procura.
Por conseguinte, tanto a expressão como os entimemas
que nos proporcionam uma aprendizagem rápida são necessa-
riamente «elegantes». Por isso é que os entimemas superficiais
não são os de maior aceitação (chamamos «superficiais» aos
que são absolutamente óbvios, e em que não há nenhuma ne-
cessidade de nos esforçarmos por compreender), nem os que,
uma vez expressos, não compreendemos, mas sim aqueles em
que ou o conhecimento surge ao mesmo tempo que são pro-
nunciados, mesmo que não existisse previamente, ou o enten-
dimento segue pouco depois. Na verdade, nestes casos resulta
algum conhecimento, enquanto nos anteriores nenhum.
No que concerne à compreensão do que é dito, tais enti-
memas são os mais reputados. Porém, relativamente à expres-
são enunciativa, tal aceitação deve-se, por um lado, à forma, se
o enunciado for composto por oposições (como, por exemplo,
«considerando que a paz, comum a todos, era uma guerra para
os seus interesses particulares» 112: «guerra» opõe-se a «paz»);
por outro, às palavras, se formarem uma metáfora, conquanto
esta não seja estranha (pois seria de difícil compreensão), nem
superficial (pois não produz nenhuma impressão); finalmente,
se ela fizer que o objecto salte para «diante dos olhos». Con-
vém, pois, visualizar as coisas mais na sua realização do que
na perspectiva de virem a realizar-se. Por conseguinte, é ne-
cessário ter em vista três elementos: metáfora, antítese, repre-
sentação de uma acção 113.
1411a Dos quatro tipos de metáforas existentes 114, são sobretudo
muito reputadas as de analogia. É o caso da que Péricles for-
mulou ao dizer que a juventude morta na guerra fora arreba-
tada à cidade assim como se se extraísse «a Primavera ao
ano» 115. Acerca dos Lacedemónios, Léptines dizia que não
112 Isócrates, Philip., 73.
113 Por «representação de uma acção» traduzimos nrgeia, ou seja,
o recurso capaz de representar coisas animadas ou inanimadas, que é o
termo que Ross aceita. Outros autores, como Racionero, consideram que
a lição deverá ser n£rgeia, «nitidez».
114 Poética 21, 1457b.
115 Cf. supra, I 7.
266
ficaria a ver com indiferença a Grécia «a ficar zarolha» 116. Ce-
fisódoto 117, ao ver Cares 118 apressado em apresentar as contas
referentes à Guerra Olintíaca, indignou-se, declarando que este
procurava com a apresentação das contas «estrangular o povo
até à sufocação»; e, noutra ocasião, exortando os Atenienses a
avançarem para a Eubeia, disse que era forçoso levar o decreto
de Milcíades como «provisões de campanha» 119. Ao fazerem
os Atenienses as tréguas com o Epidauro e a região do litoral,
Ifícrates indignou-se 120, declarando que eles ficavam desprovi-
dos das «provisões de guerra» 121. Pitolau chamou ao navio
Páralo o «bastão do povo» 122, e a Sesto a «travessa de pão do
Pireu» 123. Péricles exigiu a destruição de Egina, «ramela» do
Pireu. Mérocles, nomeando um cidadão respeitável, dizia que
não era mais criminoso que outro qualquer; pois este deixava-
-se corromper por um juro de três para dez, enquanto ele pró-
prio só de um para dez 124. Ou o verso jâmbico de Anaxândri-
des acerca das filhas que se atrasavam a casar, «as jovens já
tinham passado o prazo para o matrimónio» 125. Também o de
Polieucto, contra um certo Espeusipo, atacado de apoplexia:
que este não era capaz, pelo destino, de estar sossegado, em-
bora preso a um «potro de cinco orifícios» 126. E Cefisódoto
116 Trata-se de um dito muito popular (por exemplo, Cícero, De na-
tura deorum, 3.38).
117 Orador do século IV a. C.
118 Cares combateu com os seus homens em 349 a. C., na guerra de
Olinto contra .ilipe da Macedónia.
119 Milcíades foi um general ateniense do tempo das Guerras Pérsi-
cas, associado à vitória de Maratona (possivelmente, uma visão exagera-
da). A referência a este decreto deverá ser porventura expressão prover-
bial, significando uma decisão rápida. Aqui deve querer significar que
Cefisódoto entendia que Atenas deveria entrar em guerra com a Macedó-
nia de imediato, sem perder tempo em longas deliberações.
120 General e político ateniense (c. 415-353 a. C.).
121 Ou seja, Atenas ficavam sem território para se abastecer do sa-
que e dos tributos impostos.
122 Um dos navios oficiais que transportavam prisioneiros do Estado.
123 Cidade na Trácia, em frente a Abidos, que controlava o tráfego
comercial que atravessava o Ponto Euxino.
124 Mérocles foi um político ateniense contemporâneo de Demóste-
nes, do partido anti-Macedónia. Terá sido processado por extorsão.
125 .r. 68 Kock. Poeta da comédia média.
126 Polieucto foi um orador ateniense contemporâneo de Demóstenes.
O potro era um instrumento de tortura que imobilizava os supliciados.
267
chamava às trirremes «moinhos multicolores», e Diógenes, o
Cínico, às tabernas «refeições públicas da Ática» 127. Por seu
lado, Esíon 128 costumava dizer que «a cidade se tinha derra-
mado sobre a Sicília» 129. Isto é, pois, uma metáfora e também
dispõe o objecto «diante dos olhos». Tal como a expressão «de
tal forma a Hélade gritou» também é, de certa forma, uma
metáfora e dispõe o objecto diante dos olhos. E como
Cefisódoto ordenou que se precavessem para que não fizessem
«grupos». E isto mesmo Isócrates dizia aos que acorriam às
cerimónias públicas 130. E tal como se encontra na Oração .úne-
bre, que seria digno que, junto ao epitáfio dos que morreram
em Salamina, a Hélade rapasse a cabeça, visto ser a liberdade
que estava a ser enterrada ao mesmo tempo que o valor de-
les 131. Se ele tivesse dito que era digno verter lágrimas, uma
vez que o seu valor estava a ser enterrado, seria uma metáfora
e disposição do objecto diante os olhos, mas os termos «valor»
1411b e «liberdade» produzem uma espécie de antítese. E, tal como
Ifícrates disse, «o caminho das minhas palavras passa, pois,
pelo meio dos actos de Cares» é uma metáfora de analogia, e
«pelo meio» produz o «trazer diante dos olhos». E dizer «con-
vocar os perigos para ajudar contra os perigos» é uma metáfo-
ra e disposição diante dos olhos. Dizia Licoleonte em defesa
de Cábrias: «não tendo respeito pela atitude de súplica da es-
tátua de bronze dele» 132: é, pois, uma metáfora apropriada ao
momento presente, não para sempre, mas que produz uma
visualização do objecto; pois, estando ele em perigo, a estátua
implora, e o inanimado torna-se animado: ou seja, a recorda-
ção dos seus feitos em prol da cidade. E «por todos os meios,
127 Referência às refeições públicas instituídas em Esparta, conheci-
das pela sua frugalidade. A ironia é evidente face aos hábitos dos Ate-
nienses.
128 Orador ateniense contemporâneo de Demóstenes.
129 Referência à campanha ateniense de 415 a. C. contra a Sicília.
130 Philip., 12.
131 Lísias, Epit., 60. Lísias não se referia a Salamina, mas sim a Egos-
pótamos.
132 Refere-se ao julgamento de Cábrias (366) pela rendição de Oropo.
A estátua mandada erigir pelos Atenienses por serviços prestados apre-
sentava uma postura ambígua, que se podia interpretar também como a
de um suplicante. Licoleonte foi o advogado de Cábrias neste julga-
mento.
268
esforçam-se por pensar humildemente» 133, pois «esforçar-se»
implica uma certa amplificação. E que «deus acendeu a razão,
luz no espírito»: ambos, na verdade, põem algo em evidência,
bem como «pois nós não terminamos guerras, mas adiamo-
-las» 134. Ambas remetem para o futuro, tanto o adiamento
como este tipo de paz. E dizer que «os acordos de paz são um
troféu muito superior aos obtidos nas guerras, pois estes refe-
rem-se a um momento e a um acontecimento, aqueles à guerra
no seu todo» 135 já que ambos são sinais de vitória. E que «as
cidades apresentam pesadas contas para censura dos ho-
mens» 136. Pois a apresentação das contas é uma espécie de
punição que é conforme à justiça.
11
A ELEGÂNCIA RETÓRICA
Por conseguinte, foi já exposto que a expressão «elegante»
provém da metáfora de analogia e de dispor «o objecto diante
dos olhos». Torna-se agora necessário tratar do que denomina-
mos «trazer diante dos olhos» e do que faz que isto resulte. Na
verdade, chamo «pôr diante dos olhos» aquilo que representa
uma acção 137. Por exemplo, dizer que «um homem de bem é
um quadrado» é uma metáfora (pois ambos significam uma
coisa perfeita) 138, mas não representa uma acção. Mas a frase
«deter o auge da vida em flor» 139 é uma acção, e «tu, como
um animal solto» 140 é uma «representação de acção», e
dali, pois, Gregos, lançando-vos com os seus pés 141;
133 Isócrates, Panegírico, 151.
134 Ibidem, 172.
135 Ibidem, 180.
136 Isócrates, De pace, 120.
137 Por «pôr diante dos olhos» traduzimos a expressão prÕ Ñmmatîn
poien. Sobre o termo «representação de uma acção», ver supra.
138 Simónides, fr. 5.1-2 Bergk.
139 Isócrates, Philip., 10.
140 Ibidem, 127.
141 Eurípides, Ifig. A., 80.
269
«lançando-vos» exprime uma acção além de ser uma metáfora,
pois significa «velocidade».
Também Homero utilizou muitas vezes, por meio de me-
táforas, o inanimado como animado. Mas em todas elas o que
é mais reputado são as que representam uma acção, como nos
seguintes casos: «de novo para a planície rolava, despudorada,
1412a a pedra» 142 e «a flecha voou» 143 e «louca por voar» 144, e «sen-
tavam-se por terra, desejando saciar-se de carne» 145 e «a ponta
da arma penetrou, ansiosa, no peito» 146. Em todos estes exem-
plos, por se atribuir animação, representam-se coisas em acto:
«ser despudorada» e «ser ansiosa», entre os outros exemplos,
exprimem uma acção. Homero, porém, aplica estes elementos
por meio de metáforas por analogia. Pois, tal como a pedra em
relação a Sísifo, assim está o despudorado para o objecto do
seu despudor. O mesmo sucede em símiles muito reputados
referentes a coisas inanimadas:
enroladas, com as arestas de espuma; umas à frente, outras
atrás 147.
Pois o poeta atribui-lhes vida e confere-lhes também mo-
vimento; ora, movimento é acção.
Como já foi dito anteriormente, é forçoso que as metáfo-
ras provenham de coisas apropriadas ao objecto em causa, mas
não óbvias, tal como na filosofia é próprio do espírito sagaz
estabelecer a semelhança mesmo com entidades muito diferen-
tes. .oi assim que Árquitas disse que um árbitro e um altar
eram uma e a mesma coisa: pois junto de ambos se refugia o
homem injustiçado 148. Ou se alguém disser que uma âncora e
um gancho são a mesma coisa: ambos são a mesma coisa, mas
diferem pelo facto de uma ser de cima, a outra de baixo.
142 Od., 11.598.
143 Il., 13.587.
144 Ibidem, 4.126.
145 Ibidem, 11.574.
146 Ibidem, 15.542.
147 Ibidem, 13.799.
148 Árquitas, DK 47 A 12. .ilósofo e matemático da escola pitagó-
rica do século IV.
270
E «igualizar as cidades» aplica-se a coisas muito diferentes:
a igualdade no que respeita à superfície e aos poderes.
