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Ciencia-e-Religiao-Fundamentos-para-o-Dialogo-Alister-McGrath
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DADOS DE ODINRIGHT | |
Sobre a obra: | |
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Converted by ePubtoPDF | |
Título original: Science & Religion: A New Introduction | |
Copyright © 2020 por Aliester E. McGrath Edição original por Wiley-Blackwell. Todos os direitos | |
reservados. Copyright de tradução © Vida Melhor Editora Ltda., 2020. | |
Os pontos de vista desta obra são de responsabilidade de seus autores e colaboradores diretos, não | |
re etindo necessariamente a posição da omas Nelson Brasil, da HarperCollins Christian Publishing | |
ou de sua equipe editorial. | |
PUBLISHER | |
EDITORES | |
TRADUÇÃO | |
PRODUÇÃO EDITORIAL | |
PREPARAÇÃO | |
REVISÃO | |
DIAGRAMAÇÃO | |
CAPA | |
PRODUÇÃO DO E-BOOK | |
Samuel Coto | |
André Lodos Tangerino e Bruna Gomes | |
Roberto Covolan | |
Marcelo Cabral | |
Marcelo Cabral | |
Lucas Domingues e Eliana Moura | |
Rafael Alt | |
Rafael Brum | |
Ranna Studio | |
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) | |
M112c | |
McGrath, Alister | |
1.ed. Ciência e religião : fundamentos para o diálogo / Alister McGrath; tradução de | |
Roberto Covolan. – 1.ed. – Rio de Janeiro: omas Nelson Brasil, 2020. 352 p.; 15,5 x 25 | |
cm. | |
352 p.; 15,5 x 25 cm. | |
Título original : Science & Religion | |
Inclui bibliogra a. | |
ISBN : 9786556891200 | |
1. Ciência. 2. Cristianismo. 3. Cultura. 4. Fé. I. Covolan, Roberto. II. Título. | |
10/2020-01 | |
Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129 | |
omas Nelson Brasil é uma marca licenciada à Vida Melhor Editora LTDA.. | |
Todos os direitos reservados à Vida Melhor Editora LTDA. | |
Rua da Quitanda, 86, sala 218 – Centro | |
Rio de Janeiro – RJ – CEP 20091-005 | |
Tel: (21) 3175-1030 | |
www.thomasnelson.com.br | |
CDD: 215 | |
CDU: 2-9 | |
SUMÁRIO | |
Apresentação da coleção | |
Prefácio à terceira edição original | |
Prefácio à edição brasileira | |
1 Ciência e Religião: explorando uma relação | |
Por que estudar ciência e religião? | |
O tabuleiro de xadrez: a diversidade da ciência e da religião | |
Os quatro modelos de Ian Barbour da relação entre ciência e religião | |
Con ito | |
Independência | |
Diálogo | |
Integração | |
Quatro maneiras de imaginar a relação entre ciência e religião | |
Ciência e religião oferecem perspectivas distintas sobre a realidade | |
Ciência e religião envolvem níveis distintos de realidade | |
Ciência e religião oferecem mapas distintos da realidade | |
Os Dois Livros: duas abordagens complementares da realidade | |
2 Começando: alguns marcos históricos | |
Por que estudar história? | |
Inventando a “guerra” entre ciência e religião | |
A “falácia essencialista” sobre ciência e religião | |
Dissipando mitos sobre ciência e religião | |
A importância da interpretação bíblica | |
A emergência da síntese medieval | |
Copérnico, Galileu e o Sistema Solar | |
Newton, o universo mecânico e o deísmo | |
Darwin e as origens biológicas da humanidade | |
O “Big Bang”: novos insights sobre as origens do universo | |
3 Religião e a loso a da ciência | |
Fato e cção: Realismo e Instrumentalismo | |
Realismo | |
Idealismo | |
Instrumentalismo | |
Teologia e debates sobre realismo | |
Explicação, ontologia e epistemologia: métodos de pesquisa e investigação da realidade | |
Um estudo de caso sobre explicação: Nancey Murphy sobre o “ sicalismo não redutivo” | |
O que signi ca explicar algo? | |
Abordagens ônticas e epistêmicas da explicação | |
Religião e explicação | |
Philip Clayton sobre explicação em religião | |
Como decidimos qual é a melhor explicação? | |
“Lógica da descoberta” e “Lógica da justi cação” | |
Inferência à melhor explicação | |
Um estudo de caso: Darwin e a seleção natural | |
Escolha de teoria e religião | |
Veri cação: positivismo lógico | |
Falsi cação: Karl Popper | |
Mudança de teoria em ciência: omas S. Kuhn | |
4 Ciência e a loso a da religião | |
Ciência, religião e provas da existência de Deus | |
Argumentos losó cos tradicionais para a existência de Deus | |
As cinco vias de Tomás de Aquino | |
O argumento Kalam | |
Um estudo de caso: o argumento biológico de William Paley a partir do design | |
A ambiguidade da “prova”: justi cação na ciência e na teologia | |
A ação de Deus no mundo | |
Deísmo: Deus age através das leis da natureza | |
Tomismo: Deus age por causas secundárias | |
Teologia do Processo: Deus age através da persuasão | |
Teoria Quântica: Deus age através da indeterminação | |
Milagres e leis da natureza | |
Crítica dos milagres por David Hume | |
Keith Ward sobre milagres | |
Wolart Pannenberg sobre milagres | |
Ateologia natural? Argumentos evolutivos de desmisti cação contra Deus | |
Teologia natural: é Deus a “melhor explicação” do nosso universo? | |
Uma metaquestão: criação e uniformidade da natureza | |
5 Modelos e analogias em ciência e religião | |
O uso de modelos nas ciências naturais | |
O modelo cinético dos gases | |
Complementaridade: luz enquanto onda e partícula | |
Raciocínio analógico: Galileu e as montanhas da Lua | |
Usando modelos cientí cos de forma crítica: o princípio da seleção natural de Darwin | |
O uso de modelos e metáforas na teologia cristã | |
Tomás de Aquino sobre a Analogia Entis (“Analogia do Ser”)/ | |
Ian T. Ramsey sobre o modelo da economia divina | |
Arthur Peacocke sobre a aplicação teológica de modelos e analogias | |
Sallie McFague sobre metáforas na teologia | |
Usando modelos religiosos de forma crítica: criação | |
Usando modelos religiosos de forma crítica: teorias da expiação | |
Modelos e mistério: os limites da representação da realidade | |
Ian Barbour sobre modelos em ciência e religião | |
6 Ciência e religião: alguns dos principais debates contemporâneos | |
Filoso a moral: as ciências naturais podem estabelecer valores morais? | |
Evolução e ética: o debate sobre darwinismo e moralidade | |
Neurociência e ética: Sam Harris sobre a paisagem moral | |
Filoso a da ciência: a realidade está limitada ao que as ciências podem revelar? | |
Filoso a da religião: teodiceia em um mundo darwiniano | |
Teologia: transumanismo, “imagem de Deus” e identidade humana | |
Matemática: a ciência e a linguagem de Deus | |
Física: o “princípio antrópico” tem signi cado religioso? | |
Biologia evolutiva: podemos falar em “design” na natureza? | |
Psicologia da religião: o que é religião, a nal? | |
Ciência cognitiva da religião: a religião é “natural”? | |
Conclusão | |
Índice | |
COLEÇÃO | |
FÉ, CIÊNCIA E CULTURA | |
Há pouco mais de sessenta anos, o cientista e romancista britânico C. P. | |
Snow pronunciava na Senate House, em Cambridge, sua célebre conferência | |
sobre “As Duas Culturas” – mais tarde publicada como “As Duas Culturas e a | |
Revolução Cientí ca” –, em que, não só apresentava uma severa crítica ao | |
sistema educacional britânico, mas ia muito além. Na sua visão, a vida | |
intelectual de toda a sociedade ocidental estava dividida em duas culturas, a | |
das ciências naturais e a das humanidades,1 separadas por “um abismo de | |
incompreensão mútua” para enorme prejuízo de toda a sociedade. Por um | |
lado, os cientistas eram tidos como néscios no trato com a literatura e a | |
cultura clássica, enquanto os literatos e humanistas – que furtivamente | |
haviam passado a se autodenominar intelectuais – revelavam-se completos | |
desconhecedores dos mais basilares princípios cientí cos. Esse conceito de | |
duas culturas ganhou ampla notoriedade, tendo desencadeado intensa | |
controvérsia nas décadas seguintes. | |
O próprio Snow retornou ao assunto alguns anos mais tarde no | |
opúsculo traduzido para o português como “As Duas Culturas e Uma | |
Segunda Leitura”, em que buscou responder às críticas e questionamentos | |
dirigidos à obra original. Nesta segunda abordagem, Snow amplia o escopo | |
de sua análise ao reconhecer a emergência de uma terceira cultura, na qual | |
envolveu um apanhado de disciplinas – história social, sociologia, | |
demogra a, ciência política, economia, governança, psicologia, medicina e | |
arquitetura –, que, à exceção de uma ou outra, incluiríamos hoje nas | |
chamadas ciências humanas. | |
O debate quanto ao distanciamento entre essas diferentes culturas e | |
formas de saber é certamente relevante, mas nota-se nessa discussão a | |
“presença de uma ausência”. Em nenhum momento são mencionadas áreas | |
tais como teologia ou ciências da religião. É bem verdade que a discussão | |
passa ao largo desses assuntos, sobretudo por se dar em ambiente em que | |
laicidade é dado de partida. Por outro lado, se a ideia de fundo é diminuir | |
distâncias entre diferentes formas de cultivar o saber e conhecer a realidade, | |
faz sentido ignorar algo tão presente na história da humanidade – por | |
arraigado no coração humano – quanto a busca por Deus e pelo | |
transcendente? | |
Ao longo da história, testemunhamos a existência quase inacreditável de | |
polímatas, pessoas com capacidade de dominar em profundidade várias | |
ciências e saberes. Leonardo da Vinci talvez tenha sido o mais célebre dentre | |
elas. Como esta não é a norma entre nós, a especialização do conhecimento | |
tornou-se uma estratégia indispensável para o seu avanço. Se por um lado, | |
isso é positivo do ponto de vista da e cácia na busca por conhecimento | |
novo, é também algo que destoa profundamente da unicidade da realidade | |
em que existimos. | |
Disciplinas, áreas de conhecimento e as culturas aqui referidas são | |
especializações necessárias em uma era em que já não é mais possível – nem | |
necessário – deter um repertório enciclopédico de todo o saber. Mas, como | |
a realidade não é formada de compartimentos estanques, precisamos de | |
autores com capacidade de traduzir e sintetizar diferentes áreas de | |
conhecimento especializado, sobretudo nas regiões de interface em que essas | |
se sobrepõem. Um exemplo disso é o que têm feito respeitados historiadores | |
da ciência ao resgatar a in uência da teologia cristã da criação no | |
surgimento da ciência moderna. Há muitos outros. | |
Assim, é com grande satisfação que apresentamos a coleção Fé, Ciência e | |
Cultura, através da qual a editora omas Nelson Brasil disponibilizará ao | |
público leitor brasileiro um rico acervo de obras que cruzam os abismos | |
entre as diferentes culturas e modos de saber, e que certamente permitirá | |
um debate informado sobre grandes temas da atualidade, examinados a | |
partir da perspectiva cristã. | |
Marcelo Cabral e Roberto Covolan | |
Editores | |
Nota | |
1 Entenda-se “humanidades” aqui como o campo dos estudos clássicos, literários e losó cos. | |
PREFÁCIO | |
À TERCEIRA EDIÇÃO ORIGINAL | |
O estudo integrado de ciência e religião reúne duas das forças mais | |
signi cativas – e diferentes – da cultura humana. O notável aumento de | |
livros e documentários de televisão que tratam de Deus e física, | |
espiritualidade e ciência, e dos grandes mistérios da natureza e destino | |
humanos é um sinal claro do crescente interesse nessa área. Muitas | |
faculdades, seminários e universidades oferecem agora cursos que tratam da | |
área de ciência e religião, geralmente atraindo audiências amplas e | |
grati cadas. Este livro apresenta um estudo desse campo, oferecendo uma | |
janela para alguns de seus temas e debates mais interessantes. | |
Com base em palestras ministradas a estudantes da Universidade de | |
Oxford durante o período de 2014 a 2019, este livro pretende ser acessível e | |
envolvente, encorajando seus leitores a aprofundar seus temas. Ele se propõe | |
a introduzir esse fascinante campo mediante a suposição de que seus leitores | |
não têm conhecimento detalhado sobre ciências naturais ou teologia. Os | |
principais temas e questões do estudo de religião e das ciências naturais são | |
cuidadosamente explorados e explicados sem fazer suposições irrealistas | |
sobre o que os leitores provavelmente já devem saber. | |
Meu próprio interesse no campo de ciência e religião remonta ao início | |
dos anos de 1970. Comecei meus estudos na Universidade de Oxford | |
estudando química, com especialização em teoria quântica, antes de obter | |
um doutorado em biofísica molecular. Depois disso, estudei teologia em | |
Oxford e Cambridge, concentrando-me particularmente na interação | |
histórica entre ciência e religião, especialmente durante os séculos 16 e 19. | |
Espero que minha própria experiência de relacionar essas duas áreas de | |
estudo seja de valor para outras pessoas que procuram fazer o mesmo. | |
Este livro representa uma revisão signi cativa da primeira e da segunda | |
edições desta obra, respondendo aos comentários de muitos leitores. Essa | |
revisão se apresenta na forma de alterações feitas tanto na estrutura quanto | |
no conteúdo, com o objetivo de tornar o livro útil e proveitoso ao abordar | |
questões consideradas importantes e representativas no campo. Tanto o | |
autor quanto a editora terão prazer em receber mais comentários e críticas, o | |
que será útil para o desenvolvimento de edições futuras deste trabalho. | |
Alister E. McGrath | |
Universidade de Oxford | |
Setembro 2019 | |
PREFÁCIO | |
À EDIÇÃO BRASILEIRA | |
Muito do que ocorre ao nosso redor ou que, de uma forma ou de outra, | |
determina nossas circunstâncias está presente em nossas casas, trabalhos e | |
lazer, sem que disso tenhamos consciência. Nem sempre imediatamente | |
identi cável, a ciência contemporânea impacta nossa vida cotidiana de | |
modo direto e inevitável, sobretudo através de inovações tecnológicas e da | |
miríade de novos dispositivos eletrônicos que utilizamos habitualmente. | |
Poucos suspeitam, mas seus smartphones fazem uso intensivo da mecânica | |
quântica através de bilhões de transistores e outros elementos | |
semicondutores. Poderíamos lembrar também a eletrônica e a ótica | |
avançadas embutidas nas câmeras digitais desses mesmos smartphones, | |
assim como o uso da Teoria da Relatividade, de Einstein, na determinação | |
de sua localização precisa via GPS, ou ainda considerar a complexa ciência | |
por trás das diferentes técnicas de touch screen. Na palma de nossas mãos, | |
temos acesso a séculos de esforços e desenvolvimentos cientí cos, que agora | |
in uenciam nossas vidas de forma determinante. | |
Da mesma forma, em outros setores da vida ‒ na área médica, por | |
exemplo ‒ estamos em contato com aspectos avançados da ciência dos quais | |
não nos damos conta. Quem imagina que os exames de PET Scan envolvem | |
uma partícula de antimatéria, o pósitron, ou que a tomogra a por | |
ressonância magnética envolve métodos de física quântica nuclear? | |
Inocentemente, continuamos levando a vida como se a ciência fosse algo | |
distante, que acontece apenas em laboratórios de grandes instituições de | |
pesquisa. | |
Se essa in uência marcante da ciência se dá de forma tão sutil em | |
aspectos como esses, que são extremamente práticos e concretos, como seria | |
em relação àqueles mais impalpáveis, como as nossas crenças losó cas e | |
religiosas? Ademais, como nossas diversas perspectivas e cosmovisões | |
impactam nosso modo de fazer ciência e enxergar o mundo natural? O que | |
a visão particular do cristianismo tem a oferecer às ciências hoje, em pleno | |
século 21? | |
O trabalho magistral que Alister McGrath, professor de Oxford e diretor | |
do Ian Ramsey Centre – uma das instituições mais importantes do mundo | |
no tratamento acadêmico à relação entre ciência e religião, executa neste | |
livro é o de ir tecendo diante de nossos olhos a complexa rede de relações | |
que se estabeleceram entre ciência e religião desde que a loso a natural | |
começou, incipientemente, a ser conduzida em direção ao que hoje | |
chamamos “método cientí co”. | |
Não obstante a di culdade que muitos têm hoje de encontrar conexões | |
relevantes entre ciência e religião – isso quando não declaram que estão em | |
uma guerra interminável –, McGrath descreve como a ciência foi gestada | |
dentro de uma forte imaginação teológica e como muito de seus métodos, | |
modelos e analogias continuam carregando suas antigas raízes. | |
Desde o lançamento de sua trilogia Uma Teologia Cientí ca, McGrath | |
tem sido um dos mais importantes autores em todo o mundo a pautar o | |
diálogo entre ciência e religião. Reconhecendo que cada ciência particular, | |
por um lado, e a teologia, por outro, são de nidas por sua própria | |
linguagem, métodos e normas, ele propõe, com convicção, que existem | |
profundas conexões entre essas duas forças. A nal de contas, se o Deus | |
Trino é o criador de todas as coisas, inclusive daquelas estudadas pelas | |
ciências naturais, deve existir uma série de relações frutíferas entre a boa | |
ciência e a boa teologia. | |
A presente tradução é baseada na terceira edição da obra, totalmente | |
revista e ampliada, que apresenta o resultado maduro do trabalho de toda a | |
vida de McGrath. Com uma habilidade ímpar de navegar temas tão diversos, | |
como loso a da ciência, ciências cognitivas, cosmologia, teoria evolutiva, | |
doutrina da criação, trindade, cristologia, entre outros, o autor nos oferece | |
um verdadeiro banquete sobre o campo de ciência e religião. | |
Esta obra é o lugar de nitivo para professores, estudantes universitários, | |
padres, pastores, seminaristas e público leigo interessado ingressarem no | |
rico, multifacetado e profundo diálogo intelectual entre ciência e religião. A | |
Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2), em parceria com a | |
omas Nelson Brasil, celebra a publicação desta obra seminal, que | |
certamente servirá de texto-base aos interessados nessa área nos anos porvir. | |
Marcelo Cabral e Roberto Covolan | |
Editores | |
R | |
eligião e ciência são duas das forças culturais e intelectuais mais | |
signi cativas e interessantes no mundo de hoje. O campo da relação | |
entre ciência e religião, que este livro pretende apresentar, propõe-se | |
a explorar o que esses dois parceiros de conversação podem aprender | |
um com o outro e onde divergem. Muitos pensadores importantes da época | |
do Renascimento usavam a metáfora dos “Dois Livros de Deus” como uma | |
maneira de visualizar esse processo de permitir que a ciência e a fé religiosa | |
iluminassem a realidade. Muitos acreditavam que era possível e importante | |
ler o “Livro da Natureza” e o “Livro das Escrituras” lado a lado e permitir | |
que eles se informassem e se enriquecessem mutuamente. Embora a | |
invenção da ideia de uma guerra permanente entre ciência e religião no nal | |
do século 19 tenha levado muitos a questionar essa abordagem, o descrédito | |
acadêmico dessa metanarrativa de “guerra”, que já estava bem-estabelecido | |
no início do século 21, suscitou um novo interesse em encontrar formas de | |
recuperar e reformular esse diálogo. Como disse Albert Einstein em sua | |
famosa observação: “A ciência sem religião é manca, a religião sem ciência é | |
cega”. | |
POR QUE ESTUDAR CIÊNCIA E RELIGIÃO? | |
Muitas pessoas são atraídas a estudar a relação entre ciência e religião | |
porque é uma área interdisciplinar – em outras palavras, ela oferece uma | |
visão mais rica e grandiosa do nosso mundo e da nossa humanidade do que | |
seria possível a qualquer um desses parceiros de diálogo por conta própria. | |
Nem a ciência nem a religião podem fornecer uma descrição total da | |
realidade. A ciência não responde a todas as perguntas que possamos fazer | |
sobre o mundo. Nem a religião. No entanto, juntas elas podem nos oferecer | |
uma visão estereoscópica da realidade negada àqueles que se limitam à | |
perspectiva de apenas uma disciplina. | |
O lósofo espanhol José Ortega y Gasset é um dos muitos a argumentar | |
que, para levar uma vida realizada, os seres humanos precisam mais do que | |
a descrição parcial da realidade que a ciência oferece. Precisamos de um | |
“panorama geral”, uma “ideia integral do universo”. Qualquer loso a de | |
vida, qualquer maneira de pensar sobre as questões que realmente | |
importam, de acordo com Ortega, acabará indo além da ciência – não | |
porque haja algo de errado com a ciência, mas justamente porque ela é tão | |
focada e especí ca em seus métodos: | |
A verdade cientí ca é caracterizada pela precisão e certeza de suas previsões. Mas a ciência | |
alcança essas qualidades admiráveis à custa de permanecer no nível das preocupações | |
secundárias, deixando intocadas as questões últimas e decisivas.1 | |
Albert Einstein fez uma observação semelhante sobre os pontos fortes e | |
os limites das ciências naturais, abrindo a possibilidade de alguma forma de | |
diálogo ou sinergia intelectual para permitir a travessia das fronteiras | |
intelectuais em busca de novos entendimentos: | |
O método cientí co não pode nos ensinar nada além de como os fatos estão relacionados e | |
condicionados um ao outro. [...] No entanto, é igualmente claro que o conhecimento daquilo que | |
é não abre a porta diretamente para o que deveria ser. Pode-se ter o conhecimento mais claro e | |
completo do que é, e ainda assim não ser capaz de deduzir disso qual deve ser o objetivo de | |
nossas aspirações humanas.2 | |
O estudo da interação entre religião e ciências naturais continua a ser | |
in uenciado pelo modelo de “con ito”, o que leva alguns cientistas e pessoas | |
religiosas a necessariamente vê-las como travando um combate mortal. | |
Ciência e religião estariam, assim, em guerra entre si, e essa guerra | |
continuaria até que um deles fosse eliminado. Embora essa visão tenda a ser | |
associada particularmente a cientistas ateus dogmáticos, como Peter Atkins | |
(nascido em 1940) ou Richard Dawkins (nascido em 1941), também é | |
encontrada entre os religiosos. Alguns cristãos e muçulmanos | |
fundamentalistas, por exemplo, veem a ciência como uma ameaça à sua fé. | |
Um bom exemplo disso pode ser encontrado nas críticas à evolução feitas | |
por protestantes conservadores, que a veem minando a sua interpretação | |
particular dos relatos bíblicos da criação. | |
Exploraremos as origens desse modelo de “con ito” na interação entre | |
ciência e religião mais adiante nesta obra. No entanto, embora permaneça | |
in uente na cultura, ele não é visto pelos historiadores da ciência como | |
con ável ou defensável, e não é mais levado a sério pelos estudos históricos. | |
Certamente, é verdade que existem tensões entre a ciência e a religião; | |
porém o relacionamento entre elas é muito mais complexo do que isso. De | |
qualquer forma, a ciência agora parece estar se abrindo a questões religiosas, | |
ao invés de fechar-se a elas ou declará-las sem sentido. Cada vez mais se | |
reconhece que as ciências naturais têm levantado questões que apontam | |
para além de si e transcendem sua capacidade de respondê-las. | |
Comentando sobre a busca cientí ca pelas origens do universo, o | |
astrônomo Robert Jastrow observa como a ciência moderna parece acabar | |
fazendo exatamente as mesmas perguntas que as colocadas nas gerações | |
anteriores pelos pensadores religiosos: | |
Não se trata de mais um ano, outra década de trabalho, uma outra medida ou outra teoria; neste | |
momento, parece que a ciência jamais será capaz de levantar a cortina do mistério da criação. | |
Para o cientista que viveu pela sua fé no poder da razão, a história termina como um pesadelo. | |
Ele escalou as montanhas da ignorância; está prestes a conquistar os picos mais altos; quando ele | |
se alça sobre a última rocha, é recebido por um bando de teólogos que estão sentados lá há | |
séculos.3 | |
Conforme este livro irá sugerir, ciência e religião são capazes de interagir | |
em um diálogo signi cativo sobre algumas das grandes questões da vida. No | |
entanto, o termo “diálogo” é facilmente entendido como uma conversa | |
acolhedora e não crítica, muitas vezes tendendo a uma agradável, mas | |
injusti cada assimilação de ideias. Essa não é a visão defendida nesta obra. | |
Esse tipo de diálogo precisa ser robusto e desa ador, investigando questões | |
profundas e potencialmente ameaçadoras sobre a autoridade e os limites de | |
cada participante e de cada disciplina. Um diálogo é caracterizado pelo que | |
muitos chamam agora de “virtude epistêmica”, exigindo que cada | |
participante leve o outro a sério, tentando identi car seus pontos fortes e | |
fracos, ao mesmo tempo que deseja aprender com o outro e enfrentar seus | |
próprios limites e vulnerabilidades. | |
O diálogo entre ciência e religião começa por perguntar se, de que | |
maneira e até que ponto essas duas parceiras de conversa podem aprender | |
uma com a outra. Dada a importância cultural, tanto da ciência quanto da | |
religião, a exploração de como elas se relacionam tem potencial tanto de | |
con ito quanto de enriquecimento mútuo. Apesar dos riscos para os dois | |
lados, continua valendo a pena. Por quê? Três razões são frequentemente | |
apresentadas para esse julgamento. | |
1. Nem a ciência nem a religião podem reivindicar uma descrição total da realidade. Certamente | |
é verdade que alguns de um lado, outros do outro, propuseram visões grandiosas de sua | |
disciplina, entendendo-se capazes de responder a todas as perguntas sobre a natureza do | |
universo e o signi cado da vida – como, por exemplo, na noção de Richard Dawkins de | |
“darwinismo universal”. Esses, no entanto, não são considerados representativos pelos seus pares. | |
Nem a noção de “magistérios não interferentes”, desenvolvida por autores como Stephen Jay | |
Gould, propondo que ciência e religião ocupam domínios ou áreas de competência bemde nidos, que não se sobrepõem ou se cruzam. Dessa forma, nenhuma conversa seria necessária | |
– nem mesmo possível. | |
Talvez seja melhor considerar ciência e religião como operando em seus próprios níveis | |
distintos, frequentemente re etindo sobre questões semelhantes, mas respondendo a elas de | |
maneiras diferentes. De fato, alguns cientistas declaram ter dispensado a religião (caso evidente | |
do recente “ateísmo cientí co”), assim como há ativistas religiosos que a rmam ter dispensado a | |
ciência (caso evidente do moderno “criacionismo” americano). No entanto, essas são apenas | |
posições extremas dentro de um espectro de possibilidades. A maioria sugeriria que a ciência | |
não responde – e não tem como responder – a todas as perguntas que possamos fazer sobre o | |
mundo. Nem a religião. No entanto, juntas, elas podem oferecer uma visão estereoscópica da | |
realidade, negada àqueles que se limitam à perspectiva de uma só disciplina. O diálogo entre | |
ciência e religião nos permite apreciar identidades, forças e limites distintos de cada parceiro da | |
conversa. Também nos oferece uma compreensão mais profunda das coisas do que a religião ou | |
a ciência poderiam oferecer por si só. | |
2. Tanto a ciência quanto a religião estão preocupadas em encontrar o sentido das coisas. | |
Embora muitas religiões, incluindo o cristianismo, almejem a transformação da situação | |
humana, a maioria também associa isso a oferecer uma explicação do mundo e dos seres | |
humanos. Por que as coisas são do jeito que são? Que explicações podem ser oferecidas para o | |
que observamos? Qual seria a “visão mais ampla” que nos ajuda a entender nossas observações e | |
experiências? As explicações cientí cas e religiosas geralmente assumem formas diferentes, | |
mesmo quando re etem sobre as mesmas observações. Embora exista um risco óbvio nessa | |
simpli cação, é útil pensar na ciência fazendo perguntas sobre o “como”, enquanto a religião faz | |
perguntas sobre “por que”. A ciência procura esclarecer mecanismos; as religiões procuram | |
explorar questões de signi cado. | |
Essas abordagens não precisam ser vistas como concorrentes ou mutuamente | |
incompatíveis. Elas operam em diferentes níveis. Enquanto alguns cientistas a rmam que não | |
podemos ir além de entender como as coisas acontecem, outros argumentam que precisamos | |
responder ao que o lósofo da ciência Karl Popper chamou de “questões últimas” – como o | |
signi cado da vida. Uma das discussões mais in uentes sobre esse ponto é encontrada na obra | |
clássica do psicólogo social Roy Baumeister, Meanings of Life [Signi cados da vida] (1993). Para | |
Baumeister, a busca humana por signi cado concentra-se em uma série de necessidades | |
humanas básicas, como propósito, e cácia e valor próprio. Por que estou aqui? Posso fazer | |
diferença? Eu realmente importo? A ciência pode informar as respostas dadas a essas perguntas, | |
mas não as determina. | |
3. Nos últimos anos, houve um aumento signi cativo na conscientização da comunidade | |
cientí ca sobre os problemas mais amplos levantados por sua pesquisa e os limites impostos à | |
capacidade dessa comunidade de respondê-los. Um exemplo óbvio diz respeito a questões éticas. | |
A ciência é capaz de determinar o que é certo e o que é errado? Muitos cientistas a rmam que | |
sua disciplina é fundamentalmente amoral – isto é, que o método cientí co não se estende a | |
questões morais. | |
Isso não signi ca que os cientistas não tenham interesse em questões | |
morais; a questão é que a maioria dos cientistas reconhece que suas | |
disciplinas não podem criar ou sustentar valores morais – um ponto ao qual | |
retornaremos mais adiante neste volume. Por exemplo, considere o | |
argumento de Stephen Jay Gould em seu importante ensaio “Nonmoral | |
Nature”: | |
Nosso fracasso em discernir um bem universal não registra falta de discernimento ou | |
criatividade, mas apenas demonstra que a natureza não contém mensagens morais enquadradas | |
em termos humanos. A moralidade é um assunto para lósofos, teólogos, estudantes de | |
humanidades, de fato para todas as pessoas que pensam. As respostas não serão lidas | |
passivamente da natureza; elas não surgem e não podem surgir dos dados da ciência. O estado | |
factual do mundo não nos ensina como nós, com nossas capacidades para o bem e o mal, | |
devemos alterá-lo ou preservá-lo da maneira mais ética possível.4 | |
Isso levou a um crescente interesse em abordagens dialogais para tais | |
questões. Os cientistas naturais parecem cada vez mais dispostos a | |
complementar os entendimentos cientí cos do mundo com perspectivas | |
adicionais que permitam ou incentivem o aprimoramento ético, estético e | |
espiritual de suas abordagens. A religião está sendo vista cada vez mais | |
como um importante parceiro de diálogo, permitindo que as ciências | |
naturais se envolvam com questões levantadas por pesquisas cientí cas, mas | |
não respondidas através delas. Os debates sobre a ética da biotecnologia, por | |
exemplo, geralmente levantam questões importantes que a ciência não pode | |
responder – como quando é que uma “pessoa” humana vem à existência ou | |
o que constitui uma qualidade de vida aceitável. | |
O TABULEIRO DE XADREZ: A DIVERSIDADE DA CIÊNCIA E DA RELIGIÃO | |
Muitos expressam, com razão, uma preocupação com a coerência do | |
campo de interação entre ciência e religião. Acaso ele é conceitualmente | |
integrado, ou é apenas uma massa crescente de debates e discussões | |
desconectadas, reunidas por uma questão de conveniência sob a estrutura | |
frouxa de “ciência e religião”? É razoável levantar essa questão, dada a | |
diversidade de ciências e religiões individuais e a multiplicidade de suas | |
possíveis interações. | |
O termo “ciência” é frequentemente usado para designar o | |
empreendimento empírico e teórico global que está por trás ou está | |
envolvido nas várias disciplinas cientí cas – como química, biologia e | |
psicologia. No entanto, essas são ciências individuais, que têm seus próprios | |
métodos de pesquisa, histórias e comunidades pro ssionais de interpretação | |
e aplicação. O uso acrítico do termo mais geral “ciência” nivela o cenário das | |
ciências naturais, deixando de fazer justiça à especi cidade de cada ciência | |
individual. | |
“Religião” não é uma categoria bem-de nida, e, portanto, resiste a uma | |
de nição rigorosa. Estudiosos que trabalham no campo da psicologia da | |
religião e de outras abordagens empíricas do pensamento e comportamento | |
religiosos se acham constantemente frustrados com a falta de uma de nição | |
empírica consensual de religião. Para citar um problema óbvio: se religião é | |
de nida em termos de crença em um deus ou deuses, isso exclui uma das | |
principais religiões – o budismo. Religião não é um conceito empírico, mas | |
uma noção socialmente construída. Podemos concordar que existem | |
“religiões” individuais – como o islamismo, o judaísmo e o budismo, mas | |
isso não signi ca que exista alguma categoria essencial universal da | |
“religião” que cada uma delas apresenta à sua própria maneira. | |
Há agora um consenso geral de que é seriamente equivocado considerar | |
as várias tradições religiosas do mundo como variações do mesmo tema. No | |
início dos anos de 1960, por exemplo, o estudioso islâmico canadense | |
Wilfred Cantwell Smith argumentava que as religiões não têm nenhuma | |
característica de nitória comum que seja capturada e expressa pelo termo | |
ou categoria subjacente de “religião”. Em vez disso, dizia Smith, o conceito | |
de “religião” foi concebido por estudiosos ocidentais modernos e superposto | |
a uma variedade de fenômenos, criando assim a impressão enganosa de | |
algum conceito universal subjacente de “religião”. | |
Também é importante compreender que, além de diferenças claras entre | |
as religiões do mundo, também existem variações signi cativas nas | |
tradições religiosas individuais, como o cristianismo. Protestantes | |
conservadores e católicos liberais provavelmente têm visões muito diferentes | |
da teoria da seleção natural de Charles Darwin. Assim, pode um deles | |
sozinho ser identi cado como “a visão cristã”, que seja vista, de alguma | |
forma, como normativa dentro de uma religião? Ou devemos aprender a | |
reconhecer uma diversidade de pontos de vista dentro de uma única | |
tradição religiosa? Talvez a abordagem mais sensata seja simplesmente | |
respeitar a integridade das tradições e movimentos religiosos dentro dessas | |
tradições, em vez de tentar homogeneizar suas ideias ou forçá-las a adotar | |
algum molde comum arti cial. A complexidade do budismo moderno, do | |
cristianismo, do islamismo e do judaísmo é tal, que seria intelectualmente | |
precário generalizá-los sem reconhecer o debate e a diversidade dentro | |
deles. | |
Entretanto, talvez a di culdade mais óbvia no campo de ciência e | |
religião seja que ele designa um escopo tão amplo, que corre o risco de se | |
tornar sem sentido e inútil. Qual ciência? Qual religião? Se o campo de | |
“ciência e religião” pretende representar todas as ciências e todas as religiões, | |
torna-se incontrolável e incoerente, dada a diversidade e complexidade de | |
disciplinas cientí cas especí cas e tradições religiosas especí cas. | |
Ao discutir esse ponto com os estudantes de Oxford, achei a analogia de | |
um tabuleiro de xadrez útil. Um tabuleiro de xadrez tem vários espaços | |
(mais precisamente, 64), mas nem todos estão ocupados. O campo de | |
ciência e religião, pelo menos em teoria, oferece uma vasta gama de | |
possibilidades intelectuais – como a relação entre budismo e psicologia ou | |
islamismo e biologia. No entanto, nem todas essas possibilidades atraíram | |
atenção intelectual. Alguns espaços estão cheios de pesquisadores, | |
acadêmicos e leitores interessados; outros estão praticamente vazios. | |
Exemplos de áreas de interesse altamente povoadas nesse campo incluem: | |
• As ciências naturais e argumentos para a existência de Deus. | |
• O signi cado do darwinismo para a crença religiosa. | |
Ainda assim, outras áreas, apesar de claramente serem de interesse | |
intelectual, permanecem pouco estudadas. O cristianismo continua sendo a | |
tradição religiosa cujos engajamentos com a ciência foram mais amplamente | |
discutidos na comunidade de “ciência e religião”, e muitos espaços altamente | |
povoados no tabuleiro de xadrez envolvem especi camente essa tradição | |
religiosa, particularmente em relação a questões históricas, como a relação | |
do cristianismo e as origens da revolução cientí ca na Europa Ocidental. | |
O modelo do tabuleiro de xadrez nos ajuda a visualizar o extenso campo | |
da interação entre ciência e religião e a identi car os espaços que têm | |
dominado a discussão dentro do campo – e que, portanto, precisam ser | |
incluídos neste livro. Dado que esta obra se destina a servir como livro | |
didático, é claramente importante mapear seu conteúdo tanto com relação | |
às atividades acadêmicas quanto às de interesse popular nesse campo. | |
Assim, esta obra envolve as posições mais povoadas do tabuleiro de xadrez, | |
embora reconheça que há outras áreas de legítimo interesse intelectual que | |
ainda não conseguiram a atenção que merecem. | |
OS QUATRO MODELOS DE IAN BARBOUR DA RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO | |
Então, como entendemos o relacionamento geral entre ciência e religião? | |
Quais modelos estão disponíveis quando tentamos imaginar seus possíveis | |
relacionamentos? Uma das descrições mais in uentes das abordagens da | |
relação entre ciência e religião deve-se a Ian G. Barbour (1923–2013), | |
pioneiro de estudos no campo de ciência e religião. Muitos argumentam que | |
o surgimento do campo “ciência e religião” como uma área própria de | |
estudo data de 1966, quando foi publicada a obra histórica de Barbour, Issues | |
in Science and Religion [Questões em ciência e religião]. Barbour nasceu em | |
5 de outubro de 1923 em Pequim, China, e inicialmente concentrou seus | |
estudos no campo da física, obtendo seu doutorado na Universidade de | |
Chicago, em 1950. Sua primeira nomeação acadêmica foi no Kalamazoo | |
College, Michigan, como professor de física. No entanto, ele tinha um forte | |
interesse em religião, que conseguiu seguir através de estudos na | |
Universidade de Yale, concluindo o bacharelado em divindade em 1956. Ele | |
atuou por muitos anos em vários cargos, incluindo chefe do departamento | |
de religião e professor de física no Carleton College, North eld, Minnesota | |
(1955–1981). Finalmente, assumiu a cátedra Winifred e Atherton Bean | |
como professor de ciências, tecnologia e sociedade nessa faculdade (1981– | |
1986). Ele veio a falecer em 2013. | |
A preocupação característica de Barbour em relacionar ciência e | |
religião, desenvolvida durante a década de 1960, levou à publicação do livro | |
pelo qual ele é mais conhecido – Issues in Science and Religion (1966) | |
[Questões em ciência e religião]. Esse livro re etiu sua experiência de ensino | |
nas áreas de ciência e religião – interesses de ensino que ele foi capaz de | |
manter durante a maior parte de sua carreira acadêmica. Nos anos de 1970, | |
Barbour desenvolveu ainda mais seus interesses através de um programa | |
sobre ética, políticas públicas e tecnologia, que identi cou e discutiu uma | |
série de questões religiosas. Issues in Science and Religion é amplamente | |
considerado como um livro dotado de autoridade, escrito com clareza e | |
erudição, que apresentou muitas pessoas às questões fascinantes associadas a | |
esse campo. Desde então, Barbour tornou-se autor ou editou uma série de | |
obras que tratam de questões sobre a interface entre ciência e religião | |
(principalmente Religion in an Age of Science [Religião na era da ciência], | |
que apareceu em 1990, com base nas Gifford Lectures [Palestras Gifford] | |
dadas por ele na Universidade de Aberdeen, em 1989). Ele é amplamente | |
considerado o decano do diálogo nesse campo e foi homenageado pela | |
Academia Americana de Religião em 1993. Barbour recebeu o Prêmio | |
Templeton para o Progresso da Religião em 1999, em reconhecimento aos | |
seus esforços para criar um diálogo entre os mundos da ciência e da religião. | |
Barbour desempenhou um papel enorme, catalisando o surgimento | |
desse campo especí co e tendo considerável in uência pessoal na | |
modelagem de sua dinâmica – incluindo aí a formulação de uma tipologia | |
in uente das possíveis relações entre ciência e religião. A tipologia de | |
Barbour quanto às “maneiras de relacionar ciência e religião” surgiu pela | |
primeira vez em 1988 e continua sendo amplamente usada, apesar de | |
algumas debilidades óbvias. Barbour lista quatro tipos amplos de relações: | |
con ito, independência, diálogo e integração. A seguir, de niremos e | |
ilustraremos o esquema quádruplo de Barbour, antes de observarmos | |
algumas questões que demandam exploração adicional. | |
Con ito | |
Historicamente, o entendimento mais signi cativo da relação entre | |
ciência e religião é o de “con ito” ou talvez até “guerra”. Esse modelo, | |
fortemente confrontativo, continua a ser profundamente in uente no nível | |
popular, mesmo que seu apelo tenha diminuído consideravelmente em um | |
nível mais acadêmico. “A guerra entre ciência e teologia na América | |
Colonial existe principalmente nas mentes dos historiadores dados a clichês” | |
(Ron Numbers). Esse modelo dominante foi exposto em duas obras | |
in uentes publicadas no nal do século 19: History of the Con ict between | |
Religion and Science [História do con ito entre religião e ciência], de John | |
William Draper (1874), e History of the Warfare of Science with eology in | |
Christendom [História da guerra da ciência com a teologia na cristandade], | |
de Andrew Dickson White (1896). O mais conhecido representante dessa | |
abordagem, no nal do século 20, é Richard Dawkins, segundo o qual “a fé é | |
um dos grandes males do mundo, comparável ao vírus da varíola, mas mais | |
difícil de erradicar”. Para Dawkins, ciência e religião são implacavelmente | |
opostas. | |
No entanto, esse modelo não se restringe a cientistas antirreligiosos. É | |
altamente difundido dentro de grupos religiosos conservadores no | |
cristianismo e no islamismo, que são muitas vezes virulentamente hostis à | |
ideia de evolução biológica. O criacionista Henry M. Morris (1918–2006) | |
publicou uma continuada crítica da moderna teoria evolutiva com o título | |
e Long War against God [A longa guerra contra Deus] (1989). Em um | |
prefácio elogioso ao livro, um pastor batista conservador declara que: “O | |
evolucionismo moderno é simplesmente a continuação da longa guerra de | |
Satanás contra Deus”. Morris até mesmo nos convida a imaginar Satanás | |
concebendo a ideia de evolução como um meio de destronar Deus. | |
Ainda assim, muitos dos episódios históricos tradicionalmente | |
colocados nessa categoria ou tidos como representantes de sua manifestação, | |
podem ser interpretados de outras maneiras. A controvérsia de Galileu do | |
século 17, por exemplo, ainda é apresentada como um exemplo clássico de | |
“ciência contra a religião”, embora seja agora reconhecida como uma questão | |
muito mais complexa e cheia de nuanças. Da mesma forma, a teoria da | |
evolução de Darwin é frequentemente apresentada na mídia popular como | |
antirreligiosa em natureza e intenção, mesmo que o próprio Darwin tenha | |
sido in exível ao a rmar que não era. De fato, em 1889, o teólogo anglicano | |
Aubrey Moore observou que: “o darwinismo apareceu e, sob o disfarce de | |
um inimigo, fez o trabalho de um amigo”. A questão de saber se a ciência e a | |
religião estão em con ito, com demasiada frequência, parece repousar sobre | |
complexas questões de interpretação, muitas vezes deixadas de lado por | |
quem procura respostas simples e slogans capciosos. | |
Mais importante, o modelo de con ito está sendo cada vez mais visto | |
como um modo de pensar caracteristicamente ocidental, fundamentado nas | |
histórias especí cas e nas normas culturais implícitas das nações ocidentais, | |
particularmente os Estados Unidos. Os pesquisadores observaram que a | |
relação entre ciência e religião em culturas não ocidentais – como a Índia – é | |
entendida de uma maneira muito diferente (e muito mais positiva). | |
Pesquisas recentes indicam que a abordagem geral que Barbour designa | |
como “independência” (veja abaixo) é dominante entre cientistas na | |
América do Norte e Europa Ocidental, enquanto uma abordagem mais | |
colaborativa ou dialogal é dominante nas comunidades cientí cas da Ásia. | |
Embora alguns comentaristas culturais ocidentais considerem o modelo | |
de “con ito” normativo, não se trata disso. É simplesmente uma opção | |
dentro de um espectro de possibilidades, que se tornou in uente como | |
resultado de um conjunto de circunstâncias históricas, em vez de ser algo | |
que tenha a ver com a natureza essencial da ciência ou da religião. Além | |
disso, o modelo de “con ito” mantém sua credulidade em grande parte | |
devido a con itos decorrentes de questões muito especí cas – | |
principalmente o ensino de evolução nas escolas e questões de modi cação | |
terapêutica de genes. | |
Independência | |
A controvérsia darwiniana fez com que muitos descon assem do | |
modelo de “guerra” ou “con ito”. Em primeiro lugar, isso foi visto como | |
historicamente questionável. No entanto, em segundo lugar, havia uma | |
preocupação crescente em impedir que qualquer alegado “con ito” | |
dani casse a ciência ou a religião. Isso levou muitos a insistir que os dois | |
campos deviam ser considerados completamente independentes um do | |
outro. Essa abordagem insiste em que a ciência e a religião devem ser vistas | |
como campos de estudo ou esferas da realidade independentes e autônomos, | |
com suas próprias regras e linguagens distintas. A ciência tem pouco a dizer | |
sobre crenças religiosas e a religião tem pouco a dizer sobre o estudo | |
cientí co. | |
Essa abordagem é encontrada na declaração de política da Academia | |
Nacional Americana de Ciências, de 1981, que estabelece: “Religião e ciência | |
são domínios do pensamento humano separados e mutuamente exclusivos, | |
cuja apresentação no mesmo contexto leva à má compreensão tanto da | |
teoria cientí ca quanto da crença religiosa”. Isso também é encontrado no | |
modelo de Stephen Jay Gould de “magistérios não interferentes” (ou | |
NOMA: Non-overlapping magisteria), que defende a a rmação do respeito | |
mútuo e o reconhecimento de diferentes metodologias e domínios de | |
interpretação entre ciência e religião: | |
Acredito, de todo o coração, em concordância respeitosa e até amorosa entre nossos magistérios | |
– na solução NOMA. NOMA representa uma posição baseada em princípios morais e | |
intelectuais, não em mera atitude diplomática. A solução NOMA serve também a ambos os | |
lados. Se a religião não pode mais fazer a rmações cabais sobre a natureza de conclusões factuais | |
sob o magistério da ciência, os cientistas não podem reivindicar uma percepção mais elevada da | |
verdade moral a partir de qualquer conhecimento superior da constituição empírica do mundo. | |
Essa humildade mútua tem importantes consequências práticas em um mundo de paixões tão | |
variadas.5 | |
Uma variante dessa abordagem é dada pelo teólogo americano Langdon | |
Gilkey (1919–2004). Em sua obra de 1959, Maker of Heaven and Earth | |
[Criador do céu e da terra], Gilkey argumenta que a teologia e as ciências | |
naturais representam maneiras independentes e diferentes de abordar a | |
realidade. As ciências naturais estão preocupadas em fazer perguntas sobre o | |
“como”, enquanto a teologia faz perguntas relacionadas ao “por que”. As | |
primeiras lidam com causas secundárias (ou seja, interações dentro da esfera | |
da natureza), enquanto esta última lida com causas primárias (ou seja, | |
origem e propósitos fundamentais da natureza). | |
Esse modelo de independência atrai muitos cientistas e teólogos porque | |
lhes dá liberdade de acreditar e pensar no que eles prezam em seus próprios | |
campos (“magistérios”, para usar a expressão de Gould), sem forçá-los a | |
relacionar esses magistérios entre si. Entretanto, como Ian Barbour aponta, | |
isso inevitavelmente compartimenta a realidade. “Não experienciamos a | |
vida tão nitidamente dividida em compartimentos separados; nós a | |
experienciamos em sua totalidade e interconectividade antes de | |
desenvolvermos disciplinas especí cas para estudar seus diferentes | |
aspectos”. Em outras palavras, esses círculos não podem evitar algum grau | |
de sobreposição e interação; eles não são completamente separados. | |
Diálogo | |
Uma terceira maneira de entender a relação entre ciência e religião é vêlas engajadas em um diálogo, levando a uma melhor compreensão mútua. | |
Como comentou o falecido papa João Paulo II em 1998: “A Igreja e a | |
comunidade cientí ca irão inevitavelmente interagir; as suas opções não | |
incluem o isolamento”. Então, que forma a interação entre elas pode | |
assumir? Como elas podem se complementar? Para João Paulo II, a resposta | |
era clara: “A ciência pode puri car a religião do erro e da superstição; a | |
religião pode puri car a ciência da idolatria e dos falsos absolutos. Cada | |
uma delas pode introduzir a outra num mundo mais vasto, num mundo em | |
que ambas podem orescer”. | |
Esse ponto foi desenvolvido pelo “Grupo do Diálogo” de cientistas e | |
bispos católicos nos Estados Unidos, ao declarar que: “Ciência e religião | |
podem oferecer insights complementares sobre tópicos complexos como as | |
biotecnologias emergentes”. Vemos aqui um reconhecimento de que as | |
limitações morais impostas às ciências naturais em virtude do caráter | |
amoral do método cientí co levam a uma compreensão da necessidade de | |
suplementar a discussão cientí ca com outras fontes. Voltaremos a essa | |
discussão mais adiante nesta obra. | |
Esse diálogo respeita a identidade distinta de seus participantes, | |
enquanto explora pressupostos e suposições compartilhadas. Ian Barbour | |
considera esse modelo provavelmente o mais satisfatório do possível leque | |
de abordagens. Também é encontrado nos escritos recentes de John | |
Polkinghorne, que aponta uma série de paralelos signi cativos entre os dois | |
magistérios. Por exemplo, tanto a ciência quanto a religião envolvem pelo | |
menos algum grau de julgamento pessoal, na medida em que ambas lidam | |
com dados que são “impregnados de teoria”. Da mesma forma, ambas | |
envolvem uma série do que pode ser chamado suposições “ duciárias” – por | |
exemplo, que o universo é racional, coerente, ordenado e um todo. Uma | |
preocupação semelhante está na base de Enriching Our Vision of Reality | |
[Enriquecendo nossa visão da realidade] (2016), de Alister E. McGrath, que | |
visa aprimorar o rigor intelectual da teologia cristã por meio de um extenso | |
diálogo com as ciências naturais, especialmente em relação a questões de | |
métodos de investigação e representação da realidade. | |
Integração | |
Uma quarta compreensão da maneira pela qual a ciência e a religião | |
interagem pode ser encontrada nos escritos do teólogo britânico Charles | |
Raven (1885–1964). Em Natural Religion and Christian eology [Religião | |
natural e teologia cristã] (1953), Raven argumenta que os mesmos métodos | |
básicos tinham que ser usados em todos os aspectos da busca humana por | |
conhecimento, seja religioso ou cientí co. “O principal processo é o mesmo, | |
se estamos investigando a estrutura de um átomo ou um problema na | |
evolução animal, um período da história ou a experiência religiosa de um | |
santo”. Raven resiste vigorosamente a qualquer tentativa de dividir o | |
universo em componentes “espirituais” e “físicos”, e insiste em que devemos | |
“contar uma única história que trate todo o universo como uno e indivisível”. | |
Barbour é muito simpático a essa abordagem e vê a loso a do processo | |
como um catalisador para esse processo de integração. Uma perspectiva | |
semelhante é encontrada nos escritos mais tardios de Arthur Peacocke, que | |
interpreta a evolução como o modo preferido de criação de Deus. | |
É importante notar que Barbour tende a apresentar essas quatro opções | |
como estágios em uma jornada intelectual de descoberta, talvez análoga ao | |
clássico de John Bunyan, e Pilgrim’s Progress [O progresso do peregrino]. | |
O viajante intelectual pode começar com Con ito, seguido por um breve e | |
insatisfatório erte com a Independência, e nalmente encontrar um local | |
de descanso satisfatório no Diálogo ou em alguma forma de Integração. Os | |
modelos de Con ito e Independência estão errados, argumenta Barbour, | |
enquanto as abordagens de Diálogo e Integração estão corretas. | |
Inevitavelmente, aqueles que estão interessados em tentar encontrar uma | |
descrição con ável e imparcial das possibilidades acharão as pressuposições | |
de Barbour um pouco inquietantes nesse ponto e se perguntarão se | |
abordagens menos prescritivas podem estar disponíveis. | |
Então, que di culdades são levantadas por essa taxonomia simples? O | |
mais óbvio é que ela é inadequada para fazer justiça à complexidade da | |
história. Como Geoffrey Cantor e Chris Kenny apontam em uma crítica | |
ponderada à abordagem de Barbour, a história testemunha uma série de | |
complicações que não podem ser incorporadas em taxonomias simplistas. É | |
difícil refutar esse ponto. O esquema quádruplo de Barbour é útil | |
precisamente porque é muito simples. No entanto, sua simplicidade pode ser | |
uma fraqueza, tanto quanto uma força. | |
Mais seriamente, o modelo é puramente intelectual em sua abordagem, | |
dizendo respeito sobretudo a como as ideias são sustentadas. E os aspectos | |
sociais e culturais da questão, que desempenham um papel tão importante | |
em qualquer tentativa de entender como a interação entre ciência e religião | |
funciona na prática, seja no passado ou no presente? Tem havido uma | |
tendência crescente em estudos recentes de desviar a análise de uma | |
abordagem puramente intelectual à interação entre ciência e religião, a m | |
de considerar suas dimensões simbólicas e sociais, nas quais a interação é | |
muito mais diversi cada. | |
Além disso, o contexto histórico geralmente precisa ser examinado de | |
perto. Tensões e con itos presumidos entre ciência e religião, como a | |
controvérsia de Galileu, costumam ter mais a ver com políticas papais, lutas | |
pelo poder eclesiástico e questões de personalidade do que com tensões | |
fundamentais entre fé e ciência. Os historiadores da ciência deixaram claro | |
que a interação entre ciência e religião é determinada principalmente pelas | |
especi cidades de suas circunstâncias históricas e apenas secundariamente | |
pelas respectivas temáticas. Não existe paradigma universal para a relação | |
entre ciência e religião, seja teórica ou historicamente. | |
O caso das atitudes cristãs em relação à teoria da evolução no nal do | |
século 19 torna esse ponto particularmente evidente. Como o geógrafo e | |
pesquisador de história intelectual David Livingstone demonstrou em seu | |
estudo inovador sobre a recepção do darwinismo em dois contextos muito | |
diferentes – Belfast, na Irlanda do Norte, e Princeton, em Nova Jersey, | |
questões e personalidades locais foram frequentemente de importância | |
decisiva na determinação do resultado, em vez de quaisquer princípios | |
teológicos ou cientí cos fundamentais. | |
No entanto, apesar de suas limitações, o quadro estabelecido por | |
Barbour continua sendo útil como meio de abordar o campo dos estudos de | |
ciência e religião. Representa uma descrição útil de possíveis abordagens, | |
mas não pode se esperar muito dele em termos de uma análise rigorosa das | |
questões. Talvez possa ser pensado como um esboço útil do terreno, e não | |
como um mapa detalhado e preciso. | |
Esse esboço foi estendido por outros que trabalham no campo, como | |
Ted Peters, para quem dez abordagens podem ser discernidas, quatro das | |
quais se baseiam na suposição de con ito entre ciência e religião e seis | |
outras apresentando abordagens que pressupõem uma trégua ou mesmo | |
uma potencial parceria entre elas. Peters as descreve da seguinte maneira: | |
As quatro primeiras presumem con ito ou mesmo guerra: (1) cienti cismo; (2) imperialismo | |
cientí co; (3) autoritarismo teológico; e (4) controvérsia da evolução. Seis modelos adicionais | |
assumem uma trégua, ou até mais: eles buscam parceria: (5) os Dois Livros; (6) as Duas | |
Linguagens (separação; independência); (7) aliança ética; (8) diálogo levando à interação mútua | |
criativa; (9) naturalismo; e (10) teologia da natureza.6 | |
QUATRO MANEIRAS DE IMAGINAR A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO | |
Relacionamentos complexos costumam ser melhor representados visual | |
ou imaginativamente. Analogias e metáforas são úteis na exploração de | |
limites disciplinares, no mapeamento de estruturas complexas e na | |
estruturação de possíveis relacionamentos. Nesta seção, consideraremos | |
quatro maneiras de imaginar a relação entre ciência e religião. As três | |
primeiras não fazem suposições religiosas; a quarta é baseada em algumas | |
suposições cristãs, tornando-a útil para aqueles que trabalham com esse | |
modo de pensar, embora talvez seja menos útil para aqueles que não | |
compartilham suas principais suposições teológicas. A seguir, | |
consideraremos quatro maneiras de visualizar ou imaginar a relação entre | |
ciência e religião. Elas não são “modelos”, como essa palavra é normalmente | |
usada, mas são lentes ou esquemas que nos permitem visualizar possíveis | |
relacionamentos. | |
Ciência e religião oferecem perspectivas distintas sobre a realidade | |
A primeira analogia nos convida a ver a ciência e a religião como | |
oferecendo perspectivas distintas sobre uma realidade complexa. Explorarei | |
essa abordagem, conforme apresentada nos escritos de Charles A. Coulson,7 | |
um dos pioneiros no diálogo entre ciência e religião. Coulson foi professor | |
de química teórica na Universidade de Oxford e autor de Science and | |
Christian Belief [Ciência e fé cristã] (1955), uma narrativa in uente sobre a | |
relação entre as ciências naturais e o cristianismo. | |
Coulson era um alpinista entusiasmado e ilustrou sua abordagem com a | |
montanha escocesa Ben Nevis. Ele convidou seus leitores a se juntarem a ele | |
em um passeio imaginativo por essa montanha e a re etir sobre como a | |
montanha aparecia quando vista de diferentes ângulos de abordagem. Vista | |
do Sul, a montanha se apresenta como uma “enorme encosta gramada”; do | |
Norte, como “contrafortes rochosos”. Visitantes regulares da montanha estão | |
familiarizados com essas diferentes perspectivas. “Cada um olha para a | |
montanha; cada um vê certas coisas e cada um tenta descrever seu encontro | |
com a montanha em termos que fazem sentido. Cada um deles imagina uma | |
linguagem adequada para seu objetivo especí co”. A estrutura complexa de | |
Ben Nevis não pode ser entendida completamente a partir de um único | |
ângulo de abordagem. “Diferentes pontos de vista da mesma realidade | |
parecerão diferentes, mas ambos serão válidos”. Uma descrição completa | |
exige que essas diferentes perspectivas sejam reunidas e integradas em uma | |
única imagem coerente. O todo é a soma dessas múltiplas perspectivas. | |
Era uma analogia simples e facilmente aplicada à relação entre ciência e | |
fé. A principal visão de Coulson é que “pontos de vista diferentes produzem | |
descrições diferentes”. Um cientista, um poeta e um teólogo oferecem uma | |
perspectiva distinta da realidade complexa de nossa experiência. Cada um | |
descreve o que vê usando sua própria linguagem e imagens distintas. Para | |
Coulson, isso mostra a necessidade de uma imagem geral, cumulativa e | |
integrada da realidade, com a ciência e a religião oferecendo suas próprias | |
perspectivas, cada uma das quais válida, mas incompleta. | |
A experiência humana da realidade é complexa e há espaço para | |
abordagens cientí cas e religiosas para apreender essa realidade. “Os dois | |
mundos são um só, embora vistos e descritos em termos apropriados; | |
apenas o homem que não possa – ou não queira – olhar de mais de um | |
ponto de vista reivindica uma autoridade exclusiva para sua própria | |
descrição”. Coulson reconhecia que alguns cientistas e teólogos alegavam | |
que suas próprias ideias representavam um monopólio da verdade. Sua | |
opinião, no entanto, era de que os dois ofereciam ideias parciais, que | |
precisavam ser entrelaçadas em uma imagem mais completa e con ável. | |
Essa é uma abordagem útil. No entanto, ela oferece um relato um tanto | |
raso da realidade. Muitos argumentam que a realidade é algo com | |
multicamadas e que cada uma dessas camadas precisa ser explorada de | |
maneira distinta, adaptada às suas características. Isso nos leva diretamente | |
à segunda abordagem que precisamos considerar. | |
Ciência e religião envolvem níveis distintos de realidade | |
O físico teórico Werner Heisenberg é um dos muitos cientistas | |
in uentes a enfatizar que não é possível falar “do método cientí co”. Cada | |
disciplina cientí ca desenvolve seus próprios métodos de pesquisa, | |
apropriados às suas tarefas de pesquisa e ao campo de investigação. | |
“Precisamos lembrar que o que observamos não é a própria natureza, mas a | |
natureza conforme revelada por nossos métodos de investigação.”8 O | |
argumento de Heisenberg sugere que a necessidade cientí ca de usar uma | |
multiplicidade de métodos de pesquisa leva a uma pluralidade | |
correspondente de perspectivas ou insights sobre a realidade, que, portanto, | |
precisam ser entretecidas de alguma maneira para dar origem à melhor | |
representação integral possível da natureza. | |
Heisenberg reconhece tanto a complexidade do mundo natural quanto | |
da experiência humana, oferecendo uma descrição disso que reconhece uma | |
pluralidade de abordagens e resultados intelectuais. Heisenberg foi capaz de | |
acomodar arte e religião dentro de sua abordagem geral, distinguindo-as das | |
ciências naturais, embora a rmasse sua legitimidade cultural e distinção | |
intelectual. Arte, ciência e religião resultaram de diferentes métodos e | |
deveriam ser vistas como parte de um maior engajamento humano com a | |
realidade, o que requer múltiplos métodos de pesquisa. | |
Esse quadro referencial [de distintos níveis de realidade] oferece | |
algumas possibilidades importantes para identi car os “produtos do | |
conhecimento” distintos, tanto da ciência quanto da religião. Respeita a | |
diferença entre ciência e religião, evitando qualquer tentativa de confundilas ou misturá-las; no entanto, sustenta que é possível reunir os diferentes | |
níveis de conhecimento que elas produzem. Como consideraremos em | |
vários pontos desta obra, as ciências naturais estão preocupadas | |
principalmente com a compreensão de como as coisas funcionam, enquanto | |
a religião está mais preocupada com o que elas signi cam. Esses aspectos | |
representam diferentes níveis de envolvimento com a existência humana. No | |
entanto, eles podem ser reunidos para proporcionar uma compreensão mais | |
completa e rica da natureza distinta da humanidade. | |
Ciência e religião oferecem mapas distintos da realidade | |
Uma terceira abordagem é encontrada nos escritos da lósofa britânica | |
Mary Midgley, que frequentemente discorria sobre a relação entre as | |
ciências naturais e outras disciplinas. Midgley argumentava que o projeto de | |
analisar as questões mais importantes da vida exigia que várias ferramentas | |
conceituais diferentes tivessem que ser usadas em conjunto para revelar o | |
quadro completo da existência humana. Um único método de investigação | |
iluminará apenas alguns aspectos do nosso mundo. Limitar-nos aos | |
métodos das ciências naturais em geral, ou de uma ciência natural (como a | |
física) em particular, leva ao que Midgley chama de “visão bizarramente | |
restritiva de signi cado”.9 | |
Midgley argumenta, portanto, que precisamos desenvolver “múltiplos | |
mapas” da realidade. Nenhuma abordagem única é adequada para fazer | |
justiça ao mundo natural. Precisamos de “muitas janelas” para uma | |
realidade complexa, se quisermos representá-la adequadamente, em vez de | |
reduzi-la a uma perspectiva privilegiada. Considere um atlas, que nos | |
fornece muitos mapas da mesma região – por exemplo, América do Norte | |
ou Europa. Mas por que precisamos de tantos mapas para representar uma | |
região? Um não seria su ciente? A resposta de Midgley é simples: porque | |
diferentes mapas fornecem informações diferentes sobre a mesma realidade. | |
Um mapa físico da Europa mostra as características da paisagem. Um | |
mapa político mostra as fronteiras de seus estados-nação. O ponto de | |
Midgley é que cada mapa é projetado para responder a um conjunto | |
especí co de perguntas. Que idioma é falado aqui? Quem governa esse | |
território? Cada mapa sonda a região, respondendo certas perguntas sobre | |
ela – e não outras. Se queremos obter uma compreensão abrangente do | |
nosso mundo, precisamos encontrar uma maneira de reuni-los todos. | |
Podemos sobrepô-los, para que suas informações possam ser totalmente | |
integradas. Um mapa por si só não pode nos dizer tudo o que queremos | |
saber. Ele pode nos ajudar a entender parte de uma imagem maior – mas, | |
para ver a imagem completa, precisamos de vários mapas. Cada mapa | |
responde a uma pergunta diferente – e cada uma dessas perguntas é | |
importante. A ciência mapeia nosso mundo em um nível, explicando como | |
ele funciona; a religião mapeia nosso mundo em outro nível, explicando o | |
que ele signi ca. | |
Os Dois Livros: duas abordagens complementares da realidade | |
Finalmente, nos voltamos para uma maneira de visualizar a relação entre | |
as ciências naturais e o cristianismo, que emergiu durante o Renascimento | |
Europeu e contribuiu muito para incentivar o surgimento da ciência, | |
mostrando como ela era consistente com um modo de pensar religioso. A | |
metáfora dos “Dois Livros de Deus” nos convida a imaginar a natureza e a | |
Bíblia cristã como textos originários do mesmo autor, os quais demandam | |
interpretação. A metáfora dos “Dois Livros de Deus” foi amplamente usada | |
para manter a distinção entre ciências naturais e teologia cristã, por um | |
lado, e para a rmar sua capacidade de interação positiva, por outro. Ambos, | |
argumentava-se, foram escritos por Deus; ambos revelam Deus, de maneiras | |
diferentes e em diferentes extensões. Esses dois livros podem ser lidos | |
individualmente; mas também podiam ser lidos lado a lado, cada um | |
iluminando o outro. | |
Essa metáfora desempenhou várias funções importantes durante o | |
surgimento das ciências naturais, entre 1500 e 1750. A obra Institutas da | |
Religião Cristã (1559), de João Calvino, foi elaborada para ajudar os cristãos | |
a discernir o “panorama geral” da fé cristã, que, segundo Calvino, encorajava | |
explicitamente um diálogo entre as ciências naturais e a teologia, | |
reconhecendo os paralelos e as divergências entre os Dois Livros. “O | |
conhecimento de Deus, que é claramente mostrado na ordem do mundo e | |
em todas as criaturas, é ainda mais claro e familiarmente explicado na | |
Palavra”.10 Mais tarde, as con ssões de fé reformadas – como a Con ssão | |
Belga – a rmaram que o universo é apresentado diante de nós como um | |
“belo livro”, projetado para nos encorajar a “re etir sobre as coisas invisíveis | |
de Deus”. Para Calvino, a Bíblia esclareceu e ampliou esse conhecimento de | |
Deus, estabelecendo-o em um fundamento mais con ável. | |
A metáfora dos “Dois Livros de Deus” baseia-se na crença fundamental | |
de que o Deus que criou o mundo é também o Deus que é revelado na e pela | |
Bíblia cristã. Sem esse pressuposto subjacente e informativo, os “Dois | |
Livros” não precisam ser vistos como conectados de forma alguma. O elo | |
entre eles está fundamentado na crença teológica cristã em um Deus criador | |
que é revelado na Bíblia. A metáfora cristã dos “Dois Livros” procurou | |
reunir os vários elementos do conhecimento humano, vendo isso como uma | |
virtude cultural e um dever espiritual. Como já foi observado muitas vezes, | |
uma das motivações para o estudo cientí co sério da natureza era a | |
profunda sensação de que isso enriqueceria a apreciação do cristão pela | |
beleza e sabedoria de Deus como criador. | |
A analogia dos “Dois Livros” de Deus enfatiza, portanto, que o mundo | |
natural e a fé cristã são distintos, e que eles não devem ser confundidos ou | |
assimilados. Cada um tem seus próprios tópicos e métodos distintos de | |
investigação, representação e sistematização. Ainda assim, esses dois livros | |
se relacionam, cada um enriquecendo o outro. A investigação do mundo | |
natural requer um método, a interpretação da Bíblia requer outro. No | |
entanto, essas duas disciplinas distintas são capazes de se iluminar | |
mutuamente e enriquecer a compreensão de seus leitores sobre o signi cado | |
da natureza. A metáfora cria uma expectativa de diálogo signi cativo, | |
mesmo que limitado, entre ciência e cristianismo, fundamentado em uma | |
visão teológica – isto é, que Deus é o autor de cada um desses dois livros. | |
Já neste capítulo, nos referimos a alguns marcos históricos na interação | |
entre ciência e religião. No próximo capítulo, exploraremos quatro desses | |
marcos em mais detalhes, preparando o cenário para algumas das discussões | |
nas seções posteriores. | |
SUGESTÕES DE LEITURA | |
Barbour, Ian G. Issues in Science and Religion [Questões em Ciência e | |
Religião]. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1966. | |
Cantor, Geoffrey, Chris Kenny. “Barbour’s Fourfold Way: Problems with His | |
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765–781. | |
Coulson, C. A. Science and Christian Belief [Ciência e fé cristã]. London: | |
Oxford University Press, 1955. | |
Dallal, Ahmad S. Islam, Science, and the Challenge of History [Islã, ciência e | |
o desa o da história]. New Haven, CT: Yale University Press, 2010. | |
Ecklund, Elaine Howard, David R. Johnson, Christopher P. Scheitle, Kirstin | |
R. W. Matthew, Steven W. Lewis. “Religion among Scientists in | |
International Context: A New Study of Scientists in Eight Regions.” | |
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(2008): 87–105. | |
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Freely, John. Aladdin’s Lamp: How Greek Science Came to Europe through the | |
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Philadelphia: Templeton Foundation Press, 2006. | |
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765–781. | |
McFague, Sallie. “Ian Barbour: eologian’s Friend, Scientist’s Interpreter.” | |
Zygon, 31, n. 1 (2005): 21–28. | |
Polkinghorne, John. Scientists as eologians: A Comparison of the Writings | |
of Ian Barbour, Arthur Peacocke and John Polkinghorne [Cientistas | |
como teólogos: uma comparação dos escritos de Ian Barbour, Arthur | |
Peacocke e John Polkinghorne]. London: SPCK, 1996. | |
Russell, Robert John (ed.) Fiy Years in Science and Religion: Ian G. Barbour | |
and His Legacy [Cinquenta anos em ciência e religião: Ian G. Barbour e | |
seu legado]. Aldershot: Ashgate, 2004. | |
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Notas | |
1 José Ortega y Gasset, ‘El origen deportivo del estado’. Citius, Altius, Fortius, 9, 1–4 (1967): 259–276; | |
pp. 259–260. | |
2 Albert Einstein, Ideas and Opinions. [Ideias e Opiniões] New York: Crown Publishers, 1954, pp. 41– | |
42. | |
3 Robert Jastrow, God and the Astronomers. [Deus e os astrônomos] New York: Norton, 1978, pp. | |
115–116. | |
4 Stephen Jay Gould, ‘Nonmoral Nature.’ [Natureza amoral] Natural History, 91 (1982): 19–26. | |
5 Stephen Jay Gould, ‘Nonmoral Nature.’ [Natureza amoral] Natural History, 91 (1982): 19–26. | |
6 Ted Peters, ‘Science and Religion: Ten Models of War, Truce, and Partnership.’ eology and Science, | |
16, n. 1 (2018): 11–53. | |
7 C. A. Coulson, Christianity in an Age of Science. [Cristianismo na era da ciência] London: Oxford | |
University Press, 1953, pp. 19–21. | |
8 Werner Heisenberg, Physik und Philosophie. [Física e Filoso a] Stuttgart: Hirzel, 2007, p. 85. | |
9 Mary Midgley, Wisdom, Information, and Wonder: What Is Knowledge For? [Sabedoria, Informação | |
e Maravilhamento: Para que serve o conhecimento?] London: Routledge, 1995, p. 199. | |