A maioria das expressões «elegantes» deriva da metáfora
e radica no engano prévio do ouvinte. Pois torna-se mais evi-
dente que se aprende algo se os elementos resultam ao contrá-
rio do que se esperava; e o espírito parece dizer: «como é ver-
dade, e eu estava enganado!» As expressões «elegantes» dos
apotegmas, por seu turno, assentam no facto de exprimirem o
que não dizem. Por exemplo, quando Estesícoro, diz que «as
cigarras cantarão no chão para elas próprias» 149. E pela mes-
ma razão são agradáveis tanto os bons enigmas (pois neles há
um ensinamento e uma metáfora), como dizer «coisas inespe-
radas», como o designou Teodoro 150. Porém isto sucede quan-
do se trata de algo de paradoxal 151, e não, como diz aquele
autor, conforme com uma opinião anterior, mas como as imi-
tações patentes nas anedotas (algo que também os jogos de
palavras são capazes de produzir, pois conduzem ao engano)
e nos versos cómicos. Por exemplo, o verso seguinte não ter-
mina como o ouvinte esperava:
ele avançava, tendo sob os pés frieiras;
o ouvinte julgava que o poeta iria dizer «sandálias». Isto é forço-
so que se torne evidente ao mesmo tempo que é expresso. Quan-
to ao jogo de palavras, este exprime não o que o enunciador efec-
tivamente diz, mas o que resulta da mudança de palavra. É, por
exemplo, o caso da frase de Teodoro para o citarista Nícon: «Tu
estás perturbado», o que parece exprimir «tu és um trácio» 152. Ele
conduz a um engano, pois expressa uma coisa diferente. Por isso 1412b
é que resulta agradável para o que procura instruir-se, pois se não
se supuser que Nícon é um trácio, não parecerá ser uma expres-
são «elegante». O mesmo é «tu queres destruí-lo» 153. É necessário
que estes dois sentidos sejam convenientemente expressos.
Do mesmo modo, são também expressões «elegantes»
aquelas em que afirmamos, por exemplo, que «para os Atenien-
149 Ver supra, II 21.
150 Cf. supra, n. 16.
151 Par£doxon, ou seja, algo contrário à expectativa comum.
152 Jogo entre qr£cei e Qr©ix.
153 Jogo entre o infinitivo prsai (destruir) e Prsai (Persas).
271
ses o comando [arche] 154 do mar não é o começo [arche] dos
infortúnios», uma vez que eles beneficiaram dele. Ou a frase
de Isócrates, que «para a cidade, o poder foi o começo dos ma-
les» 155. Pois, em ambos os casos, o que não se pensaria que se
diz é justamente o que é dito e reconhecido como verdadeiro,
pois afirmar que «princípio» é «princípio» não é inteligente;
porém, não se diz com este sentido, mas com outro, e arche não
expressa o mesmo que o que se disse, mas tem acepções dife-
rentes. Em todos estes exemplos, se uma palavra for introdu-
zida de forma conveniente, quer por homonímia, quer por metá-
fora, então resulta bem. Por exemplo, «Anásqueto (Tolerável)
não é tolerável», é uma contradição por homonímia, mas é
apropriada, se o indivíduo for antipático. E
não poderias ser estrangeiro mais do que deves 156,
pois «estrangeiro não mais do que deves» é o mesmo que «o
estrangeiro não deve ser sempre hóspede»; pois isto é totalmente
diferente. O mesmo ocorre na celebrada frase de Anaxândrides,
É belo morrer antes de se fazer algo digno da morte 157,
isto é, o mesmo que dizer «digno de morrer sem ter merecido
morrer», ou «digno de morrer sem ser merecedor da morte»,
ou ainda «não fazendo coisas merecedoras da morte».
Por conseguinte, o estilo destes exemplos é de uma mes-
ma classe. Porém, quanto mais concisos e de forma mais con-
trastante forem expressos, tanto maior reputação obterão. A ra-
zão é que a aprendizagem através de oposições é maior, e mais
rápida através da concisão. É forçoso prestar atenção a que a
expressão seja sempre correctamente aplicada em relação àquele
de quem se fala, e se o que se diz é verdadeiro e não superfi-
cial. Pois é possível possuir estas qualidades separadamente,
como «deve-se morrer sem ter cometido faltas», ou «com uma
mulher digna deve casar-se um homem digno» 158. Mas não se
154 O termo ¢rc» significa tanto «império», «poder», como «começo».
155 Isócrates, Philip., 61; Panegírico, 119; De pace, 101.
156 .r. adesp. 209 Kock.
157 .r. 64 Kock.
158 .r. adesp. 206 Kock.
272
trata de uma expressão «elegante», a não ser que se tenham as
duas qualidades ao mesmo tempo: «digno de morrer sem ser
merecedor de morrer». Quanto mais a expressão possuir estas
qualidades, tanto mais «elegante» parecerá. Por exemplo, se as
palavras constituírem uma metáfora e metáfora de um deter-
minado tipo, formarem uma antítese e parisose e implicarem a
«representação de uma acção».
Os símiles de maior aceitação, como foi dito acima, são até
certo ponto metáforas, pois expressam-se sempre partindo de
dois termos, tal como a metáfora por analogia. Por exemplo, 1413a
o escudo, dizíamos, é o cálice de Ares 159,
e
o arco é a fórminx sem cordas. 160
O que exprimimos desta forma não é, sem dúvida, sim-
ples, enquanto chamar ao arco fórminx e ao escudo cálice é
simples. Assim se produzem os símiles, como chamar a um
aulista «macaco», a um míope «candeia encharcada», pois
ambos franzem o rosto. Isto resulta bem sempre que houver
uma metáfora. Na verdade, é possível comparar o escudo ao
cálice de Ares e umas ruínas a uma casa em farrapos, e dizer
que Nicérato é um «.iloctetes mordido por Prácis» (como o
comparou Trasímaco, vendo que Nicérato, vencido por Prácis
ao participar numa competição de rapsodos, andava de cabelo
desarranjado e sujo) 161. É sobretudo nestes casos que, se não
os formularem bem, os poetas falham, e onde se tornam mais
reputados, se os fizerem bem. Quero dizer, quando estabele-
cem as correspondências entre os termos:
tal como a salsa, leva as pernas torcidas;
e tal como .ilámon combatendo o seu rival, o saco de boxe. 162
159 Bergk atribui-a a Timóteo (fr. 16); porém, Ateneu, 11, 502b, atri-
bui-a a Anaxândrides.
160 .r. adesp. 127 Bergk.
161 Trasímaco, fr. DK 85 A 5. Nicérato era filho do general Nícias e
seria um excelente recitador de Homero.
162 .rs. adesp. 207 e 208 Kock. .ilámon era célebre no pugilato.
273
Todas as expressões deste tipo são símiles. E que símiles
são metáforas já foi muitas vezes dito.
Provérbios são também metáforas de espécie a espécie. Por
exemplo, se alguém levar algo para casa, convencido de que é
algo de bom, e em seguida for prejudicado, diz que é como
«Cárpatos com a lebre» 163, pois ambos experimentaram o que
foi dito. Por conseguinte, de onde provém a expressão «elegan-
te» e porquê, foi mais ou menos explicado.
Por seu turno, as hipérboles de maior aceitação são tam-
bém metáforas: por exemplo, relativamente a um homem com
um olho negro «julgarias que ele era um cesto de amoras», pois
as nódoas negras são algo purpúreas, embora tal dimensão seja
muito exagerada. Além disso, também a expressão «como isto
ou aquilo» introduz uma hipérbole, que só se diferencia pela
expressão: «Como .ilámon combatendo contra o seu rival, o
saco de boxe», julgarias que o próprio .ilámon lutava com o
saco de boxe. «Como a salsa, leva as pernas torcidas», julga-
rias que ele tem não pernas mas salsa, estando assim retorcidas.
As hipérboles são como os adolescentes: manifestam grande
exagero. Por isso, expressam-se assim sobretudo os que estão
dominados pela cólera:
nem que ele me outorgasse tantas coisas quantas a areia e o pó,
nem assim me casaria com a filha do atrida Agamémnon,
nem que ela rivalizasse em beleza com Afrodite de ouro,
e Atena com os seus trabalhos. 164
Não é, por isso, apropriado a um velho proferir tais
coisas. [São sobretudo os oradores áticos que usam este ele-
mento.] 165
163 A ilha de Cárpatos foi devastada por lebres.
164 Il., 9.385 e 388-390.
165 Trata-se provavelmente de uma interpolação.
274
12
A EXPRESSÃO ADEQUADA A CADA GÉNERO
É preciso, porém, não esquecer que a cada género é ajus- 1413b
tado um tipo de expressão diferente. Na verdade, não são a
mesma a expressão de um texto escrito e a de um debate,
nem, neste caso, oratória deliberativa é a mesma que a ju-
diciária. Efectivamente, é necessário conhecer ambas: uma
para sabermos expressar-nos correctamente 166, a outra para
não sermos forçados a permanecer em silêncio se quisermos
dizer algo aos outros, que é o que sucede aos que não sabem
escrever.
A expressão escrita é a mais exacta. Por seu turno, a dos
debates é a mais semelhante a uma representação teatral. Des-
ta há duas espécies: uma «ética», outra «emocional» 167. É por
isto que os actores procuram tal tipo de peças teatrais, assim
como os poetas tal tipo de actores. Contudo, estão muito di-
vulgados os autores que são próprios para a leitura, como
Querémon (pois é rigoroso como um logógrafo) 168, ou, entre
os autores de ditirambos, Licímnio. E se são postos em con-
fronto, os discursos escritos parecem pobres nos debates; po-
rém, os discursos dos oradores, ainda que bem pronunciados,
afiguram-se vulgares quando nas nossas mãos. A razão é que,
nos debates, são ajustadas técnicas de representação teatral.
É por isso que quando a componente de representação é reti-
rada, o discurso não perfaz o seu trabalho e parece fraco. Para
dar um exemplo, num texto escrito as estruturas assindéticas
e as repetições são, com razão, elementos censurados; mas em
debates orais os autores usam-nos, pois são próprios da pro-
nunciação.
É forçoso que, ao repetir-se uma coisa, se introduza varia-
ção, a qual como que abre caminho à pronunciação:
Este é o que nos roubou, este é o que nos enganou,
este é o que enfim procurou trair-nos;
166 Por «expressarmo-nos correctamente» traduzimos o termo llhnzein.
167 Sobre estes termos, ver infra.
168 Poeta trágico de meados do século IV a. C.
275
tal como o actor .ilémon dizia na Gerontomaquia de Anaxân-
drides 169, quando recitava: «Radamanto e Palamedes»; e quan-
do dizia: «eu», no prólogo dos Piedosos. Pois, se tais coisas não
são representadas, torna-se em «aquele que leva a trave» 170.
E o mesmo se passa no respeitante às expressões assindé-
ticas: «cheguei, encontrei-o, pus-me a pedir-lhe». Na verdade, é
necessário representar e não pronunciar no mesmo modo e no
mesmo tom, como se se dissesse uma só coisa. Os assíndetos
ainda possuem um outro aspecto particular: muitas coisas pare-
cem ser ditas num mesmo espaço de tempo. É que a conjunção
faz de muitas coisas uma só, de tal forma que, se for eliminada,
é manifesto que o oposto acontecerá: uma coisa resultará muitas
coisas. Resulta, por conseguinte, numa amplificação: «cheguei,
falei, implorei» (parecem muitas coisas); «ele desprezou tudo o
1414a que eu disse». É o mesmo que Homero pretendia com
Nireu, de Sime, Nireu, filho de Aglaia, Nireu, o mais belo 171,
pois, o nome do homem acerca do qual se dizem muitas coisas
deve necessariamente ser repetido muitas vezes. Deste modo, se
se nomeia muitas vezes, parece que se dizem muitas coisas, de
forma que Homero produziu uma amplificação, mencionando-o
uma só vez devido ao paralogismo, e tornou-o objecto de recorda-
ção, sem menção alguma dele posterior em qualquer outro lugar.
O estilo do género deliberativo 172 parece-se totalmente
com um desenho em perspectiva 173. É que, quanto maior for a
multidão, tanto mais longe deverá a vista ser colocada, pois,
em ambos os casos, o rigor é supérfluo e negativo. O género
judiciário 174 é o mais rigoroso nos pormenores; e ainda mais
169 Comediógrafo, possivelmente natural de Rodes, da primeira
metade do século IV a. C. Dos fragmentos que chegaram até nós, observa-
-se um estilo elegante e uma intenção moralizante.
170 Deverá tratar-se de um adágio popular, significando porventura
que a repetição sem actuação é tão monotonamente cansativa como levar
uma trave aos ombros.
171 Il., 2.671-673.
172 Dhmhgorik¾ lxij, também designado demegórico. Corresponde
a genus deliberatiuum na teorização latina.
173 Em grego, skiagrafa.
174 Dikanik¾ lxij, em grego. Corresponde a genus iudiciale na retó-
rica latina.
276
perante um só juiz, pois é mínima a capacidade das técnicas
retóricas. É que é mais visível o que concerne ao assunto e o
que lhe é estranho, e a situação de debate não está presente,
de forma que o julgamento é límpido. Por esta razão, os ora-
dores mais admirados não são os mesmos em todos estes gé-
neros. Porém, onde há sobretudo necessidade de representação,
aí é onde existe menos exactidão. E aqui é onde é necessária a
voz, e, sobretudo, uma voz potente.
O estilo do género epidíctico 175 é o mais apropriado ao
texto escrito, pois a sua função é ser lido. Em segundo lugar,
vem o judiciário.
Prolongar estas considerações sobre a expressão, que deve
ser agradável e elevada, é supérfluo. Por que razão deverá ser
ela superior à sensatez ou à liberdade ou a qualquer outra vir-
tude de carácter? O que foi dito fará que seja agradável, se a
virtude do estilo foi correctamente definida. Efectivamente, por
que razão é forçoso ser claro e não rasteiro, mas apropriado?
Pois, se for prolixo, não será claro, nem se for demasiado con-
ciso; é evidente que o termo médio é o ajustado. E o que foi
dito tornará o estilo agradável, se houver uma mistura adequa-
da com o que é convencional e o invulgar, com o ritmo e com
a persuasividade da expressão conveniente.
Sobre a expressão, fica pois isto dito, quer no que é co-
mum a todos os géneros, quer no que é particular a cada um
deles. Resta falar acerca da «disposição» 176.
13
AS PARTES DO DISCURSO
São duas as partes do discurso. É forçoso enunciar o as-
sunto de que se trata e depois proceder à sua demonstração.
Por isso, fica sem efeito expor algo sem se proceder à demons-
tração ou demonstrar algo sem se ter previamente exposto o
175 Também designado demonstrativo, correspondente a genus de-
monstratiuum da teorização latina.
176 O termo t£xij corresponde à dispositio da teorização latina, e será
o objecto de análise nos capítulos seguintes.
277
assunto. Pois demonstrar uma coisa implica a existência de algo
a demonstrar; e expor previamente determinado assunto tem
em vista a sua demonstração.
Destas duas partes do discurso, uma é a exposição 177,
outra são as provas, tal como se se fizesse a distinção de que
uma coisa é o problema, outra a sua demonstração. Actual-
mente, há distinções ridículas. Com efeito, a «narração» 178 é
própria apenas do discurso judiciário. De facto, como é então
possível que haja uma narração no epidíctico ou no deli-
berativo como dizem? Ou refutação da parte contrária ou
1414b epílogo nos discursos epidícticos? Por seu turno, o proémio,
o cotejo dos argumentos e a recapitulação ocorrem por vezes
nos discursos deliberativos, quando existe debate de pontos
de vista diferentes, pois, muitas vezes, há acusação e defesa,
mas não no que respeita à deliberação em si. Porém, o epílo-
go nem sequer é necessário em todos os discursos judiciários
(por exemplo, se o discurso é breve ou o assunto fácil de re-
ter na memória), pois sucede que assim se encurta a dimen-
são do discurso.
As partes necessárias são, pois, a exposição e as provas.
Estas são, então, as secções apropriadas; no máximo, digamos
proémio, exposição, provas e epílogo 179. A refutação dos ele-
mentos do oponente pertencem às provas, e a refutação por
comparação é uma amplificação daquelas, de tal forma que
também faz parte das provas. Pois aquele que formula isto
procura a demonstração de algo. Porém, não é o caso nem do
proémio, nem do epílogo, que têm como função apenas
rememorar. Se alguém fizer tais divisões como faziam os discí-
pulos de Teodoro, haverá a considerar como elementos distin-
tos a narração, a epidiegese, a prodiegese 180, a refutação e a
177 Traduzimos assim o termo prÒqesij. Corresponde ao termo lati-
no propositio (Lausberg, 43, 2) e tem como objectivo comunicar aquilo que
se quer provar e demonstrar.
178 Corresponde ao termo di»ghsij (equivalente a narratio na termi-
nologia latina). Vide Lausberg, 43, 2, b.
179 Divisão clássica, já presente em Isócrates, segundo Dioniso de
Halicarnasso (Lys., 16-17). Corresponde na terminologia latina a exordium,
propositio, argumentatio, peroratio ou conclusio (Lausberg, 43).
180 Poder-se-ia traduzir em português por «narração suplementar»
e «narração preliminar», respectivamente.
278
refutação suplementar. Porém, só é necessário aplicar um nome
quando se fala de uma certa espécie e com um traço distintivo.
Se assim não for, torna-se vazio e risível, como Licímnio faz na
sua Arte, adscrevendo designações como «vogar ao vento»,
«divagações» e «ramificações» 181.
14
O PROÉMIO
O proémio é o início do discurso, que corresponde na
poesia ao prólogo e na música de aulo ao prelúdio. Todos eles
são inícios e como que preparações do caminho 182 para o que
se segue.
O prelúdio é, por conseguinte, idêntico ao proémio do
género epidíctico. Na realidade, os tocadores de aulo, ao exe-
cutarem um prelúdio que sejam capazes de tocar bem, ligam-
-no à nota de base do trecho musical a executar 183. Ora, é des-
te modo que é preciso compor os discursos epidícticos: tendo-se
dito abertamente o que se quer, introduzir o tom de base e
conjugá-lo com o assunto principal. Isto é o que todos os ora-
dores fazem. O proémio da Helena de Isócrates constitui um
exemplo. Nele não há nada de comum no que concerne aos
argumentos erísticos e a Helena 184. Ao mesmo tempo, se o
orador se afastar do tema, o resultado é também apropriado,
para que o discurso não seja todo do mesmo tom.
181 Termos de difícil tradução. O primeiro, poÚrwsij, deverá enten-
der-se como «improvisação», ou seja, o desenvolvimento livre de certo ele-
mento. !Apopl£nhsij refere-se propriamente ao acto de divagar. Ozoj tem
a ver com elementos marginais que são adicionados à linha de base do
desenvolvimento enunciativo.
182 Por «preparações do caminho» traduzimos Ðdopohsij.
183 No prelúdio de aulo, a nota final deveria ser idêntica à primeira
do subsequente canto de ditirambo. Era pois a nota que dava o tom, ser-
vindo de ligação entre o prelúdio instrumental e o cântico coral.
184 Efectivamente, as treze primeiras secções têm uma grande inde-
pendência relativamente ao conteúdo do discurso.
279
Os proémios dos discursos epidícticos diz-se que provêm
quer do elogio quer da censura, tal como Górgias, no seu dis-
curso Olímpico, afirma
sois dignos da admiração de muitos homens, ó cidadãos
helenos 185,
pois elogia os fundadores de festivais; Isócrates, por seu lado,
censura-os porque honraram, com recompensas, as excelências do
corpo, mas não ofereceram um prémio para o homem sensato 186.
Podem também provir de um conselho como, por exemplo, que é
necessário honrar os homens de bem, e que é por esta razão que
certo orador louva Aristides; ou então louvar tais homens que são
de reputação nem boa nem má, mas, embora permaneçam desco-
nhecidos são homens de bem, como Alexandre, o filho de Príamo:
é que, na verdade, o orador está a dar conselhos. Além disso,
podem provir de proémios judiciários, isto é, de elementos
1415a concernentes ao auditório, se acaso o discurso é sobre algo con-
trário à opinião comum ou tema difícil ou já discutido por mui-
tos, de tal modo que se deve pedir desculpa. É o caso de Quérilo,
agora, quando tudo foi já distribuído. 187
É, por conseguinte, destes elementos que provêm os proé-
mios dos discursos epidícticos: do louvor, da censura, do conse-
lho, da dissuasão, factores referentes ao auditório. As secções ini-
ciais devem ser ou estranhas ou familiares ao assunto do discurso.
Quanto aos proémios do discurso judiciário, é necessário
aceitar que devem ter o mesmo efeito que os prólogos das pe-
ças teatrais e que os proémios dos poemas épicos. Os proémios
dos ditirambos são semelhantes aos do discurso epidíctico:
por ti e os teus presentes, ou despojos dos inimigos 188.
185 DK 82 B 7.
186 Isócrates, Panegírico, 1-2.
187 .r. 1 Kinkel da Perseida. Quérilo de Samos foi um poeta épico
do século V a. C. No passo de que este hemistíquio faz parte, Quérilo
queixa-se de que os poetas que o precederam tiveram material abundan-
te para tratar e que o esgotaram, ao passo que ele já nada tem a dizer de
novo. Aristóteles interpreta-o como um tópico de indulgência.
188 Timóteo, fr. 18 Page.
280
Nos discursos judiciários e nos poemas épicos, o proémio
proporciona uma amostra do conteúdo do discurso, a fim de
que se conheça previamente sobre o que será o discurso e que
o entendimento do auditório não fique em suspenso. Pois o in-
definido causa dispersão. Aquele que coloca o início como que
nas mãos do auditório, faz que este o acompanhe no discurso.
É esta a razão do seguinte:
Canta, ó deusa, a cólera; fala-me do homem, ó musa 189;
Traz-me um outro tema, como das terras da Ásia veio
para a Europa a ingente guerra. 190
Também os trágicos tornaram manifesto sobre o que ver-
sa a peça, se não imediatamente no prólogo, como Eurípides
faz, pelo menos em algum ponto, como Sófocles,
O meu pai era Pólibo. 191
E o mesmo se passa com a comédia.
A função mais necessária e específica do proémio é, por
conseguinte, pôr em evidência qual a finalidade daquilo sobre
que se desenvolve o discurso; é por isso que, se o assunto for
óbvio e insignificante, não haverá utilidade no proémio.
Os outros tipos de expressão que são usados são «remé-
dios» 192 e comuns a todos os géneros. Diz-se que estes deri-
vam quer do orador, quer do auditório, quer do assunto, quer
do opositor.
As que respeitam ao próprio orador e ao opositor são as
que servem para refutar ou produzir uma «acusação» 193. Po-
rém, não são de termos idênticos: no discurso de defesa, as
respostas ao ataque vêm no início; no de acusação, estas ocor-
rem no epílogo. Não é obscura a razão para tal. Efectivamente,
189 Il., 1.1, e Od., 1.1.
190 Provavelmente o começo da Perseida de Quérilo.
191 Sófocles, OT, 774.
192 O termo em grego é atreÚmata.
193 Por «acusação» traduzimos diabol». É um termo de difícil tradu-
ção em português. Significa propriamente o ataque que tem subjacente
uma intenção do acusador em fazer que as pessoas e os actos da parte
contrária fiquem sob uma auréola de suspeita e desconfiança.
281
o orador que se defende, mal se apresenta diante do tribunal,
tem forçosamente de dissipar os elementos de oposição, de tal
forma que tem de destruir, antes de mais nada, a acusação do
oponente. Para o acusador, porém, é no epílogo que tem de
atacar, para que permaneça melhor na memória do auditório.