10 João Calvino, Institutas da Religião Cristã, I.x.1. | |
M | |
uitas pessoas são atraídas para estudar a relação entre ciência e | |
religião porque ela envolve muitas das “grandes questões” de | |
hoje – por exemplo, como viver uma vida boa e como habitar | |
esse universo intrigante de maneira que tenha signi cado. Parte | |
da empolgação desse campo é o fato de que ele estimula debates | |
atualíssimos, envolvendo questões de relevância imediata. No entanto, | |
muitos que estão explorando o campo de ciência e religião pela primeira vez | |
se veem intrigados com a ênfase que muitas obras colocam em discussões e | |
debates de épocas anteriores. | |
Por que estudar debates do passado, quando esses parecem irrelevantes | |
para as preocupações contemporâneas? Por que olhar para o passado | |
quando há tantas discussões importantes acontecendo no presente? Muitos | |
cientistas naturais ressaltam que suas disciplinas estão se desenvolvendo tão | |
rapidamente, que as ideias mais antigas cam desatualizadas com uma | |
velocidade alarmante, com artigos de pesquisa cando desatualizados em | |
menos de duas décadas. Estudar a história parece implicar em desengajar-se | |
do mundo real e entrar em um mundo muito diferente, que tem pouca | |
relação com o nosso. “O passado é um país estrangeiro: eles fazem as coisas | |
de maneira diferente por lá” (L. P. Hartley). | |
Qualquer pessoa que deseje entender a interação entre ciência e religião | |
precisa se familiarizar com, pelo menos, quatro grandes marcos históricos – | |
os debates astronômicos do século 16 e início do século 17, a ascensão da | |
cosmovisão newtoniana no nal do século 17 e durante o século 18, a | |
controvérsia darwiniana do século 19 e os desenvolvimentos cosmológicos | |
do século 20 relacionados às origens do universo. As questões levantadas | |
por esses desenvolvimentos são encontradas repetidas vezes nos debates | |
contemporâneos. Elas pairam sobre as discussões contemporâneas da | |
relação entre ciência e fé em geral, mas também levantam questões | |
especí cas, muitas vezes relacionadas à interpretação bíblica, que continuam | |
a ser debatidas até hoje. Memórias de debates anteriores constantemente | |
a oram nas discussões atuais. | |
Este capítulo visa apresentar esses marcos históricos, indicando os | |
principais pontos que levantam para discussão e sua importância para o | |
nosso tempo. Como essas quatro discussões são constantemente | |
mencionadas na literatura sobre o tema “ciência e religião” – assim como | |
estão também no presente texto –, os leitores precisam estar familiarizados | |
com as ideias e os desenvolvimentos básicos. Elas são, portanto, discutidas | |
nesta seção inicial, juntamente com o surgimento da “síntese medieval”, que | |
muitos estudiosos consideram ter fornecido o contexto intelectual essencial | |
para o advento das ciências naturais. | |
No entanto, muitos leitores desta obra, embora reconheçam a força | |
prática desse ponto, ainda hão de querer perguntar por que deveriam se | |
preocupar em estudar história. Antes de examinar esses quatro debates | |
especí cos, faremos uma pausa e re etiremos sobre o lugar da história na | |
interação entre ciência e religião. | |
POR QUE ESTUDAR HISTÓRIA? | |
Qual é o sentido de olhar para o passado quando pretendemos falar | |
sobre temas relativos à ciência e religião no século 21? Por que estudar | |
debates de séculos atrás quando há tanto que é intelectualmente importante | |
e interessante no presente? Essas são perguntas justas, que merecem | |
respostas cuidadosas. | |
Qualquer discussão sobre a relação entre ciência e religião hoje tornouse problemática pela in uência persistente de controvérsias passadas, | |
geralmente na forma de interpretações errôneas populares ou deturpações | |
de episódios históricos multifacetados. Por exemplo, as tensões entre Galileu | |
e a Igreja foram complicadas pela apologética institucional e pelo poder | |
político das abordagens aristotélicas da ciência, especialmente na | |
Universidade de Pádua. Estudos modernos desconstruíram com sucesso os | |
relatos históricos populares de muitas dessas controvérsias, expondo a | |
dinâmica de poder e as agendas culturais de muitos daqueles que procuram | |
retratar a ciência e o cristianismo como engal nhados em combates mortais. | |
Em uma série de estudos históricos importantes e in uentes sobre | |
ciência e religião, publicados na década de 1990 e nos anos seguintes, com | |
foco especial no século 19, o estudioso de Oxford John Hedley Brooke | |
a rmou que estudos sérios na história da ciência revelaram a “relação entre | |
ciência e religião no passado como tão extraordinariamente rica e complexa, | |
que teses gerais são difíceis de sustentar. A verdadeira lição acaba sendo a | |
complexidade”.11 A análise de Brooke encontrou amplo apoio na | |
comunidade acadêmica, mesmo que tenha demorado para ltrar as | |
discussões populares. Peter Harrison assinalou mais recentemente que “o | |
estudo das relações históricas entre ciência e religião não revela nenhum | |
padrão simples”,12 como o mito da narrativa de “con ito”, que | |
consideraremos abaixo. No entanto, ele revela uma tendência geral: na maior | |
parte do tempo, segundo Harrison, a religião facilitou a investigação | |
cientí ca. | |
Pesquisas históricas nas últimas três décadas deixaram claro que não há | |
uma maneira “certa” ou privilegiada de entender a relação entre ciência e | |
religião. Em vez disso, encontramos uma rica variedade de possibilidades, | |
algumas das quais declaradas normativas por aqueles com interesses | |
especiais no assunto. A tendência de essencializar a “ciência” e a “religião” | |
levou muitos a negligenciar a importância do contexto histórico e cultural | |
na formação de percepções sobre como o cristianismo e as ciências naturais | |
devem – ou podem – se relacionar. | |
A seguir, veremos como o estudo da história da interação entre ciência e | |
religião nos ajuda a entender seu relacionamento atual. Para explorar a | |
importância desse ponto, começaremos considerando as origens da crença | |
popular generalizada de que ciência e religião estão permanentemente em | |
desacordo – o chamado modelo do “con ito” da interação entre ciência e | |
religião. Isso ainda está profundamente enraizado no pensamento popular. | |
Inventando a “guerra” entre ciência e religião | |
A relação entre ciência e religião sempre foi complexa. Não há uma | |
“narrativa principal” que descreva o relacionamento entre elas – como a | |
narrativa notoriamente imprecisa do “con ito”, mencionada acima, o qual | |
postula que ciência e religião sempre estiveram envolvidas em uma luta de | |
morte. É bem sabido que a revolução cientí ca testemunhou tanto tensão | |
quanto colaboração entre pontos de vista religiosos tradicionais e teorias | |
cientí cas inovadoras. | |
Para ilustrar esse quadro complexo, consideremos a doutrina cristã da | |
criação, que moldou o mundo intelectual da Europa Moderna e encorajou as | |
pessoas a pensar em um universo regular e ordenado que re etisse a | |
sabedoria de seu criador. O estudo intenso da ordem criada foi visto por | |
muitos como um meio de obter uma apreciação maior da “mente de Deus”. | |
Havia, portanto, uma motivação religiosa positiva para a realização de | |
pesquisas cientí cas. Porém, essa mesma doutrina tradicional da criação | |
gerou tensões, especialmente quando a narrativa de Charles Darwin sobre as | |
origens humanas começou a ganhar ascendência no nal do século 19. A | |
teoria de Darwin parecia questionar a validade de uma leitura literal dos | |
capítulos iniciais do livro de Gênesis. Surgiram então tensões, que | |
permanecem até hoje. | |
É importante compreender também que ciência é, quase por de nição, | |
uma atividade subversiva, desa ando todos os tipos de interesses | |
estabelecidos e grupos de poder. O físico Freeman Dyson escreveu um | |
importante ensaio intitulado “O cientista como rebelde”, no qual destacou | |
que muitos cientistas se viram envolvidos em uma “rebelião contra as | |
restrições impostas pela cultura predominante local”. | |
Isso pode ser facilmente ilustrado a partir da história da interação entre | |
ciência e cultura. Para o matemático e astrônomo árabe Omar Khayyam | |
(1048-1122), a ciência era uma rebelião contra as restrições intelectuais do | |
Islã; para os cientistas japoneses do século 19, a ciência era uma rebelião | |
contra o feudalismo persistente de sua cultura; para os grandes físicos | |
indianos do século 20, sua disciplina era uma poderosa força intelectual | |
dirigida contra a ética fatalista do hinduísmo (sem mencionar o | |
imperialismo britânico, que era então dominante na região). Na Europa | |
Ocidental, o avanço cientí co inevitavelmente envolvia confronto com a | |
cultura da época – incluindo seus elementos políticos, sociais e religiosos. | |
Como o Ocidente foi dominado pelo cristianismo, não surpreende que a | |
tensão entre a ciência e a cultura ocidental tenha sido vista como um | |
confronto entre a ciência e o cristianismo. De fato, a verdadeira tensão está | |
entre inovação cientí ca e tradicionalismo cultural. | |
Entretanto, apesar dessa clara ausência de qualquer metanarrativa | |
normativa da relação entre religião e ciência, uma “estória” ganhou | |
ascendência e, apesar de sua óbvia subdeterminação evidencial, continua a | |
moldar as narrativas da mídia e as atitudes culturais – re ro-me ao modelo | |
do “con ito”. De acordo com o historiador da ciência omas Dixon,13 o | |
mito do “con ito” entre ciência e religião foi um mito interesseiro, inventado | |
pelos racionalistas do Iluminismo no nal dos anos de 1700, propagado | |
pelos pensadores vitorianos no nal dos anos de 1800, e hoje defendido por | |
ateus “cientí cos” e por muitas vozes in uentes que competem por | |
autoridade na cultura popular ocidental. A ideia de que a história da relação | |
entre ciência e religião é, em primeiro lugar, simples e, em segundo, marcada | |
por um con ito perpétuo e necessário de ideias e métodos, foi amplamente | |
refutada por historiadores da ciência, como Colin Russell: | |
A crença comum de que [...] as relações reais entre religião e ciência ao longo dos últimos | |
séculos foram marcadas por hostilidade profunda e duradoura [...] não é apenas historicamente | |
imprecisa, mas na verdade uma caricatura tão grotesca que o que precisa ser explicado é como | |
ela pôde ter alcançado algum grau de respeitabilidade.14 | |
A pesquisa histórica mostrou tanto a falta de con abilidade factual desse | |
mito quanto os fatores sociais que o levaram a emergir e ganhar força | |
cultural. No século 18, uma sinergia notável se desenvolveu entre a religião e | |
as ciências na Inglaterra. A “mecânica celeste” de Newton foi amplamente | |
considerada como consistente com a – se não uma con rmação da – visão | |
cristã de Deus como criador de um universo harmonioso. Muitos membros | |
da Royal Society [Sociedade Real] de Londres – fundada para promover o | |
entendimento e a pesquisa cientí cos – eram fortemente religiosos em suas | |
perspectivas, e viam seus compromissos religiosos como enfatizando seu | |
comprometimento com o avanço cientí co. A Associação Britânica para o | |
Avanço da Ciência, fundada em 1831, foi igualmente positiva em suas | |
atitudes em relação à religião, embora estivesse convencida da importância | |
da liberdade de investigação e expressão cientí ca. Durante o período de | |
1831 a 1865, nada menos que 41 clérigos da Igreja da Inglaterra haviam | |
presidido as várias sessões da Associação Britânica. (Observe, no entanto, | |
que entre 1866 e 1900 esse número caiu para três quando um novo | |
pro ssionalismo emergiu na comunidade cientí ca.) | |
Contudo, tudo isso mudou nas últimas décadas do século 19. O tom | |
geral do encontro do nal do século 19 entre a religião (especialmente o | |
cristianismo) e as ciências naturais foi de nido por duas obras americanas – | |
History of the Con ict between Religion and Science [História do con ito | |
entre religião e ciência] (1874), de John William Draper, e Warfare of Science | |
with eology in Christendom [Guerra entre a ciência e a teologia na | |
cristandade] (1896), de Andrew Dickson White. Essas duas obras tiveram | |
um papel importante na gestação das “guerras culturais” entre ciência e | |
religião, que se tornaram uma característica tão distinta da cultura | |
americana. É importante notar que ambas as obras apareceram após a | |
publicação de Origem das Espécies de Charles Darwin, em 1859. O mito da | |
“guerra” se originou algum tempo após a publicação do trabalho de Darwin, | |
e não foi – como às vezes é sugerido – uma resposta direta a ele. | |
Como uma geração de historiadores já apontou, a noção de um con ito | |
endêmico entre ciência e religião, tão agressivamente defendido por White e | |
Draper, é ela própria socialmente determinada e criada nas amplas sombras | |
de hostilidade em relação a clérigos e instituições da igreja. A interação entre | |
ciência e religião foi in uenciada mais por circunstâncias sociais do que por | |
ideias especí cas. O próprio período vitoriano tardio deu origem às pressões | |
e tensões sociais que engendraram o mito do con ito permanente entre | |
ciência e religião. | |
Uma mudança social signi cativa pode ser percebida por trás do | |
surgimento desse modelo de “con ito”. De uma perspectiva sociológica, o | |
conhecimento cientí co era defendido por grupos sociais particulares com o | |
intuito de promover seus próprios objetivos e interesses especí cos. Havia | |
uma crescente concorrência entre dois grupos na sociedade inglesa no | |
século 19: o clero e os pro ssionais cientí cos. O clero era amplamente | |
considerado uma elite no início do século 19, sendo o “pároco cientí co” um | |
estereótipo social bem-estabelecido. Com o aparecimento do cientista | |
pro ssional, no entanto, começou uma disputa pela supremacia, para | |
determinar quem ganharia a ascendência cultural dentro da cultura | |
britânica na segunda metade do século 19. O modelo de “con ito” tem suas | |
origens nas condições especí cas da Era Vitoriana: um grupo intelectual | |
pro ssional emergente procurava remover o grupo que até então ocupava o | |
lugar de honra. | |
O modelo de “con ito” entre ciência e religião ganhou destaque no | |
momento em que cientistas pro ssionais desejavam se distanciar de seus | |
colegas amadores e quando os padrões de mudança na cultura acadêmica | |
exigiam demonstrar sua independência da igreja e de outros bastiões do | |
establishment. A liberdade acadêmica exigia uma ruptura com a igreja; | |
bastou então um pequeno passo para descrever a igreja como oponente do | |
aprendizado e do avanço cientí co no nal do século 19, e as ciências | |
naturais como seus defensores mais fortes. Isso naturalmente levou a que | |
incidentes anteriores – como o debate sobre Galileu – fossem lidos e | |
interpretados à luz desse paradigma controlador da guerra entre ciência e | |
religião. | |
A ideia de que ciência e religião estão em con ito permanente re ete | |
claramente as agendas e preocupações de um período especí co. No | |
entanto, esse momento já passou, e sua agenda pode ser deixada de lado, | |
permitindo uma avaliação mais informada e imparcial das coisas. O estudo | |
da história nos permite explicar as origens desse entendimento | |
profundamente problemático da relação entre ciência e religião e avaliar sua | |
con abilidade. Acima de tudo, nos permite ir além e construir abordagens | |
mais informadas e positivas da interação desses dois distintos domínios do | |
pensamento. | |
A “falácia essencialista” sobre ciência e religião | |
Alguns escritores consideram que a relação entre ciência e cristianismo | |
– ou qualquer outra religião – é de nida permanentemente, pelo menos em | |
seus aspectos fundamentais, pela natureza essencial das duas disciplinas. Em | |
outras palavras, ciência e religião são “rei cadas” – ou seja, a rmadas como | |
tendo alguma identidade essencial, em vez de serem moldadas por práticas. | |
Argumenta-se que, uma vez compreendida a natureza essencial das duas | |
disciplinas, seu relacionamento mútuo pode ser inferido logicamente. No | |
entanto, isso ignora o fato óbvio de que ambos os termos “ciência” e | |
“religião” têm um histórico de mudanças em seu uso. Ambos os termos têm | |
uma uidez conceitual que torna impróprio tentar de ni-los rigidamente. | |
Peter Harrison propôs de forma persuasiva que essa rei cação da ciência e | |
da religião é um desenvolvimento relativamente recente, e defendeu sua | |
desconstrução. Para Harrison,15 uma leitura histórica com mais nuanças é a | |
chave para nos ajudar a “recon gurar o relacionamento entre as entidades | |
que agora chamamos de ‘ciência’ e ‘religião’”, reconhecendo que uma análise | |
linguística nos ajuda a perceber que sua natureza problemática surge da | |
linguagem em que são moldadas. | |
Visões essencialistas ou rei cadas da ciência e da religião são | |
encontradas principalmente em autores hostis à religião, como o estridente | |
geneticista de Chicago, Jerry Coyne: | |
A religião e a ciência estão envolvidas em certo tipo de guerra, uma guerra de entendimento, | |
uma guerra sobre se deveríamos ter boas razões para o que aceitamos como verdadeiro. [...] Eu | |
vejo isso como apenas uma batalha em uma guerra mais ampla – uma guerra entre racionalidade | |
e superstição. Religião é apenas um certo tipo de superstição (outras incluem crenças em | |
astrologia, fenômenos paranormais, homeopatia e cura espiritual), mas ela é a forma mais | |
difundida e prejudicial de superstição.16 | |
No entanto, a falácia essencialista não se limita àqueles que defendem o | |
modelo de “guerra”, sendo também encontrada nos escritos daqueles que | |
argumentam que ciência e religião são essencialmente colaborativas. | |
Subjacente a esses relatos “essencialistas” da interação entre ciência e | |
religião está o pressuposto de que cada um desses termos designa algo xo, | |
permanente e essencial. Isso signi ca que o relacionamento mútuo é | |
determinado por algo essencial para cada uma das disciplinas, não sendo | |
afetado pelas contingências da história da cultura. Porém, essa tendência de | |
atribuir qualidades de nidoras xas e imutáveis à ciência e à religião foi | |
contestada com sucesso por uma série de estudos históricos rigorosos. Eles | |
têm demonstrado a diversidade, inconsistência ocasional e evidente | |
complexidade de entendimentos no relacionamento mútuo entre ciência e | |
religião desde cerca de 1500. Nenhuma descrição única ou “metanarrativa” | |
pode ser oferecida para esse relacionamento, precisamente porque a | |
variedade de relacionamentos que existiu re ete fatores sociais, políticos, | |
econômicos e culturais predominantes. | |
Existem três di culdades principais com essa abordagem “essencialista”, | |
todas mostradas por estudos históricos. | |
1. Trata “ciência” e “religião” como entidades essencialmente xas e | |
imutáveis, cuja relação é de nida permanentemente pelas temáticas | |
próprias de cada uma. | |
2. Pressupõe que esse relacionamento possa ser de nido | |
universalmente em termos das imagens de retórica de “guerra”, que | |
se tornaram populares durante o século 19, por razões que | |
exploramos anteriormente. Isso é então usado como uma | |
metanarrativa controladora, um prisma através do qual todos os | |
engajamentos intelectuais relacionados ao longo da história devem | |
ser vistos como permanentemente antagônicos. | |
3. Não faz distinção entre a instituição da igreja cristã e as ideias da | |
teologia cristã, especialmente durante o nal da Idade Média, e não | |
reconhece que as decisões políticas da primeira se baseiam em | |
considerações que pouco têm a ver com a segunda. Criticar as ideias | |
principais da teologia cristã com base nas ações de certas guras | |
eclesiásticas medievais tardias é assumir uma conexão simples, | |
direta e linear entre essas entidades, que raramente existiam na | |
prática. | |
Dissipando mitos sobre ciência e religião | |
Certos estereótipos sobre ciência e religião continuam prevalecendo na | |
cultura ocidental, frequentemente se baseando em mal-entendidos ou | |
interpretações errôneas da história. O estudo da história ajuda a limpar o ar | |
para o diálogo entre ciência e religião, neutralizando as percepções | |
puramente negativas dessa relação, que muitas vezes são perpetuadas pela | |
mídia. Um exemplo óbvio é a controvérsia em torno das visões de Galileu | |
Galilei sobre o sistema solar. O caso Galileu é frequentemente retratado | |
como mais uma ilustração da guerra perene entre ciência e religião. No | |
entanto, as coisas eram muito mais complicadas. | |
Galileu e suas teorias heliocêntricas foram inicialmente bem-recebidas | |
dentro dos círculos papais. Concorda-se geralmente que a reputação | |
positiva que Galileu teve dentre os círculos eclesiásticos até uma data | |
surpreendentemente tardia estava ligada ao seu relacionamento próximo | |
com o favorito papal, Giovanni Ciampoli. Quando Ciampoli caiu da graça | |
na primavera de 1632, Galileu encontrou-se em posição seriamente | |
enfraquecida, talvez a ponto de ser fatalmente comprometido. Sem a | |
proteção de Ciampoli, Galileu se tornou vulnerável àqueles que desejavam | |
desacreditá-lo. Infelizmente, Galileu e suas teorias se entrelaçaram com a | |
política papal e com os con itos eclesiásticos mais amplos de sua época. | |
Um segundo exemplo de um relato estereotipado da relação entre | |
ciência e religião, que pode ser desmontado por estudos históricos sérios, | |
diz respeito ao famoso encontro da Associação Britânica em Oxford, em 30 | |
de junho de 1860. O mito de que ciência e religião estão permanentemente | |
em guerra é justi cado através de um apelo a essa reunião da Associação | |
Britânica, que colocou Samuel Wilberforce, bispo de Oxford, contra omas | |
H. Huxley na questão da teoria da evolução de Darwin. Uma geração | |
depois, esse debate foi elevado ao status icônico como exemplo clássico da | |
“guerra da ciência e da religião”. Entretanto, na última geração, os | |
historiadores ofereceram um relato muito mais informado e equilibrado do | |
encontro, que agora é visto sob uma luz muito diferente. | |
A imagem popular da derrota incontestável imposta por Huxley a um | |
oponente religioso reacionário da evolução agora é geralmente vista como | |
um mito criado pelos oponentes da religião organizada na década de 1890. | |
Relatos revisionistas recentes da reunião põem em discussão narrativas | |
exageradas e imprecisas de seu signi cado e oferecem uma reconstrução | |
informada do debate, que explica melhor as evidências históricas à nossa | |
disposição. | |
A Associação Britânica para o Avanço da Ciência estava programada | |
para se reunir em Oxford em 1860. Como a Origem das Espécies de Charles | |
Darwin havia sido publicada no ano anterior, era natural que esse assunto | |
fosse discutido na reunião de 1860. O próprio Darwin não estava bem e não | |
pôde comparecer à reunião. Huxley – então jovem – foi convidado em seu | |
lugar. Samuel Wilberforce, bispo de Oxford, também foi convidado para | |
falar. Ele havia sido vice-presidente da Associação Britânica no passado e era | |
conhecido por estar familiarizado com as ideias e os escritos de Darwin. | |
Embora fosse bispo de Oxford na época, ele não estava presente nessa | |
reunião como representante da Igreja da Inglaterra. | |
Em seu discurso, Wilberforce expôs os principais temas do trabalho de | |
Darwin, enfatizando que a discussão da Associação Britânica era sobre | |
ciência, não religião. Em sua extensa revisão da Origem das Espécies de | |
Darwin, publicada na e Quarterly Review no mesmo mês da reunião da | |
Associação Britânica, Wilberforce deixou claro que não tinha “simpatia por | |
aqueles que se opõem a quaisquer fatos ou supostos fatos da natureza ou | |
qualquer inferência logicamente deduzida deles, porque eles acreditam que | |
contradizem o que lhes parece ser ensinado por revelação”.17 | |
De acordo com uma lenda popular, que é reproduzida regular e | |
acriticamente em muitas biogra as mais antigas de Darwin, Wilberforce | |
tentou ridicularizar a teoria da evolução sugerindo que ela implicava que os | |
seres humanos haviam descendido recentemente de macacos. Huxley, ele | |
teria perguntado, preferiria pensar sobre si como descendente de um | |
macaco pelo lado de seu avô ou de sua avó? Ele teria sido devidamente | |
repreendido por Huxley, que virara a mesa, mostrando-o como um clérigo | |
ignorante e arrogante. Até a BBC perpetuou esse mito na década de 1970, | |
representando um “jovem, bonito e heroico Huxley” triunfando sobre o | |
mal-humorado vilão Wilberforce. | |
Essa demonização de Wilberforce repousa, em grande parte, na | |
memória autobiográ ca da senhora Isabella Sidgewick, publicada na | |
Macmillan’s Magazine em 1898. Esse relato idiossincrático é inconsistente | |
com a maioria dos relatos publicados ou em circulação mais perto da época | |
da reunião, quase quarenta anos antes, levantando algumas questões | |
embaraçosas sobre a con abilidade da memória da sra. Sidgewick. Uma | |
resenha, publicada logo após o evento no Athenaeum, expressou o consenso | |
de 1860 sobre Wilberforce e Huxley, que declarava: “cada um considerou os | |
soldados adversários dignos de seu combate, e zeram suas acusações e | |
contra-acusações muito para sua própria satisfação e deleite de seus | |
respectivos amigos”. | |
O fato de Wilberforce ser bispo de Oxford claramente levou muitos a | |
concluir que a religião estava na vanguarda do debate e que Wilberforce se | |
opunha a Darwin por motivos religiosos. A evidência não apoia essa | |
interpretação dos eventos. O debate foi principalmente sobre os méritos | |
cientí cos da teoria de Darwin, e Wilberforce – que, deve-se enfatizar, estava | |
presente na condição de ex-vice-presidente da Associação Britânica, e não | |
de bispo da Igreja da Inglaterra – estava claramente bem-informado sobre o | |
assunto. O próprio Darwin observou, depois de ler a resenha de Wilberforce | |
sobre seu trabalho, que a resenha era “incomumente inteligente; ela destaca | |
com habilidade todas as partes mais conjecturais e apresenta bem todas as | |
di culdades. Ela me questiona de maneira esplêndida”.18 | |
De fato, Wilberforce levantou várias preocupações cientí cas razoáveis | |
sobre a teoria da seleção natural de Darwin em sua resenha. Wilberforce | |
observou que, para começar, o registro fóssil não parecia testemunhar a | |
existência passada de formas de transição. Outra preocupação mais | |
signi cativa era relacionada à analogia de Darwin entre a criação seletiva de | |
espécies domesticadas e o processo hipotético de “seleção natural”. | |
Certamente, era verdade, observou Wilberforce, que os criadores | |
domésticos podiam controlar o processo de criação para produzir pombos | |
com novas características. No entanto, as evidências sugeriam que, se esses | |
pombos fossem liberados na natureza, sua descendência logo retornaria ao | |
tipo original. Suas novas características não eram estáveis ou sustentáveis ao | |
longo do tempo (uma preocupação semelhante, deve-se notar, foi levantada | |
pelo geólogo escocês Charles Lyell ao avaliar uma teoria da evolução | |
anterior, de Jean-Baptiste Lamarck). | |
Fica bastante claro, na cuidadosa e perspicaz resenha publicada por | |
Wilberforce sobre a Origem das Espécies de Darwin, que questões religiosas | |
não apareciam com destaque em sua re exão; a questão era o caso cientí co | |
da evolução, não suas implicações ou complicações religiosas. Entretanto, | |
isso não quer dizer que ele não tivesse preocupações religiosas com as ideias | |
de Darwin. Muitas pessoas tinham di culdades com a noção de | |
continuidade que a teoria de Darwin parecia implicar entre os seres | |
humanos e seus ancestrais animais – algo que foi sugerido na Origem das | |
Espécies, mas que não foi declarado de forma mais explícita até sua obra e | |
Descent of Man [A descendência do homem] (1871). No entanto, essas | |
preocupações não equivalem a uma rejeição acrítica da teoria. Em vez disso, | |
representam um reconhecimento de que havia outras questões que | |
precisavam ser exploradas em relação à nova teoria de Darwin – algumas | |
cientí cas, outras religiosas e outras éticas. | |
O historiador de Yale, Frank Turner, fez a importante observação de que | |
o “con ito” vitoriano entre ciência e religião é melhor visto como um | |
epifenômeno, em vez de um fenômeno em si. Surgiu de uma transformação | |
social signi cativa no status, na organização e na prática das ciências | |
naturais. No início do século 19, o clero inglês estava na vanguarda do | |
estudo da história natural e das ciências da vida. No entanto sua abordagem | |
essencialmente amadora estava sendo ultrapassada por novos padrões de | |
pro ssionalismo. Aos olhos dessa crescente geração de cientistas | |
pro ssionais, os cientistas clericais de Oxbridge [expressão que designa | |
Oxford e Cambridge em conjunto] representavam o passado. O debate entre | |
Wilberforce e Huxley não foi, como é frequentemente sugerido em | |
descrições populares, um debate entre ateísmo e religião. Foi realmente um | |
debate entre dois indivíduos que representavam visões bastante diferentes | |
do lugar da ciência – um antigo amadorismo por parte do clero interessado | |
e um novo pro ssionalismo localizado fora da Igreja da Inglaterra. | |
A importância da interpretação bíblica | |
Finalmente, podemos observar uma questão que se repete ao longo da | |
história da interação entre ciência e religião: a importância da interpretação | |
bíblica. Peter Harrison recentemente destacou a importância da Bíblia como | |
catalisador para a revolução cientí ca do século 17 no protestantismo, | |
observando como as novas leituras da Bíblia que surgiram da Reforma | |
Protestante desempenharam um papel fundamental na promoção do | |
surgimento das ciências naturais. | |
A Bíblia – seu conteúdo, as controvérsias que gerou, seu papel cambiante enquanto autoridade e, | |
mais importante, a nova maneira pela qual foi lida pelos protestantes – desempenhou um papel | |
central no surgimento das ciências naturais no século 17.19 | |
Harrison observa como certas passagens da Bíblia (como as narrativas | |
sobre a criação em Gênesis) passaram a ser lidas de uma maneira que | |
sancionava e motivava a investigação cientí ca. | |
O estudo de como os cristãos interpretaram a Bíblia nos últimos 2 mil | |
anos mostra que uma diversidade de esquemas e convenções interpretativas | |
foram empregadas e que variaram ao longo do tempo. A percepção de um | |
con ito entre ciência e religião muitas vezes surgia quando avanços | |
cientí cos eram vistos como con itantes com os modos predominantes de | |
interpretação bíblica – que muitas vezes precisavam ser questionados ou | |
corrigidos. Dois exemplos ajudarão a destacar a importância desse ponto. | |
O debate copernicano centrou-se na questão de a Terra girar em torno | |
do Sol (o modelo “heliocêntrico”) ou o Sol em torno da Terra (o modelo | |
“geocêntrico”). Uma ou duas passagens na Bíblia cristã pareciam apontar | |
para a Terra estacionária e o Sol girando – por exemplo, referências ao Sol | |
parado (Josué 10:13) ou aos fundamentos da Terra como “imóveis” (Salmos | |
93:1). Uma leitura de “senso comum” ou “literal” desses textos apontava para | |
uma visão geocêntrica do sistema solar. Mas era isso o que realmente era | |
pretendido pelos textos? Ou essa era simplesmente uma maneira | |
convencional de falar, que não pretendia ter implicações metafísicas? | |
Da mesma forma, a controvérsia darwiniana levantou algumas questões | |
importantes sobre como os relatos da criação de Gênesis deveriam ser | |
entendidos. Eram relatos literais das origens do universo e da humanidade, | |
que ensinavam que o universo se originou cerca de 6 mil anos atrás? Ou eles | |
deveriam ser interpretados em termos de uma visão mais ampla da criação? | |
Nesse caso, o darwinismo se viu confrontado com abordagens muito literais | |
à interpretação das narrativas da criação em Gênesis. Elas se desenvolveram | |
no protestantismo de língua inglesa desde o início do século 18 e foram | |
aceitas como formas normativas ou naturais de ler esses textos. O | |
darwinismo colocou isso em questão. | |
Entretanto, não se deve supor que o avanço da ciência desa e | |
constantemente a interpretação bíblica tradicional, como às vezes é sugerido. | |
As visões cristãs tradicionais da criação, por exemplo, falam do cosmos | |
surgindo do nada. No entanto, a tradição cientí ca ocidental, de Aristóteles | |
até a década de 1940, tendia a tratar o universo como algo permanente ou | |
eterno. A ideia de que ele tinha um começo cronológico era vista como | |
absurda. A ascensão do que agora é conhecido como o “modelo | |
cosmológico padrão”, nos últimos cinquenta anos, se baseia na noção de que | |
o universo não é eterno, mas que surgiu em um instante de nido. Aqui | |
temos uma situação em que uma interpretação cristã tradicional da Bíblia | |
está em ressonância com a cosmologia moderna. | |
Passaremos agora a considerar quatro marcos históricos na complexa | |
relação entre ciência e religião. Após uma breve consideração do surgimento | |
de um contexto intelectual favorável às ciências naturais na Europa | |
Ocidental durante a Idade Média, examinaremos em detalhes os | |
desenvolvimentos astronômicos dos séculos 16 e 17, associados a Copérnico | |
e Galileu; a ascensão da cosmovisão newtoniana durante o século 18; e a | |
teoria da seleção natural de Charles Darwin durante o século 19. Cada um | |
desses marcos é regularmente citado em discussões sobre ciência e religião. | |
A EMERGÊNCIA DA SÍNTESE MEDIEVAL | |
É frequentemente sugerido que a revolução cientí ca que surgiu nos | |
séculos 16 e 17 deve pouco de positivo à Idade Média, se é que deve alguma | |
coisa. Essa visão, amplamente encontrada em estudos mais antigos de | |
história da ciência, foi recentemente criticada por especialistas em história | |
intelectual medieval, como o historiador da ciência medieval americano | |
Edward Grant. Os estudos apontaram que as origens da revolução cientí ca | |
podem, na realidade, ser rastreadas até a Idade Média. Para Grant, o período | |
medieval criou um contexto intelectual no qual as ciências naturais | |
poderiam se desenvolver como disciplinas intelectuais sérias e forneceu | |
também ideias e métodos que provariam ser de grande importância para | |
esse desenvolvimento. | |
Três desenvolvimentos principais, que podem ser considerados como | |
estabelecendo um contexto no qual as ciências naturais poderiam surgir | |
durante a Idade Média, devem ser destacados. Primeiro, a Idade Média | |
testemunhou a tradução para o latim – a língua comum da comunidade | |
acadêmica da Europa Ocidental – de uma série de textos cientí cos que | |
tiveram suas origens na tradição greco-árabe. Comentadores árabes do texto | |
de Aristóteles, bem como os próprios textos aristotélicos originais, | |
tornaram-se disponíveis para os pensadores ocidentais. A redescoberta de | |
Aristóteles teve um grande impacto na teologia e na loso a medievais, com | |
escritores como Tomás de Aquino julgando-o um grande estímulo à re exão | |
losó ca e teológica. Esses textos – de maneira alguma limitados aos | |
escritos de Aristóteles – também provaram ser um grande estímulo na luta | |
para resolver as questões das ciências naturais. Embora seja possível | |
argumentar que as ciências naturais poderiam ter se desenvolvido sem esses | |
textos, esse desenvolvimento teria ocorrido inquestionavelmente mais tarde | |
do que ocorreu. | |
Aristóteles, entretanto, nem sempre teve uma in uência positiva no | |
desenvolvimento das ciências naturais. De acordo com Aristóteles, o | |
universo sempre existiu, de modo que não fazia sentido usar a linguagem | |
religiosa sobre a criação. Galileu se viu tendo que refutar algumas ideias | |