Os elementos que se relacionam com o auditório consis-
tem em obter a sua benevolência, suscitar a sua cólera, e, por
vezes, atrair a sua atenção ou o contrário. Na realidade, nem
sempre é conveniente pôr o auditório atento, razão pela qual
muitos oradores tentam levá-lo a rir. Todos estes recursos, se
se quiser, levam a uma boa compreensão e a apresentar o ora-
dor como um homem respeitável, pois a este os auditores pres-
1415b tam mais atenção. São também mais atentos a temas importan-
tes, a coisas que lhes digam respeito, às que os encham de
espanto, às agradáveis. E por isso é que é necessário introduzir
a ideia de que o discurso é acerca de coisas deste género. Po-
rém, se a intenção é a de que os auditores não estejam atentos,
deverá dizer-se que o assunto não é importante, que não lhes
diz respeito, que é penoso.
Por outro lado, é forçoso não esquecer que todas estas coi-
sas são exteriores ao conteúdo do discurso, pois elas destinam-
-se ao ouvinte de pouco valor, que presta ouvidos ao que é
extrínseco ao assunto, visto que, se ele não fosse assim, nem
sequer o proémio seria necessário, a não ser para expor o assun-
to por pontos básicos de forma que o «corpo» tenha «cabeça» 194.
Além disso, suscitar a atenção do auditório é comum, se houver
necessidade, a todas as partes do discurso, pois o auditório
dispersa-se mais em qualquer outro lugar do que no início. Por
isso, é ridículo exigi-la no princípio, justamente quando todos os
ouvintes estão com a maior atenção. De tal forma que, onde quer
que seja oportuno, deve-se dizer algo como «e prestai atenção,
pois isto não diz respeito mais a mim do que a vós», e «eu vou
dizer-vos algo de tão terrível e espantoso como vós jamais
ouvistes». Assim Pródico costumava dizer, quando o auditório
estava a adormecer, lançando-lhes «o das cinquenta dracmas» 195.
Porém, é evidente que isto não é dirigido ao ouvinte na sua
194 Alusão a Platão, .edro, 264c.
195 DK 84 A 12. Cf. Platão, Crátilo, 384d. Refere-se ao facto de Crá-
tilo solicitar essa quantia aos ouvintes para «lhes explicar totalmente» a
natureza dos nomes.
282
qualidade de ouvinte, pois o que todos os oradores procuram
fazer nos proémios é ou acusar ou dissolver o que receiam:
ó rei, direi que não pela pressa, 196
para quê este proémio? 197
E isto fazem os que têm ou parecem ter um assunto difícil,
pois é melhor dissertar sobre todo o resto do que sobre o pró-
prio assunto. É por isso que os escravos não respondem às coi-
sas que se lhes perguntam, mas andam em círculos e exórdios.
De que modo é necessário suscitar benevolência foi já dito,
bem como cada uma das componentes deste tipo. Como foi
correctamente dito,
concede-me entrar na país dos .eaces como amigo e digno
de compaixão 198,
estas são as duas coisas que é forçoso ter em vista.
Nos discursos epidícticos, é necessário fazer o ouvinte
pensar que partilha do elogio, ou ele próprio ou a sua família,
ou o seu modo de vida, ou pelo menos algo deste tipo. Pois é
verdade o que Sócrates afirma no seu discurso fúnebre: que não
é difícil «louvar os Atenienses diante dos Atenienses, mas sim
diante dos Lacedemónios» 199.
Os proémios do discurso deliberativo são baseados nos do
género judiciário, sendo no entanto, por natureza, de muito
pouca importância. Efectivamente, o discurso deliberativo ver-
sa sobre algo de que o auditório tem conhecimento. O assunto
não necessita de proémio, a não ser que este respeite ao ora-
dor ou aos seus opositores, ou que se suspeite de que o assun-
to não é da importância que se quer dar, mas maior ou menor;
por isso, é forçoso ou atacar ou refutar, amplificar ou minimi-
zar o assunto 200. É nestes casos que é necessário um proémio.
Ou então, como motivo de ornamento, uma vez que, se não o
196 Sófocles, Antígona, 223.
197 Eurípides, Ifig. T., 1162.
198 Od., 6.327.
199 Platão, Menón, 235d.
200 Termos aÜxhsij e mewsij. Correspondem respectivamente a am-
plificatio e minutio da terminologia latina (Lausberg, 71 e segs.).
283
1416a tiver, o discurso poderá parecer feito à pressa. Exemplo disto é
o encómio de Górgias aos de Élide, pois, sem previamente ter
preludiado e sem preparação, começa desde logo:
Élide, cidade feliz. 201
15
TÓPICOS DE RE.UTAÇÃO
No que concerne à «acusação» 202, um dos recursos é usa-
rem-se os mesmos elementos com que se pode refutar uma sus-
peita capciosa: na verdade, nenhuma distinção provém do que
se está a dizer, pelo que isto é de aplicação geral.
Um outro tópico, de forma a ir ao encontro de todos os
pontos em questão, é considerar que ou o facto não existe, ou
que não é prejudicial; ou então que não o é para este indiví-
duo, ou não é tão importante; ou não é injusto, ou não é muito;
ou não é vergonhoso, ou não possui tal ordem de grandeza.
Tais são os aspectos que respeitam a uma questão em disputa.
É o caso de Ifícrates em resposta a Nausícrates 203: pois aquele
aceitava que tinha agido como este afirmava e que, assim, pro-
vocara prejuízo, mas que não cometera qualquer acto injusto.
Outro elemento consiste em afirmar que um acto injusto
o foi em retribuição; e, se causou prejuízo, foi, no entanto, belo;
se causou dor, foi, porém, útil; ou outra coisa do mesmo género.
Outro tópico é considerar que o acto foi um erro ou falta
de sorte ou algo forçoso, tal como Sófocles quando afirmava
que ele tremia não pelo que o acusador dizia «para parecer
idoso» , mas por necessidade: é que não era por sua própria
vontade que tinha 80 anos de idade 204. Pode-se também colo-
car um elemento em substituição de outro: que não desejava
causar prejuízo, mas uma coisa diversa, e que não tinha come-
tido aquilo de que o acusavam, mas tinha sido por um acaso
201 Górgias, DK 82 B 10.
202 Cf. supra.
203 Nausícrates foi um discípulo de Ifícrates. Sobre Ifícrates, ver n. 120.
204 Trata-se possivelmente de Sófocles, que foi um dos membros da
Proboule que deteve o poder em Atenas depois de 413 a. C.
284
que o prejuízo se tinha produzido: «é justo que me odieis, se
eu agi de forma que isto tenha acontecido».
Outro recurso utiliza-se se o acusador, no presente ou no
passado, quer ele próprio ou alguém que lhe é próximo, tenha
estado implicado nos factos. Outro ainda é se estão implicados
outros indivíduos que todos concordam que não estão sujeitos à
mesma acusação. Por exemplo, se certo indivíduo é acusado de
ser adúltero porque é muito aperaltado, então outro qualquer sê-
-lo-á certamente. Outro, se o próprio acusador, ou um outro
qualquer, acusou já outros indivíduos, ou fez outros recaírem
sob suspeita sem motivo de acusação, como a que ele agora
move, e estes foram declarados não culpados. Outro consiste em
contra-atacar o acusador: é que seria estranho que, se ele pró-
prio não inspirar confiança, as suas palavras a venham a inspi-
rar. Outro, se já tiver havido uma decisão, como no caso de
Eurípides contra Higiénon, quando foi acusado de impiedade
num processo de antidosis por ter escrito exortando a cometer
perjúrio: «a minha língua jurou, mas não jurou o meu espíri-
to» 205. Efectivamente, Eurípides afirmou que Higiénon cometia
um acto injusto por trazer para os tribunais decisões concernen-
tes às competições dionisíacas; pois aí já respondera ou respon-
deria se ele o quisesse acusar. Outro consiste em acusar com a
própria suspeita, mostrando como é grave, porque suscita juízos
diversos e porque não é persuasiva no assunto em causa 206.
Um tópico comum a ambos os oponentes é pronunciar si- 1416b
nais de reconhecimento, como, por exemplo, Ulisses no
Teucro 207, quando afirma que este é um familiar de Príamo, pois
Hesíone é sua irmã; Teucro responde que seu pai, Télamon, era
inimigo de Príamo e que não o tinha denunciado aos espiões.
Outro recurso para o acusador é elogiar amplamente algo
de pouca monta e censurar sucintamente o de maior importân-
cia; ou, depois de ter exposto muitos aspectos positivos, censu-
rar um ponto específico que é favorável para o assunto em
causa. Tais tópicos são tecnicamente os mais habilidosos e os
mais injustos, pois com eles procura-se causar prejuízo por
meio de elementos bons, misturando-os com o que é mau.
205 Eurípides, Hipólito, 612.
206 O texto é pouco claro.
207 Tragédia perdida de Sófocles.
285
Algo comum ao acusador e ao defensor é o acusador
enfatizar o lado pior, o defensor o melhor, visto que o mesmo
acto pode ter sido feito por motivos diversos. Um exemplo é
quando Diomedes escolheu Ulisses 208: um dirá que escolheu
Ulisses porque o considerava o mais valente, outro não por esta
razão, mas porque, por ser menos valoroso, era o único que
não rivalizaria consigo.
16
A NARRAÇÃO
Isto é o que havia a dizer quanto à acusação. Por seu turno,
a narração 209 nos discursos epidícticos não é contínua, mas sim
articulada em secções, pois é forçoso percorrer os factos de que o
conteúdo do discurso trata. Quanto ao discurso, este é, por um
lado, constituído por uma componente exterior à técnica (visto que
o orador não é responsável pelos factos relatados); por outro, por
uma componente técnica. Esta consiste em demonstrar quer que
a acção se realizou, caso não seja credível, quer que ela foi de
determinada qualidade ou ordem de grandeza, ou tudo isto ao
mesmo tempo. É por esta razão que, por vezes, é conveniente não
narrar tudo de forma seguida, porque este tipo de demonstração
é difícil de reter na memória. A partir de certos factos, um indiví-
duo pode ser apresentado como valoroso, noutras, como sábio ou
justo. Um discurso deste tipo é mais simples, o de outro é
multicolor 210 e complicado. Quanto a factos bem conhecidos, é
necessário apenas recordá-los. Por isso é que muitos discursos
epidícticos nem precisam de narração. É o caso, por exemplo, se
desejares elogiar Aquiles: todos conhecem os seus feitos, o que é
necessário é fazer uso deles. Porém, se se trata de Crícias 211, a
narração é necessária, pois não são muitos os que o conhecem.
Hoje em dia, diz-se de forma ridícula que a narração deve
ser rápida. E, contudo, isto é como aquela do padeiro que per-
208 Cf. Il., 10.242.
209 O termo di»ghsij corresponde à narratio na teorização latina.
210 Ou seja, «confuso».
211 Chefe dos trinta tiranos que governaram Atenas nos finais do
século V a. C.
286
guntava se deveria fazer a massa de consistência dura ou ma-
cia; «o quê», replicou-lhe alguém, «não é possível fazê-la bem?».
E aqui é o mesmo. Efectivamente, é preciso que se componham
narrações não de grandes dimensões, tal como não se devem
elaborar proémios nem provas muito extensas. Pois também aqui
o melhor não é a rapidez ou a concisão, mas sim a justa me-
dida. Isto significa falar tanto quanto aquilo de que o assunto
necessita para ficar claro, ou tanto quanto permita supor que 1417a
algo sucedeu ou que dele resultou algum prejuízo ou injustiça,
ou que os assuntos são da importância que se quer demonstrar;
o adversário, por seu turno, deve contrapor as razões opostas.
Narra tudo quanto chama a atenção para o teu próprio va-
lor: por exemplo, «admoestei-o, expressando sempre coisas justas,
a não abandonar os filhos», ou a maldade do opositor: «respon-
deu-me que, onde quer que ele se encontrasse, poderia ter sem-
pre outros filhos», que é o que Heródoto afirma que os desertores
egípcios respondiam 212; ou então o que for agradável aos juízes.
Para o defensor, a narração pode ser mais breve 213. Na
verdade, os pontos em questão são: ou que os factos não acon-
teceram ou que não redundaram em prejuízo, ou que não são
injustos ou de tamanha importância. De forma que não se deve
perder tempo com o que é aceite por todos, a menos que se
deva estender por questões como, por exemplo, que o acto teve
lugar, mas que não foi injusto. É necessário expor os factos
passados na medida em que suscitam compaixão ou indigna-
ção, se descritos como actuais. Um exemplo é a defesa diante
de Alcínoo, que Ulisses resume a Penélope, em sessenta ver-
sos 214; outro é a forma como .aílo compõe em poema cícli-
co 215, bem como o prólogo de Eneu 216.
É conveniente que a narração incida sobre a componente
«ética» 217. Isto assim resulta se soubermos o que produz a ex-
212 Heródoto, 2.30, alude à deserção dos soldados de Psamético I
que defendiam a fronteira com a Etiópia, que, por não terem sido rendi-
dos em três anos, se passaram para o lado do rei etíope.
213 Quintiliano, 4.2.43.
214 Od., 23.264-284; 310-343.
215 Nada sabemos sobre este poeta.
216 Trata-se de uma peça perdida de Eurípides.
217 À letra, «que a narração seja ética» (di»ghsij ºqik»), ou seja, que
«exprima caracteres». Recorde-se que esta é uma das duas categorias de
narratio (que se opõe à «emocional»).
287
pressão de carácter moral. Um recurso é mostrar a intenção
moral: o carácter corresponde ao tipo de intenção, e a inten-
ção moral, por sua vez, ao tipo de finalidade. É por isto que os
textos matemáticos não expressam caracteres, porque não têm
uma finalidade moral (pois não se constituem com tal finalida-
de); mas os textos socráticos já a têm, pois é sobre tais temas
que eles discorrem.
Outros elementos que exprimem os traços morais são os
que correspondem a cada um dos caracteres. Por exemplo, «ao
mesmo tempo que falava, pôs-se a andar»: isto mostra clara-
mente arrogância e rudeza de carácter. E não devemos falar
com base no raciocínio, como hoje se faz, mas numa intenção:
«eu desejava isto, pois eu tinha esta intenção» e «mas mesmo
que não me tivesse sido proveitoso, era o melhor». A primeira
frase é a de um indivíduo sensato, a outra, de um homem bom;
pois é próprio de um homem sensato perseguir o que é pro-
veitoso, de um homem bom, o que é belo.
Se a intenção moral não resultar credível, então deve-se
acrescentar a causa, como Sófocles faz. Um exemplo está na
Antígona, em que esta se afligia mais com o irmão do que com
marido ou filho, pois estes podem voltar a ter-se, uma vez mortos:
Tendo mãe e pai partido para a morada do Hades
não há irmão que possa jamais nascer. 218
Se não possuíres uma razão, podes dizer que não ignoras
que o que dizes parece inacreditável, mas que tu és assim por
natureza. Pois ninguém acredita que alguém faça voluntaria-
mente algo a não ser em seu interesse próprio.
Além disso, fala de forma a suscitar emoções 219, narran-
do tanto as consequências que os ouvintes conhecem como os
aspectos singulares que correspondem quer a si próprio quer
1417b ao opositor: «olhando-me desdenhosamente, partiu»; ou, por
exemplo, como Ésquines diz sobre Crátilo, que este estava a
assobiar e a bater palmas 220. É que estes elementos são per-
218 Sófocles, Antígona, 911-912.
219 Ou seja, a narratio «emocional» (di»ghsij paqhtik»), que emprega
o recurso à emoções.
220 Ésquines foi um discípulo e companheiro de Sócrates. Crátilo é
referido no diálogo homónimo de Platão.
288
suasivos, pois as coisas que os ouvintes conhecem são sinais 221
que permitem o conhecimento das que não se conhecem. Mui-
tos destes elementos podem extrair-se de Homero:
assim falou, e a velha cobriu o rosto com as mãos 222,
pois, efectivamente, os que começam a chorar cobrem os olhos.
Apresenta-te de imediato, a ti e ao teu opositor, como de certa
personalidade, para que te vejam como tal. Porém, fá-lo
disfarçadamente. Que isto é fácil, observa-o no caso dos men-
sageiros das tragédias. Pois, não sabemos nada acerca do que
vão dizer, mas apesar disso formulamos uma certa suposição.
Deve-se proceder à narração em muitos sítios, se bem que,
por vezes, não no início.
No género deliberativo, a narração é menos importante,
porque ninguém elabora uma narração sobre factos futuros.
Mas se por acaso houver narração, que seja sobre acontecimen-
tos passados de forma que, sendo recordados, se delibere me-
lhor sobre os futuros, quer se critique quer se elogie. Porém, o
orador nesse caso não perfaz a função de um orador do
género deliberativo. Se o facto narrado não for crível, é neces-
sário prometer que as razões serão ditas de imediato, e que
serão tomadas as medidas que mais se desejarem. É o caso de
Jocasta no Édipo de Cárcino, que respondia sempre com pro-
messas a quem indagava em busca do seu filho 223; e o mesmo
se passa com o Hémon 224 de Sófocles.
17
A PROVA E A DEMONSTRAÇÃO
É necessário que as provas sejam demonstrativas. Visto que
os pontos em debate são quatro, é útil formular a demonstração
sobre o ponto que está em questão. Por exemplo, se a questão em
221 Em grego sÚmbola.
222 Od., 19.361.
223 Tragédia perdida de Cárcino (cf. Nauck, p. 789).
224 Personagem da Antígona.
289
causa for relativa à negação da ocorrência de algo, é necessário,
no julgamento, antes de mais, a sua demonstração; e se for que
não causou prejuízo, ou que não foi tão grave ou que foi justa,
ela deve recair sobre estes aspectos; de modo idêntico, se o ponto
em questão for sobre um facto que efectivamente ocorreu. Porém,
devemos não esquecer que apenas no debate sobre este último
ponto é forçoso apresentar o opositor como de mau carácter, pois
a ignorância não é a causa do seu acto, como seria se o que esti-
vesse em questão fosse o justo ou injusto. De tal forma que neste
ponto o orador deve demorar-se, mas não nos outros.
No discurso epidíctico, a amplificação deve ser empregue
para provar que os factos são belos e úteis, pois tais factos têm
de ser dignos de crédito. É por isso que poucas vezes reque-
rem demonstração, a não ser que não sejam dignos de crédito
ou que outro tenha a responsabilidade.
No discurso deliberativo, poder-se-á discutir se o que se
recomenda não terá consequências, ou que ocorrerá, mas que
não será justo nem vantajoso nem de tamanha importância.
É preciso também observar se, exterior ao assunto, se diz algo
de falso, pois isto revelar-se-ia um argumento irrefutável de
que se pronunciam falsidades sobre todo o resto.
1418a Exemplificação é o que é mais apropriado ao discurso de-
liberativo, entimemas ao discurso judiciário. Efectivamente, um
concerne ao futuro, de forma que é forçoso narrar exemplos de
acontecimentos passados; o outro, por seu lado, relaciona-se
com factos que são ou não são, onde é mais necessária a de-
monstração, pois os factos do passado implicam um tipo de ne-
cessidade. É forçoso porém expor os entimemas não de forma
contínua, mas intercalados. Se assim não for, prejudicam-se uns
aos outros, pois há também um limite na quantidade.
Ó amigo, visto que falaste tantas coisas quantas um
homem sabedor diria 225,
«tantas coisas», mas não «quais».
Por outro lado, não procures entimemas sobre tudo. De
outro modo, farás o que alguns filósofos fazem, que formulam
silogismos cujas conclusões são mais conhecidas e mais plausí-
225 Od., 4.204.
290
veis que as premissas das quais as tiram. E também sempre
que suscitares uma emoção, não formules um entimema, pois
o entimema ou quebrará a emoção, ou será dito em vão; é que
movimentos simultâneos chocam uns com os outros, e ou se
anulam ou se tornam fracos. Ao mesmo tempo, não deves pro-
curar entimema algum quando o discurso expressar caracteres
morais. Na verdade, a demonstração não comporta carácter
moral nem intenção 226. Porém, devem-se empregar máximas
quer na narração, quer nas provas, porque exprimem caracte-
res: «pois, eu o dei, embora sabendo que não se deve confiar
em ninguém». Se, porém, for numa modalidade «emocional»:
«e não me arrependo, embora seja eu o prejudicado; é que o
lucro é para a ele, a justiça para mim».
A oratória deliberativa é mais difícil que a judiciária, como
é natural. Porque aquela reporta-se ao futuro, esta ao passado,
ou seja, ao que é já do conhecimento de todos, e até dos adivi-
nhos, como diz Epiménides de Creta 227, pois ele nunca pro-
nunciava oráculos sobre acontecimentos futuros, mas sobre fac-
tos passados que permaneciam porém obscuros. Por outro lado,
a lei é um tema de base nos discursos judiciários; e quando se
possui um princípio básico, é mais fácil encontrar uma demons-
tração. Para mais, o género deliberativo não comporta muitas
«digressões» 228 (como, por exemplo, aquelas contra o opositor
ou acerca de outro indivíduo qualquer, ou com a intenção de
suscitar emoções). Pelo contrário, é a que admite menos, a não
ser que se queira afastar do assunto. Por conseguinte, é neces-
sário desenvolver isto apenas quando embaraçados com falta
de material. Isto é o que os oradores atenienses fazem, e tam-
bém Isócrates. Pois até num contexto de deliberação formula
acusações como, por exemplo, contra os Lacedemónios no Pa-
negírico 229, ou a Cares no Discurso sobre os Aliados 230.
No género epidíctico, é necessário combinar o conteúdo
com episódios laudatórios, como Isócrates, que sempre intro-
duz algum. O que Górgias afirmava, que nunca lhe faltava que
226 Proaresij, em grego.
227 DK 3 B 4. Epiménides de Creta foi um taumaturgo lendário, pos-
sivelmente do século VI a. C.
228 Em grego, diathb».
229 Cf. Panegírico, 110-114.
230 Aristóteles refere-se a De pace, 27.
291
dizer, é análogo. Pois, se estava a falar de Aquiles, elogiava
Peleu, em seguida Éaco, depois a divindade; do mesmo modo,
se discursava sobre a coragem viril, referia que ela produz isto
ou aquilo, ou de tal forma.
Quando se dispõe de elementos demonstrativos 231, deve-
-se discursar de modo que se expresse o carácter e resulte de-
monstrativo. Porém, se não tiveres entimemas, concentra-te na
componente «ética». E é mais ajustado para um homem de bem
1418b parecer virtuoso do que rigoroso no discurso. Os entimemas
refutativos são mais prezados do que os demonstrativos, por-
que os concernentes à refutação mais claramente põem em
evidência o silogismo. Pois os contrários são mais facilmente
reconhecíveis quando colocados frente a frente.
Os elementos contra a argumentação do oponente não
representam uma espécie diferente, mas pertencem às provas
que refutam quer por meio de uma objecção, quer por silo-
gismo. Seja em situação deliberativa, seja judiciária, o primeiro
a discursar deve pronunciar primeiramente as provas pró-
prias, e em seguida refutar as do oponente, destruindo-as e des-
pedaçando-as. Mas se o discurso adversário for múltiplo, deve
atacar primeiro os argumentos opostos. Assim fez Calístrato na
assembleia dos Messénios: pois, destruindo antecipadamente o
que eles iriam dizer, expôs então os seus argumentos. Porém,
se se for o último a falar, deve-se falar primeiramente contra o
discurso adversário, refutando e opondo silogismos, sobretudo
se o que tiver sido dito tiver tido bom acolhimento. Pois tal
como o espírito não é receptivo a um homem que foi anterior-
mente censurado, do mesmo modo não o é para um discurso,
se o adversário parece ter falado bem. Deve-se, portanto, criar
espaço no espírito do ouvinte para o discurso que seguirá.
Assim será, se tiveres destruído os argumentos contrários. Por
conseguinte, depois de se combater seja contra todos os argu-
mentos, seja contra os mais importantes, seja contra os que
foram mais bem acolhidos, seja ainda contra os mais facilmen-
te refutáveis, as provas próprias hão-de resultar convincentes.
Primeiramente, das deusas serei aliada; pois, eu, [não
penso que] Hera 232
231 Apodexij, em grego.
232 Eurípides, Troades, 969 e 971.
292
Nestas palavras, tocou em primeiro lugar os argumentos
mais simples.