aristotélicas, que eram particularmente in uentes na Universidade de Pádua. | |
Por exemplo, Aristóteles sustentava que a Lua, como um corpo celeste, era | |
perfeitamente lisa e esférica, enquanto as observações telescópicas de Galileu | |
sugeriam que a Lua tinha uma superfície áspera, coberta de montanhas e | |
crateras. Os dogmas cientí cos de Aristóteles já haviam sido questionados | |
pelo surgimento de uma “nova estrela” – agora conhecida por ter sido uma | |
supernova – na constelação de Cassiopeia em 1572. Esse evento – muitas | |
vezes referido como “Supernova de Tycho”, por conta das observações | |
detalhadas de Tycho Brahe sobre sua posição e magnitude variável – foi | |
reconhecido como inconsistente com o dogma de Aristóteles sobre a | |
imutabilidade dos céus. | |
Segundo, a Idade Média viu a fundação das grandes universidades da | |
Europa Ocidental, que provariam ser de importância central no | |
desenvolvimento das ciências naturais. Cursos de lógica, loso a natural, | |
geometria, música, aritmética e astronomia eram prescritos para todos | |
aqueles que desejassem obter qualquer quali cação de uma universidade | |
medieval típica. A introdução da loso a natural no currículo da | |
universidade medieval garantia que um número signi cativo de questões | |
cientí cas fosse abordado como parte rotineira do ensino superior. Uma | |
universidade medieval típica teria quatro faculdades: a faculdade de artes | |
liberais e as três “faculdades superiores” de medicina, direito e teologia. A | |
faculdade de artes liberais era vista como a que lançava a fundação para | |
estudos mais avançados, e é importante observar quanta “ loso a natural” | |
era incluída nesse curso fundacional. | |
Terceiro, surgiu uma classe de “teólogos/ lósofos naturais”, geralmente | |
dentro de um contexto universitário, convencidos de que o estudo do | |
mundo natural era teologicamente legítimo. Embora Aristóteles fosse | |
amplamente considerado um lósofo pagão (e, portanto, de valor limitado | |
para os cristãos), ele era visto, contudo, como um recurso para permitir uma | |
maior compreensão do mundo natural e, portanto, para aprender mais sobre | |
Deus, que havia criado esse mundo. Muitos dos maiores nomes do mundo | |
da ciência natural medieval – como Robert Grosseteste, Nicolas Oresme e | |
Henry de Langenstein – eram todos teólogos ativos que não viam uma | |
contradição entre sua fé e a investigação da ordem natural. Essa ênfase | |
crescente na “ loso a natural” provou ser de grande importância para o | |
surgimento das ciências naturais na Europa Ocidental. | |
Passamos agora a considerar quatro episódios históricos signi cativos e | |
determinantes, que são amplamente citados nas discussões de ciência e | |
religião, e geralmente modelam o contexto em que esse relacionamento é | |
discutido. Começamos com as discussões astronômicas dos séculos 16 e 17, | |
centradas em Copérnico e Galileu. | |
COPÉRNICO, GALILEU E O SISTEMA SOLAR | |
O grande psicanalista austríaco Sigmund Freud sugeriu certa vez que a | |
humanidade havia sofrido com três “feridas narcísicas” na Era Moderna; | |
cada uma dani cou algum sentido humano de importância pessoal. A | |
primeira ferida, argumentou Freud, foi in igida pela revolução copernicana | |
ao mostrar que os seres humanos não estavam localizados no centro do | |
universo. A segunda foi a demonstração darwiniana de que a humanidade | |
nem sequer tinha um lugar único no planeta Terra. A terceira, sugeriu Freud | |
de maneira um tanto imodesta, foi sua própria demonstração de que a | |
humanidade não era nem o mestre de sua própria esfera limitada, sendo | |
prisioneira das forças ocultas do inconsciente humano. Segundo Freud, cada | |
uma dessas revoluções aumentou a dor e os ferimentos in igidos pela sua | |
precedente, forçando uma reavaliação radical do lugar e do signi cado da | |
humanidade. Consideraremos a importância religiosa das visões de Freud | |
mais adiante neste livro. No entanto, é altamente apropriado abrir esta | |
narrativa abordando a primeira dessas “feridas”: a revolução copernicana. | |
Toda época é caracterizada por um grupo de crenças estabelecidas que | |
sustentam sua visão de mundo. A Idade Média não é exceção. Um dos | |
elementos mais importantes na cosmovisão medieval era a crença de que o | |
Sol e outros corpos celestes – como a Lua e os planetas – giravam em torno | |
da Terra. Essa visão “geocêntrica” do universo foi tratada como | |
evidentemente verdadeira. A Bíblia foi interpretada à luz dessa crença, com | |
suposições geocêntricas sendo trazidas – e às vezes até impostas – à | |
interpretação de várias passagens. A maioria das línguas vivas ainda | |
testemunha essa visão de mundo geocêntrica. Por exemplo, mesmo no | |
português moderno, é perfeitamente aceitável a rmar que “o Sol nasceu às | |
6:33 da manhã”, apesar do fato de que isso re ete a crença cientí ca | |
descartada de que o Sol gira em torno da Terra. Como a verdade ou | |
falsidade do modelo geocêntrico do sistema solar fazia pouca diferença na | |
vida cotidiana, havia pouco interesse popular em questioná-lo. | |
O modelo do universo mais amplamente aceito no início da Idade Média | |
foi criado por Claudius Ptolomeu, um astrônomo que trabalhou na cidade | |
egípcia de Alexandria durante a primeira metade do século 2 d.C. Em seu | |
Almagesto, Ptolomeu reuniu ideias existentes sobre os movimentos da Lua e | |
dos planetas e argumentou que elas poderiam ser entendidas com base nas | |
seguintes suposições: | |
1 A Terra está no centro do universo. | |
2 Todos os corpos celestes giram em rotas circulares ao redor da Terra; | |
3 Essas rotações assumem a forma de movimento circular, cujo centro, | |
por sua vez, se move em outro círculo. Essa ideia central, que | |
originalmente era devida a Hiparco, é baseada na ideia de epiciclos – | |
isto é, um movimento circular superposto a outro movimento | |
circular. | |
A observação cada vez mais detalhada e precisa do movimento dos | |
planetas e estrelas fez com que alguns tivessem dúvidas sobre a | |
con abilidade dessa teoria. Inicialmente, as discrepâncias poderiam ser | |
acomodadas acrescentando epiciclos adicionais. No nal do século 15 o | |
modelo era tão complexo e desajeitado, que estava próximo do colapso. Mas | |
o que poderia substituí-lo? | |
Durante o século 16, o modelo geocêntrico do sistema solar foi | |
abandonado em favor de um modelo heliocêntrico, que representava o Sol | |
no centro, tendo a Terra como um dos vários planetas que orbitam em torno | |
dele. Embora essa mudança de pensamento seja geralmente descrita como “a | |
revolução copernicana”, é normalmente aceito que três indivíduos foram de | |
grande importância para promover a aceitação dessa mudança no norte | |
protestante da Europa: Nicolau Copérnico, Tycho Brahe e Johann Kepler. | |
A publicação do tratado de Nicolau Copérnico, On the Revolutions of the | |
Heavenly Bodies [Das revoluções dos corpos celestes], em maio de 1543, | |
causou um leve impacto, embora a aceitação nal do modelo tivesse que | |
esperar pelo trabalho detalhado de Kepler nas duas primeiras décadas do | |
século 17. Copérnico argumentava que os planetas se moviam em círculos | |
concêntricos em velocidades uniformes ao redor do Sol. A Terra, além de | |
girar em torno do Sol, também girava em seu próprio eixo. O movimento | |
aparente das estrelas e dos planetas devia-se, portanto, a uma combinação da | |
rotação da Terra em seu próprio eixo e à sua translação ao redor do Sol. O | |
modelo tinha simplicidade e elegância que o favoreciam quando comparado | |
ao modelo ptolomaico, cada vez mais desajeitado. Contudo, não se ajustava | |
aos dados observacionais conhecidos. Algo estava errado com a teoria. No | |
nal, veri cou-se que o problema não estava na ideia de Copérnico de que | |
os planetas giravam ao redor do Sol. Seu erro foi assumir que eles giravam | |
em torno do Sol em órbitas circulares em velocidade constante. | |
O pesquisador dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), que tinha como | |
base um observatório em uma ilha perto de Copenhague, realizou uma série | |
de observações precisas sobre os movimentos planetários no período de | |
1576 a 1592. Essas observações formariam a base do modelo modi cado de | |
Johann Kepler para o sistema solar (veja abaixo). Kepler atuou como | |
assistente de Tycho quando este foi forçado a se mudar para a Boêmia após a | |
morte de Frederico II da Dinamarca. | |
O astrônomo alemão Johann Kepler (1571-1630) concentrou sua | |
atenção na observação do movimento do planeta Marte. O modelo | |
copernicano supunha que os planetas orbitam em círculos ao redor do Sol, | |
mas era incapaz de explicar o movimento observado desse planeta. Em | |
1609, Kepler conseguiu anunciar ter descoberto duas leis gerais que | |
governavam o movimento de Marte. Primeiro, Marte girava em órbita | |
elíptica, com o Sol em um de seus dois focos. Segundo, a linha que une | |
Marte ao Sol cobre áreas iguais em períodos iguais de tempo. Em 1619, ele | |
estendeu essas duas leis aos planetas restantes e descobriu uma terceira lei: o | |
quadrado do tempo periódico de um planeta (ou seja, o tempo gasto pelo | |
planeta para completar uma órbita ao redor do Sol) é diretamente | |
proporcional ao cubo de sua distância média do Sol. | |
O modelo de Kepler representou uma modi cação signi cativa das | |
ideias de Copérnico. O novo modelo radical de Copérnico não foi capaz de | |
explicar satisfatoriamente os dados observacionais, apesar de sua elegância e | |
simplicidade conceitual, devido à sua hipótese falha de que as órbitas eram | |
necessariamente circulares e que os planetas se moviam a uma velocidade | |
constante. Curiosamente, essa hipótese parece ter derivado da geometria | |
euclidiana clássica. Copérnico nunca realmente se libertou por completo das | |
formas gregas clássicas de pensar. Círculos eram guras geométricas | |
perfeitas, enquanto elipses eram distorcidas. Por que a natureza deveria fazer | |
uso de uma geometria deformada? | |
Conforme observamos, o modelo mais antigo (muitas vezes referido | |
como teoria “geocêntrica”) era amplamente aceito pelos teólogos da Idade | |
Média, que tinham se familiarizado tanto com a leitura do texto da Bíblia | |
através de óculos geocêntricos, que tiveram alguma di culdade em lidar | |
com a nova abordagem. As primeiras defesas publicadas da teoria | |
copernicana (como Treatise on Holy Scripture and the Motion of the Earth | |
[Tratado sobre as Sagradas Escrituras e o movimento da Terra], de G. J. | |
Rheticus, que é amplamente considerado como o trabalho mais antigo | |
conhecido a lidar explicitamente com a relação entre a Bíblia e a teoria | |
copernicana), tiveram que enfrentar dois problemas. | |
Primeiro, tiveram que apresentar evidências observacionais que | |
levassem à conclusão de que a Terra e outros planetas giravam em torno do | |
Sol. Segundo, tiveram que demonstrar que esse ponto de vista era | |
consistente com a Bíblia, que há muito tempo era lida como endossando | |
uma visão geocêntrica da Terra. Como notamos acima, as evidências | |
observacionais foram nalmente explicadas à luz da modi cação de Kepler | |
no modelo de Copérnico. Mas e os aspectos teológicos desse modelo? O que | |
dizer do afastamento radical que ele propôs de um universo centrado na | |
Terra? | |
Não há dúvida de que o surgimento da teoria heliocêntrica do sistema | |
solar levou os teólogos a reexaminar a maneira como certas passagens | |
bíblicas eram interpretadas. Entretanto, nesta fase, podemos distinguir | |
dentro da tradição cristã três amplas abordagens de interpretação bíblica. Na | |
sequência, vamos mencioná-las e considerar sua importância para o diálogo | |
entre ciência e religião. | |
1. Uma abordagem literal, para a qual a passagem em questão deve ser | |
tomada pelo seu valor nominal. Por exemplo, uma interpretação | |
literal do primeiro capítulo de Gênesis argumentaria que a criação | |
ocorreu em seis períodos de vinte e quatro horas. | |
2. Uma abordagem não literal ou alegórica, enfatizando que certas | |
seções da Bíblia são escritas em um estilo que não é apropriado | |
considerar absolutamente literal. Como observamos anteriormente, | |
três sentidos não literais das Escrituras foram reconhecidos pelos | |
teólogos durante a Idade Média. Durante o Renascimento, surgiu | |
uma visão mais simples, que distinguia entre abordagens literais e | |
alegóricas. Os capítulos iniciais de Gênesis foram cada vez mais | |
vistos como relatos poéticos ou alegóricos da criação e não como | |
relatos históricos literais das origens da Terra. | |
3. Uma abordagem baseada na ideia de acomodação. Essa tem sido de | |
longe a abordagem mais importante em relação à interação da | |
interpretação bíblica com as ciências naturais. A abordagem | |
argumenta que a revelação ocorre de maneiras cultural e | |
antropologicamente condicionadas, com o resultado de que precisa | |
ser adequadamente interpretada. Essa abordagem tem uma longa | |
tradição de uso no judaísmo e posteriormente na teologia cristã, e | |
foi in uente no período patrístico. Contudo, seu desenvolvimento | |
maduro data do século 16. Essa abordagem argumenta que os | |
capítulos iniciais do Gênesis usam linguagem e imagens apropriadas | |
às condições culturais de seu público original. Não devem ser | |
tomadas “literalmente”, mas interpretadas para um leitor | |
contemporâneo, extraindo as ideias-chave que foram expressas em | |
formas e termos especi camente adaptados ou “acomodados” ao | |
público original. | |
A terceira abordagem provou ser de especial importância durante os | |
debates sobre a relação entre teologia e astronomia durante os séculos 16 e | |
17. O famoso teólogo protestante João Calvino (1509-1564) fez duas | |
contribuições importantes e positivas para a valorização e o | |
desenvolvimento das ciências naturais. Primeiro, encorajou positivamente o | |
estudo cientí co da natureza como uma maneira de aprofundar uma | |
apreciação pela sabedoria de Deus. Segundo, argumentou que seções da | |
Bíblia deveriam ser interpretadas em termos de “acomodação” divina (como | |
explicado acima). Sua primeira contribuição está especi camente ligada à | |
sua ênfase na ordem da criação; tanto o mundo físico quanto o corpo | |
humano testi cam a sabedoria e o caráter de Deus. Calvino assim elogia o | |
estudo da astronomia e da medicina. Elas são capazes de investigar mais | |
profundamente o mundo natural do que a teologia e, assim, descobrir mais | |
evidências da ordem da criação e da sabedoria de seu criador. Assim, podese argumentar que Calvino deu uma nova motivação religiosa à investigação | |
cientí ca da natureza. | |
A segunda grande contribuição de Calvino foi eliminar um obstáculo | |
signi cativo ao desenvolvimento das ciências naturais – o literalismo bíblico. | |
Calvino ressalta que a Bíblia se preocupa principalmente com o | |
conhecimento de Jesus Cristo. Não é um livro de astronomia, geogra a ou | |
biologia. E, quando a Bíblia é interpretada, deve-se ter em mente que Deus | |
“se ajusta” às capacidades da mente e do coração humanos. Deus tem que | |
descer ao nosso nível para que a revelação ocorra. A revelação, portanto, | |
apresenta uma versão de Deus em menor escala ou “acomodada” para nós, a | |
m de adequar-se às nossas habilidades limitadas. Assim como uma mãe | |
humana se abaixa para alcançar seu lho, Deus se abaixa para chegar ao | |
nosso nível. A revelação é um ato de condescendência divina. | |
O impacto de ambas as ideias na teorização cientí ca, especialmente | |
durante o século 17, foi considerável. Por exemplo, o escritor inglês Edward | |
Wright defendeu a teoria heliocêntrica do sistema solar de Copérnico contra | |
os literalistas bíblicos, argumentando, em primeiro lugar, que as Escrituras | |
não estavam preocupadas com a física e, em segundo, que seu modo de falar | |
era “acomodado à compreensão e à maneira de falar das pessoas comuns, | |
como fazem enfermeiras com crianças pequenas”. Ambos os argumentos | |
derivam diretamente de Calvino, sobre o qual se pode dizer ter feito uma | |
contribuição fundamental para o surgimento das ciências naturais. | |
Uma nova controvérsia eclodiu sobre o modelo heliocêntrico do sistema | |
solar na Itália católica durante as primeiras décadas do século 17. Nesse | |
caso, o debate se concentrou nas opiniões de Galileu Galilei (1564-1642). | |
Isso acabou levando a Igreja Católica a condenar Galileu Galilei, o que hoje | |
é amplamente considerado como um claro erro de julgamento por parte de | |
alguns burocratas eclesiásticos. Galileu montou uma grande defesa da teoria | |
copernicana do sistema solar. As opiniões de Galileu foram inicialmente | |
recebidas com simpatia dentro dos círculos mais importantes da Igreja, em | |
parte devido ao fato de que ele era tido em alta consideração por um | |
favorito papal, Giovanni Ciampoli. A queda de Ciampoli do poder levou | |
Galileu a perder apoio dentro dos círculos papais e isso é amplamente visto | |
como tendo aberto caminho para a condenação de Galileu por seus | |
inimigos. | |
Embora a controvérsia centralizada em Galileu seja frequentemente | |
retratada como ciência versus religião, ou libertarianismo versus | |
autoritarismo, a verdadeira questão dizia respeito à correta interpretação da | |
Bíblia. Acredita-se que a apreciação desse ponto tenha sido di cultada no | |
passado devido ao fracasso dos historiadores em se engajar com as questões | |
teológicas (e, mais precisamente, a hermenêutica) associadas ao debate. Em | |
parte, isso pode ser visto como um re exo do fato de que muitos dos | |
estudiosos interessados nessa controvérsia em particular eram cientistas ou | |
historiadores da ciência, que não estavam familiarizados com os meandros | |
dos debates sobre a interpretação bíblica desse período extraordinariamente | |
complexo. Contudo é claro que o ponto que dominou a discussão entre | |
Galileu e seus críticos foi como interpretar certas passagens bíblicas. A | |
questão da acomodação foi de grande importância para esse debate, como | |
veremos. | |
Para explorar esse ponto, podemos recorrer a uma obra importante | |
publicada em janeiro de 1615. Em sua Letter on the Opinion of the | |
Pythagoreans and Copernicus [Carta sobre as opiniões dos pitagóricos e de | |
Copérnico], o frade carmelita Paolo Antonio Foscarini argumentou que o | |
modelo heliocêntrico do sistema solar não era incompatível com a Bíblia. | |
Foscarini não introduziu novos princípios de interpretação bíblica em sua | |
análise; na realidade, ele estabelece e aplica regras tradicionais de | |
interpretação: | |
Quando a Escritura Sagrada atribui algo a Deus ou a qualquer outra criatura que, de outra | |
forma, seria imprópria e incomensurável, ela então deveria ser interpretada e explicada de uma | |
ou mais das seguintes maneiras. Primeiro, diz-se que se refere metaforicamente e | |
proporcionalmente, ou por semelhança. Segundo, diz-se [...] de acordo com nosso modo de | |
consideração, apreensão, compreensão, conhecimento etc. Terceiro, diz-se de acordo com a | |
opinião vulgar e com o modo comum de falar.20 | |
A segunda e a terceira maneiras que Foscarini identi ca são geralmente | |
consideradas como tipos de “acomodação”, o terceiro modelo de | |
interpretação bíblica que observamos anteriormente. Como vimos, essa | |
abordagem da interpretação bíblica pode ser rastreada até os primeiros | |
séculos cristãos e não era considerada controversa. | |
A inovação de Foscarini não estava no método interpretativo que ele | |
adotou, mas nas passagens bíblicas às quais ele a aplicou. Em outras | |
palavras, Foscarini sugeriu que certas passagens, que muitos haviam | |
interpretado literalmente até esse ponto, deviam ser interpretadas na forma | |
de acomodação. As passagens às quais ele aplicou esta abordagem foram | |
aquelas que pareciam sugerir que a Terra permanecia estacionária e o Sol se | |
movia. Foscarini argumentou da seguinte forma: | |
As Escrituras falam de acordo com o nosso modo de entender, de acordo com as aparências e em | |
relação a nós. Pois assim é que esses corpos parecem estar relacionados a nós e são descritos pelo | |
modo comum e vulgar do pensamento humano, ou seja, a Terra parece estar parada e imóvel, e o | |
Sol parece girar em torno dela. E, portanto, as Escrituras nos servem falando da maneira vulgar e | |
comum; pois, do nosso ponto de vista, parece que a Terra está rmemente no centro e que o Sol | |
gira em torno dela, e não o contrário.21 | |
O crescente compromisso de Galileu com a posição copernicana o levou | |
a adotar uma abordagem de interpretação bíblica semelhante à de Foscarini. | |
Os críticos de Galileu argumentavam que algumas passagens bíblicas o | |
contradiziam. Por exemplo, eles argumentavam que Josué 10.13 falava do | |
Sol parado sob o comando de Josué. Isso não prova, sem margem de dúvida, | |
que era o Sol que se movia ao redor da Terra? Em sua Letter to the Grand | |
Countess Christina [Carta à Grã-Duquesa Cristina], Galileu rebateu com um | |
argumento de que essa era simplesmente uma maneira comum de falar. Não | |
se poderia esperar que Josué conhecesse as complexidades da mecânica | |
celeste, portanto, ele usou uma maneira “acomodada” de falar. | |
Deve-se enfatizar que a questão de como interpretar a Bíblia não era | |
importante simplesmente para Galileu e seus críticos; ela também tinha se | |
tornado polêmica como resultado das grandes controvérsias teológicas do | |
nal do século 16, resultantes da Reforma Protestante. A condenação o cial | |
da interpretação bíblica de Galileu re etiu essa tensão e baseou-se em duas | |
considerações. Em primeiro lugar, as Escrituras deviam ser interpretadas de | |
acordo com “o signi cado apropriado das palavras”. A abordagem | |
acomodada adotada por Foscarini é, portanto, rejeitada em favor de uma | |
abordagem mais literal. Como enfatizamos, ambos os métodos de | |
interpretação foram aceitos como legítimos e tinham uma longa história de | |
uso na teologia cristã. O debate centrou-se na questão apropriada para as | |
passagens em questão. | |
Segundo, a Bíblia devia ser interpretada “de acordo com a interpretação | |
e o entendimento comuns dos Santos Padres e dos teólogos eruditos”. Em | |
outras palavras, estava sendo argumentado que ninguém de expressão | |
adotara a interpretação de Foscarini no passado; esta deveria, portanto, ser | |
descartada como uma inovação. Concluiu-se, portanto, que os pontos de | |
vista de Foscarini e Galileu deveriam ser rejeitados como inovações, sem | |
precedentes no pensamento cristão. | |
Esse segundo ponto é de grande importância e precisa ser examinado | |
com mais cuidado, pois deve ser colocado em face do prolongado e amargo | |
debate, alimentado durante o século 17 pela Guerra dos Trinta Anos (16181648), entre protestantes e o católicos, sobre se o protestantismo era uma | |
inovação ou uma recuperação do cristianismo autêntico. A ideia da | |
imutabilidade da tradição católica tornou-se um elemento integrante da | |
polêmica católica contra o protestantismo. Como Jacques‐Bénigne Bossuet | |
(1627–1704), um dos mais formidáveis apologistas do catolicismo, colocou | |
este ponto em 1688: | |
O ensino da igreja é sempre o mesmo [...] O evangelho nunca é diferente do que era antes. | |
Portanto, se a qualquer momento alguém diz que a fé inclui algo que ontem não foi dito ser da fé, | |
é sempre heterodoxia, que é qualquer doutrina diferente da ortodoxia. Não há di culdade em | |
reconhecer a falsa doutrina; não há argumento sobre isso. É reconhecida de uma só vez, sempre | |
que aparece, simplesmente porque é nova.22 | |
Estes mesmos argumentos foram amplamente utilizados no início do | |
século 17 e são claramente re etidos e incorporados na crítica o cial a | |
Foscarini. A interpretação que ele ofereceu nunca havia sido oferecida antes | |
– e estava, apenas por esse motivo, errada. | |
Portanto, cará claro que esse debate crítico sobre a interpretação da | |
Bíblia deve ser colocado em um cenário complexo. A atmosfera altamente | |
carregada e politizada da época prejudicou seriamente o debate teológico, | |
por medo de que a concessão de qualquer nova abordagem pudesse ser vista | |
como uma concessão indireta da reivindicação protestante por legitimidade. | |
Permitir que o ensino católico sobre qualquer questão de signi cado | |
“mudasse” seria potencialmente abrir as comportas, o que inevitavelmente | |
levaria a demandas por reconhecimento da ortodoxia dos ensinamentos | |
protestantes centrais – ensinamentos que a igreja católica tinha sido capaz | |
de rejeitar até este ponto como “inovações”. | |
Era inevitável que as visões de Galileu encontrassem resistência. O fator | |
principal era que ele parecia ter introduzido inovações teológicas. Se a igreja | |
católica concedesse a validade da interpretação de Galileu sobre certas | |
passagens bíblicas, minaria seriamente uma crítica católica central ao | |
protestantismo – ou seja, que o protestantismo havia introduzido | |
interpretações novas (e, portanto, errôneas) de certas passagens bíblicas. | |
Infelizmente, era apenas uma questão de tempo até que suas opiniões | |
fossem rejeitadas. A partir dessa breve análise, cará claro que a controvérsia | |
de Galileu foi colocada em um contexto polêmico complexo, envolvendo | |
tensões entre protestantes e católicos sobre a interpretação das Escrituras e | |
da herança doutrinária. Galileu teve a infelicidade de ser pego no fogo | |
cruzado e nas tendências subjacentes a esse debate. | |
Nesta seção, consideramos a importância, para o pensamento cientí co | |
e religioso, do crescente entendimento de que a Terra não estava no centro | |
do universo. Na seção seguinte, consideraremos os aspectos cientí cos e | |
religiosos do crescente entendimento de que o universo conhecido pode ser | |
considerado como uma vasta, complexa e regular peça de maquinaria. | |
Passamos, portanto, a considerar as realizações de Isaac Newton e o | |
surgimento da cosmovisão mecânica. | |
NEWTON, O UNIVERSO MECÂNICO E O DEÍSMO | |
Os estudiosos costumam falar da “revolução cientí ca” que varreu a | |
Europa Ocidental durante o século 17. É difícil dizer exatamente quando | |
essa revolução começou. Alguns argumentam que suas origens estão na obra | |
de Copérnico e Galileu, que vimos na seção anterior. Outros argumentam | |
que ela começou muito antes, tendo suas raízes nos estudos das | |
universidades medievais tardias ou nas novas atitudes do Renascimento. | |
Outros sugerem que uma mudança losó ca fundamental está por trás | |
da revolução cientí ca. A obra de Francis Bacon (1561-1626) defendia que o | |
conhecimento começava com a experiência do mundo. O ponto de partida | |
adequado do conhecimento cientí co é a observação de fenômenos, seguida | |
pela tentativa de derivar alguns princípios gerais subjacentes que podem | |
explicar essas observações. A exigência de Aristóteles de que as teorias | |
“preservem os fenômenos” se incorporou à loso a natural emergente da | |
época. Apesar de algumas di culdades de de nição, existe um consenso | |
praticamente universal de que Sir Isaac Newton (1642-1727) desempenhou | |
um papel fundamental na consolidação da revolução cientí ca. Nesta seção, | |
consideraremos algumas de suas realizações e suas implicações religiosas. | |
Como vimos na seção anterior, o surgimento do modelo heliocêntrico | |
do sistema solar havia esclarecido alguns problemas da geometria celeste; | |
porém, certas questões da mecânica celeste permaneciam sem solução. | |
Kepler havia estabelecido que o quadrado do tempo periódico de um | |
planeta é diretamente proporcional ao cubo de sua distância média ao Sol. | |
Mas qual era a base dessa lei? Que signi cado mais profundo ela possuía? | |
Poderia o movimento da Terra, da Lua e dos planetas ser explicado com | |
base em alguns princípios mais fundamentais? Parte do gênio de Isaac | |
Newton estava em sua demonstração de que as leis de Kepler do movimento | |
planetário podiam ser explicadas com base nos princípios que governavam o | |
movimento dos corpos na Terra. A exploração da mecânica do sistema solar | |
realizada por Newton foi tão impressionante que o proeminente poeta inglês | |
Alexander Pope (1688-1744) escreveu as seguintes linhas em sua memória: | |
Ocultas em trevas estavam a Natureza e suas leis: | |
Deus disse: “Faça-se Newton!” E luz se fez. | |
Newton é frequentemente apresentado como alguém que a rmava a | |
racionalidade e a ordem cósmica em face da crença religiosa, um farol de | |
ortodoxia cientí ca no meio de uma sociedade ainda supersticiosa. De fato, | |
a realidade é um pouco mais complicada. Trabalhos que permaneceram | |
desconhecidos até o século 20 oferecem uma imagem mais complexa de | |
Newton como alguém de solidão quase patológica, que chegou próximo à | |
loucura, era obcecado por alquimia e era fascinado por heresias teológicas. | |
Newton pode muito bem ter inaugurado o mundo moderno através de suas | |
descobertas, mas ele pertencia ao mundo que havia agora sido deixado para | |
trás. Contudo, apesar de suas fraquezas e excentricidades, Newton continua | |
sendo uma das guras mais signi cativas da história da ciência em geral e | |
sua relação com a religião em particular. | |
A maneira que mais ajuda a entender a demonstração que Newton fez | |
das leis do movimento planetário é pensar que ele estabeleceu os princípios | |
básicos que governam o comportamento dos objetos na Terra e, | |
posteriormente, extrapolou esses mesmos princípios ao movimento dos | |
planetas. Por exemplo, considere a famosa estória de Newton observando | |
uma maçã caindo no chão. A mesma força que atraiu a maçã para a Terra | |
poderia, na visão de Newton, operar entre o Sol e os planetas. A atração | |
gravitacional entre a Terra e uma maçã é precisamente a mesma força que | |
opera entre o Sol e um planeta, ou a Terra e a Lua. | |
Newton inicialmente concentrou sua atenção na descoberta das leis que | |
governavam o movimento dos corpos na Terra, levando-o à formulação de | |
suas três leis do movimento: | |
1. Todo objeto em um estado de movimento uniforme permanecerá | |
nesse estado de movimento, a menos que uma força externa atue | |
sobre ele. | |
2. Força é igual à massa de um corpo multiplicada por sua aceleração. | |
3. Para toda ação, há uma reação igual e oposta. | |
Essas três leis do movimento estabeleceram os princípios gerais | |
relacionados ao movimento terrestre. A importante descoberta de Newton | |
consistiu em perceber que essas mesmas leis poderiam ser aplicadas tanto à | |
mecânica celeste quanto à mecânica terrestre. Newton começou a trabalhar | |
em sua teoria planetária já em 1666. Tomando suas leis de movimento como | |
ponto de partida, ele abordou as três leis de movimento planetário de | |
Kepler. Era uma questão relativamente simples demonstrar que a segunda lei | |
de Kepler poderia ser entendida se existir uma força entre o planeta e o Sol, | |
direcionada para o Sol. A primeira lei poderia ser explicada se fosse | |
assumido que a força entre o planeta e o Sol fosse inversamente | |
proporcional ao quadrado da distância entre eles. Essa força pode ser | |
determinada matematicamente, com base no que mais tarde seria chamado | |
de “Lei da Gravitação Universal”: | |
quaisquer dois corpos materiais, P e P’, com massas m e m’, se atraem mutuamente com uma | |
força F, dada pela fórmula: | |
F = Gmm’/d2 | |
onde d é a distância entre eles e G é a constante gravitacional. | |
(Newton não precisou determinar o valor preciso de G para explicar as | |
leis de Kepler.) | |
Newton aplicou as leis do movimento à órbita da Lua ao redor da Terra. | |
Com base no pressuposto de que a força que atraía uma maçã para cair no | |
chão também retinha a Lua em sua órbita ao redor da Terra, e que essa força | |
era inversamente proporcional ao quadrado da distância entre a Lua e a | |
Terra, Newton foi capaz de calcular o período da órbita da Lua. Ele se | |
mostrou incorreto por um fator de aproximadamente 10%. Esse erro | |
ocorreu apenas por causa de uma estimativa imprecisa da distância entre a | |
Terra e a Lua. Newton simplesmente usara a estimativa predominante dessa | |
distância; ao usar um valor mais preciso, determinado pelo astrônomo | |
francês Jean Picard em 1672, teoria e observação mostraram-se de acordo. | |
As teorias de Newton eram fundamentadas nos conceitos básicos de | |
massa, espaço e tempo. Cada um desses conceitos pode ser medido, | |
analisado e representado matematicamente. Embora a ênfase de Newton na | |
massa tenha agora sido substituída por um interesse em momentum (que é o | |
produto da massa pela velocidade), esses temas básicos continuam sendo de | |
grande importância em física clássica. Com base em seus três conceitos | |
fundamentais, ele foi capaz de desenvolver ideias precisas de aceleração, | |
força, momentum e velocidade. | |
Não há espaço su ciente para fornecer uma análise histórica completa | |
de como e quando Newton chegou às suas conclusões, nem para detalhá-las. | |
O ponto importante a ser apreciado é que Newton conseguiu demonstrar | |
que uma vasta gama de dados observacionais poderia ser explicada com | |
base em um conjunto de princípios universais. Os sucessos de Newton na | |
explicação da mecânica terrestre e celeste levaram ao rápido | |
desenvolvimento da ideia de que o universo poderia ser pensado como uma | |
grande máquina, agindo de acordo com leis xas. Isso geralmente é | |
chamado de “visão de mundo mecanicista”, na medida em que a operação da | |
natureza é explicada com o pressuposto de que é uma máquina operando de | |
acordo com regras xas. | |
As implicações religiosas disso serão claras. A concepção do mundo | |
como uma máquina sugeriu imediatamente a ideia de design. O próprio | |
Newton apoiou essa interpretação. Embora escritores posteriores tendessem | |
a sugerir que o mecanismo em questão era totalmente autônomo e | |
autossustentável – e, portanto, não exigia a existência de um Deus –, essa | |
visão não foi amplamente adotada nos anos de 1690. Talvez a aplicação mais | |
famosa da abordagem de Newton seja encontrada nos escritos de William | |
Paley (1743-1805), que comparou a complexidade do mundo natural com o | |
design de um relógio. Como ambas as coisas estariam implicadas, design e | |
propósito, elas apontavam para um criador. Assim, a obra de Newton foi | |
inicialmente vista como uma con rmação esplêndida da existência de Deus. | |
A ênfase de Newton na regularidade do mundo foi uma das razões por | |
trás de um desenvolvimento signi cativo nas maneiras pelas quais Deus foi | |
retratado e compreendido. Tradicionalmente, a teologia e a iconogra a | |
cristã se baseavam em imagens bíblicas de Deus, como um rei ou pastor. A | |
revolução cientí ca levou a uma nova imagem de Deus capturando a | |
imaginação de muitos durante o século 17 – ou seja, Deus como relojoeiro. | |
Um relógio em particular foi apontado como um digno análogo da máquina | |
celestial – o grande relógio da catedral de Estrasburgo. Esse relógio, | |
reconstruído em 1574, exibia dados sobre a hora, a localização dos planetas, | |
as fases da lua e outras informações astronômicas, exibidas usando uma | |
série de mostradores e outros efeitos visuais. | |
Não demorou muito para que um estranhamento entre a mecânica | |
celestial e a religião começasse a surgir. A mecânica celeste parecia sugerir | |
que o mundo era um mecanismo autossustentável, que não precisava de | |
governança divina ou apoio para sua operação cotidiana. A imagem de Deus | |
como um “relojoeiro” passou a ser vista como conducente a uma | |
compreensão puramente naturalista do universo, na qual Deus não tinha | |
nenhum papel contínuo a desempenhar. O cenário estava, então, montado | |
para a ascensão do importante movimento religioso geralmente conhecido | |
como “deísmo”. | |
A ênfase de Newton na regularidade da natureza é vista pela maioria dos | |
estudiosos como um dos fatores que incentivaram o surgimento do deísmo. | |
O termo “deísmo” (do latim, deus) refere-se a uma visão de Deus que o vê | |
como criador, mas nega seu envolvimento contínuo com a criação ou sua | |
presença especial dentro dela. Esse termo é, portanto, frequentemente | |
contrastado com “teísmo” (do grego, theos), que presume o envolvimento | |
contínuo de Deus no mundo. O termo “deísmo” é geralmente usado para se | |
referir às opiniões de um grupo de pensadores ingleses durante a “Era da | |
Razão”, no nal do século 17 e no início do século 18. Em seu in uente | |
estudo e Principal Deistic Writers [Os principais escritores deístas] (1757), | |
John Leland agrupou vários escritores – incluindo Lord Herbert de | |
Cherbury, omas Hobbes e David Hume – sob o amplo e recém-cunhado | |
termo “deísta”. Se esses autores teriam aprovado tal designação é algo | |
questionável. Um exame atento de suas visões religiosas mostra que elas têm | |
relativamente pouco em comum, a não ser um ceticismo geral quanto a | |
várias ideias cristãs tradicionais, como a necessidade da revelação divina. A | |
cosmovisão newtoniana ofereceu ao deísmo uma maneira altamente | |
so sticada de defender e desenvolver suas visões, permitindo que se | |
concentrassem na sabedoria de Deus ao criar um mundo elegante e | |
ordenado, governado pelas leis da natureza. | |
Embora estudos modernos tenham levantado questões signi cativas | |
sobre se o deísmo pode ser considerado um movimento intelectual coerente, | |
ele certamente pode ser apresentado como uma forma genérica e diluída de | |
cristianismo, que focou apenas em Deus como criador do mundo e, | |
portanto, destacou a regularidade da ordem natural. O Ensaio sobre o | |
Entendimento Humano (1690), de John Locke, desenvolveu uma ideia de | |
Deus que se tornou característica de um deísmo bem mais tardio. Locke | |
argumentava que “a razão nos leva ao conhecimento dessa verdade certa e | |
evidente, de que existe um Ser eterno, supremo em poder e conhecimento”. | |
Os atributos desse ser são aqueles que a razão humana reconhece como | |
apropriados a Deus. Tendo considerado quais qualidades morais e racionais | |
são adequadas à divindade, Locke argumenta que “ampliamos cada uma | |
delas com nossa ideia de in nito e, assim, reunindo-as, criamos nossa | |
complexa ideia de Deus”. Em outras palavras, a ideia “Deus” é composta de | |
qualidades racionais e morais humanas, projetadas ao in nito. Seus críticos, | |
porém, viam o deísmo como tendo reduzido Deus a um mero relojoeiro. | |
Deus deu corda no mundo, como um relógio, e depois deixou-o funcionar | |
sem se ocupar dele. Uma vez que Deus estabelecera um universo regular, | |
governado por leis xas, não haveria necessidade de uma ação divina | |
especial para mantê-lo. | |
Vemos aqui como a ascensão da cosmovisão mecânica deve ser vista | |
como cientí ca, mas com implicações religiosas. O modelo mecânico | |
newtoniano do universo parecia ressoar com uma maneira particular de | |
pensar sobre Deus. Mais importante, sugeriu que esse deus pudesse ser | |
conhecido e estudado sem a necessidade de quaisquer crenças | |
especi camente religiosas ou do estudo de textos religiosos, como a Bíblia. | |
Uma religião da natureza poderia ser desenvolvida, apelando desde a | |
regularidade do mecanismo do universo à sabedoria de seu construtor. | |
Essa linha de raciocínio pode ser encontrada em Christianity as Old as | |
Creation [Cristianismo tão antigo quanto a criação] (1730), de Matthew | |
Tindal, ao defender que o cristianismo não era outra coisa senão a | |
“republicação da religião da natureza”. Deus é entendido como a extensão | |
dos conceitos humanos aceitos sobre justiça, racionalidade e sabedoria. Essa | |
religião universal está disponível em todos os momentos e em todos os | |
lugares, enquanto o cristianismo tradicional repousava na ideia de uma | |
revelação divina, que não era acessível aos que viveram antes de Cristo. | |
As ideias do deísmo inglês percorreram o continente europeu através de | |
traduções (especialmente na Alemanha) e de escritos de indivíduos | |
familiarizados e solidários com eles, como as Cartas Filosó cas de Voltaire. | |
O racionalismo iluminista é frequentemente considerado o orescimento | |
nal que brotou do deísmo inglês. Para nossos propósitos, no entanto, é | |
especialmente importante observar a consonância óbvia entre o deísmo e a | |
cosmovisão newtoniana. Como observamos anteriormente, o deísmo deveu | |
sua crescente aceitação intelectual em parte aos sucessos da visão mecânica | |
newtoniana do mundo. | |
Se Deus estava sendo excluído da mecânica do mundo, muitos | |
sugeriram que o design e a atividade divina ainda seriam encontrados na | |
esfera biológica. Isso não mostrava evidência de design? Um dos escritores | |
mais in uentes a sugerir que esse era o caso foi John Ray (1627-1705). Em | |
sua obra Wisdom of God Manifested in the Works of Creation [Sabedoria de | |
Deus manifesta nas obras da criação] (1691), Ray argumenta que a beleza e a | |
regularidade da ordem criada, incluindo plantas e animais, apontam para a | |
sabedoria de seu criador. É preciso enfatizar que Ray trabalhou com uma | |
visão estática da criação. Ele entendia a expressão “Obras da Criação” com o | |
signi cado de “obras criadas por Deus no princípio, e por Ele conservadas | |
até os dias de hoje no mesmo estado e condição em que foram feitas | |
inicialmente”. | |
O apelo mais famoso a Deus como designer e criador do mundo natural, | |
especialmente no que se refere a seus aspectos biológicos, foi devido a | |
William Paley, arquidiácono de Carlisle, que comparou Deus a um dos | |
inventores mecânicos da Revolução Industrial. Deus, segundo ele, criou | |
diretamente o mundo em toda a sua complexidade. Paley aceitou o ponto de | |
vista de sua época – ou seja, que Deus havia construído (Paley prefere a | |
palavra “inventado”23) o mundo em sua forma nal, como a conhecemos | |
agora. Nenhum relojoeiro deixaria algo inacabado e não ajustado ao seu | |
propósito. | |
Paley argumentava que a atual organização do mundo, tanto física | |
quanto biológica, poderia ser vista como testemunha convincente da | |
sabedoria de um deus criador. A Teologia Natural de Paley, ou Evidences of | |
the Existence and Attributes of the Deity, Collected from the Appearances of | |
Nature [Evidências da existência e dos atributos da divindade, coletadas das | |
aparências da natureza] (1802), teve uma in uência profunda no | |
pensamento religioso inglês popular na primeira metade do século 19 e foi | |
lida por Darwin. Paley cou profundamente impressionado com a | |
descoberta realizada por Newton de regularidade da natureza, permitindo | |
que o universo fosse pensado como um mecanismo complexo, operando de | |
acordo com princípios regulares e compreensíveis. A natureza consiste em | |
uma série de estruturas biológicas que devem ser pensadas como | |
“inventadas” – isto é, construídas com um claro propósito em mente. | |
Paley usou sua famosa analogia do relógio encontrado em um matagal | |
para enfatizar que engenhosidade necessariamente pressupunha um designer | |
e construtor. “Toda indicação de engenhosidade, toda manifestação de | |
design, que existia no relógio, existe nas obras da natureza”. De fato, Paley | |
argumenta, a diferença é que a natureza mostra um grau ainda maior de | |
engenhosidade que o relógio. (Consideraremos a abordagem de Paley com | |
mais detalhes posteriormente:). Encontramos o melhor de Paley quando ele | |
lida com a descrição de sistemas mecânicos dentro da natureza, como a | |
estrutura imensamente complexa do olho e do coração humanos. No | |
entanto, o argumento de Paley (como o de John Ray antes dele) dependia de | |
uma cosmovisão estática e simplesmente não conseguia lidar com a | |
cosmovisão dinâmica que estava no coração do darwinismo. | |
É nesse ponto que precisamos voltar a considerar a controvérsia | |
darwiniana do século 19, que abriu uma nova área de debate cientí co com | |
implicações importantes para algumas crenças religiosas tradicionais. | |
DARWIN E AS ORIGENS BIOLÓGICAS DA HUMANIDADE | |
A publicação de Origem das Espécies (1859), de Charles Darwin, é | |
corretamente considerada um marco na ciência do século 19. Em 27 de | |
dezembro de 1831, o HMS Beagle partiu do porto de Plymouth, no Sul da | |
Inglaterra, para uma viagem que durou quase cinco anos. Sua missão era | |
concluir um levantamento das costas do Sul da América do Sul e, | |
posteriormente, circunavegar o globo. O naturalista do pequeno navio foi | |
Charles Darwin (1809-1882). Durante a longa viagem, Darwin observou | |
alguns aspectos da vida vegetal e animal da América do Sul, particularmente | |
nas Ilhas Galápagos e na Terra do Fogo, que lhe pareciam exigir explicações, | |
mas que não eram satisfatoriamente explicados pelas teorias existentes. As | |
palavras iniciais de Origem das Espécies expuseram o enigma que ele estava | |
determinado a resolver: | |
Quando a bordo do HMS Beagle, como naturalista, quei muito impressionado com certos fatos | |
na distribuição dos seres orgânicos que habitam a América do Sul e nas relações geológicas do | |
presente com os habitantes passados daquele continente. Esses fatos, como veremos nos últimos | |
capítulos deste volume, pareciam lançar alguma luz sobre a origem das espécies – esse mistério | |
dos mistérios, como foi chamado por um de nossos maiores lósofos.24 | |
Uma descrição popular da origem das espécies, amplamente apoiada | |
pelo establishment religioso e acadêmico do início do século 19, sustentava | |
que Deus tinha, de alguma forma, criado tudo mais ou menos como vemos | |
agora. O sucesso dessa visão deveu-se muito à in uência de William Paley, | |
cuja abordagem consideramos na seção anterior. Deus era o relojoeiro | |
divino, responsável pelo design e pela construção de estruturas | |
fabulosamente complexas, como o olho humano. | |
Darwin conhecia as opiniões de Paley e inicialmente as achou | |
persuasivas. Entretanto, suas observações no Beagle levantaram algumas | |
questões. Em seu retorno, Darwin decidiu desenvolver uma explicação mais | |
satisfatória para suas próprias observações e para as dos outros. Embora | |
pareça que Darwin tenha chegado à ideia básica de evolução através da | |
seleção natural em 1842, ele não estava pronto para publicar. Uma teoria tão | |
radical exigiria que evidências observacionais massivas fossem reunidas em | |
seu apoio. | |
Para Darwin, quatro aspectos do mundo natural pareciam exigir | |
particular atenção, à luz de problemas e de ciências das explicações | |
existentes. | |
1. As formas de certas criaturas vivas pareciam se adaptar às suas | |
necessidades especí cas. A teoria de Paley propôs que essas | |
criaturas foram projetadas individualmente por Deus com essas | |
necessidades em mente. Darwin cada vez mais considerava essa | |
uma explicação grosseira. | |
2. Sabe-se que algumas espécies desapareceram por completo – | |
tornaram-se extintas. Esse fato já era conhecido antes de Darwin e | |
era frequentemente explicado com base nas teorias de “catástrofe”, | |
como um “dilúvio universal”, conforme sugerido pelo relato bíblico | |
de Noé. | |
3 A viagem de pesquisa de Darwin no Beagle o convenceu da | |
distribuição geográ ca desigual das formas de vida em todo o | |
mundo. Em particular, Darwin cou impressionado com as | |
peculiaridades das populações das ilhas. | |
4. Muitas criaturas têm “estruturas rudimentares” (às vezes também | |
chamadas de “estruturas vestigiais”), que não têm função aparente | |
ou previsível. Exemplos dessas estruturas incluem os mamilos de | |
mamíferos machos, os rudimentos de uma pélvis e membros | |
traseiros em cobras, além de asas em muitos pássaros que não | |
voam. Como isso poderia ser explicado com base na teoria de Paley, | |
que enfatizava a importância do design individual das espécies? Por | |
que Deus deveria projetar redundâncias? | |
Esses aspectos da ordem natural poderiam ser explicados com base na | |
teoria de Paley. No entanto, as explicações oferecidas pareciam forçadas e | |
grosseiras. O que era originalmente uma teoria relativamente clara e | |
elegante começou a desmoronar sob o peso das di culdades e tensões | |
acumuladas. Tinha que haver uma explicação melhor. Darwin ofereceu uma | |
riqueza de evidências em apoio à ideia de evolução biológica e propôs um | |
mecanismo pelo qual ela poderia funcionar – a seleção natural. | |
A teoria radical da seleção natural de Darwin pode ser vista como o | |
culminar de um longo processo de re exão sobre as origens das espécies. | |
Entre os estudos que prepararam o caminho para a teoria de Darwin, | |
atenção especial deve ser dada aos Principles of Geology [Princípios de | |
Geologia] (1830), de Charles Lyell. A compreensão popular predominante | |
da história da Terra era de que sua formação se devia, desde a sua criação, a | |
uma série de mudanças catastró cas. Lyell defendeu o “uniformitarismo” | |
(um termo cunhado por James Hutton em 1795), pelo qual se supõe que as | |
mesmas forças que estão agora em ação no mundo natural também | |
estiveram ativas em grandes extensões de tempo no passado. A teoria da | |
evolução de Darwin opera em uma suposição relacionada: a de que as forças | |
que levam ao desenvolvimento de novas espécies de plantas ou animais no | |
presente atuaram por longos períodos de tempo no passado. | |
A principal rival da teoria de Darwin era devida ao naturalista sueco do | |
século 18 Carl von Linné (1707–1778), mais conhecido pela forma | |
latinizada de seu nome “Linnaeus” [em português, Lineu]. Lineu defendia a | |
“ xidez das espécies”. Em outras palavras, a atual variedade de espécies que | |
pode ser observada no mundo natural representa a maneira como as coisas | |
foram no passado e é a forma como elas permanecerão. A classi cação | |
detalhada das espécies proposta por Lineu transmitia a impressão, para | |
muitos de seus leitores, de que a natureza era xa desde o momento de sua | |
origem. Isso parecia se encaixar consideravelmente bem com uma leitura | |
tradicional e popular dos relatos de criação de Gênesis, e sugeria que o | |
mundo botânico de hoje correspondia mais ou menos ao estabelecido na | |
criação. Cada espécie poderia ser considerada como tendo sido criada | |
separadamente e distintamente por Deus, e dotada de suas características | |
xas. | |
A principal di culdade aqui, apontada por Georges Buffon e outros, era | |
que as evidências fósseis sugeriam que certas espécies haviam sido extintas. | |
Em outras palavras, foram encontrados fósseis que continham restos | |
preservados de plantas (e animais) que agora não tinham contrapartida | |
conhecida na Terra. Isso não parece contradizer a suposição da xidez das | |
espécies? E se espécies antigas desapareceram, não poderiam surgir novas | |
para substituí-las? Outras questões pareciam causar alguma di culdade para | |
a teoria da criação especial – por exemplo, a distribuição geográ ca irregular | |
das espécies. | |
Em sua Origem das Espécies, Darwin estabeleceu com muito cuidado | |
por que a ideia de “seleção natural” deve ser considerada o melhor | |
mecanismo para explicar como a evolução das espécies ocorreu e como deve | |
ser entendida. Darwin argumenta que um processo pode ser discernido | |
dentro da natureza – “seleção natural” –, análogo ao processo de “seleção | |
arti cial” usado pelos criadores de gado. O primeiro capítulo de Origem das | |
Espécies, portanto, considera “variação sob domesticação” – isto é, a maneira | |
como plantas e animais domésticos são criados por agricultores. Darwin | |
observa como a criação seletiva permite que os agricultores criem animais | |
ou plantas com características particularmente desejáveis. Variações se | |
desenvolvem em gerações sucessivas através desse processo de criação e elas | |
podem ser exploradas para produzir características herdadas que são | |
consideradas de particular valor pelo criador. Esse processo familiar de | |
“seleção doméstica” ou “seleção arti cial” sugere que um mecanismo | |
semelhante parece operar na própria natureza. A “variação sob | |
domesticação” é apresentada como um análogo da “variação sob a natureza”. | |
A teoria da seleção natural de Darwin sugeria que se podia falar de | |
direcionalidade dentro da natureza, sem sugerir que houvesse progressão ou | |
propósito. A escolha da expressão “seleção natural” mostrou-se controversa, | |
pois, para alguns dos críticos de Darwin, parecia implícito que a natureza de | |
alguma forma ativa ou intencionalmente escolhia quais resultados evolutivos | |
seriam os preferidos. Não era isso o que Darwin pretendia. Ele estava | |
simplesmente a rmando que algum processo semelhante à “seleção | |
arti cial” parecia operar dentro da própria natureza. Darwin ofereceu um | |
mecanismo completamente naturalista para a evolução, que não dependia | |
de a natureza escolher ativamente seus próprios resultados. De fato, uma das | |
implicações mais signi cativas da teoria de Darwin é que qualquer noção de | |
teleologia ou propósito dentro da natureza se torna muito difícil de sustentar | |
– um ponto enfatizado por omas H. Huxley, ao sugerir que a de nição de | |
Darwin sobre a seleção natural havia questionado as noções tradicionais de | |
teleologia (embora não a noção de teleologia em si). | |
Ao nal, a teoria de Darwin apresentava muitas debilidades e pontas | |
soltas. Por exemplo, exigia que a especiação ocorresse; no entanto, a | |
evidência para isso era visivelmente ausente à época. O próprio Darwin | |
dedicou uma grande seção da Origem das Espécies para listar essas | |
di culdades com sua teoria, observando em particular a “imperfeição do | |
registro geológico”, que dava pouca indicação da existência de espécies | |
intermediárias e a “perfeição e complicação extremas” de certos órgãos | |
individuais, como o olho. Contudo, estava convencido de que eram | |
di culdades que podiam ser toleradas devido à clara superioridade | |
explicativa de sua abordagem. Ainda assim, embora Darwin não acreditasse | |
ter tratado adequadamente todos os problemas que exigiam solução, ele | |
estava con ante de que sua explicação era a melhor disponível: | |
Uma multidão de di culdades terá ocorrido ao leitor. Algumas delas são tão graves que até hoje | |
não consigo re etir sobre elas sem car desconcertado; mas, segundo o meu melhor julgamento, | |
a maioria é apenas aparente, e aquelas que são reais não são, penso eu, fatais para a minha | |
teoria.25 | |
As teorias de Darwin, conforme expostas em Origem das Espécies (1859) | |
e A Descendência do Homem (1871), sustentam que todas as espécies – | |
incluindo a humanidade – são o resultado de um longo e complexo processo | |
de evolução biológica. As implicações religiosas disso serão evidentes. O | |
pensamento cristão tradicional considerava a humanidade separada do resto | |
da natureza, criada como o auge da criação de Deus, e apenas ela dotada da | |
“imagem de Deus”. A teoria de Darwin sugeria que a natureza humana | |
emergiu gradualmente, através de um longo período de tempo, e que | |
nenhuma distinção biológica fundamental poderia ser feita entre seres | |
humanos e animais em termos de origem e desenvolvimento. | |
Então, quais questões religiosas foram levantadas pela teoria de Darwin? | |
Ficará evidente a partir do relato histórico que acabamos de apresentar que a | |
explicação de Darwin para a origem das espécies levanta sérios problemas | |
para uma compreensão estática da ordem biológica. Como observamos na | |
seção anterior, isso está subjacente aos argumentos de William Paley sobre a | |
existência de Deus, com base em um apelo às complexidades da esfera | |
biológica. O crítico mais notável de Paley nos últimos anos é o zoólogo de | |
Oxford Richard Dawkins, cujo argumento é que a abordagem de Darwin | |
elimina qualquer noção de Deus criando ou projetando o mundo. Tudo | |
pode ser explicado, a rma ele, pelas forças cegas da seleção natural. Em seu | |
Blind Watchmaker [Relojoeiro cego] (1987), Dawkins aponta | |
implacavelmente as falhas do ponto de vista de Paley e a superioridade | |
explicativa da abordagem de Darwin, especialmente com as modi cações | |
introduzidas pela síntese neodarwiniana. Dawkins argumenta que a | |
abordagem de Paley é baseada em uma visão estática do mundo, tornada | |
obsoleta pela teoria de Darwin. | |
O próprio Dawkins é eloquente e generoso em sua descrição26 das | |
realizações de Paley, observando com apreço suas “descrições bonitas e | |
reverentes da maquinaria dissecada da vida”. Sem, de maneira alguma, | |
menosprezar a maravilha dos “relógios” biológicos que tanto fascinaram e | |
impressionaram Paley, Dawkins argumentou que a defesa de Deus por Paley | |
– embora feita com “sinceridade apaixonada” e “informada pelos melhores | |
estudos biológicos de seus dias” – está “completa e gloriosamente errada”. O | |
“único relojoeiro na natureza são as forças cegas da física”. Para Dawkins, | |
Paley é típico de sua época; suas ideias são inteiramente compreensíveis, | |
dada a sua localização histórica antes de Darwin. Mas ninguém, argumenta | |
Dawkins, poderia compartilhar dessas ideias hoje. Paley é obsoleto. | |
Essa é, portanto, talvez uma das questões religiosas mais óbvias | |
levantadas pelo surgimento do darwinismo – o enfraquecimento de um | |
argumento pela existência de Deus, que havia desempenhado um papel | |
importante no pensamento religioso britânico, popular e acadêmico, por | |
mais de um século. Certamente, o argumento poderia ser facilmente | |
rea rmado de formas mais apropriadas – um desenvolvimento que ocorreu | |
durante a segunda metade do século 19, quando muitos autores cristãos | |
enfatizaram que a evolução poderia ser vista como o meio pelo qual Deus | |
providencialmente dirigiu o que agora era entendido como um processo | |
estendido, em vez de um único evento. | |
Outra questão religiosa dizia respeito à interpretação da Bíblia. Muitas | |
das controvérsias relativas à ciência e religião se concentraram na questão da | |
interpretação bíblica. A controvérsia copernicana, por exemplo, levantou a | |
questão de saber se a Bíblia promovia ativamente uma visão geocêntrica do | |
universo ou se ela simplesmente foi interpretada dessa maneira por tempo | |
su ciente para que essa impressão se espalhasse. Uma questão semelhante | |
surgiu com o debate sobre o darwinismo. | |
É importante notar que o darwinismo se tornou particularmente | |
preocupante para os cristãos in uenciados pelas leituras literais do livro de | |
Gênesis. Sabe-se que tais leituras foram difundidas no protestantismo | |
popular na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos na primeira metade do | |
século 19, embora esquemas interpretativos mais sutis tenham sido | |
propostos por acadêmicos protestantes nos dois países. A despeito dessas | |
interpretações mais so sticadas dos relatos da criação em Gênesis, tornou-se | |
amplamente aceito, no nível popular, que a leitura da Bíblia pelo “senso | |
comum” leva a um entendimento de que criação do mundo e da | |
humanidade ocorreu em seis dias. O darwinismo estabeleceu um desa o | |
signi cativo tanto para essa leitura especí ca do livro de Gênesis quanto | |
para os modelos existentes de interpretação bíblica em geral. Os seis dias da | |
criação do Gênesis deveriam ser considerados literalmente como períodos | |
de 24 horas? Ou como períodos de tempo inde nidos? Era legítimo sugerir | |
que vastos períodos de tempo poderiam separar os eventos dessa narrativa? | |
Ou a narrativa da criação de Gênesis deveria ser interpretada como uma | |
narrativa histórica e culturalmente condicionada, re etindo os antigos mitos | |
babilônicos, que não poderiam ser tomados como uma narrativa cientí ca | |
das origens da vida em geral e da humanidade em particular? Os debates são | |
muitos e continuam até hoje. | |
Um terceiro ponto em que as teorias de Darwin levantam di culdades | |
para a teologia cristã tradicional diz respeito ao status da humanidade. Para | |
a maioria dos cristãos, a humanidade foi o ápice da criação de Deus, | |
distinguida do restante da ordem criada por ter sido criada à imagem de | |
Deus. Nessa leitura tradicional das coisas, a humanidade se encontrava | |
dentro da ordem criada como um todo, mas permanecia acima dela, devido | |
ao seu relacionamento único com Deus. Entretanto, a Origem das Espécies | |
de Darwin apresentava um desa o implícito a essa visão, que A | |
Descendência do Homem tornou explícito. A humanidade teria emergido de | |
dentro da ordem natural ao longo de um vasto período de tempo. | |
Se existia um aspecto de sua própria teoria da evolução que deixava | |
Charles Darwin se sentindo inquieto, eram suas implicações quanto ao | |
status e à identidade da raça humana. Em todas as edições de Origem das | |
Espécies, Darwin a rmava consistentemente que o mecanismo de seleção | |
natural que ele havia proposto não implicava nenhuma lei xa ou universal | |
de desenvolvimento progressivo. Além disso, ele rejeitava explicitamente a | |
teoria de Lamarck de que a evolução demonstrava uma “tendência inata e | |
inevitável à perfeição”. A conclusão inevitável deve, portanto, ser que os seres | |
humanos (agora entendidos como participantes do processo evolutivo, e não | |
meramente observadores) não podem, em nenhum sentido, ser | |
considerados o “objetivo” ou o “ápice” da evolução. | |
Não era uma ideia fácil para Darwin aceitar, nem para a época dele. A | |
conclusão de A Descendência do Homem fala da humanidade em termos | |
exaltados, apesar de insistir em suas origens biológicas “humildes”: “O | |
homem com todas as suas nobres qualidades [...] ainda carrega em seu | |
corpo a marca indelével de sua origem humilde”.27 | |
Muitos darwinistas insistiriam que, como corolário de uma visão de | |
mundo evolutiva, devemos reconhecer que somos animais, parte do | |
processo evolutivo. O darwinismo, portanto, critica os pressupostos | |
absolutistas relativos ao lugar da humanidade na natureza que estão por trás | |
do “especismo” – termo um tanto deselegante, introduzido por Richard | |
Ryder, que ganhou maior importância através do especialista em ética | |
australiano Peter Singer (nascido em 1946), atualmente na cátedra Ira W. | |
DeCamp, de Bioética, na Universidade de Princeton. Tal questão tem | |
levantado di culdades consideráveis para além da esfera da religião | |
tradicional, na medida em que muitas teorias políticas e éticas se baseiam na | |
suposição de status privilegiado da humanidade na natureza, seja isso | |
justi cado por motivos religiosos ou seculares. | |
Então, como os cristãos têm respondido aos desa os da teoria da seleção | |
natural de Darwin? Durante um século e meio desde a publicação da | |
Origem das Espécies de Darwin, surgiram pelo menos quatro respostas | |
gerais.28 | |
1. Criacionismo da Terra Jovem: essa posição representa a continuação da “leitura comum” de | |
Gênesis, que foi amplamente encontrada nos escritos populares e, pelo menos em alguns | |
acadêmicos, antes de 1800. Por essa visão, a Terra foi criada em sua forma básica entre 6 mil e 10 | |
mil anos atrás. Os criacionistas da Terra jovem geralmente leem os dois primeiros capítulos do | |
livro de Gênesis de uma maneira que não admite nenhum tipo de criatura viva antes do Éden, | |
nem morte antes da Queda. A maioria dos criacionistas da Terra jovem sustenta que todos os | |
seres vivos foram criados simultaneamente, dentro do prazo proposto pela narrativa da criação | |
de Gênesis, com a palavra hebraica yom (“dia”) signi cando um período de 24 horas. Os | |
registros fósseis, que apontam para uma escala de tempo muito maior e para a existência de | |
espécies extintas, costumam ser compreendidos como datando da época do dilúvio de Noé. Esse | |
ponto de vista é muitas vezes, mas não universalmente, declarado na forma de criação de 144 | |
horas e inundação universal. Talvez o mais notável criacionista da Terra jovem tenha sido Henry | |
Madison Morris (1918–2006), fundador do Institute for Creation Research [Instituto para | |
Pesquisa da Criação], que desempenhou um importante papel ao defender a resistência ao | |
pensamento evolutivo nas igrejas e escolas americanas. | |
2. Criacionismo da Terra Antiga: essa visão tem uma longa história e é provavelmente a opinião | |
da maioria dentro dos círculos protestantes conservadores. Ela não tem nenhuma di culdade | |
particular com a idade antiga do mundo e argumenta que a abordagem da “Terra jovem” exige | |
modi cações em pelo menos dois aspectos. Primeiro, que a palavra hebraica yom precisaria ser | |
interpretada como um “particípio de tempo inde nido” (não muito diferente da palavra em | |
inglês “while”), signi cando um período indeterminado de tempo, que recebe especi cidade por | |
seu contexto. Em outras palavras, a palavra “dia” na narrativa da criação de Gênesis deve ser | |
interpretada como um longo período de tempo, não um período especí co de 24 horas. | |
Segundo, que pode haver uma grande lacuna entre Gênesis 1.1 e Gênesis 1.2. Em outras palavras, | |
a narrativa não é entendida como contínua, mas abrindo caminho para a intervenção de um | |
período substancial de tempo entre o ato primordial de criação do universo e o surgimento de | |
vida na Terra. Esse ponto de vista é defendido pela famosa Bíblia de Estudo Sco eld, publicada | |
pela primeira vez em 1909, embora essas ideias possam ser rastreadas até escritores anteriores, | |
como o grande escocês omas Chalmers (1780–1847), do século 19. | |
3. Design Inteligente: esse movimento, que ganhou considerável in uência nos Estados Unidos | |
nos últimos anos, argumenta que a biosfera tem uma “complexidade irredutível” que torna | |
impossível explicar suas origens e desenvolvimento por qualquer outro método que não seja o de | |
design. O design inteligente não nega a evolução biológica; sua crítica mais fundamental ao | |
darwinismo é teleológica – que a evolução não tem objetivo. O movimento do Design Inteligente | |
argumenta que o darwinismo padrão enfrenta di culdades explicativas signi cativas, que só | |
podem ser resolvidas adequadamente através da criação intencional de espécies individuais. Seus | |
críticos argumentam que essas di culdades são exageradas ou que serão oportunamente | |
resolvidas por futuros avanços teóricos. Embora o movimento evite a identi cação direta de | |
Deus como esse designer inteligente (presumivelmente por razões políticas), é claro que essa | |
suposição é intrínseca aos seus métodos de trabalho. O movimento está particularmente | |
associado a Michael Behe (nascido em 1952), autor de A Caixa Preta de Darwin, e William A. | |
Dembski (nascido em 1960), autor de Intelligent Design: e Bridge between Science and eology | |
[Design inteligente: a ponte entre ciência e teologia]. Dembski e Behe são colegas no Discovery | |
Institute, com sede em Seattle. | |
4. Teísmo evolutivo [ou Criação Evolutiva]: uma abordagem nal sustenta que a evolução deve | |
ser entendida como o método escolhido por Deus para trazer a vida à existência a partir de | |
materiais inorgânicos e criar complexidade dentro da vida. Enquanto o darwinismo dá espaço | |
signi cativo a eventos aleatórios no processo evolutivo, o teísmo evolucionário vê o processo | |
como guiado divinamente. Alguns teístas evolutivos propõem que cada nível de complexidade | |
seja explicado com base em “Deus operando dentro do sistema”, possivelmente no nível | |
quântico. Outros, como Howard van Till, adotam uma perspectiva de “criação totalmente | |
dotada”, argumentando que Deus incorporou o potencial para o surgimento e a complexidade da | |
vida no ato inicial da criação, de modo que não são necessários outros atos de intervenção | |
divina. Van Till argumenta que o caráter da ação criativa divina não é melhor expresso em | |
termos de “referência a intervenções ocasionais em que uma nova forma é imposta a matériasprimas que são incapazes de atingir essa forma com suas próprias capacidades”, mas sim por | |
referência a “Deus conferindo ser a uma criação totalmente equipada com as capacidades | |
criativas de se organizar e/ou se transformar em uma diversidade de estruturas físicas e formas | |
de vida”. Variações sobre essas abordagens são encontradas em outros lugares, como nos escritos | |
de Arthur Peacocke (1924–2006). | |
Esses termos são, é claro, abertos a críticas. Autores, como o lósofo da | |
biologia Francisco Ayala (nascido em 1934), por exemplo, têm ressaltado o | |
fato de que o “criacionismo” e o “design inteligente” podem ser interpretados | |
de formas completamente convencionais, abertas à evolução biológica. | |
Outros têm destacado que o termo “teísmo evolutivo” pode ser usado para | |
sugerir que seus adeptos não acreditam na criação divina de todas as coisas. | |
De fato, o teísmo evolutivo sustenta que a criação deve ser entendida como | |
evento e processo, e não como um evento simples no passado. | |
O “BIG BANG”: NOVOS INSIGHTS SOBRE AS ORIGENS DO UNIVERSO | |
A questão da origem do universo é, sem dúvida, uma das áreas mais | |
fascinantes de análise e debate cientí cos modernos. Que existem dimensões | |
religiosas neste debate cará claro. Sir Bernard Lovell (1913–2012), o notável | |
pioneiro britânico da radioastronomia, é um dos muitos a observar que a | |
discussão sobre as origens do universo inevitavelmente levanta questões | |
fundamentalmente religiosas. Mais recentemente, o físico Paul Davies | |
chamou a atenção para as implicações da “nova física” para pensar sobre | |
Deus, especialmente em seu livro amplamente lido Deus e a Nova Física. | |
É importante compreender que o consenso cientí co antes da Primeira | |
Guerra Mundial considerava que o universo era eterno. Essa era a opinião | |
do grande lósofo grego clássico Aristóteles, que exerceu considerável | |
in uência sobre o desenvolvimento das ciências naturais na Europa | |
Medieval. A ênfase de Aristóteles em certos aspectos do método empírico – | |
como a necessidade de “preservar os fenômenos” – foi inquestionavelmente | |
útil para o surgimento das ciências naturais. Entretanto, é frequentemente | |
esquecido que Aristóteles estava comprometido com uma série de visões | |
estabelecidas não empíricas, que sem dúvida di cultaram o | |
desenvolvimento cientí co. Um exemplo é sua visão sobre a natureza | |
perfeita dos corpos celestes – como o Sol e a Lua – que foi posta em questão | |
pela descoberta de manchas solares e crateras lunares no início do século 17, | |
principalmente como resultado das observações telescópicas de Galileu. | |
As visões de Aristóteles sobre a eternidade do universo dominaram o | |
universo imaginativo da Antiguidade Clássica tardia e da Idade Média. Os | |
primeiros autores cristãos contestaram Aristóteles nesse ponto. Agostinho | |
de Hipona, por exemplo, argumentava no início do século 5 que Deus | |
trouxe tudo à existência em um único momento da criação. No entanto, essa | |
ordem criada não era estática, mas dotada da capacidade de se desenvolver. | |
Assim, em vez de ter sido criado em sua forma de nitiva nal, o universo foi | |
mudando ao longo do tempo, tornando-se o que Deus pretendia que viesse a | |
ser. Tomás de Aquino assumiu uma posição semelhante, deixando claro seu | |
desacordo com Aristóteles sobre esse ponto. Tomás de Aquino se apropriou | |
dos métodos de Aristóteles de maneira apreciativa em muitos pontos – mas | |
não nessa questão. | |
No nal do século 19, o consenso cientí co continuou sendo uma versão | |
reconhecível da noção de permanência do universo de Aristóteles. Em seu | |
best-seller Worlds in the Making [Mundos em construção] (1908), o físico | |
sueco e Prêmio Nobel Svante August Arrhenius declarou que a ciência | |
moderna revelava um universo in nito e autoperpetuante, sem começo nem | |
m. “O universo em sua essência sempre foi o que é agora. Matéria, energia | |
e vida só variaram quanto à forma e posição no espaço.”29 Embora matéria e | |
energia pudessem estar sujeitas a realocação dentro do universo, o sistema | |