Isto é o que há a dizer no que diz respeito às provas. Re-
lativamente à expressão de carácter moral, uma vez que di-
zer algo acerca de si próprio pode tornar-se quer odioso, quer
prolixo, quer contraditório, assim como, acerca de outrem, in-
jurioso ou grosseiro, é preciso colocar outra pessoa a dizer tais
coisas. Isto é o que Isócrates formula no .ilipe, e na Anti-
dosis 233, e bem assim Arquíloco, nas suas invectivas. Pois,
este último coloca o pai a falar acerca da filha, em certo verso
jâmbico:
Com dinheiro, não há nada de inesperado nem que se
possa jurar ser impossível 234
e o carpinteiro Caronte, no poema jâmbico cujo início é
Não quero as riquezas de Giges 235.
Também assim procede Sófocles, colocando Hémon a
defender Antígona contra o pai, como se fossem palavras de
outro 236.
Algumas vezes, é necessário modificar entimemas e fazê-
-los «máximas» 237. Por exemplo, «é preciso que o ser racio-
nal, quando a fortuna lhe sorri, faça a paz, pois assim obtém
maior ganho» 238. Em entimema, teríamos: «pois, se é preciso
fazer a paz sempre que tais mudanças forem as mais lucrati-
vas e mais vantajosas, é forçoso, quando a fortuna é favorá-
vel, fazer a paz».
233 Cf. Philip., 4-7, e Antidosis, 132-139 e 141-149.
234 Arquíloco, fr. 74.1 Bergk.
235 Arquíloco, fr. 25.1 Bergk.
236 Sófocles, Antígona, 683-709.
237 Traduzimos gnîmai.
238 Cf. Isócrates, Archid., 51.
293
18
A INTERROGAÇÃO
1419a No respeitante à interrogação, é oportuno formulá-la so-
bretudo quando, depois de o oponente responder a uma de
duas perguntas, se se formula então a outra pergunta, resulta
uma resposta absurda. Por exemplo, quando Péricles questio-
nou Lâmpon 239 sobre a iniciação aos mistérios da Salvadora,
respondendo-lhe este que não era permitido a um não-iniciado
tais coisas ouvir, perguntou-lhe se ele próprio deles tinha co-
nhecimento. Declarando que sim, «mas como», perguntou Pé-
ricles, «se não és iniciado»?
Um segundo caso é quando, das duas respostas, uma é
evidente e quanto à outra é óbvio que o oponente com ela con-
cordará quando se formula a pergunta. E obtendo a admissão
desta premissa, não se deve interrogar o que é evidente, mas
estabelecer a conclusão. Por exemplo, quando Meleto acusou
Sócrates de não acreditar nos deuses, aceitando porém que este
reconhecia um certo daemon, Sócrates perguntou se os daemones
não seriam filhos dos deuses, ou algo divino; concordando ele,
respondeu Sócrates: «porventura, há alguém que pense que
existem filhos de deuses, mas não deuses?» 240
Outra situação é aquela em que se procura mostrar que o
orador adversário produz elementos contraditórios ou fora do
senso comum. Uma quarta circunstância é quando não é pos-
sível àquele que deve responder refutar a argumentação adver-
sária a não ser de forma sofística: pois, se responde dizendo
que é mas não é, ou que umas vezes sim, outras não, ou que
por um lado sim, por outro não, os assistentes fazem uma
pateada por o orador não encontrar saída.
Em circunstâncias distintas destas, não lances mão de tal
recurso. Pois, se o adversário te levantar uma objecção, pa-
recerá que foste vencido: é que não é pertinente colocar mui-
tas interrogações, devido à fraqueza do auditório. É por isso
também que é necessário condensar o mais possível os en-
timemas.
239 Um dos três adivinhos ao serviço da cidade de Atenas, contem-
porâneo de Péricles.
240 Cf. Platão, Apologia, 27b-d.
294
Por seu turno, é preciso que as perguntas ambíguas sejam
respondidas não de forma concisa, mas com recurso a definição
precisa no discurso. Às que parecem conter elementos contradi-
tórios, convém responder de imediato, introduzindo a refutação
antes que o oponente formule a pergunta seguinte ou que con-
clua o silogismo; de facto, não é difícil antever em que é que
radica o seu discurso. Isto é para nós claro a partir do que ficou
exposto nos Tópicos, e bem assim as formas de o refutar. E, con-
cluindo, se se formula a pergunta em forma de conclusão, há
que dizer a razão. Por exemplo, questionado por Pisandro se lhe
parecia bem, como aos restantes probulos 241, o estabelecimento
dos Quatrocentos, Sófocles aquiesceu, «Porquê?» disse aquele,
«estes acontecimentos não te parecem peníveis?»; este de novo
aquiesceu. «Por conseguinte, tu fizeste uma má acção?» «Sim»,
retorquiu, «não havia outras melhores».
É também o caso do Lacedemónio que prestava contas da
eforia. Questionado se lhe parecia bem que os companheiros
tivessem sido justiciados, ele admitiu que sim. «Pois tu não ti-
veste um comportamento igual ao deles?» Ele também admitiu
que sim. «Então, seria também justo se fosses executado?» «De
modo algum», replicou. «Aqueles aceitaram dinheiro para as-
sim agirem; eu não, procedi segundo a minha consciência.» Por
conseguinte, é conveniente não formular perguntas após uma 1419b
conclusão, nem fazer a pergunta como conclusão, a não ser que
a verdade seja muito saliente.
Relativamente ao «ridículo» 242, uma vez que parece ter
alguma utilidade nos debates (Górgias afirmava, com razão,
que é necessário desfazer a seriedade dos oponentes com iro-
nia e a ironia com seriedade 243), já foi tratado na Poética 244
quantas são as suas espécies, das quais umas são apropriadas
ao carácter do homem livre, outras não, de modo que o orador
241 Os probulos eram dez cidadãos, com algum poder executivo,
nomeados em Atenas depois de 413 a. C. Entre eles, contava-se Sófocles
possivelmente o tragediógrafo. Em 411, fizeram parte de uma comissão
formada parar redigir uma constituição; isto levou à revolução dos Qua-
trocentos.
242 TÕ geloon, em grego.
243 Deverá pertencer a uma Ars, de Górgias, perdida.
244 Referência à parte perdida da Poética que versava sobre a co-
média.
295
poderá tirar delas a que lhe for mais apropriada. A ironia é
mais adequada a um homem livre que o escárnio. O que em-
prega ironia fá-lo para se rir dele próprio, o trocista, para es-
cárnio dos outros.
19
O EPÍLOGO
O epílogo é composto por quatro elementos: tornar o ou-
vinte favorável para a causa do orador e desfavorável para a do
adversário; amplificar ou minimizar; dispor o ouvinte para um
comportamento emocional; recapitular. Após ter-se mostrado
que se diz a verdade e o adversário falsidades, faça-se um elogio
ou uma censura, e finalmente sublinhe-se 245 de novo o assunto.
É necessário, pois, visar uma de duas coisas: uma, reve-
lar-se como homem de bem quer diante dos ouvintes, quer em
termos gerais; outra, apresentar o adversário como perverso,
quer diante dos ouvintes, quer em termos gerais. A partir de
que elementos é necessário preparar isto, já foram expostos os
tópicos a partir dos quais é forçoso apresentar os outros como
virtuosos ou como vis.
Em seguida, vem a amplificação ou a minimização do que
foi demonstrado, segundo a sua natureza. Pois é necessário que
haja acordo quanto aos factos, se se tenciona referir a sua or-
dem de grandeza. Efectivamente, também o crescimento dos
corpos provém de elementos preexistentes. A partir de que ele-
mentos é necessário amplificar ou minimizar estes tópicos, tam-
bém já ficou anteriormente exposto.
Depois, estando em evidência tanto as qualidades como as
dimensões dos factos, convém provocar no ouvinte comporta-
mentos emocionais. Estes são: a compaixão, a indignação, a ira,
o ódio, a inveja, a rivalidade, o sentimento de discórdia. Os
tópicos respectivos já foram atrás mencionados, de forma que
resta recordar o que foi dito. Isto é ajustado fazer aqui e não
nos proémios, como alguns dizem incorrectamente 246. Pois,
245 À letra, «martelar»; para a expressão, ver Aristófanes, Nuvens, 22.
246 Discordamos da conjectura de Ussing, aceite por Ross (cf. Racio-
nero ad loc.).
296
para que a apreensão das ideias seja efectiva, prescrevem que
se proceda a muitas repetições. Por conseguinte, no proémio,
convém expor o assunto para que não passe despercebido acer-
ca do que está em causa; no epílogo, bastam os pontos princi-
pais do que foi demonstrado. O início do epílogo, por isso,
enuncia que se cumpriu o que se prometera, de tal forma que
se há-de expor o que foi tratado e porquê. Além disso, fala-se
a partir da comparação com os argumentos do adversário.
Convém comparar quantas coisas foram ditas sobre um mes-
mo assunto, quer contrapondo-as («mas este disse tais coisas
acerca disto, eu isto, por tais razões») quer lançando mão da 1420a
ironia (como «pois este disse isto, eu isto», e «que faria se de-
monstrasse tais coisas, mas não aqueloutras»), quer da interro-
gação («que foi demonstrado?» ou «o que é que este demons-
trou?»). Pode-se, pois, concluir deste modo por comparação, ou
segundo a ordem natural dos argumentos, tal como se disse, e
depois, se se quiser, tratar separadamente os do discurso ad-
versário.
Como conclusão, é ajustada a expressão assindética, para
que seja realmente epílogo e não discurso.