como um todo permanecia inalterado. | |
Essa visão manteve-se in uente, especialmente em círculos intelectuais | |
mais amplos, nos anos de 1950. Em 1948, por exemplo, o lósofo ateu | |
Bertrand Russell argumentava que o universo não exigia explicação – por | |
exemplo, por um apelo a Deus. Como o universo sempre existiu, o fato | |
bruto de sua existência não precisa ser explicado. Isso, é claro, foi | |
dramaticamente questionado pela crescente percepção de que o universo | |
parecia ter um começo – a ideia que agora conhecemos como o “Big Bang”. | |
Pode-se argumentar que as origens da teoria do “Big Bang” estão na | |
teoria geral da relatividade proposta por Albert Einstein (1879-1955). A | |
teoria de Einstein foi proposta em um momento em que o consenso | |
cientí co favorecia a noção de um universo estático. As equações que | |
Einstein derivou para descrever os efeitos da relatividade foram | |
interpretadas por ele em termos de equilíbrio gravitacional e levitacional. | |
No entanto, o meteorologista russo Alexander Friedmann (1888–1925) | |
notou que as soluções para as equações que ele próprio derivava indicavam | |
um modelo bastante diferente. Se o universo era perfeitamente homogêneo e | |
estava em expansão, então o universo deveria ter se expandido de um estado | |
inicial singular em algum ponto do passado caracterizado por raio zero e | |
densidade, temperatura e curvatura in nitos. Outras soluções para as | |
equações sugeriram um ciclo de expansão e contração. A análise foi | |
desconsiderada, provavelmente por não estar em conformidade com o | |
ponto de vista de consenso na comunidade cientí ca. | |
Durante o período entre 1900 e 1931, os astrônomos testemunharam | |
três mudanças dramáticas em sua visão do universo. Primeiro, o valor aceito | |
do tamanho do sistema estelar aumentou por um fator de dez; segundo, o | |
trabalho de Edwin Hubble (1883-1953) levou à percepção de que existem | |
outros sistemas estelares além de nossa própria galáxia; e terceiro, o | |
comportamento dessas galáxias situadas além da nossa indicava que o | |
universo estava se expandindo. A expansão do universo era uma ideia difícil | |
de aceitar na época, pois implicava claramente que o universo havia | |
evoluído de um estado inicial muito denso – em outras palavras, que o | |
universo teve um começo. | |
Alguns astrônomos resistiam a qualquer sugestão desse tipo, às vezes | |
temendo as implicações religiosas em potencial da ideia das origens do | |
universo. Em 1948, Fred Hoyle e outros desenvolveram uma teoria do | |
“estado estacionário” do universo, a rmando que não se podia dizer que o | |
universo, embora em expansão, tivesse tido um começo. Matéria era criada | |
continuamente para preencher os vazios decorrentes da expansão cósmica. | |
Não havia necessidade de propor um “big bang” – termo pejorativo | |
inventado por Hoyle com a intenção de desacreditar a noção das origens do | |
universo. | |
A opinião começou a mudar decisivamente na década de 1960, | |
principalmente devido à descoberta da radiação cósmica de fundo. Em | |
1965, Arno Penzias e Robert Wilson estavam trabalhando em uma antena | |
experimental de micro-ondas nos Laboratórios Bell, em Nova Jersey. Eles | |
estavam passando por algumas di culdades. Independentemente da direção | |
em que apontavam a antena de rádio, captavam um ruído de fundo | |
inoportuno e indesejado, que simplesmente não conseguiam eliminar. A | |
explicação inicial desse fenômeno era de que pombos empoleirados na | |
antena estavam interferindo nela. No entanto, mesmo após a partida forçada | |
desses pássaros agressores, o chiado permaneceu. | |
Foi apenas uma questão de tempo até que o signi cado completo desse | |
irritante chiado de fundo fosse compreendido. Poderia ser entendido como | |
o “resplendor” de um “big bang” – uma explosão cósmica primordial, cuja | |
existência havia sido proposta em 1948 por Ralph Alpher e Robert Herman. | |
Quando vista ao lado de outras evidências, essa radiação de fundo forneceu | |
um apoio signi cativo à ideia de que o universo tivera um começo, o que | |
causou di culdades signi cativas à teoria rival do “estado estacionário”, de | |
Hoyle. | |
Desde então, os elementos básicos do modelo cosmológico padrão | |
tornaram-se esclarecidos e têm garantido amplo apoio na comunidade | |
cientí ca. Embora ainda existam signi cativas áreas de debate, esse modelo | |
– desenvolvido na década de 1990 e anos seguintes para chegar ao “LambdaCDM” ou “modelo cosmológico padrão” – é amplamente aceito por oferecer | |
a melhor ressonância com evidências observacionais, apesar das | |
preocupações de que alguns dos seus pressupostos estão além da veri cação | |
empírica. | |
Esse “modelo padrão” sugere que o universo se originou cerca de 13,8 | |
bilhões de anos atrás e que vem se expandindo e esfriando desde então. | |
(Entretanto, esse número está sujeito a alterações à luz do aperfeiçoamento | |
contínuo do modelo “Lambda-CDM”.) As duas evidências mais | |
signi cativas em apoio a essa teoria são a radiação cósmica de fundo em | |
micro-ondas e a abundância relativa de núcleos leves (como hidrogênio, | |
deutério e hélio) sintetizados no rescaldo imediato do “Big Bang”. Isso | |
implica a constatação de que a origem do universo deve ser reconhecida | |
como uma singularidade – um evento único, algo que nunca pode ser | |
repetido e, portanto, nunca sujeito à análise experimental precisa que alguns | |
consideram característica do método cientí co. | |
Foi um desenvolvimento dramático, que causou uma mudança radical | |
no pensar com respeito à linguagem religiosa sobre a “criação”. Costuma ser | |
dito por apologistas ateus que a ciência corroeu a plausibilidade da fé ao | |
longo do último século. E talvez isso possa ser verdade em alguns aspectos. | |
No entanto, em outros, é comprovadamente falso. O “modelo cosmológico | |
padrão” ressoa fortemente com uma narrativa cristã da criação. | |
O modelo de “estado estacionário” do universo, proposto por Hoyle, era | |
a cosmologia preferida dos ateus no início dos anos de 1960, pois parecia | |
eliminar qualquer possibilidade de “criação”. Falando no Instituto de | |
Tecnologia de Massachusetts, em 1967, Steven Weinberg observou30 que “a | |
teoria do estado estacionário é loso camente a teoria mais atraente, porque | |
é a que menos se assemelha à descrição dada em Gênesis”. Infelizmente, ele | |
admitiu, a teoria de Hoyle parecia agora estar errada. “É uma pena que a | |
teoria do estado estacionário seja contradita pelo experimento.” | |
Como veremos mais adiante nesta obra, o reconhecimento de que o | |
universo teve uma origem reacendeu o interesse pela narrativa cristã da | |
criação do mundo e por como ela se correlaciona com uma narrativa | |
cientí ca de origem. A ideia de que o progresso cientí co exige | |
constantemente recuo teológico é claramente uma simpli cação grosseira! | |
Esse diálogo potencialmente produtivo e construtivo teria sido inconcebível | |
antes da Primeira Guerra Mundial. Entretanto, o diálogo é ainda mais rico e | |
cheio de nuanças do que isso, devido ao reconhecimento do “ajuste no” das | |
constantes fundamentais da natureza para o surgimento da vida. Como | |
veremos mais adiante nesta obra, o argumento sobre fenômenos | |
“antrópicos” é fascinante e potencialmente insolúvel. O debate continua. | |
Este capítulo forneceu um contexto histórico importante para a | |
discussão da relação entre ciência e religião, concentrando-se em quatro | |
debates e discussões dos séculos 16, 18, 19 e 20, que continuam a informar e | |
estimular discussões mais recentes sobre a relação entre ciência e fé em | |
geral, bem como sobre certos aspectos especí cos desse relacionamento. Há, | |
é claro, muitas outras discussões que merecem atenção – algumas das quais | |
serão consideradas mais adiante no capítulo 6. Nossa atenção agora, no | |
entanto, passa para alguns dos grandes debates na loso a da ciência que | |
claramente têm signi cado teológico, o que será considerado no próximo | |
capítulo. | |
SUGESTÕES DE LEITURA | |
Temas gerais | |
Brooke, John Hedley. Science and Religion: Some Historical Perspectives | |
[Ciência e religião: algumas perspectivas históricas]. Cambridge: | |
Cambridge University Press, 1991. | |
Dixon, omas. Science and Religion: A Very Short Introduction [Ciência e | |
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2008. | |
Dyson, Freeman. ‘e Scientist as Rebel.’ In Nature’s Imagination: e | |
Frontiers of Scienti c Vision [A imaginação da natureza: as fronteiras da | |
visão cientí ca], editado por John Cornwell. Oxford: Oxford University | |
Press, 1995, pp. 1–11. | |
Ferngren, Gary B., ed. Science and Religion: A Historical Introduction | |
[Ciência e religião: uma introdução histórica]. Baltimore: Johns | |
Hopkins University Press, 2002. | |
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Harrison. São Paulo: Ideias e Letras, 2014. | |
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Ultimato, 2017. | |
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Notas | |
11 John Hedley Brooke, Science and Religion: Some Historical Perspectives [Ciência e religião: algumas | |
perspectivas históricas]. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 6. | |
12 Peter Harrison, ‘Introdução,’ em e Cambridge Companion to Science and Religion [publicado no | |
Brasil como Ciência e Religião], editado por Peter Harrison. Cambridge: Cambridge University Press, | |
2010, pp. 1–18. | |
13 omas Dixon, Science and Religion: A Very Short Introduction [Ciência e Religião: Uma muito | |
breve introdução]. Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 9. | |
14 Colin A. Russell, ‘e Con ict Metaphor and its Social Origins’ [A metáfora do con ito e suas | |
origens sociais]. Science and Christian Belief, 1 (1989): 3–26. | |
15 Peter Harrison, Os Territórios da Ciência e da Religião. Viçosa, MG: Ultimato, 2017. | |
16 Jerry A. Coyne, Faith vs. Fact: Why Science and Religion are Incompatible [Fé versus Fato: por que | |
ciência e religião são incompatíveis]. New York: Viking, 2015, p. xii. | |
17 Esse comentário foi tirado da crítica de Wilberforce a Origem das Espécies, publicada no e | |
Quarterly Review, 108 (Julho 1860): 225–264. | |
18 Charles Darwin to Joseph Hooker, 20(?) July 1860; Francis Darwin, ed. e Life and Letters of | |
Charles Darwin [A vida e as cartas de Charles Darwing] (3 vols). London: John Murray, 1887, vol. 2, | |
p. 234. | |
19 Peter Harrison, e Bible, Protestantism and the Rise of Natural Science [A Bíblia, protestantismo, e | |
o surgimento da ciência natural]. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, pp. 4–5. | |
20 Citado em Richard J. Blackwell, Galileo, Bellarmine and the Bible [Galileu, Belarmino e a Bíblia]. | |
Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 1991, pp. 94–95. | |
21 Ibidem, p. 95. | |
22 Citado em Owen Chadwick, From Bossuet to Newman: e Idea of Doctrinal Development [De | |
Bossuet a Newman: a ideia do desenvolvimento doutrinal]. Cambridge: Cambridge University Press, | |
1957, p. 20. | |
23 No original, contrived. O substantivo correspondente, contrivance, no presente contexto, traria a | |
ideia de habilidade inventiva ou engenhosidade, tanto com o sentido de criatividade quanto de | |
referência a um aparelho, engenho ou máquina. [N.T.] | |
24 Charles Darwin, On the Origin of the Species by Means of Natural Selection [A Origem das espécies | |
por meio da seleção natural]. London: John Murray, 1859, p. 1. | |
25 Charles Darwin, On the Origin of the Species by Means of Natural Selection [A Origem das espécies | |
por meio da seleção natural]. London: John Murray, 1859, p. 171. | |
26 Richard Dawkins, e Blind Watchmaker: Why the Evidence of Evolution Reveals a Universe without | |
Design [O relojoeiro cego: por que a evidência da evolucão revela um universo sem design]. New | |
York: W. W. Norton, 1986, p. 5. | |
27 Charles Darwin, e Descent of Man [A descendência do homem]. London: John Murray, 1871, p. | |
405. | |
28 Para uma discussão detalhada destes quatro pontos, veja A origem: quatro visões sobre criação, | |
evolução e design inteligente, de Ken Ham, Hugh Ross, Deborah. B. Haarsma e Stephen C. Meyer, | |
publicado pela omas Nelson Brasil em 2019. [N.T.] | |
29 Svante Arrhenius, Worlds in the Making: e Evolution of the Universe. [Mundos em construção: a | |
evolução do universo] New York: Harper, 1908, p. xiv. | |
30 F. J. Tipler, C. J. S. Clarke, and G. F. R. Ellis, ‘Singularities and Horizons – A Review Article,’ in | |
General Relativity and Gravitation: One Hundred Years aer the Birth of Albert Einstein, editado por A. | |
Held. New York: Plenum Press, 1980, pp. 97–206; a citação de Weinberg se encontra na p. 110. | |
E | |
m termos muito gerais, a disciplina da loso a da ciência trata das | |
questões losó cas associadas ou decorrentes das ciências naturais. | |
Exemplos dessas questões incluem: O que é uma lei da natureza? Que | |
tipo de dados pode ser usado para distinguir entre causas reais e | |
regularidades acidentais? De que tipo de evidência precisamos antes de | |
aceitar hipóteses? Por que os cientistas usam modelos e teorias que eles | |
sabem que são, pelo menos parcialmente, imprecisos e sujeitos a revisão? | |
Algumas dessas indagações se sobrepõem aos temas tradicionais da | |
loso a, levantando a questão de até que ponto a loso a da ciência pode | |
ser considerada uma disciplina especí ca. Isso pode ser avaliado ao | |
considerar as “leis da natureza”, que tentam representar a regularidade ou | |
ordem que parece existir dentro da natureza. Essa “regularidade” está | |
realmente presente na própria natureza? Ou é algo imposto à natureza pela | |
mente humana? Esse “caráter de lei” é discernido dentro da natureza ou | |
projetado sobre ela? Esse debate sobre a tendência da mente humana de gerar | |
e impor padrões à observação, que recebeu um importante estímulo durante | |
o nal do século 18 pelo lósofo escocês David Hume, é de interesse | |
losó co geral; no entanto claramente tem um signi cado particular para as | |
ciências naturais. | |
Outras discussões losó cas têm uma relação mais especí ca com as | |
ciências naturais. Por exemplo, suponha que certo experimento, que sugere a | |
existência de um tipo de partícula, seja realizado. Essa partícula não pode | |
ser observada, mas sua existência parece estar implícita no comportamento | |
de outros aspectos do sistema. Então, qual é o status dessa partícula | |
hipotética e não observada? Pode-se dizer que realmente “existe”? Para | |
alguns autores, as únicas coisas que “realmente existem” são as próprias | |
observações experimentais. A partícula teórica é apenas uma “ cção útil”, | |
uma maneira útil de explicar os fenômenos. Outros, no entanto, sustentam | |
que a melhor explicação de por que as teorias cientí cas funcionam refere-se | |
ao fato de que elas representam uma descrição ou representação do modo | |
como as coisas são – em outras palavras, que alguma forma de realismo | |
representa a melhor explicação do sucesso das ciências naturais. | |
Muitas questões em loso a da ciência são relevantes para a re exão | |
religiosa ou teológica, além de oferecerem uma ponte conceitual e | |
metodológica entre ciência e teologia. Existem paralelos óbvios entre | |
discussões cientí cas e teológicas em vários pontos, como o que signi ca | |
explicar alguma coisa, se a realidade é uma construção livre da mente | |
humana e quais critérios podem ser usados para avaliar possíveis descrições | |
ou explicações da realidade. | |
O presente capítulo tem como objetivo abordar alguns dos principais | |
temas da loso a da ciência e explorar como eles têm um signi cado mais | |
amplo na re exão sobre questões religiosas. O capítulo 4 vai, então, explorar | |
como a loso a da religião se baseou nas ideias das ciências naturais. | |
Começamos nossa discussão considerando a questão de se as teorias | |
cientí cas nos oferecem representações da natureza do universo ou se são | |
simplesmente cções úteis para nos ajudar a prever o que acontece dentro | |
do universo. | |
FATO E FICÇÃO: REALISMO E INSTRUMENTALISMO | |
O termo “realismo” é geralmente usado para se referir a um grupo de | |
loso as que a rmam a existência de uma realidade externa e que a mente | |
humana é de alguma forma capaz de copiar ou representar isso. Assim, por | |
que o realismo tem sido tão in uente nas ciências naturais? Para muitos, a | |
melhor explicação para o sucesso das ciências naturais é a crença de que as | |
teorias cientí cas oferecem descrições reais do mundo. “Se o realismo | |
cientí co e as teorias em que se baseia não fossem corretos, não haveria | |
explicação de por que o mundo observado é como se elas fossem corretas; | |
esse fato seria absurdo, se não milagroso” (Michael Devitt).31 | |
Nessa abordagem, a explicação mais simples e mais convincente do que | |
faz as teorias funcionarem é que elas oferecem uma explicação do modo | |
como as coisas realmente são. Se as a rmações teóricas das ciências naturais | |
não estivessem corretas, seu enorme sucesso empírico pareceria apenas | |
fruto de coincidência. Como observou o físico e teólogo John Polkinghorne: | |
A explicação naturalmente convincente do sucesso da ciência é que ela obtém uma compreensão | |
cada vez mais rigorosa da realidade existente. O verdadeiro objetivo do esforço cientí co é | |
entender a estrutura do mundo físico, um entendimento que nunca é completo, mas é passível de | |
aprimoramentos adicionais. Os termos desse entendimento são ditados pela maneira como as | |
coisas são.32 | |
Por razões como essas, os cientistas naturais tendem a ser realistas, pelo | |
menos no sentido amplo desse termo. Parece para muitos que o sucesso das | |
ciências naturais mostra que, de alguma maneira, conseguiram descobrir | |
como as coisas realmente são ou apreenderam algo que é fundamental da | |
estrutura do universo. A importância desse ponto é considerável, | |
principalmente porque levanta a questão de saber se os teólogos que | |
desejam argumentar pela existência independente de Deus (e não como uma | |
construção da mente humana) podem aprender alguma coisa com as formas | |
de realismo associadas às ciências naturais. Esta seção tem como objetivo | |
explorar essa questão, começando com um exame da natureza do realismo, | |
antes de passar a considerar suas alternativas. | |
Realismo | |
O termo “realismo” denota uma família de posições losó cas que | |
adotam a visão geral de que existe um mundo real, externo à mente humana, | |
com o qual a mente humana pode entrar em contato, entendendo-o e | |
representando-o, mesmo que parcialmente. A credibilidade do realismo | |
deriva diretamente dos sucessos do método experimental ao revelar padrões | |
de comportamento observacional que parecem ser mais bem-explicados | |
com base em um ponto de vista realista. Como observa o lósofo da ciência | |
Michael Redhead: | |
Os físicos, em sua atitude não re exiva e intuitiva em relação ao seu trabalho, à maneira como | |
falam e pensam entre si, tendem a ser realistas sobre as entidades com as quais lidam e, apesar de | |
serem provisórios quanto ao que dizem sobre essas entidades, suas propriedades e inter-relações | |
exatas, eles geralmente sentem que o que estão tentando fazer, e até certo ponto com sucesso, é | |
aprender a “lidar com a realidade”.33 | |
O realismo cientí co é, portanto, pelo menos em parte, uma tese | |
empírica. Sua plausibilidade e con rmação surgem do envolvimento direto | |
com o mundo real, através de repetidas observações e experimentos. Não | |
deve ser pensado primordialmente como uma a rmação metafísica sobre | |
como o mundo é ou deveria ser. Em vez disso, trata-se de uma a rmação | |
focada e limitada, que tenta explicar por que certos métodos cientí cos | |
funcionam tão bem na prática. | |
O realismo, como defendido pela lósofa Hilary Putnam e outros, é a | |
única explicação para as teorias e os conceitos cientí cos que não “tornam o | |
sucesso da ciência um milagre”. A menos que as entidades teóricas | |
empregadas pelas teorias cientí cas realmente existam e as próprias teorias | |
sejam, pelo menos, descrições aproximadamente verdadeiras do mundo em | |
geral, o sucesso evidente da ciência (em termos de suas aplicações e | |
previsões) certamente seria um milagre. O argumento para o realismo | |
baseado no sucesso cientí co pode ser apresentado assim: | |
1 Os sucessos das ciências naturais são muito maiores do que os que | |
podem ser explicados pelo acaso ou por milagres. | |
2 A melhor explicação para esse sucesso é que as teorias cientí cas | |
oferecem descrições verdadeiras, ou aproximadamente verdadeiras, | |
da realidade. | |
3 O realismo cientí co é, portanto, justi cado com base em seus | |
sucessos. | |
O realismo, como observado anteriormente, refere-se a uma família de | |
loso as. Uma forma de realismo que recebeu atenção especial no diálogo | |
entre ciência e religião é geralmente conhecida como “realismo crítico”. | |
Muitas vezes, se faz uma distinção entre um “realismo ingênuo”, que sustenta | |
que a realidade afeta diretamente a mente humana, sem nenhuma re exão | |
por parte do conhecedor, e um “realismo crítico”, que reconhece que a mente | |
humana tenta expressar e acomodar essa realidade da melhor maneira | |
possível, com as ferramentas à sua disposição – como fórmulas matemáticas | |
ou modelos mentais. Ambas as formas de realismo podem ser contrastadas | |
com várias formas de não realismo ou antirrealismo, favoráveis à visão de | |
que a mente humana constrói livremente suas ideias sem nenhuma | |
referência a um suposto mundo externo. | |
A principal característica de um “realismo crítico” é o reconhecimento | |
de que a mente humana está ativa no processo de percepção. Longe de ser | |
uma destinatária passiva do conhecimento do mundo externo, ela constrói | |
ativamente esse conhecimento usando “mapas mentais”, geralmente | |
conhecidos como esquemas. Esse argumento foi proposto pelo psicólogo da | |
religião William James (1842–1910) em 1878 e tem sido amplamente aceito | |
desde então. | |
O conhecedor é um ator, coprodutor da verdade, por um lado, enquanto, por outro, registra a | |
verdade que ajuda a criar. Interesses mentais, hipóteses, postulados, na medida em que são bases | |
para a ação humana – ação que em grande parte transforma o mundo –, ajudam a criar a | |
verdade que eles declaram.34 | |
Mais recentemente, o estudioso do Novo Testamento N. T. Wright | |
(nascido em 1948) ofereceu uma apresentação útil dessa abordagem, que ele | |
descreve como: | |
[...] uma maneira de descrever o processo de “conhecer” que reconhece a realidade da coisa | |
conhecida, como algo outro que não o conhecedor (daí “realismo”), enquanto também reconhece | |
plenamente que o único acesso que temos a essa realidade encontra-se ao longo do caminho | |
espiralado do diálogo ou da conversa apropriada entre o conhecedor e a coisa conhecida (daí | |
“crítico”).35 | |
Essa compreensão não coloca em questão a noção de que existe um | |
mundo independente do observador. Trata-se de reconhecer que o | |
conhecedor está envolvido no processo de conhecimento e que esse | |
envolvimento deve, de alguma forma, ser expresso dentro de uma | |
perspectiva realista do mundo. | |
Mas e as alternativas ao realismo? As duas frequentemente consideradas | |
mais signi cativas são o idealismo e o instrumentalismo, os quais | |
consideramos agora. | |
Idealismo | |
O idealismo é uma abordagem ao nosso conhecimento do mundo que | |
admite que os objetos físicos existem no mundo, embora sustentando que | |
podemos conhecer apenas como as coisas nos aparecem, ou são | |
experimentadas por nós, não as coisas como são em si mesmas. A versão | |
mais familiar dessa abordagem é a associada ao grande lósofo idealista | |
alemão Immanuel Kant (1724–1804), que argumentou que devemos lidar | |
com aparências ou representações, e não com coisas em si mesmas. Kant, | |
assim, faz uma distinção entre o mundo da observação (os “fenômenos”) e | |
as “coisas em si”, sustentando que essas últimas nunca podem ser conhecidas | |
diretamente. O idealista sustentará, assim, que podemos ter conhecimento | |
da maneira pela qual as coisas nos aparecem através da atividade | |
ordenadora da mente humana. No entanto, não podemos ter conhecimento | |
de realidades independentes da mente. | |
Essa visão é expressa com muita força na abordagem geralmente | |
conhecida como “fenomenalismo”, que sustenta que não podemos conhecer | |
realidades extramentais diretamente, mas apenas através de suas | |
“aparências” ou “representações”. Embora essa visão seja relativamente | |
incomum nas ciências naturais, ela foi defendida por um número | |
signi cativo de guras, incluindo o físico Ernst Mach. Para Mach, as | |
ciências naturais dizem respeito ao que é dado imediatamente pelos | |
sentidos. A ciência diz respeito apenas à investigação da aparente | |
“dependência de fenômenos uns dos outros”. Isso levou Mach a ter uma | |
visão fortemente negativa da hipótese atômica, argumentando que os | |
átomos eram meramente cções úteis ou construções teóricas que não | |
podem ser observadas. Os átomos não eram, portanto, “reais”; eram | |
simplesmente noções ctícias úteis que ajudavam os observadores a | |
entender a relação entre vários fenômenos observados. A preocupação | |
central é “preservar os fenômenos” – uma expressão usada pela primeira vez | |
por Aristóteles – que enfatiza a prioridade da observação experimental | |
sobre a re exão teórica. No nal, uma teoria será julgada pela medida em | |
que é capaz de acomodar as observações existentes, seja ou não capaz de | |
prever observações adicionais novas e inesperadas. | |
É útil observar aqui que duas das teorias cientí cas mais importantes | |
desenvolvidas nos últimos dois séculos – a teoria da evolução por seleção | |
natural, de Charles Darwin, e a teoria da relatividade geral de Albert | |
Einstein – foram altamente bem-sucedidas em explicar observações | |
conhecidas. Embora Darwin tenha deixado claro que sua teoria não previa e | |
não podia prever novas observações, Einstein identi cou novas observações | |
que seriam esperadas, se sua teoria estivesse correta. Isso incluía o fenômeno | |
das lentes gravitacionais, em que a distorção do espaço-tempo devido à | |
in uência gravitacional do Sol faz com que a [trajetória da] luz se curve em | |
uma extensão maior do que a prevista pela mecânica newtoniana. | |
Mach, no entanto, aparentemente in uenciado por uma estrutura | |
losó ca kantiana, argumentou que era impossível passar do mundo dos | |
fenômenos para o mundo das “coisas em si”. Portanto, não podemos ir além | |
do mundo da experiência. Apesar disso, Mach estava preparado para | |
permitir o uso de “conceitos auxiliares”, que servem como pontes que ligam | |
uma observação à outra, desde que se entenda que elas não têm existência | |
real. São “produtos do pensamento” que “existem apenas em nossa | |
imaginação e entendimento”. | |
O ponto em questão na discussão de Mach é de considerável | |
importância e é frequentemente discutido em termos das expressões | |
técnicas “entidades hipotéticas”, “termos teóricos” ou “inobserváveis”. A | |
questão básica é se algo precisa ser visto antes que se possa a rmar que esse | |
algo existe. Mach, que defendia que as ciências naturais estavam interessadas | |
apenas em reportar observações experimentais, sustentava que a ciência não | |
estava comprometida em defender a existência real e independente de | |
entidades “inobservadas” ou “teóricas”, que tais observações poderiam | |
sugerir – como átomos. | |
As opiniões de Mach foram contestadas e, nalmente, refutadas por | |
Albert Einstein. Em um de seus notáveis trabalhos cientí cos de 1905, | |
Einstein ofereceu uma explicação do enigmático fenômeno conhecido como | |
“movimento browniano” – a observação de que partículas muito pequenas | |
de matéria, quando suspensas em um líquido, não permanecem | |
estacionárias, mas se movem aleatoriamente. Einstein considerou que essas | |
partículas se moviam em padrões irregulares por causa do movimento | |
molecular do líquido no qual estão suspensas. A análise teórica de Einstein | |
deixou claro que, embora não fosse possível ver átomos ou moléculas, sua | |
existência real poderia, contudo, ser inferida a partir das propriedades das | |
partículas suspensas no líquido. Há importantes paralelos aqui com a | |
proposta de gravidade de Isaac Newton. Para Newton, a gravidade era uma | |
inferência cientí ca legítima de um fenômeno observável à entidade não | |
observável que melhor o explica. Da mesma forma, átomos não foram | |
observados; sua existência foi inferida. Ainda assim, esse processo de | |
inferência era robusto e gerava novas hipóteses abertas à con rmação | |
empírica. | |
Instrumentalismo | |
O instrumentalismo sustenta que conceitos e teorias cientí cas são | |
meramente instrumentos úteis, cujo valor é medido não pelo fato de os | |
conceitos e as teorias serem verdadeiros ou falsos, ou pelo quão | |
corretamente descrevem a realidade, mas por quão e cazes são em | |
correlacionar e prever os fenômenos. Não são descrições verdadeiras de uma | |
realidade inobservável, mas apenas maneiras úteis de organizar observações. | |
Uma teoria cientí ca é melhor entendida como uma regra, princípio ou | |
dispositivo de cálculo para derivar previsões a partir de conjuntos de dados | |
observacionais. | |
As características típicas do instrumentalismo podem ser estudadas a | |
partir dos comentários de Ernest Nagel sobre o modelo cinético dos gases. | |
Esse modelo propõe que as moléculas de um gás podem ser consideradas | |
análogas a objetos esféricos inelásticos, como bolas de bilhar. Nagel | |
argumenta que essa abordagem nada mais é do que um instrumento útil | |
para entender as observações. | |
A teoria de que um gás é um sistema de moléculas que se movem rapidamente não é uma | |
descrição de algo que tenha sido ou possa ser observado. A teoria é antes uma regra que | |
prescreve uma maneira de representar simbolicamente, para certos ns, entes tais como a | |
pressão e a temperatura observáveis de um gás; e a teoria mostra, entre outras coisas, como, | |
quando certos dados empíricos sobre um gás são fornecidos e incorporados a esta representação, | |
podemos calcular a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura do gás de um | |
determinado número de graus (ou seja, podemos calcular o calor especí co do gás).36 | |
Os conceitos cientí cos, embora estejam claramente fundamentados nas | |
observações do mundo natural, não devem, portanto, ser identi cados ou | |
reduzidos a essas observações. Da mesma forma, Stephen Toulmin | |
argumenta que, em vez de falar sobre a “existência” ou “realidade” de | |
entidades como elétrons, os cientistas deveriam reconhecer que tal | |
linguagem não é usada para se referir a uma entidade real. A questão tem a | |
ver com a forma como as observações são organizadas, com o objetivo de | |
estimular novas pesquisas ou prever o comportamento dos sistemas no | |
futuro. | |
Mais recentemente, o lósofo da ciência Bas van Fraassen desenvolveu o | |
“empirismo construtivo”, que incorpora alguns temas instrumentalistas. Ele | |
faz uma distinção entre um realista, que sustenta que a ciência visa dar uma | |
descrição literalmente verdadeira de como é o mundo, e o que ele chama de | |
“empirista construtivo”, para o qual a aceitação de uma teoria não envolve | |
comprometimento com a verdade dessa teoria, mas com a crença de que ela | |
preserva adequadamente os fenômenos aos quais se relaciona: | |
Ser um empirista é suspender a crença em qualquer coisa que vá além dos fenômenos atuais | |
observáveis e não reconhecer nenhuma modalidade objetiva na natureza. Desenvolver uma | |
descrição empirista da ciência é descrevê-la como envolvendo uma busca pela verdade apenas | |
sobre o mundo empírico, sobre o que é atual e observável [...] ela deve invocar, do princípio ao | |
m, uma rejeição resoluta da demanda por uma explicação das regularidades no curso | |
observável da natureza, por meio de verdades concernentes a uma realidade além do que é atual | |
e observável, como uma demanda que não desempenha nenhum papel no empreendimento | |
cientí co.37 | |
Falar em “leis da natureza” ou entidades teóricas como elétrons é, | |
portanto, introduzir um elemento metafísico injusti cado e desnecessário | |
no discurso cientí co. | |
Entretanto, historicamente, a maioria dos entendimentos | |
instrumentalistas da ciência tem se transformado em entendimentos | |
realistas com o passar do tempo. A teoria copernicana (e, posteriormente, a | |
kepleriana) do Sistema Solar é um exemplo disso. Inicialmente, muitos | |
cientistas e não cientistas interpretaram a teoria heliocêntrica copernicana | |
como um modelo matemático, acreditando que havia muitos problemas | |
com a abordagem de Copérnico para permitir que ela fosse vista como | |
“real”. Andreas Osiander, em seu famoso prefácio da obra de Copérnico, On | |
the Revolutions of the Heavenly Bodies [Das revoluções dos corpos celestes] | |
(1543), sugeriu que essa teoria era uma hipótese frutífera, útil para cálculos | |
astronômicos, mas não necessariamente correspondia à maneira como as | |
coisas eram. Copérnico oferecia um modelo matemático útil que era | |
consistente com as observações. No entanto, embora a teoria “salvasse os | |
fenômenos”, ela não necessariamente comprometia seus leitores com um | |
modelo heliocêntrico do Sistema Solar. | |
É dever de um astrônomo estabelecer a história dos movimentos celestes através de observação | |
cuidadosa e hábil, e depois conceber e elaborar causas desses movimentos ou hipóteses sobre | |
eles. Agora, como ele não pode, de forma alguma, alcançar as causas verdadeiras, essas hipóteses | |
assumidas permitem que esses movimentos sejam calculados corretamente a partir dos | |
princípios da geometria, tanto para o futuro quanto para o passado. O presente autor | |
desempenhou ambos os deveres de forma excelente. Pois essas hipóteses não precisam ser | |
verdadeiras nem mesmo prováveis. É su ciente que elas forneçam apenas um cálculo consistente | |
com essas observações.38 | |
Entretanto, com as evidências observacionais crescentes em favor do | |
modelo heliocêntrico do Sistema Solar, a abordagem instrumentalista | |
sutilmente converteu-se em sua contraparte realista. Com o | |
desenvolvimento da física galileana e newtoniana e os novos dados | |
observacionais que se tornaram disponíveis através da invenção do | |
telescópio, a teoria heliocêntrica começou a ser interpretada de maneira | |
realista, em vez de instrumental. Não era apenas uma forma conveniente de | |
pensar sobre o Sistema Solar ou uma convenção que permitia a realização de | |
certos cálculos matemáticos úteis. Era assim que as coisas eram. O Sistema | |
Solar era realmente heliocêntrico. | |
Teologia e debates sobre realismo | |
Então, qual é a relevância desses debates para a teologia? Talvez o ponto | |
mais importante a ser observado é que cada uma dessas posições na loso a | |
da ciência tem sua contrapartida teológica. O antirrealismo é bemrepresentado pelo radical lósofo da religião Don Cupitt ao argumentar que | |
devemos “abandonar ideias de verdade objetiva e eterna, e ao invés disso ver | |
toda verdade como uma improvisação humana”. Em vez de responder à | |
realidade, criamos o que escolhemos considerar real. A realidade é algo que | |
construímos, não algo a que respondemos. “Construímos todas as visões de | |
mundo, criamos todas as teorias [...] Elas dependem de nós, não nós delas.”39 | |
No geral, porém, os teólogos que se envolveram com as ciências naturais | |
tendem a ser persuadidos pelos méritos de abordagens mais realistas da | |
teologia. Por exemplo, o teólogo escocês omas F. Torrance desenvolveu | |
uma forma rigorosa de realismo teológico, insistindo que a teologia fornece | |
uma explicação da realidade das coisas. Ian Barbour, Arthur Peacocke e | |
John Polkinghorne adotam formas de realismo crítico, em última análise | |