Disse, ouvistes, tendes os factos, julgai! 247
247 Provavelmente a conclusão de Lísias, Contra Eratóstenes.
297
ÍNDICES
ÍNDICE DE TERMOS TÉCNICOS
¢gwnistikÒj 1.5, p. 112 ................................ Agonístico
¢kribologa 1.5, p. 112 ............................... Minúcia
¢naloga 3.2, p. 246; 3.7, p. 257 ............... Analogia
¢ntikeimnh lxij 3.9, p. 263 ...................... Discurso antitético
¢pÒdeixij 3.17, pp. 289, 292 ........................ Demonstração
¢popl£nhsij 3.13, p. 279 ............................ Divagação
¡rmona 3.1, p. 242 ...................................... Harmonia
¢rc» ation 1.7, p. 118 ............................ Princípio causa
¢steon 3.10, p. 265 ..................................... Elegância
¥tecnoi 1.2; 15.1, p. 96 ................................ Inartísticas, não técnicas
aÜxhsij 1.9, p. 129 ....................................... Amplificação
¢fek»j 3.9, p. 262 ........................................ Simples
geloon 3.18, p. 295 ...................................... Ridículo, risível
glîtta 3.3, p. 250 ........................................ Glosa
gnèmh 2.21, p. 208 ........................................ Máxima
grafik¾ lxij 3.12, p. 275 .......................... Expressão escrita
degma 3.14, p. 284 ....................................... Exemplo
deiktik¦ nqm»mata 2.22, p. 213 ................ Entimemas demonstrativos
dexij 3-7, p. 258 .......................................... Exposição enunciativa
denwsij 2.24, p. 231 .................................... Exagero
dhmhgorik¾ lxij 1.3, p. 104; 3.11, p. 276 Género deliberativo
diabol» 1.1, p. 90; 3.14, p. 281 .................. Acusação, inculpação
diaresij 2.23, p. 220 ................................... Divisão
dialektik» 1.1, p. 89 .................................... Dialéctica
di£noia 3.10, p. 266 ...................................... Compreensão, significado
diatrib» 3.17, p. 291 .................................... Digressão
di»ghsij 3.13, p. 278 .................................... Narração
dihrhmnh lxij 3.9, p. 263 ......................... Discurso segmentado
dikanik¾ lxij 1.3, p. 104; 3.11, p. 276 ..... Género judicial
gkèmion 1.9, p. 128 ..................................... Encómio
301
llhnzein 3.5, p. 253 .................................. .alar correctamente
e kÒj 1.2, p. 100 ............................................ Probabilidade
e kèn 3.4, p. 252 ........................................... Símile, imagem
e romnh lxij 3.9, p. 261 ............................ Enunciado contínuo
nrgeia 3.11, p. 266 .................................... Acção, acto
nqÚmhma 1.2., p. 98; 2.22, p. 213 .............. Entimema
gkèmion 1.9, p. 127 ..................................... Encómio, elogio
legktikÒj nqÚmhma 2.22, p. 215 .............. Entimema refutativo
ntasij 2.25, p. 234 ...................................... Objecção
ntecnoi tsteij 1.2, p. 96 ........................... Provas técnicas, artísticas
xij 2.12, p. 193 ............................................ Hábito, maneira de ser
painoj 1.9, p. 127 ....................................... Elogio
peisÒdion 3.17, p. 291 ................................. Episódio
peisodioàn 3.17, p. 291 ............................... Introduzir a um peisÒdion
pexelgcoj 3.13, p. 279 .............................. Refutação suplementar
pieik»j 1.13, p. 146 .................................... Equitativo
pideiktikÕj lxij 1.3, p. 104; 3.12, p. 277 Estilo demonstrativo
pidi»ghsij 3.13, p. 278 ............................... Epidiegese
pqeton 3.2, p. 249 ...................................... Epíteto
plogoj 3.19, p. 296 ................................... Epílogo
pist»mh 1.1, p. 89 ....................................... Conhecimento
poikodomen 1.7, p. 121 ............................... Acumulação
rèthsij 3.18, p. 294 ................................... Interrogação
ºqik¾ lxij 3.7, p. 258 ................................. Discurso de género ético
Ãqoj 1.2.3, p. 96; 2.12, p. 193 ..................... Carácter
atreÚmata 3.14, p. 281 ............................... Remédios
dia ÑnÒmata 3.5, p. 254 .............................. Termos específicos
katestrammnh kxij 3.9, p. 261 ................ Enunciado periódico
koino tÒpoi 2.18, p. 201 ............................. Tópicos
kÚrioj 3.2, p. 245 ......................................... Soberano, senhor, válido
kîlon 3.9, p. 262 .......................................... Membro, colo
lxij 3.1, p. 241 ............................................ Expressão enunciativa, enuncia-
do, estilo
lektikÒj 3.8, p. 260 ...................................... Coloquial
lÒgoj 1.2, p. 97 ............................................. Discurso
malakÒj 1.10, p. 131; 2.17.4-22.10 ............. Efeminado
mgeqoj 1.5, p. 110 ....................................... Estatura
meioàn 3.14, p. 283 ....................................... Minimizar, reduzir
metaqor£ 3.10, p. 265 ................................... Metáfora
mtron 3.1, p. 242 ......................................... Ritmo
xenik¾ lxij 3.2, p. 245 ............................... Linguagem não familiar
Ôgkoj 3.6, p. 256 ........................................... Solenidade
o kea ÑnÒmata 3.2, p. 246 .......................... Termos apropriados
omwnumia 2.24, p. 229; 3.2, p. 246 ............. Homonímia
paqhtik¾ 3.7, p. 257 ..................................... Discurso do género emocional
302
p£qoj 1.2, p. 97; 2.8, 16 .............................. Paixão, emoção, sofrimento
parabol» 2.20, p. 206 .................................. Parábola
par£deigma 1.2, p. 101; 2.20, p. 206 .......... Exemplo
par£doxon 2.21, p. 209 ................................. Paradoxo, contrário à expecta-
tiva comum
par£logoj 1.13, p. 147 ................................ Inesperado
paralogismÒj 1.9, p. 127; 3.7, p. 257 ........ Paralogismo, argumento fala-
cioso
paralogistikÒj 1.9, p. 127 .......................... .alacioso
parswsij 3.9, p. 264 ................................... Parisose, isocolo
paromowsij 3.9, p. 264 ............................... Paromeose
periconta ÑnÒmata 3.5, p. 254 .................. Termos gerais
perodoj 3.9, p. 261 ...................................... Período
peripteia 1.11, p. 137 ................................. Aventura, mudança súbita de
fortuna
pstij 1.1, p. 92; 1.2, p. 96 ......................... Prova, prova de persuasão, pro-
va de fidelidade
proaresij 3.17, p. 291 ................................ Intenção
proodi»ghsij 3.13, p. 278 ............................. Prodiegese
prÕ Ñmm£twn poien 3.11, p. 269 ................ Dispor diante dos olhos
prÒqesij 3.13, p. 278 .................................... Exposição
proomion 3.14, p. 279 .................................. Proémio
prpon 3.2, p. 244 ......................................... Conveniente, adequado
prÒtasij 1.3, p. 105; 2.1, p. 159 ................ Premissa
prîsij 1.7, p. 120 ......................................... Declinação, flexão
r` htorik» (ver dialektik») 1.1, p. 89 .......... Retórica
r` uqmÒj 3.1, p. 242; 3.8, p. 259 .................... Ritmo
saf¾ 3.2, p. 244 ........................................... Clareza de estilo
shmeon 1.2, p. 100 ....................................... Sinal, argumento provável
soloikzein 3.5, p. 255 ................................. .ormular solecismos
stoiceon 2.22, p. 215 ................................... Elemento
sÚmbokon 3.16, p. 289 .................................. Sinal que permite o conheci-
mento
sun£gein 1.2, p. 99 ....................................... .ormar silogismos, concluir
sÚndesmoj 3.5, p. 253 ................................... Partícula coordenativa
sunstrammmwj 2.24, p. 229 ........................ De forma concisa
suntomna 3.6, p. 256 ................................... Concisão
sÚstoika 1.7, p. 120 ..................................... Coordenações, conjugações de
termos
scetkiasmÒj 2.21, p. 211 ............................. Lamentação
scÁma 2.24, p. 229; 3.8, p. 259 .................. .orma de expressão
t£xij 3.13, p. 277 ......................................... Disposição
tapein¾ lxij 3.2, p. 244 ............................. Género humilde
tekm»rion 1.3, p. 105 .................................... Prova irrefutável
tcnh 1.1, p. 90 ............................................. Arte, conjunto de regras
303
tcnologen 1.1, p. 90 .................................. Descrever como arte, reduzir a
um sistema
tÒpoi cf. koino tÒpoi ................................... Tópicos, lugares
ØpÒkrisij 3.1, p. 242 .................................... Pronunciação
yucrÒj 3.3, p. 249 ........................................ Esterilidade (no estilo)
304
ÍNDICE ONOMÁSTICO
Acrópole, 226 Aristofonte, 219
Afrodite, 228, 274 Aristogíton, 130, 220, 231
Agamémnon, 274 Arquelau, 220
Ágaton, 204, 233 Arquíbio, 151
Aglaia, 276 Arquidamo, 252
Agros, 121 Arquíloco, 221, 293
Ájax, 189 Árquitas, 270
Alceu, 126 Atena, 115, 274
Alcibíades, 199 Atenas, 221
Alcidamante, 144, 221, 250-251 Atenienses, 150, 168, 181, 214, 221,
Alcínoo, 287
Alexandre, 115, 218, 222, 233, 280 267, 271, 283
Amasis, 186 Ática, 219, 268
Anásqueto, 272 Atos, 263
Anaxágoras, 221 Áutocles, 222
Anaxândrides, 267, 272, 276 Beócios, 252
Andrócion, 252 Bias, 196
Androcles, 225 Bríson, 248
Anfiarau, 194 Cábrias, 118, 268
Antifonte, 165, 182, 225 Cálias, 99, 173, 247
Antígona, 144, 149, 293 Cálidon, 262
Antímaco, 256 Calíope, 247
Antístenes, 253 Calipo, 142, 223, 225
Aqueus, 232 Calístenes, 168
Aquiles, 105, 115, 162, 169, 214-215, Calístrato, 118, 147, 292
Cão celeste, 230
218, 232, 252, 286, 292 Cárcino, 227, 289
Areópago, 91 Cares, 151, 267-268, 291
Ares, 273 Caridemo, 224
Aristides, 220, 280 Caronte, 293
Aristipo, 222 Cárpatos, 274
Aristófanes, 249 Cauno, 234
305
Cefisódoto, 253, 267-268 Esíon, 268
Cicno, 215 Esopo, 207
Cídias, 181 Espeusipo, 267
Címon, 199 Ésquines, 288
Cleofonte, 150, 257 Estesícoro, 207, 210, 271
Cléon, 161, 254, 259 Estílbon, 221
Colunas de Hércules, 191 Estrábax, 224
Cónon, 222, 228 Eubeia, 267
Córax, 233 Eubulo, 151
Coríntios, 115 Euctémon, 148
Crátilo, 288 Eurípides, 181, 228, 245, 247, 281, 285
Creonte, 149 Europa, 281
Creso, 254 Eutidemo, 230
Crícias, 151, 286 Eutino, 204
Dario, 206 Êuxeno, 252
Delfos, 222 Evágoras, 222
Delos, 260 .aílo, 287
Demades, 232 .álaris, 207
Demócrates, 253 .eaces, 283
Demócrito de Quios, 263 .ilámon, 273-274
Demóstenes, 218, 232, 252 .ilémon, 276
Diógenes, o Cínico, 268 .ilipe, 219
Diomedes, 215, 225, 286 .ilócrates, 168
Diomedonte, 217 .iloctetes, 273
Díon, 142 Gélon, 143
Dionísio Calco, 247 Giges, 293
Dionísio, 102, 182, 199, 231 Gláucon de Teo, 242
Dioniso, 247, 253 Górgias, 243, 250-251, 259, 280, 284,
Diopites, 185
Dodona, 221 291, 295
Dorieu, 100 Grécia, 206, 267
Drácon, 228 Gregos, 214, 219, 229, 269
Éaco, 292 Hades, 288
Egina, 267 Hális, 254
Eginetas, 214 Harmódio, 130, 219-220, 231
Egipto, 206 Hegesípolis, 222
Eleatas, 227 Heitor, 169, 215, 218
Élide, 284 Hélade, 225, 268
Empédocles, 144, 254 Helena, 115, 222, 233, 279
Enesidemo, 143 Helesponto, 263
Eniálio, 211 Hémon, 289, 293
Epicarmo, 121, 210 Hera, 292
Epidauro, 267 Heraclidas, 214
Epiménides de Creta, 291 Heraclito, 255
Ergófilo, 168 Hermes, 230
Heródico, 111, 228
306
Heródoto, 287 Mísia, 247
Hesíone, 285 Mitilene, 221
Hierão, 199 Mixidémides, 222
Higiénon, 285 Monte Ida, 232
Hímera, 207 Nausícrates, 284
Hiparco, 231 Nicanor, 218
Hípias, 99 Nicérato, 273
Hipóloco, 129 Nícon, 271
Homero, 115, 135, 150, 169, 221, Nireu, 276
Odisseu, 115
270, 276, 289 Olímpia, 100, 222
Idrieu, 252 Olímpios, 230
Ifícrates, 208, 219, 223, 247, 267, 284 Pã, 230
Ílion, 115, 215 Palamedes, 276
Isménias, 221 Pânfilo, 225
Isócrates, 130, 204, 222, 224, 259, Paros, 221
Pátroclo, 105, 218
272, 279, 291, 293 Peleu, 292
Italiotas, 221 Peloponeso, 262
Jasão, 143, 227 Pélops, 262
Jocasta, 289 Penélope, 287
Lacedemónios, 214, 221, 266, 283, Penteu, 228
Pepareto, 221
291, 295 Periandro de Corinto, 150
Lâmpon, 294 Péricles, 121, 199, 252, 266-267, 294
Lâmpsaco, 221 Pérsia, 206
Leódamas, 118, 226 Píndaro, 230
Léptines, 266 Pireu, 230, 267
Leucótea, 227 Pisandro, 295
Liceu, 183 Pisístrato, 102
Lícia, 260 Pítaco, 194
Licímnio, 248, 275, 279 Pitágoras, 221
Lícofron, 250, 264 Piteu, 225
Licoleonte, 268 Pitolau, 264, 267
Licurgo, 221 Platão, 151, 222, 252
Lócrios, 210 Plexipo, 165
Macedónia, 219 Pólibo, 281
Mantias, 221 Polícrates, 231
Maratona, 267 Polieucto, 267
Medeia, 227 Polifemo, 169
Mégara, 102 Polo, 228
Melanípides, 263 Potideianos, 214
Melanopo, 147 Prácis, 273
Meléagro, 212, 165 Príamo, 114-115, 280, 285
Meleto, 294 Pródico, 282
Mérocles, 267
Messénios, 292
Milcíades, 267
307
Protágoras, 234, 255 Teágenes, 102
Querémon, 228, 275 Tebanos, 219
Quérilo, 280 Tebas, 218, 221
Quílon, 195, 221 Tegeia, 121
Quios, 221 Télamon, 189, 285
Radamanto, 276 Télefo, 247
Safo, 126, 221-222 Temístocles, 151
Salamina, 150, 214, 268 Ténedos, 150, 232
Samos, 181, 207, 252 Teodamante, 252
Sesto, 267 Teodectes, 217, 223-226, 231
Sicília, 268 Teodoro, 227, 245, 271, 278
Sigeus, 150 Teseu, 115, 222, 250
Sime, 276 Tessalisco, 221
Simónides, 115, 128, 199, 249 Teucro, 219, 285
Siracusanos, 181 Teumeso, 256
Síron, 250 Trasibulo, 226, 228, 231
Sísifo, 270 Trasímaco, 228, 243, 260, 273
Sócrates, 99, 101, 127, 173, 220, 222, Ulisses, 169, 225-226, 285-287
Xenófanes, 154-155, 224, 227
283, 294 Xerxes, 206, 250
Sófocles, 144, 148-149, 227, 262, 281, Zenão, 140
Zeus, 163, 189, 260
284, 288-289, 295
Sólon, 151, 221
308
ÍNDICE GERAL
Prefácio,
por MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR .................................................... 9
INTRODUÇÃO:
1. Origem da retórica e formação do sistema retórico ........... 15
2. Natureza e finalidade da retórica .......................................... 21
3. Conflito entre a retórica e a filosofia ..................................... 25
4. A Retórica de Aristóteles .......................................................... 33
5. Plano e conteúdo da Retórica .................................................. 36
Livro I Provas ou meios de persuasão: prova lógica 36
Livro II Provas ou meios de persuasão: emoção e
carácter .......................................................................... 41
Livro III Estilo e composição do discurso .................. 45
6. A retórica peripatética .............................................................. 50
7. A tradução da Retórica .............................................................. 62
Bibliografia:
A. .ontes primárias ........................................................................ 65
B. .ontes secundárias .................................................................... 67
RETÓRICA
LIVRO I
01. A natureza da retórica ...................................................................... 89
02. Definição da retórica e sua estrutura lógica ................................ 95
309
03. Os três géneros de retórica: deliberativo, judicial e epidíctico 104
04. O género deliberativo ....................................................................... 106
05. A felicidade, fim da deliberação ..................................................... 109
06. O objectivo da deliberação: o bom e o conveniente .................. 113
07. Graus do bom e do conveniente .................................................... 116
08. Sobre as formas de governo ............................................................ 122
09. A retórica epidíctica .......................................................................... 124
10. Retórica judicial: a injustiça e suas causas ................................... 130
11. O prazer como matéria de oratória judicial ................................. 133
12. Agentes e vítimas de injustiça ........................................................ 139
12.1. Características dos que cometem a injustiça ................... 139
12.2. Características dos que sofrem a injustiça ....................... 141
13. Critérios de justiça e de injustiça ................................................... 144
14. Critérios sobre a gravidade dos delitos ........................................ 147
15. Provas não técnicas na retórica judicial ........................................ 149
LIVRO II
01. A emoção ............................................................................................. 159
02. A ira ...................................................................................................... 161
03. A calma ................................................................................................ 166
04. A amizade e a inimizade ................................................................. 170
05. O temor e a confiança ...................................................................... 174
06. A vergonha e a desvergonha .......................................................... 177
07. A amabilidade .................................................................................... 183
08. A piedade ............................................................................................ 184
09. A indignação ....................................................................................... 187
10. A inveja ................................................................................................ 190
11. A emulação ......................................................................................... 192
12. O carácter do jovem .......................................................................... 193
13. O carácter do idoso ........................................................................... 195
14. O carácter dos que estão no auge da vida .................................. 197
15. Carácter e fortuna: o carácter dos nobres .................................... 198
16. O carácter dos ricos ........................................................................... 199
17. O carácter dos poderosos ................................................................. 200
18. Estrutura lógica do raciocínio retórico: função dos tópicos co-
18. muns a todas as espécies de retórica ............................................ 201
19. .unção dos tópicos comuns a todas as espécies de retórica ...... 203
20. Argumento pelo exemplo ................................................................. 206
21. Uso de máximas na argumentação ................................................ 208
22. O uso de entimemas ......................................................................... 213
23. O uso de entimemas: os tópicos ..................................................... 216
24. O uso de entimemas aparentes ....................................................... 229
25. O uso de entimemas: a refutação ................................................... 234
26. Conclusão dos dois primeiros livros ............................................. 237
310
LIVRO III
01. Introdução ........................................................................................... 241
02. Qualidades do enunciado. A clareza ............................................. 244
03. A estirilidade do estilo ..................................................................... 249
04. O uso dos símiles .............................................................................. 252
05. A correcção gramatical ..................................................................... 253
06. A solenidade da expressão enunciativa ........................................ 256
07. Adequação do estilo ao assunto ..................................................... 257
08. O ritmo ................................................................................................. 259
09. A construção da frase: o estilo periódico ..................................... 261
10. A metáfora ........................................................................................... 265
11. A elegância retórica ........................................................................... 269
12. A expressão adequada a cada género ........................................... 275
13. As partes do discurso ....................................................................... 277
14. O proémio ........................................................................................... 279
15. Tópicos de refutação ......................................................................... 284
16. A narração ........................................................................................... 286
17. A prova e a demonstração ............................................................... 289
18. A interrogação .................................................................................... 294
19. O epílogo ............................................................................................. 296
ÍNDICES
Índice de termos técnicos ........................................................................ 301
Índice onomástico ..................................................................................... 305
311
COLABORADORES
I. Coordenador
António Pedro Mesquita (Centro de .ilosofia da Universidade de Lis-
boa).
II. Investigadores
Abel do Nascimento Pena, Doutor em .ilologia Clássica, professor
auxiliar do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da
Universidade de Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássicos da Uni-
versidade de Lisboa.
Adriana Nogueira, Doutora em .ilologia Clássica, professora auxiliar do
Departamento de Letras Clássicas e Modernas da .aculdade de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade do Algarve e investigadora do Centro de
Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa.
Ana Alexandra Alves de Sousa, Doutora em .ilologia Clássica, profes-
sora auxiliar do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras
da Universidade de Lisboa e investigadora do Centro de Estudos Clássicos
da Universidade de Lisboa.
Ana Maria Lóio, licenciada em Estudos Clássicos pela Universidade de
Lisboa.
António Campelo Amaral, Mestre em .ilosofia, assistente do Depar-
tamento de .ilosofia da .aculdade de Ciências Humanas da Universidade
Católica Portuguesa.
António Manuel Martins, Doutor em .ilosofia, professor catedrático do
Instituto de Estudos .ilosóficos da .aculdade de Letras da Universidade de
Coimbra e director do Centro de Linguagem, Interpretação e .ilosofia da
Universidade de Coimbra.
António Manuel Rebelo, Doutor em .ilologia Clássica, professor asso-
ciado do Instituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universi-
dade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Clássicos e Huma-
nísticos da Universidade de Coimbra.
António Pedro Mesquita, Doutor em .ilosofia, professor auxiliar do De-
partamento de .ilosofia da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa e
investigador do Centro de .ilosofia da Universidade de Lisboa.
Carlos Silva, licenciado em .ilosofia, professor associado convidado do
Departamento de .ilosofia da .aculdade de Ciências Humanas da Universi-
dade Católica Portuguesa.
Carmen Soares, Doutora em .ilologia Clássica, professora associada do
Instituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universidade de
Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da
Universidade de Coimbra.
Delfim Leão, Doutor em .ilologia Clássica, professor associado do Ins-
tituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universidade de
Coimbra e investigador do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da
Universidade de Coimbra.
.rancisco Chorão, Mestre em .ilosofia, investigador do Centro de .ilo-
sofia da Universidade de Lisboa.
Hiteshkumar Parmar, licenciado em Estudos Clássicos pela Universi-
dade de Lisboa.
José Pedro Serra, Doutor em .ilologia Clássica, professor auxiliar do De-
partamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universidade de
Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássicos da Universidade de
Lisboa.
José Segurado e Campos, Doutor em .ilologia Clássica, professor cate-
drático jubilado do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Le-
tras da Universidade de Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássi-
cos da Universidade de Lisboa.
Manuel Alexandre Júnior, Doutor em .ilologia Clássica, professor cate-
drático do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da
Universidade de Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássicos da
Universidade de Lisboa.
Maria de .átima Sousa e Silva, Doutora em .ilologia Clássica, profes-
sora catedrática do Instituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da
Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Clássicos e
Humanísticos da Universidade de Coimbra.
Maria do Céu .ialho, Doutora em .ilologia Clássica, professora catedrá-
tica do Instituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universi-
dade de Coimbra e directora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos
da Universidade de Coimbra.
Maria José Vaz Pinto, Doutora em .ilosofia, professora auxiliar do De-
partamento de .ilosofia da .aculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa e investigadora do Instituto de .ilosofia da
Linguagem da Universidade Nova de Lisboa.
Paulo .armhouse Alberto, Doutor em .ilologia Clássica, professor auxi-
liar do Departamento de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Uni-
versidade de Lisboa e investigador do Centro de Estudos Clássicos da Uni-
versidade de Lisboa.
Pedro .alcão, licenciado em Estudos Clássicos pela Universidade de
Lisboa.
Ricardo Santos, Doutor em .ilosofia, investigador do Instituto de .ilo-
sofia da Linguagem da Universidade Nova de Lisboa.
III. Consultores científicos
1. .ilosofia
José Barata-Moura, professor catedrático do Departamento de .ilosofia
da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
2. .ilosofia Antiga
José Gabriel Trindade Santos, professor catedrático do Departamento de
.ilosofia da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigador
do Centro de .ilosofia da Universidade de Lisboa.
3. Língua e Cultura Clássica
Maria Helena da Rocha Pereira, professora catedrática jubilada do Ins-
tituto de Estudos Clássicos da .aculdade de Letras da Universidade de
Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da
Universidade de Coimbra.
4. História e Sociedade Gregas
José Ribeiro .erreira, professor catedrático do Instituto de Estudos Clás-
sicos da .aculdade de Letras da Universidade de Coimbra e investigador do
Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra.
5. Língua e Cultura Árabe
António Dias .arinha, professor catedrático do Departamento de Histó-
ria da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa e director do Instituto
David Lopes de Estudos Árabes e Islâmicos.
6. Lógica
João Branquinho, professor associado com agregação do Departamento
de .ilosofia da .aculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigador
do Centro de .ilosofia da Universidade de Lisboa.
7. Biologia e História da Biologia
Carlos Almaça, professor catedrático jubilado do Departamento de Bio-
logia da .aculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
8. Teoria Jurídico-Constitucional e .ilosofia do Direito
José de Sousa e Brito, juiz jubilado do Tribunal Constitucional e profes-
sor convidado da .aculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
9. Aristotelismo Tardio
Mário Santiago de Carvalho, Doutor em .ilosofia, professor catedrático
do Instituto de Estudos .ilosóficos da .aculdade de Letras da Universidade
de Coimbra e investigador do Centro de Linguagem, Interpretação e .ilosofia
da Universidade de Coimbra.
Acabou de imprimir-se
em .evereiro de dois mil e cinco.
Edição n.o 1011021
www.incm.pt
E-mail: [email protected]
E-mail Brasil: [email protected]
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