baseadas na ênfase de William James no papel ativo do conhecedor no | |
processo de conhecimento. | |
Polkinghorne expôs seu entendimento do “realismo crítico” com mais | |
detalhes em suas Terry Lectures de 1996, na Universidade de Yale, | |
esclarecendo por que ele não era simplesmente um realista em geral, mas | |
um realista crítico em particular: | |
Creio que o avanço da ciência não se preocupa apenas com nossa capacidade de manipular o | |
mundo físico, mas com o conhecimento de sua natureza real. Em uma palavra, eu sou um | |
realista. Certamente, esse conhecimento é, em certa medida, parcial e corrigível. Nosso alcance é | |
a verossimilhança, não a verdade absoluta. Nosso método é a interpretação criativa da | |
experiência, não a dedução rigorosa a partir dela. Portanto, sou um realista crítico.40 | |
O ponto importante a ser observado aqui é o reconhecimento de | |
Polkinghorne de que o empreendimento cientí co envolve a interpretação | |
ativa do nosso mundo, não apenas a observação passiva. Polkinghorne, | |
portanto, destaca a importância da percepção de que “teoria e prática estão | |
inexplicavelmente entrelaçadas no pensamento cientí co”, resultando em | |
que “fatos” cientí cos devem ser entendidos como já tendo sido | |
interpretados, conscientemente ou não. “Há uma circularidade | |
autossustentável inescapável na relação mútua entre teoria e experimento.”41 | |
Alister McGrath (nascido em 1953) desenvolve uma forma um pouco | |
diferente de realismo crítico, baseando-se nas ideias do cientista social Roy | |
Bhaskar sobre a estrati cação da realidade, que enfatiza que todas as | |
disciplinas ou ciências intelectuais têm uma obrigação intrínseca de fornecer | |
uma descrição da realidade de acordo com sua distinta natureza. Em sua | |
obra Territories of Human Reason [Territórios da Razão Humana], McGrath | |
explora como diversas disciplinas cientí cas e outras disciplinas intelectuais | |
– como a teologia – elaboram seus próprios métodos de pesquisa distintos, | |
desenvolvidos com seu objeto de pesquisa especí co em mente. | |
Esse ponto é tão importante, que precisa de mais re exão. Existe um | |
único “método cientí co”? Ou as ciências naturais individuais desenvolvem | |
suas próprias abordagens distintas com base em seus campos especí cos de | |
investigação? E, se sim, quais são as implicações para a teologia? | |
EXPLICAÇÃO, ONTOLOGIA E EPISTEMOLOGIA: MÉTODOS DE PESQUISA E | |
INVESTIGAÇÃO DA REALIDADE | |
Toda disciplina intelectual usa essencialmente o mesmo método de | |
investigação da realidade? Ou esses métodos foram desenvolvidos e | |
adaptados para lidar com áreas especí cas de investigação? Alguns autores | |
falam do “método cientí co” – observe o uso do singular –, de modo que as | |
ciências naturais são todas caracterizadas essencialmente pelos mesmos | |
métodos de trabalho. Essa abordagem é encontrada nos escritos do físico e | |
popularizador cientí co de Oxford, Peter Atkins, para o qual o “método | |
cientí co” distintivo é capaz de iluminar tudo de uma maneira | |
exclusivamente con ável. No entanto, sua abordagem falha em levar em | |
consideração as características e os objetivos distintos das ciências | |
individuais, reduzindo-as todas a uma única “monociência”, ao negligenciar | |
suas identidades, histórias e objetos de investigação distintos. Essa visão de | |
um “método cientí co” único tem sido abalada por estudos acadêmicos da | |
história e prática das ciências naturais, que apontam para uma ampla gama | |
de métodos sendo desenvolvidos e implantados, dependendo do objeto | |
especí co da investigação. Embora astronomia, bioquímica e psicologia | |
sejam todas ciências naturais, eles usam ferramentas de pesquisa diferentes | |
para realizar essas investigações. | |
No início desta obra, destacamos uma observação de Werner | |
Heisenberg: “Precisamos lembrar que o que observamos não é a própria | |
natureza, mas a natureza conforme revelada por nossos métodos de | |
investigação.”42 Não existe um método cientí co generalizado que possa ser | |
aplicado a todas as ciências sem alguma modi cação. Embora se possa | |
argumentar que certos princípios gerais estão por trás das abordagens | |
especí cas encontradas em qualquer ciência natural, a natureza do campo a | |
ser investigado molda a abordagem a ser adotada. Como cada ciência lida | |
com um objeto diferente, cada ciência tem a obrigação de responder a esse | |
objeto de acordo com sua natureza distinta. Os métodos que são | |
apropriados para o estudo de um objeto não podem ser abstraídos e | |
aplicados de forma acrítica e universal. Cada ciência desenvolve | |
procedimentos que considera adequados à natureza de seu próprio campo | |
de pesquisa. Porém, cada método de pesquisa envolve e ilumina apenas | |
parte de uma imagem maior. Seus resultados podem ser con áveis e precisos | |
– mas são incompletos. | |
A sugestão de que as próprias ciências naturais adotem uma pluralidade | |
de métodos e critérios de racionalidade encontra amplo apoio na prática | |
cientí ca. O biólogo Steven Rose, re etindo sobre a tarefa cientí ca de | |
dedicar-se a explicar o mundo em seu próprio campo, observou que era | |
necessária uma pluralidade de métodos para envolver-se com o mundo. | |
“Sendo materialista, como todos os biólogos devem ser, estou | |
comprometido com a visão de que vivemos em um mundo que é uma | |
unidade ontológica, mas também devo aceitar um pluralismo | |
epistemológico.”43 Não podemos reduzir toda atividade cognitiva a “um | |
único método fundamental”, mas devemos fazer uso de uma variedade de | |
ferramentas conceituais, adaptadas a tarefas e situações especí cas, para | |
fornecer uma descrição tão completa quanto possível do nosso mundo. | |
Rose explica seu argumento com uma parábola de cinco biólogos, | |
representando diferentes subdivisões dessa disciplina, que notam um sapo | |
pular em um lago. Cada um oferece uma explicação dessa observação a | |
partir da perspectiva especí ca de sua própria subdisciplina biológica. O | |
siologista explica que os músculos das pernas do sapo foram estimulados | |
por impulsos do cérebro. O bioquímico complementa isso, salientando que | |
o sapo salta por causa das propriedades das proteínas brosas. O biólogo do | |
desenvolvimento localiza, em primeiro lugar, a capacidade do sapo de saltar | |
no processo biológico que deu origem ao sistema nervoso e aos músculos. O | |
comportamentalista animal lembra que o sapo pulou para escapar de uma | |
cobra predatória à espreita. O biólogo evolutivo acrescenta que o processo | |
de seleção natural garante que apenas os ancestrais dos sapos que puderam | |
detectar e escapar de cobras foram capazes de sobreviver e se reproduzir. O | |
argumento de Rose é simples: todas as cinco explicações fazem parte de uma | |
descrição maior. Todos elas estão certas; elas usam diferentes métodos de | |
pesquisa para iluminar aspectos de um todo maior, que nenhuma delas pode | |
revelar completamente com base em seus próprios métodos. | |
A parábola de Rose nos ajuda a identi car os problemas que precisam | |
ser considerados ao passar do reconhecimento de várias perspectivas para o | |
desenvolvimento de uma descrição teórica uni cada. Cada uma das cinco | |
abordagens pode ser tratada como uma perspectiva especí ca sobre o pulo | |
do sapo. Essas perspectivas re etem seus próprios métodos e ênfases | |
disciplinares distintos e não precisam ser tratadas como “ cções”, ou mesmo | |
como descrições instrumentalistas do fenômeno. | |
Uma ampla variedade de metodologias está dispersa em todo o espectro | |
dessas disciplinas. Física, biologia evolutiva e psicologia têm cada uma seus | |
próprios vocabulários, métodos e procedimentos, e se engajam com a | |
natureza pelos seus próprios modos característicos. Cada ciência natural | |
desenvolve um vocabulário e um método de trabalho que é apropriado ou | |
adaptado ao seu objeto. Quanto mais complexo esse objeto, mais níveis de | |
explicação são necessários. Um exemplo clássico é o corpo humano, que | |
pode ser investigado em uma série de níveis – anatômico, siológico e | |
psicológico: cada um ilumina um aspecto do todo maior, mas nenhum deles | |
é adequado por si só para dar uma explicação completa. | |
Então, quais são as implicações, para a teologia, desse entendimento do | |
método cientí co como “especí co de cada disciplina”? Durante a década de | |
1930, o teólogo protestante suíço Karl Barth argumentou vigorosamente | |
pelo reconhecimento de fontes, normas e métodos distintos da teologia | |
cristã. Como outras disciplinas, ela tinha suas próprias fontes e normas. O | |
lósofo alemão Heinrich Scholz, entretanto, havia sugerido que a teologia | |
deveria ser julgada pelos mesmos critérios de todas as outras disciplinas. | |
Scholz foi in uenciado aqui pela ideia do Iluminismo de que havia um | |
único método racional, que se aplicava a todos os campos de estudo. Na | |
visão de Barth, a teologia cristã era “cientí ca” não porque estivesse em | |
conformidade com algum método supostamente universal, mas porque | |
usava um método que era apropriado ao objeto sob investigação. | |
omas F. Torrance é um bom exemplo de um teólogo que se engajou | |
extensivamente com as ciências naturais ao desenvolver suas próprias | |
posições teológicas, e que a rmou a singularidade do método teológico. | |
Provavelmente, se vê isso melhor na obra de Torrance, eological Science | |
[Ciência Teológica] (1969), que a rmava a peculiaridade da teologia cristã, | |
tanto em termos de seu objeto de investigação quanto de seu método de | |
pesquisa: | |
A teologia é a única ciência dedicada ao conhecimento de Deus, diferindo de outras ciências pela | |
singularidade de seu objeto, que só pode ser apreendido em seus próprios termos e dentro da | |
situação real que ele criou em nossa existência ao se dar a conhecer.44 | |
Para Torrance, tanto a teologia cristã quanto as ciências naturais são | |
respostas a uma realidade que está além delas e são moldadas pela realidade | |
que deve ser apreendida. Todas as disciplinas ou ciências intelectuais têm | |
uma obrigação intrínseca de fornecer uma descrição da realidade “de acordo | |
com sua natureza distinta”.45 Um argumento semelhante é apresentado por | |
John Polkinghorne ao a rmar que “não existe epistemologia universal, mas | |
as entidades são passíveis de serem conhecidas apenas através de maneiras | |
que se ajustam à sua natureza idiossincrática”.46 | |
Para Torrance, isso signi ca que tanto cientistas quanto teólogos têm | |
ambos a obrigação de “pensar apenas de acordo com a natureza do dado”. O | |
objeto a ser investigado deve receber voz nesse processo de investigação. A | |
característica peculiar de uma ciência é fornecer uma descrição precisa e | |
objetiva das coisas, de maneira apropriada à realidade que está sendo | |
investigada. Tanto a teologia quanto as ciências naturais devem, portanto, | |
ser entendidas como atividades a posteriori que respondem ao “dado”, e não | |
como especulação a priori baseada em primeiros princípios losó cos. No | |
caso das ciências naturais, esse “dado” é o mundo da natureza; no caso da | |
ciência teológica, é a autorrevelação de Deus em Cristo. | |
Um estudo de caso sobre explicação: Nancey Murphy sobre o “ sicalismo | |
não redutivo” | |
Como os cristãos entendem a natureza humana? Quais são as | |
características essenciais de uma antropologia cristã? A lósofa americana | |
Nancey Murphy contribuiu signi cativamente para o que ela chama de | |
“debate sobre os ‘constituintes ontológicos’ dos seres humanos”. A resposta | |
cristã tradicional a essa pergunta, que recebeu suas declarações de nitivas | |
na Idade Média, é fazer distinção entre “corpo” e “alma” (latim: anima). | |
Argumentava-se que os seres humanos se distinguiam de todos os outros | |
animais e objetos inanimados pela posse dessa entidade espiritual. Essa | |
abordagem foi considerada justi cada em bases bíblicas, pois o Novo | |
Testamento geralmente fala de “corpo e alma” e, ocasionalmente, de “corpo, | |
alma e espírito”. Referências ao “corpo” foram geralmente entendidas pelos | |
autores medievais como referências às partes físicas e materiais da | |
humanidade, enquanto a “alma” foi entendida como uma entidade espiritual | |
imaterial e eterna, que apenas residia no corpo humano. | |
Há duas questões aqui que demandam mais discussão. Primeira, é | |
realmente assim que devemos interpretar as a rmações antropológicas | |
bíblicas? Muitos estudiosos do século 20 assinalaram que a noção de alma | |
imaterial era um conceito grego secular, e não uma noção bíblica. A visão | |
hebraica de humanidade era aquela de uma única entidade, uma unidade | |
psicossomática inseparável, com muitas facetas ou aspectos. O Antigo | |
Testamento concebe humanidade “como um corpo animado, e não como | |
uma alma encarnada” (H. Wheeler Robinson).47 Segunda, que desa os são | |
colocados nessa visão tradicional pelas neurociências modernas, que não | |
oferecem lugar para noções como “alma”? Como devemos conceber a | |
natureza humana à luz das tendências recentes da interpretação bíblica e dos | |
desenvolvimentos em neurociência? | |
O trabalho de Murphy envolve essas duas questões, especialmente a | |
segunda. Ela segue o estudioso do Novo Testamento britânico, James D. G. | |
Dunn, sustentando que os autores bíblicos não estavam preocupados em | |
catalogar os componentes metafísicos dos seres humanos, como corpo, | |
alma, espírito ou mente. O interesse deles era principalmente nos | |
relacionamentos, e especialmente no relacionamento de uma pessoa com | |
Deus. Murphy insiste na necessidade de uma descrição sicalista da | |
humanidade, que não invoque ou pressuponha componentes espirituais ou | |
imateriais. Ela observa corretamente, por exemplo, que termos bíblicos para | |
aspectos da existência humana passaram a ser traduzidos por termos | |
losó cos gregos e, eventualmente, incorporados à loso a grega, passando | |
a ser entendidos como referindo-se a constituintes de humanidade. Murphy | |
considera essas questões no contexto de uma discussão mais ampla do | |
“ sicalismo” na loso a convencional, que muitas vezes apresenta, como | |
posição padrão, uma abordagem sicalista para a causação mental e os | |
eventos mentais. | |
Isso leva a uma descrição reducionista da natureza humana? Murphy | |
ressalta, com razão, que essa questão precisa de uma resposta cuidadosa, | |
uma vez que muitos relutam em aceitar descrições puramente sicalistas da | |
pessoa humana, pois essas muitas vezes parecem negar a existência, | |
signi cado ou valor daqueles aspectos da vida humana que são vistos como | |
particularmente signi cativos. As descrições reducionistas da natureza | |
humana parecem colocar em questão muitas preocupações e crenças | |
tradicionais sobre a dignidade e a posição teológica da pessoa humana. | |
Murphy pertinentemente distingue vários sentidos com os quais a palavra | |
“reducionista” é empregada: | |
1. Reducionismo metodológico é uma estratégia de pesquisa que analisa | |
o objeto a ser estudado em suas partes. | |
2. Reducionismo ontológico é a visão de que nenhum novo tipo de | |
“ingrediente” metafísico precisa ser adicionado para produzir | |
entidades de nível superior a partir de entidades de nível inferior. | |
Isso rejeita, por exemplo, as opiniões de Henri Bergson (1859–1941) | |
e Hans Driesch (1867–1941), que sustentavam, respectivamente, | |
que era necessária uma “força vital” ou “enteléquia” adicional para | |
produzir seres vivos a partir de materiais não vivos. | |
3. Reducionismo causal é a visão de que o comportamento das partes de | |
um sistema (em última análise, as partes estudadas pela física | |
subatômica) é determinante do comportamento de todas as | |
entidades de nível superior. Se esta tese – de que toda a causa na | |
hierarquia é ascendente – é verdadeira, segue-se que as leis | |
referentes às ciências superiores na hierarquia devem ser redutíveis | |
às leis da física. | |
Murphy usa a expressão “ sicalismo não redutivo” para designar a | |
aceitação do reducionismo ontológico, enquanto rejeita o reducionismo | |
causal e o materialismo redutivo. A posição de Murphy envolve, portanto, | |
recuperar a ideia bíblica de humanidade como uma unidade psicossomática | |
inseparável, que é claramente consistente com o consenso neurocientí co | |
moderno. Entretanto, sua realização mais signi cativa é mostrar como esse | |
“ sicalismo não redutivo” pode evitar as armadilhas reducionistas que seus | |
críticos poderiam antecipar. Isso envolve o desenvolvimento de duas ideias: | |
superveniência e “causação descendente” (também conhecida como | |
“causação de cima para baixo” [top-down causation] ou “causação todoparte” [whole-part causation]). | |
A noção de superveniência foi introduzida em 1970 por Donald | |
Davidson (1917–2003) para descrever a relação entre características mentais | |
e físicas. Como é amplamente considerado implausível que ideias, mentes e | |
assim por diante simplesmente não existam, os sicalistas costumam a rmar | |
que as ideias e mentes “sobrevêm” a objetos materiais. Murphy adota essa | |
ideia para mostrar como o comportamento de qualquer sistema de ordem | |
superior pode ser in uenciado fortemente, mas não completamente | |
determinado, pelo comportamento de seus componentes de ordem inferior. | |
Nem a liberdade da mente humana nem a vontade humana são abolidas por | |
suas naturezas e contextos físicos. | |
Murphy também recorre à noção de “causação descendente” para bater | |
no reducionismo. A importância dessa abordagem foi observada por outros | |
autores no campo de ciência e religião, incluindo Arthur Peacocke e John | |
Polkinghorne. Essa abordagem envolve contestar o modelo mecânico de | |
causalidade, que sustenta que os níveis inferiores de um sistema determinam | |
suas propriedades de nível superior, de modo que o comportamento em | |
níveis superiores é, em certo sentido, “explicado” pelos sistemas de nível | |
inferior. Nessa abordagem, a consciência é explicada pela física. Porém, isso | |
pode ser facilmente contestado. Mesmo que os níveis mais baixos de um | |
sistema sejam determinísticos, o comportamento do sistema como um todo é | |
moldado pela con guração de seus componentes individuais. O caso da | |
evolução biológica é um excelente exemplo: a relação dos organismos com | |
seus ambientes desempenha um papel signi cativo na seleção natural, que | |
não pode ser prevista com base em um modelo mecânico de “causação | |
ascendente”. | |
O que signi ca explicar algo? | |
Os seres humanos desejam entender as coisas – identi car padrões no | |
rico tecido da natureza, oferecer explicações para o que acontece ao seu | |
redor e re etir sobre o signi cado de suas vidas. Saber que algo aconteceu, | |
ou que algo existe, não é o mesmo que entender por que aconteceu ou por | |
que existe. Há uma lacuna signi cativa entre saber que e saber o porquê. | |
Tanto a comunidade cientí ca quanto a religiosa buscam entender o que é | |
observado. Elas se aplicam em lutar com as ambiguidades da experiência, a | |
m de oferecer as “melhores explicações” para o que é observado. Isso não | |
quer dizer que a ciência ou a religião possam ser reduzidas a tais | |
interpretações, mas trata-se simplesmente de notar que ambas têm uma | |
dimensão explanatória. | |
Os seres humanos claramente consideram importante ser capazes de | |
explicar nosso mundo – oferecer uma descrição, ainda que incompleta, das | |
interconexões de eventos e forças em nosso mundo que nos permitem | |
entender por que certas coisas acontecem ou por que elas acontecem de | |
certa maneira. A crença de que existe alguma explicação razoável para o que | |
observamos em nosso mundo e experimentamos em nós mesmos parece ser | |
uma intuição humana universal. A tarefa de encontrar essas explicações – | |
para dar sentido às coisas – é um aspecto integrante do engajamento | |
humano com a realidade. | |
É amplamente aceito que as ciências naturais ofereçam explicações | |
baseadas em evidências para o que observamos em nosso universo. Ciência | |
tem a ver com descobrir a inteligibilidade básica da natureza, com o objetivo | |
de identi car as estruturas mais profundas e os padrões mais amplos que | |
estão por trás de eventos e entidades do mundo natural. A síntese desse | |
ponto, do lósofo da ciência Peter Dear, exigiria amplo consentimento | |
dentro da comunidade cientí ca: | |
A marca registrada da loso a natural é sua ênfase na inteligibilidade: ela toma os fenômenos | |
naturais e tenta explicá-los de maneiras que não apenas se mantêm unidas logicamente, mas | |
também repousam em ideias e suposições que parecem certas e que fazem sentido; ideias que | |
parecem naturais.48 | |
Alguns argumentariam que a própria inteligibilidade da natureza requer | |
explicação. Por que a mente humana é capaz de discernir a profunda | |
racionalidade do nosso universo, quando parece não haver uma boa razão | |
para ser capaz de fazê-lo? O grande físico alemão Max Planck, por exemplo, | |
observou que “a ciência não pode resolver o mistério nal da natureza”, pois | |
“nós mesmos somos parte da natureza e, portanto, parte do mistério que | |
estamos tentando resolver”.49 | |
John Polkinghorne desenvolveu esse ponto ainda mais, argumentando | |
que o cristianismo fornece uma estrutura intelectual que dá sentido à nossa | |
capacidade de entender nosso universo. “A teologia pode tornar essa | |
descoberta inteligível, pelo entendimento de que a Mente do Criador é a | |
fonte da maravilhosa ordem do mundo.”50 Assim, a teologia posiciona as | |
descobertas cientí cas em um contexto mais amplo e profundo de | |
inteligibilidade, fornecendo uma estrutura conceitual que sustenta | |
conjuntamente as descrições objetiva e subjetiva da realidade. A ciência | |
“precisa ser considerada no contexto mais amplo e profundo de | |
inteligibilidade que a crença em Deus proporciona”. | |
O interesse no que signi ca oferecer uma explicação cientí ca das | |
observações remonta ao Renascimento. Entretanto, tornou-se uma questão | |
losó ca séria no início do século 19, especialmente através do trabalho do | |
lósofo inglês William Whewell (1794-1866). Em sua obra Philosophy of the | |
Inductive Sciences [Filoso a das ciências indutivas], Whewell expôs uma | |
descrição do que um cientista faz ao tentar entender um conjunto de | |
observações. Para Whewell, a observação envolve o que ele chama de | |
“inferência inconsciente”, através da qual interpretamos inconscientemente | |
ou automaticamente o que observamos em termos de um conjunto de | |
ideias. Ao fazer isso, Whewell sugere que acrescentamos algo a esse processo | |
de observação – isto é, algum tipo de princípio organizador que | |
“sobrepomos” às observações empíricas, para que possam ser vistas como | |
interconectadas. Uma boa teoria é capaz de “coligar” observações, assim | |
como um o mantém um grupo de pérolas em um colar, pois, de outra | |
forma, essas poderiam ser vistas como desconectadas. Para Whewell, uma | |
teoria identi ca e ilumina o “verdadeiro vínculo de Unidade, pelo qual os | |
fenômenos são mantidos juntos”.51 A teoria explica as observações empíricas | |
“superinduzindo” uma maneira de pensar que permite que sua interconexão | |
seja compreendida. | |
Abordagens ônticas e epistêmicas da explicação | |
No nal do século 20 surgiram duas abordagens principais para a | |
explicação cientí ca, que agora são geralmente designadas como “ônticas” e | |
“epistêmicas”. Essa distinção é devida ao lósofo da ciência Wesley Salmon, | |
que propôs que as descrições ônticas sobre explicação sustentam que as | |
explicações envolvem identi car estruturas e processos dentro do mundo | |
responsáveis pela produção dos fenômenos a serem explicados. As | |
descrições epistêmicas sustentam que a explicação está relacionada ao fato | |
de tornarmos os fenômenos compreensíveis, previsíveis ou inteligíveis, | |
colocando-os em um contexto informativo. Com efeito, criamos ou geramos | |
um esquema mental que organiza observações empíricas e as encaixa em | |
um padrão coerente. Assim, Salmon contrasta explicações ônticas, que são | |
fundamentadas externamente ao observador e localizadas na estrutura do | |
mundo, com abordagens epistêmicas que veem a explicação como uma | |
realização cognitiva humana, com base em estruturas conceituais geradas | |
pela mente humana. Embora muitos pontos de vista sobre explicação | |
realmente misturem elementos ônticos e epistêmicos, é útil distinguir dentre | |
essas duas amplas abordagens. | |
As explicações ônticas mais simples são causais. Se A causa B, então A | |
explica B. Salmon ressalta que essa abordagem da explicação cientí ca se | |
baseia na suposição de que “os mecanismos causais subjacentes são a chave | |
para a nossa compreensão do mundo”.52 Processos causais e leis causais | |
fornecem os mecanismos pelos quais o mundo opera. Para entender por que | |
certas coisas acontecem, precisamos ver como elas são produzidas por esses | |
mecanismos. Explicar um evento pode, portanto, signi car fornecer | |
informações sobre sua história causal. É importante observar aqui que um | |
evento pode ter múltiplas causas. A complexa cadeia causal de uma maçã | |
que cai por terra pode incluir, por exemplo, a força da gravidade, um galho | |
em decomposição na macieira ou um pássaro desajeitado que por acaso | |
pousou na maçã naquele momento. Sequências causais geralmente | |
envolvem múltiplos fatores, di cultando a atribuição de uma causa única a | |
um evento. | |
As abordagens epistêmicas da explicação, entretanto, baseiam-se na | |
crença de que a ciência alcança a explicação oferecendo uma imagem | |
uni cada do mundo. Uma explicação cientí ca fornece um relato uni cado | |
de uma variedade de fenômenos diferentes. Compreender qualquer | |
fenômeno é ver como ele se encaixa com outros fenômenos dentro de um | |
todo uni cado, discernindo a unidade fundamental subjacente à aparente | |
diversidade dos próprios fenômenos. Philip Kitcher é um dos muitos | |
lósofos da ciência a enfatizar a importância de discernir padrões comuns | |
na natureza como base da explicação: | |
Compreender o fenômeno não é simplesmente uma questão de reduzir as | |
“incompreensibilidades fundamentais”, mas de ver conexões, padrões comuns, naquilo que | |
inicialmente pareciam ser situações diferentes.53 | |
Muitos localizam a fonte fundamental do poder explicativo na ontologia | |
– uma compreensão da ordem fundamental das coisas. A explicação | |
epistêmica funciona melhor quando se considera que suas estruturas | |
conceituais correspondem ou se baseiam nas estruturas do mundo. Por esse | |
motivo, muitos lósofos da ciência sustentam que há um elemento ôntico | |
irredutível no processo de explicação. O lósofo da ciência francês Pierre | |
Duhem (1861-1916) argumentava que explicar algo “é despir a realidade das | |
aparências que a cobrem como véus, a m de ver essa realidade nua face a | |
face”.54 É descobrindo o “quadro geral” que seus elementos individuais | |
podem ser conhecidos e entendidos; a explicação trata de localizar um | |
evento ou observação dentro desse contexto mais profundo. | |
Então, como decidimos qual teoria cientí ca fornece a melhor | |
explicação para o que observamos? Há muito se reconhece que um grupo | |
qualquer de observações pode ser explicado de várias maneiras. Isso | |
naturalmente levanta a questão de quais critérios podemos usar para decidir, | |
de um grupo de explicações possíveis, qual é a mais dedigna. Na próxima | |
seção examinaremos a complexa questão da escolha de teorias em ciência. | |
Mas, antes de nos voltarmos para isso, precisamos perguntar se a religião | |
tem algum papel explanatório. | |
Religião e explicação | |
A religião explica alguma coisa? Alvin Plantinga é um dos vários | |
lósofos da religião a sugerir que seu potencial explicativo não é de | |
importância primordial para o cristianismo. | |
Suponha que a crença teísta seja explicativamente ociosa: por que isso deveria comprometê-la ou | |
sugerir que ela tenha baixo status epistêmico? Se, antes de mais nada, a crença teísta não é | |
proposta como uma hipótese explicativa, por que o fato de ela ser explicativamente ociosa, se é | |
que ela é, deveria ser considerado um demérito dela?55 | |
Da mesma forma, o lósofo da religião Dewi Z. Phillips (1934–2006) | |
também marginaliza os aspectos explicativos da crença em Deus. A religião | |
não requer explicações nem oferece explicações. Aqui, Phillips segue o | |
lósofo Ludwig Wittgenstein ao minimizar qualquer papel explicativo da fé. | |
Outros, porém, argumentam que a religião possui sim um papel | |
explanatório ou gerador de sentido, e que isso é essencial para entender | |
tanto seu apelo quanto sua função. O lósofo Keith Yandell é um | |
representante dessa abordagem: | |
Uma religião é um sistema conceitual que fornece uma interpretação do mundo e do lugar dos | |
seres humanos nele, fundamenta uma explicação de como a vida deve ser vivida dada essa | |
interpretação, e expressa essa interpretação e estilo de vida em um conjunto de rituais, | |
instituições e práticas.56 | |
De maneira semelhante, Richard Swinburne propôs que Deus é a melhor | |
explicação para os complexos padrões de fenômenos que observamos no | |
mundo natural. “Estou postulando um Deus para explicar o que a ciência | |
explica; não nego que a ciência explique, mas postulo Deus para explicar por | |
que a ciência explica.”57 A existência de Deus pode, ele argumenta, ser | |
deduzida do que é observado no mundo. Uma vez que essa ideia de Deus | |
seja aceita, encontra-se uma explicação para o que experienciamos ao nosso | |
redor. | |
O físico e teólogo John Polkinghorne sustenta que a religião tem um | |
papel particularmente importante em lidar com as “metaquestões” | |
levantadas pela ciência, mas que nos apontam para além do que a ciência | |
por si só pode presumir falar a respeito. Por que o universo físico é | |
racionalmente transparente para nós, tal que podemos discernir seu padrão | |
e estrutura? Por que alguns dos mais belos padrões propostos por | |
matemáticos puros são realmente encontrados na estrutura do mundo | |
físico? Como devemos explicar a capacidade da matemática de modelar com | |
tanta precisão as estruturas fundamentais do universo? A ciência explora de | |
bom grado a transparência racional do universo, mas é incapaz de explicar | |
por que o universo é assim. O cristianismo fornece uma estrutura teísta que | |
explica o que de outra forma deveria ser considerado como milagre ou feliz | |
acidente. | |
O grande teólogo medieval Tomás de Aquino propôs que havia uma | |
conexão explícita entre a existência de Deus e a capacidade humana de dar | |
sentido ao nosso mundo. Deus pode ser considerado um agente explicativo, | |
cuja existência e natureza fornecem uma explicação retrospectiva de vários | |
aspectos de nossa experiência do mundo – como a ordem do mundo, ou | |
nosso senso de bondade ou beleza. Em um famoso debate de 1948 entre | |
Bertrand Russell e Frederick Copleston, Russell descartou a necessidade de | |
qualquer explicação para o universo. O universo está aí e nada pode ser | |
adicionado ao fato bruto de sua existência. Tomás de Aquino, ao contrário, | |
considera que é razoável procurar uma explicação de por que o mundo | |
existe e por que tem suas características distintas. O universo exige uma | |
explicação em termos de um relacionamento com algo que não seja ele | |
próprio – isto é, Deus. Um argumento semelhante é apresentado pelo | |
lósofo omas Nagel ao sustentar que a existência de nosso universo | |
requer um contexto explicativo maior que as leis cientí cas, pois tal | |
explicação limitada “ainda teria que se referir a características de alguma | |
realidade maior que o incluía ou que deu origem a ele”.58 | |
A abordagem de Tomás de Aquino para explicação na segunda de suas | |
“Cinco Vias” é basicamente causal. Esse argumento pode ser apresentado em | |
quatro etapas: | |
1. Observamos uma ordem de causas e cientes nas coisas que vemos | |
ao nosso redor. | |
2. No entanto, não observamos, e não podemos esperar observar, nada | |
que seja a causa e ciente de si mesmo. | |
3. Não é possível que deva existir uma série in nita de causas | |
e cientes. | |
4. Portanto, devemos supor que exista alguma causa e ciente | |
primordial (prima causa efficiens), que é o que todos chamam de | |
“Deus”. | |
Tomás de Aquino vê esse argumento como uma explicação causal do | |
que é observado e experimentado no mundo. Embora a abordagem de | |
Tomás de Aquino seja ôntica, e não epistêmica, o contexto em que é de nida | |
pressupõe alguma forma de integração conceitual dos modos de explicação | |
ôntico e epistêmico, mesmo que isso não seja desenvolvido nesse ponto na | |
Suma Teológica. | |
Essa abordagem foi desenvolvida ainda mais por muitos lósofos | |
modernos, que argumentaram pela existência de um ser necessário | |
transcendente que é o fundamento de uma explicação de nitiva do porquê | |
de certos seres contingentes existirem e passarem por eventos particulares. | |
Argumenta-se que o teísmo em geral (e o cristianismo em particular) | |
articula uma estrutura teórica que possibilita uma explicação de nitiva da | |
realidade. Alguns propuseram desenvolver uma defesa para a existência de | |
um ser tão transcendente com base em sua capacidade de explicar a | |
existência e o caráter do mundo, e depois procuraram correlacionar isso | |
com o Deus cristão; outros desenvolveram abordagens que buscam | |
demonstrar a capacidade explicativa do entendimento cristão de Deus, | |
vendo essa capacidade como um indicador da existência de tal Deus. Ainda | |
mais, essa perspectiva especí ca de explicação inclui também um elemento | |
crítico, na medida em que coloca a questão de como uma interpretação | |
puramente naturalista ou materialista do nosso mundo pode explicar o | |
aparecimento, através da operação das leis da física e da química, de seres | |
conscientes como nós, que provamos ser capazes de descobrir essas leis e | |
entender o universo que elas governam. | |
Até aqui, consideramos abordagens teístas gerais da explicação. Mas e as | |
abordagens especi camente cristãs? Observou-se frequentemente que | |
muitos cientistas renomados do Renascimento viam a teologia como um | |
modelo imaginativo que lhes permitia entender o mundo. Muitos teólogos | |
consideraram que a noção de humanidade portadora da “imagem de Deus” | |
deveria ter resultados epistêmicos importantes, incluindo uma propensão ou | |
capacidade de discernir Deus dentro da criação. O método cientí co | |
indutivo de William Whewell re etia sua crença de que as “Ideias | |
Fundamentais” que usamos para organizar nossas ciências se assemelham às | |
ideias usadas por Deus na criação do universo físico. Deus criou nossas | |
mentes para que elas contenham essas ideias (ou seus “germes”), tal que “elas | |
possam e devam concordar com o mundo”.59 | |
Uma ideia bem parecida havia sido apresentada muito antes, de forma | |
mais matemática, pelo astrônomo Johann Kepler. Em sua obra Harmonies of | |
the World [Harmonias do mundo] (1619), Kepler propôs que o “dado” | |
teológico de que os seres humanos foram constituídos segundo a forma da | |
“imagem de Deus” os predispunha a pensar matematicamente e, assim, | |
compreender a estrutura da ordem criada: | |
Na medida em que a geometria é parte da mente divina desde as origens do tempo, mesmo antes | |
das origens do tempo (pois o que há em Deus que também não é de Deus?), ela forneceu a Deus | |
os padrões para a criação do mundo, e foi transferida para a humanidade com a imagem de | |
Deus.60 | |
O trabalho de Kepler é de interesse por muitas razões, inclusive pelo fato | |
de que geralmente é considerado o último grande trabalho cientí co a usar a | |
noção musical de harmonia na re exão cientí ca sobre a natureza do | |
mundo. | |
Philip Clayton sobre explicação em religião | |
O norte-americano, lósofo da religião e lósofo da ciência Philip | |
Clayton, atualmente professor de teologia na Faculdade de Teologia de | |
Claremont e professor de loso a e religião na Universidade de Claremont, | |
Califórnia, analisou cuidadosamente a relação de práticas e convenções | |
explicativas em ciência e religião. O primeiro grande trabalho de Clayton | |
publicado foi um estudo sobre explicação em ciência e religião. A obra | |
Explanation from Physics to eology: An Essay in Rationality and Religion | |
[Explicação da física à teologia: um ensaio sobre racionalidade e religião] | |
(1986) é amplamente considerada como uma defesa poderosa visando | |
manter a noção de “explicação” como signi cativa do ponto de vista | |
religioso. | |
Clayton rebateu a tendência de tratar a religião como desprovida de | |
qualquer potencial explicativo, então predominante na loso a da religião. | |
Essa visão é encontrada nos escritos de Ludwig Wittgenstein (1889–1951), | |
especialmente em suas observações cáusticas sobre e Golden Bough [O | |
ramo de ouro] de Sir James Frazer, e teve um impacto signi cativo na | |
loso a da religião. Como observado acima, um excelente exemplo dessa | |
abordagem de “religião sem explicação” é encontrado nos escritos de Dewi | |
Z. Phillips. | |
Respondendo a essa objeção, Clayton assinalou que, na verdade, se | |
poderia dizer que sistemas de crenças religiosas oferecem “explicações”, | |
quando esse termo era apropriadamente de nido. Nesse estágio, a | |
explicação ainda era entendida principalmente em termos causais. Por | |
exemplo, o lósofo da ciência Wesley Salmon argumentou que “dar uma | |
explicação cientí ca é mostrar como os eventos e as regularidades | |
estatísticas se encaixam na rede causal do mundo”. Entretanto, Clayton | |
corretamente apontou que noções causais de explicação estavam sendo | |
substituídas por suas contrapartes coerentistas. Em outras palavras, uma | |
“explicação” poderia ser entendida em termos da provisão de uma estrutura | |
intelectual que se mostrasse capaz da acomodação máxima de observações. | |
A abordagem de Clayton para “explicação” se re ete em sua ênfase na | |
importância teológica da noção de “inferência à melhor explicação”, que não | |
necessariamente depende de uma descrição causal de explicação. A questão | |
crítica é, de um grupo de potenciais explicações para determinado conjunto | |
de observações, qual parece se “encaixar” melhor. | |
Ao notar que as explicações religiosas com frequência se concentram | |
principalmente na maneira como os indivíduos dão sentido à sua | |
experiência, Clayton ressaltou que as intuições religiosas não se limitam ao | |
domínio do que se poderia chamar de “experiência especi camente | |
religiosa”. Na verdade, as explicações religiosas têm a capacidade de dar | |
sentido à experiência como um todo. Assim, o crente ou o místico sente (ou | |
“vê”) que as coisas se encaixam, que existe uma coerência subjacente ao | |
nosso mundo. | |
Como decidimos qual é a melhor explicação? | |
Nos últimos anos, tem havido um interesse crescente, dentro da loso a | |
da ciência, pela ideia de “inferência à melhor explicação”. Isso representa um | |
afastamento decisivo de entendimentos positivistas mais antigos quanto ao | |
método cientí co, ainda ocasionalmente encontrados em descrições | |
populares da relação entre ciência e religião, que presumem que a ciência é | |
capaz – e, portanto, tem a obrigação de – oferecer evidências claras e | |
inferencialmente infalíveis para suas teorias. Essa abordagem positivista, | |
encontrada em muitos pontos nos escritos de Richard Dawkins, é entendida | |
agora como profundamente problemática. É particularmente importante | |
notar que dados cientí cos podem ser interpretados de várias maneiras, | |
cada uma com algum suporte probatório. Em contrapartida, o positivismo | |
tendia a argumentar que havia uma única interpretação inequívoca da | |
evidência, que qualquer observador bem-pensante descobriria. Como | |
existem muitas explicações, a questão de como identi car a melhor | |
explicação se torna de extrema importância. | |
Outro problema que precisa ser observado aqui é o entrelaçamento entre | |
observação e teoria. Por exemplo, a estimativa atual da idade do universo é | |
de aproximadamente 13,8 bilhões de anos. Mas como sabemos mediante a | |
ausência de qualquer monitoramento cronológico contínuo dessa história? | |
Em 1919, a maioria dos cientistas pensava que o universo era de idade | |
inde nida ou in nita; em 1929, com base em uma determinação precoce da | |
constante de Hubble, acreditava-se que ele tivesse 2 bilhões de anos; agora | |
acredita-se ter 13,8 bilhões de anos. As estimativas atuais da idade do | |
universo são baseadas em observações que são interpretadas dentro das | |
premissas e dos parâmetros do que é conhecido como “modelo LambdaCDM”. As próprias observações não nos dizem nada diretamente sobre a | |
idade do universo; é necessário um arcabouço teórico para interpretá-las. | |
O ponto aqui é que a ciência não lê diretamente a idade do universo; ela | |
interpreta certas observações dentro da estrutura do modelo Lambda-CDM | |
para produzir a idade do universo. As velocidades e distâncias das galáxias | |
em recessão não são observadas diretamente, mas são inferidas com base | |
nas premissas e parâmetros de teorias físicas adicionais – como a correlação | |
entre velocidade e o red-shi (deslocamento Doppler dos espectros das | |
estrelas para o vermelho). Como todos os modelos cientí cos, o modelo | |
Lambda‐CDM é provisório e pode sofrer alterações e modi cações ao longo | |
do tempo. No entanto, não podemos prever quais serão essas mudanças, | |
nem qual será seu impacto nas estimativas da idade do universo. | |
Para começar nossas re exões sobre essas questões, vamos considerar a | |
distinção entre gerar novas teorias e testar essas novas teorias. Essa distinção | |
é frequentemente expressa em termos de um contraste entre uma “lógica da | |
descoberta” e uma “lógica da justi cação”. | |
“Lógica da descoberta” e “Lógica da justi cação” | |
Como surgem novas teorias? Como, por exemplo, Charles Darwin | |
surgiu com a ideia de evolução através da seleção natural? Ou, para dar um | |
exemplo famoso do campo da química, como o químico orgânico alemão | |
August Kekulé percebeu que as moléculas de benzeno tinham uma estrutura | |
cíclica? Kekulé respondeu a essa pergunta em 1890, contando como a ideia | |
veio a ele enquanto estava cochilando em frente à lareira em sua casa. Ele | |
teve a visão de uma cobra perseguindo sua própria cauda, o que sugeriu a ele | |
que o benzeno tinha uma estrutura em anel. Ao propor uma estrutura desse | |
tipo para o benzeno, Kekulé comparou-a com as evidências experimentais e | |
descobriu que ela parecia dar conta dessas evidências satisfatoriamente. | |
A maneira como Kekulé teve a ideia de que o benzeno tinha uma | |
estrutura cíclica é agora vista como um exemplo clássico de uma “lógica da | |
descoberta”, o processo de desenvolvimento de novas hipóteses a serem | |
consideradas, que se distingue da subsequente “lógica da justi cação” na | |
medida em que essas hipóteses são comparadas com as evidências | |
disponíveis e com qualquer previsão que elas façam. Agora, é amplamente | |
aceito que a “lógica da descoberta” é essencialmente imaginativa ou criativa, | |
envolvendo conexões que outros não conseguiram ver. A “lógica da | |
justi cação”, entretanto, é fundamentalmente racional e crítica, com o | |
objetivo de sujeitar essa nova teoria a um exame crítico rigoroso. A maneira | |
como uma teoria é derivada não é de extrema importância para determinar | |
se está certa; o que realmente importa é quão bem essa teoria pode explicar | |
as evidências existentes e talvez prever descobertas novas e desconhecidas. | |
Uma antecipação preliminar dessa perspectiva de uma “lógica da | |
descoberta” pode ser encontrada no lósofo pragmatista americano Charles | |
Peirce (1839-1914), lho de um renomado astrônomo de Harvard e ele | |
próprio um pro ssional da ciência. Para Peirce, o pensamento cientí co | |
pode ser descrito como uma forma especí ca de “inferência abdutiva”, | |
de nida da seguinte forma: | |
1. O fato surpreendente, C, é observado. | |
2. Mas, se A fosse verdadeiro, C seria um fato natural. | |
3. Portanto, há razões para suspeitar que A é verdadeiro. | |
Então, como chegamos à hipótese A, que explica C? Peirce argumenta | |
que observar como os cientistas realmente trabalham mostra que novas | |
teorias e hipóteses são geradas de várias maneiras, incluindo processos que | |
Peirce descreve como “inspiração” e “imaginação”. A maneira comoKekulé | |
imaginou o benzeno como tendo uma estrutura em anel se encaixa | |
facilmente na descrição de Peirce dessa lógica da descoberta. | |
Uma abordagem relacionada é encontrada nas re exões do lósofo da | |
ciência americano N. R. Hanson sobre o avanço do conhecimento cientí co. | |
Hanson (1924-1967) propôs que havia três características comuns ao que ele | |
chamou de “a lógica da descoberta cientí ca”: | |
1. A observação de alguns “fenômenos espantosos” ou | |
“surpreendentes”, que representam anomalias nas formas de pensar | |
existentes. Esse “espanto” pode surgir porque as observações estão | |
em con ito com as descrições teóricas existentes. | |
2. A compreensão de que esses fenômenos não pareceriam | |
surpreendentes se certa hipótese H fosse verdadeira. Essas | |
observações seriam esperadas com base em H, o que serviria de | |
explicação para elas. | |
3. Portanto, há boas razões para propor que H seja considerada correta. | |
Assim como Peirce, Hanson identi ca observações surpreendentes ou | |
espantosas como uma motivação fundamental no empreendimento da | |
descoberta cientí ca. Existe um ponto de vista teórico a partir do qual essas | |
observações não seriam surpreendentes, mas seriam esperadas? | |
Um bom exemplo disso está na explicação de Albert Einstein para uma | |
observação intrigante relacionada ao planeta Mercúrio, que não podia ser | |
explicada pelas teorias existentes – como a mecânica newtoniana. | |
Descobriu-se que o periélio de Mercúrio (o ponto em que ele estava mais | |
próximo do Sol) se movia numa quantidade pequena – mas observável – a | |
cada ano. Não havia razão óbvia para tal, embora o matemático francês | |
Urbain Le Verrier argumentasse, em 1859, que isso poderia ser explicado se | |
houvesse um planeta até então desconhecido, de aproximadamente metade | |
da massa de Mercúrio, posicionado mais perto do Sol. Le Verrier nomeou | |
esse planeta hipotético de “Vulcano”. Ele nunca foi encontrado, apesar de | |
vários relatos falsos de observações desse planeta ao longo da década de | |
1860. | |
Em novembro de 1915, Einstein anunciou que o avanço do periélio de | |
Mercúrio era explicado de forma precisa e persuasiva por sua nova teoria | |
geral da relatividade. Isso acontecia devido ao movimento do planeta através | |
de um campo gravitacional que era deformado pela enorme massa do Sol. | |
Embora esse efeito possa ser observado em todos os planetas, seria mais | |
perceptível no caso de Mercúrio, pois Mercúrio é o planeta mais próximo do | |
Sol. | |
A teoria geral da relatividade de Einstein forneceu uma nova estrutura | |
teórica que foi capaz de acomodar uma observação conhecida e | |
desconcertante. Além disso, Einstein também previu que o mesmo padrão | |
básico poderia ser observado em todos os planetas restantes, mesmo que | |
fosse virtualmente impossível detectá-lo usando a instrumentação | |
disponível na década de 1910. Sua teoria também fez algumas novas | |
previsões – principalmente o fenômeno agora conhecido como “lente | |
gravitacional”, em que a distorção do espaço-tempo devido à in uência | |
gravitacional do Sol faz com que a [trajetória da] luz se curve. Embora a | |
mecânica newtoniana tenha predito certo grau de curvatura da luz pela | |
gravidade, a teoria de Einstein deixou claro que isso era complementado | |
pela distorção do espaço-tempo. No nal, essa curvatura ampliada da luz | |
pela gravidade foi observada durante um eclipse solar em 1919, fornecendo | |
uma con rmação espetacular da teoria de Einstein. | |
Inferência à melhor explicação | |
A abordagem, agora geralmente conhecida como “inferência à melhor | |
explicação”, reconhece que várias explicações podem ser oferecidas para | |
qualquer conjunto de observações e se propõe a identi car critérios pelos | |
quais a melhor explicação pode ser identi cada e justi cada. Entretanto, a | |
melhor teoria pode não ser uma teoria verdadeira – pode ser simplesmente | |
a melhor abordagem disponível nesse momento especí co da história. | |
Então, quais são esses critérios? Várias formas de avaliar teorias ou | |
explicações foram apresentadas por lósofos da ciência. A seguir, | |
consideraremos três critérios amplamente usados. | |
1. Simplicidade. Na Idade Média, o lósofo Guilherme de Ockham recomendou evitar hipóteses | |
desnecessárias. Esse princípio – frequentemente conhecido como “Navalha de Ockham” ou | |
“Princípio da Parcimônia” – é útil. As teorias mais simples são geralmente as melhores – mas | |
nem sempre. O modelo do Sistema Solar de Copérnico era elegantemente simples, prevendo os | |
planetas girando em torno do Sol em órbitas circulares à velocidade constante. No entanto, como | |
o astrônomo Johann Kepler demonstrou mais tarde, os planetas não orbitavam ao redor do Sol | |
em círculos matematicamente simples, mas segundo as trajetórias mais complexas das elipses, | |
exigindo uma representação matemática mais complexa. Além disso, os planetas se moviam em | |
velocidades variáveis ao girar em torno do Sol. A simplicidade pode ser um indicador de | |
verdade, mas não é um garantidor de verdade. Há também um debate não resolvido sobre se | |
simplicidade signi ca algo matematicamente descomplicado, fácil de entender, ou signi ca | |
explicar uma ampla variedade de fenômenos com base em um conjunto mínimo de leis. | |
2. Elegância e beleza. Muitos observaram que teorias bem-sucedidas são frequentemente | |
elegantes. Em 1955, o físico Paul Dirac foi convidado a estabelecer sua loso a da física. Dirac | |
respondeu escrevendo esta declaração no quadro-negro: “As leis da física deveriam ter beleza | |
matemática”. Dirac destacou que a mecânica clássica de Newton era simples; a mecânica | |
relativística de Einstein era complexa – mas matematicamente elegante. O que torna a teoria da | |
relatividade tão aceitável para os físicos, apesar de contrariar o princípio da simplicidade, | |
observou Dirac, é a sua “grande beleza matemática”. No entanto, está longe de ser óbvio por que | |
um critério subjetivo como elegância ou beleza deveria ser um indicador de verdade! | |
3. Capacidade de prever. Muitos cientistas defendem que é essencial que uma teoria | |
cientí ca tenha capacidade de prever. Existem alguns exemplos excelentes de teorias inovadoras | |
– como a teoria da relatividade geral de Einstein, mencionada acima – que zeram previsões | |
inesperadas, que foram posteriormente con rmadas. Ainda não está claro por que a capacidade | |
de prever deve ser tão importante, além do impacto psicológico da con rmação de uma nova | |
previsão. A questão crítica é se a evidência apoia uma dada teoria e se há rigor no procedimento | |
de seleção usado para gerar a evidência. Darwin estava convencido de que sua teoria da seleção | |
natural não podia ser provada verdadeira e que não fazia previsões testáveis – mas, ainda assim, | |
ele acreditava que estava certo pelas razões que exploraremos abaixo. A teoria das cordas não faz | |
previsões e é empiricamente inveri cável ou infalsi cável. No entanto, ambas as teorias são | |
consideradas cientí cas, apesar de não atenderem a esse critério. | |
Outra questão de debate diz respeito à classi cação desses critérios. Qual | |
é o mais importante? E qual é a base cientí ca dessa escolha? Na prática, | |
esses critérios e outros como eles são vistos como sinais, não como provas, | |
de con abilidade teórica. Há, no entanto, outra questão que precisa ser | |
observada. O método de “inferência à melhor explicação” pode nos ajudar a | |
descobrir qual, de um grupo de explicações possíveis, é a “melhor” – mas | |
isso não signi ca que a “melhor” dessas explicações seja realmente | |
verdadeira. Ela é simplesmente melhor que suas rivais. O lósofo Gilbert | |
Harman, que é amplamente creditado por ter introduzido a ideia de | |
“inferência à melhor explicação”, considerou, contudo, que havia boas razões | |
para acreditar que a melhor explicação provavelmente seria verdadeira: | |
Ao fazer essa inferência, procede-se do seguinte modo: partimos do fato de que dada hipótese | |
poderia explicar a evidência, e a partir disso inferimos a verdade dessa hipótese. Normalmente, | |
haverá diversas hipóteses capazes de explicar a evidência, e, portanto, é preciso ser capaz de | |
descartar todas as hipóteses alternativas antes de estar autorizado a fazer essa inferência. Assim, | |
da premissa de que uma dada hipótese provê uma melhor explicação para evidência do que | |
todas outras hipóteses, inferimos a conclusão de que a dada hipótese é a verdadeira..61 | |
Essa discussão sobre escolha de teoria é um tanto abstrata. A seguir, | |
examinaremos um estudo de caso que ajuda a esclarecer alguns dos | |
problemas. Como Charles Darwin chegou à conclusão de que sua teoria da | |
evolução por seleção natural era preferível às hipóteses alternativas de sua | |
época? | |
Um estudo de caso: Darwin e a seleção natural | |
O apelo de Charles Darwin ao novo conceito de seleção natural como a | |
“melhor explicação” de um corpo acumulado de observações sobre a | |
história natural é amplamente citado como uma aplicação bem-sucedida do | |
processo indutivo agora conhecido como “inferência à melhor explicação”. | |
Para Darwin, como observamos anteriormente, quatro características do | |
mundo natural pareciam demandar atenção particularmente especial à luz | |
de problemas e de ciências das explicações existentes, especialmente a ideia | |
de “criação especial” oferecida anteriormente por apologistas religiosos | |
como William Paley (1743-1805). Paley defendia que a complexidade do | |
domínio biológico era mais bem-explicada pela ideia de criação divina | |
especial. Essa complexidade, argumentava ele, não poderia ter acontecido | |
acidentalmente e deveria ser vista como evidência de design. | |
Embora a teoria de Paley oferecesse explicações para estas quatro | |
observações [a seguir], elas pareciam complicadas e forçadas. Darwin | |
acreditava que deveria haver uma explicação melhor do que a oferecida por | |
Paley para estas quatro observações, que são: | |
1. Muitas criaturas têm “estruturas rudimentares”, que não têm função aparente ou | |
previsível – como os mamilos de mamíferos machos, os rudimentos de uma pélvis e os membros | |
traseiros em cobras, e as asas em muitos pássaros que não voam. Como isso poderia ser | |
explicado com base na teoria de Paley, que enfatizava a importância do design individual das | |
espécies? Por que Deus teria criado redundâncias? A teoria de Darwin explicava isso com | |
facilidade e elegância. | |
2. Sabia-se que algumas espécies haviam sido completamente extintas. O fenômeno da | |
extinção havia sido reconhecido antes de Darwin e era frequentemente explicado com base nas | |
teorias de “catástrofe”, como uma “inundação universal”, conforme sugerido pelo relato bíblico de | |
Noé. A teoria de Darwin ofereceu uma explicação mais clara do fenômeno. | |
3. A viagem de pesquisa de Darwin no Beagle o convenceu da distribuição geográ ca | |
desigual das formas de vida em todo o mundo. Em particular, Darwin cou impressionado com | |
as peculiaridades das populações das ilhas, como os tentilhões das Ilhas Galápagos. Mais uma | |
vez, a doutrina da criação especial de Paley poderia explicar isso, mas de uma maneira que | |
parecia forçada e não persuasiva. A teoria de Darwin ofereceu uma descrição muito mais | |
plausível para o surgimento dessas populações especí cas. | |
4. Várias formas de certas criaturas vivas pareciam se adaptar às suas necessidades | |
especí cas. Darwin a rmou que isso poderia ser mais bem-explicado por sua emergência e | |
seleção em resposta a pressões evolutivas. A teoria da criação especial de Paley propôs que essas | |
criaturas foram projetadas individualmente por Deus com essas necessidades especí cas em | |
mente. | |
Como já foi observado, todos esses aspectos da ordem natural poderiam | |
ser explicados com base na teoria de William Paley. No entanto, as | |
explicações que Paley e seus seguidores ofereceram pareciam deselegantes e | |
inventadas. O que era originalmente uma teoria relativamente clara e | |
elegante começou a desmoronar sob o peso das di culdades e tensões | |
acumuladas. Darwin acreditava que deveria haver uma explicação melhor, | |
que descreveria essas observações de maneira mais satisfatória do que as | |
alternativas que estavam disponíveis. | |
Darwin deixou bem claro que sua teoria de seleção natural não era a | |
única explicação possível dos dados biológicos. Ele acreditava, porém, que | |
ela tinha maior poder explicativo que suas rivais, como a doutrina de atos | |
independentes de criação especial. “Tem sido mostrada clareza em vários | |
fatos, que na crença de atos independentes de criação são totalmente | |
obscuros.” A teoria de Darwin tinha muitas fraquezas e pontas soltas. | |
Contudo, ele estava convencido de que eram di culdades que podiam ser | |
toleradas devido à clara superioridade explicativa de sua abordagem. | |
Entretanto, embora Darwin não acreditasse ter lidado adequadamente com | |
todos os problemas que exigiam solução, ele estava con ante de que sua | |
explicação era a melhor disponível. Na sexta edição da Origem das Espécies, | |
ele respondeu a algumas objeções teóricas à sua abordagem da seguinte | |
maneira: | |
Di cilmente pode-se supor que uma teoria falsa explique, de maneira tão satisfatória quanto a | |
teoria da seleção natural, as várias grandes classes de fatos acima especi cadas. Recentemente, foi | |
contestado que este é um método inseguro de argumentar; mas é um método usado para julgar | |
os eventos comuns da vida, e tem sido frequentemente usado pelos maiores lósofos naturais.62 | |
Embora reconhecesse que sua teoria da seleção natural carecia de provas | |
rigorosas, Darwin acreditava claramente que ela poderia ser defendida com | |
base em critérios de aceitação e justi cativa já amplamente utilizados nas | |
ciências naturais, e que sua capacidade explicativa era, por si só, um guia | |
con ável para sua verdade. | |
Escolha de teoria e religião | |
Existem, assim, paralelos dentro da religião para essas questões sobre | |
escolha de teoria? Nos últimos anos, lósofos e apologistas cristãos | |
tornaram-se cada vez mais interessados em abordagens indutivas da | |
racionalidade da fé, especialmente em relação à questão da existência de | |
Deus. O lósofo Richard Swinburne, por exemplo, argumentou que a | |
existência de Deus deve ser vista como a melhor explicação do que é | |
observado no mundo, quando visto como parte de um caso cumulativo | |
maior. Para Swinburne, a existência do universo pode ser tornada | |
compreensível se supusermos que ele é criado por Deus. | |
Swinburne de ne sua abordagem a partir de um esquema mais amplo, | |
fundamentado na crença central de que a existência de um universo precisa | |
ser explicada, em vez de apenas ser aceita como um “fato bruto” (Bertrand | |
Russell). Para Russell, não há outra explicação para sua existência ou de seus | |
recursos fundamentais além da a rmação de que “está aí”. Então, quais são | |
as possíveis explicações e qual delas é a melhor? Swinburne sugere que | |
existem basicamente duas teorias rivais principais que precisam ser | |
consideradas como possíveis explicações: a visão de que a ciência pode | |
fornecer uma explicação natural para a existência desse universo, ou a visão | |
teísta de que o universo e seus fenômenos existem por causa da atividade | |
causal intencional de um ser pessoal, conhecido como “Deus”. | |
Assim, Swinburne se propõe a identi car possíveis explicações para o | |
universo e determinar qual delas é “melhor”. Ao tomar essa decisão, | |
Swinburne não se vê como tendo que provar a existência de Deus. Em vez | |
disso, sua tarefa é mostrar que a existência de Deus, por mais improvável | |
que possa parecer enquanto hipótese independente, é melhor para explicar | |
nossa conexão com observações e experiências do que suas alternativas – | |
como o naturalismo materialista. A priori, o teísmo talvez pareça muito | |
improvável; contudo, argumenta Swinburne, é muito mais provável que seus | |
rivais explanatórios. | |
Então, que critérios Swinburne usa para avaliar explicações rivais quanto | |
à existência do universo? Ao desenvolver esse tipo de argumento | |
cosmológico indutivo, Swinburne apela para o critério da simplicidade ao | |
decidir entre hipóteses concorrentes sobre a existência do universo, | |
argumentando que “a ciência exige que postulemos a explicação mais | |
simples dos dados”.63 Quanto mais simples uma teoria, maior a | |
probabilidade de ela estar certa. Seu argumento está aberto a contestações. A | |
abordagem de Swinburne à racionalidade do teísmo é uma importante | |
indicação da maneira pela qual os critérios cientí cos de escolha de teoria | |
chegaram às discussões religiosas. | |
Vamos agora nos redirecionar para a questão de como as crenças – | |
sejam teorias cientí cas ou ideias religiosas – podem ser veri cadas. A | |
seguir, examinaremos as questões que surgem com qualquer tentativa de | |
desenvolver a rmações verdadeiras sobre o nosso mundo. De que maneira | |
podemos avaliar isso? Duas abordagens particularmente signi cativas para | |
essa questão surgiram durante o século 20: o veri cacionismo, sustentando | |
que as ciências naturais eram capazes de expor suas ideias em formas | |
adequadas para serem con rmadas a partir da experiência, e o | |
falsi cacionismo, defendendo que as ciências naturais eram capazes de | |
a rmar suas ideias de maneira que abordagens defeituosas pudessem | |
facilmente ser demonstradas como falsas, ainda que acabasse por ser bem | |
mais difícil con rmar teorias válidas do que os veri cacionistas haviam | |
pensado. | |
O pano de fundo desse importante debate encontra-se no Círculo de | |
Viena, um dos movimentos losó cos mais signi cativos surgidos no século | |
20, originário na capital austríaca. Começamos considerando esse | |
movimento altamente in uente e seu impacto no “Positivismo Lógico”. | |
VERIFICAÇÃO: POSITIVISMO LÓGICO | |
O “Círculo de Viena” é geralmente considerado como o grupo de | |
lósofos, físicos, matemáticos, sociólogos e economistas que se reuniram em | |
torno do lósofo Moritz Schlick (1882-1936) durante o período de 1924 a | |
1936. Uma das a rmações centrais do grupo era a de que as crenças devem | |
ser justi cadas com base na experiência. Essa crença está fundamentada nos | |
escritos de David Hume e é claramente empírica. Por esse motivo, os | |
membros do grupo tendiam a fazer uma avaliação particularmente elevada | |
dos métodos e das normas das ciências naturais (que eram vistas como as | |
mais empíricas das disciplinas humanas) e uma avaliação | |
correspondentemente baixa da metafísica (que era vista como uma tentativa | |
de se afastar da experiência). De fato, uma das realizações mais signi cativas | |
do Círculo de Viena foi fazer com que a palavra “metafísica” ganhasse | |
conotações fortemente negativas. | |
Para o Círculo de Viena, declarações que não se relacionassem | |
diretamente com o mundo real não tinham valor. Toda proposição deve ser | |
capaz de ser declarada de maneira que se relacione diretamente com o | |
mundo real da experiência. O programa geral proposto pelo Círculo de | |
Viena tinha duas partes básicas, como a seguir: | |
1. Todas as declarações signi cativas podem ser reduzidas a, ou são | |
explicitamente de nidas por, declarações que contêm apenas | |
termos observacionais. | |
2. Todas essas declarações redutivas devem poder ser declaradas em | |
termos lógicos. | |
A tentativa mais signi cativa de levar adiante esse programa pode ser | |
vista nas obras de Rudolph Carnap (1891-1970), particularmente em sua | |
obra de 1928, e Logical Construction of the World [A construção lógica do | |
mundo]. Nessa obra, Carnap procurou mostrar como o mundo poderia ser | |
derivado da experiência pela construção lógica. Foi, como ele disse, uma | |
tentativa de “redução da ‘realidade’ ao ‘dado’”, aplicando os métodos da | |
lógica a declarações derivadas da experiência. As duas únicas fontes de | |
conhecimento são, portanto, a percepção sensorial e os princípios analíticos | |
da lógica. As declarações são derivadas e justi cadas com base na percepção | |
dos sentidos e relacionadas entre si e seus termos constituintes pela lógica. | |
Carnap estabeleceu o que agora é conhecido como “princípio da | |
veri cação”. Somente declarações que podem ser veri cadas podem ser | |
consideradas signi cativas. As ciências naturais devem, portanto, ser vistas | |
como privilegiadas em qualquer teoria do conhecimento. A loso a é | |
melhor vista como uma ferramenta para esclarecer o que foi estabelecido | |
com base na percepção sensorial. A loso a, segundo Carnap, consiste na | |
“análise lógica das a rmações e conceitos da ciência empírica”. Carnap | |
a rmava, assim, que declarações religiosas não eram cientí cas. Frases que | |
fazem a rmações sobre “Deus” ou “o transcendente” são sem signi cado, | |
pois não há nada que seja dado na experiência humana que possa veri cálas. | |
Essas visões foram popularizadas no mundo de língua inglesa por A. J. | |
Ayer (1910–1989), especialmente em seu famoso livro Language, Truth and | |
Logic [Linguagem, Verdade e Lógica] (1936). Embora a Segunda Guerra | |
Mundial tenha interferido no seu processo de recepção e avaliação, essa obra | |
sozinha é amplamente considerada como tendo de nido a agenda losó ca | |
para as duas décadas seguintes ao nal da guerra. Ao aplicar vigorosa e | |
radicalmente o princípio de veri cação, Ayer sustentava que as declarações | |
metafísicas (que incluíam crenças religiosas) eram “sem sentido”. Ayer | |
concedia que as declarações religiosas pudessem fornecer informações | |
indiretas sobre o estado de espírito da pessoa que as fez. Elas não poderiam, | |
no entanto, ser consideradas como declarações signi cativas a respeito do | |
mundo externo. | |
Então, como os teólogos reagiram a esse desa o? Uma abordagem | |
popular foi a noção de “veri cação escatológica”, amplamente discutida no | |
período entre 1955 e 1965. Ela pode ser considerada uma resposta direta às | |
questões levantadas pela demanda por veri cação como uma condição para | |
a signi cância. (O termo “escatológico” deriva da expressão grega ta eschata, | |
“as últimas coisas”, e refere-se a temas como a esperança e o céu, como vistos | |
pelos cristãos.) O lósofo de Oxford Ian M. Crombie observou que a | |
experiência com base na qual as declarações religiosas poderiam ser | |
veri cadas simplesmente não estava acessível no presente – mas que estaria | |
disponível após a morte. | |
No entanto, esta questão retrocedeu em importância a partir da década | |
de 1960, principalmente devido à consciência das severas limitações | |
impostas ao princípio de veri cação proposto pelo positivismo lógico. Para | |
ilustrar algumas dessas di culdades, podemos considerar a seguinte | |
a rmação: “Havia seis gansos sentados no gramado à frente do Palácio de | |
Buckingham às 17h15 em 18 de junho de 1865”. Essa a rmação é claramente | |
signi cativa, na medida em que declara algo que poderia ter sido veri cado. | |
Mas não estamos em posição de con rmar essa a rmação agora. Uma | |
di culdade semelhante surge em relação a outras declarações sobre o | |
passado. Para alguém como Ayer, essas a rmações não devem ser | |
consideradas nem verdadeiras nem falsas, pois não se relacionam com o | |
mundo externo. No entanto, isso claramente contraria nossa intuição básica | |
de que tais declarações fazem sim a rmações signi cativas (e | |
potencialmente veri cáveis). | |
Uma questão adicional dizia respeito ao status de entidades teóricas não | |
observáveis – como partículas subatômicas – cuja existência é inferida, em | |
vez de observada. Em um artigo de 1938, intitulado “Procedures of | |
Empirical Science” [Procedimentos da ciência empírica], o físico americano | |
Victor F. Lenzen (1890-1975) argumentou que certas entidades tinham que | |
ser inferidas a partir de observação experimental, mesmo que elas não | |
pudessem ser observadas. Por exemplo, o comportamento de gotículas de | |
óleo em um campo elétrico leva a inferir a existência de elétrons como | |
partículas carregadas negativamente de uma determinada massa. Esses | |
elétrons não podem ser vistos (e, portanto, não podem ser “veri cados”) – | |
mas, sua existência deve ser vista como uma inferência razoável a partir das | |
evidências observacionais. Os comentários de Lenzen destacaram um | |
problema com o veri cacionismo, pelo menos nas formas originais do | |
princípio de veri cação. | |
O veri cacionismo, assim, tem sérios limites. Portanto, é instrutivo | |
observar uma abordagem rival que se desenvolveu em resposta a algumas | |
das di culdades percebidas com o veri cacionismo. Essa abordagem rival é | |
geralmente conhecida como “falsi cacionismo”, e será considerada na seção | |
a seguir. | |
FALSIFICAÇÃO: KARL POPPER | |
O lósofo austríaco Karl Popper (1902-1994) argumentava que o | |
desenvolvimento do conhecimento cientí co era um processo evolutivo no | |
qual várias conjecturas concorrentes, ou teorias provisórias, são | |
sistematicamente sujeitas aos esforços mais rigorosos possíveis de | |
falsi cação. Esse processo de eliminação de erros, sugeria ele, era análogo ao | |
processo de seleção natural na biologia evolutiva. Para Popper, o | |
conhecimento cientí co avança através da interação entre teorias provisórias | |
(conjecturas) e eliminação de erros (refutação). | |
Popper achava que o princípio de veri cação associado ao Círculo de | |
Viena era muito rígido e acabava excluindo muitas declarações cientí cas | |
válidas. “Minha crítica ao critério de veri cabilidade sempre foi esta: contra | |
a intenção de seus defensores, ele não excluiu declarações metafísicas óbvias; | |
mas excluiu a mais importante e interessante de todas as a rmações | |
cientí cas, ou seja, as teorias cientí cas, as leis universais da natureza.” | |
Popper também estava convencido de que o veri cacionismo estava aberto a | |
críticas por outro motivo. Acabava permitindo que várias “pseudociências”, | |
como psicanálise e astrologia, passassem a ser consideradas “cientí cas”, | |
quando não eram nada disso. | |
Mas o que havia de errado com a psicanálise? As críticas de Popper à | |
psicanálise foram dirigidas principalmente às ideias de Alfred Adler, que | |
eram in uentes em Viena naquele tempo. O adlerianismo parecia capaz de | |
explicar quase tudo. Por que alguém é honesto? A resposta está em eventos | |
da primeira infância. Por que alguém é desonesto? A resposta está em | |
eventos da primeira infância. Os adlerianos nunca estavam errados; de fato, | |
parecia impossível que eles estivessem errados sobre o que quer que fosse, já | |
que eram capazes de fazer com que qualquer observação se ajustasse | |
perfeitamente às suas teorias. Tudo no mundo para eles era evidência a favor | |
de sua teoria; nada parecia contar como evidência contra ela. | |
Popper propôs o critério da falseabilidade como uma maneira de | |
distinguir a ciência real da pseudociência – agora geralmente conhecido | |
como o “problema da demarcação”. Em algum momento, por volta de 1920, | |
Popper se lembra de ter lido uma descrição cientí ca popular da teoria da | |
relatividade geral de Einstein. Ele cou particularmente impressionado com | |
as declarações precisas de Einstein sobre o que seria necessário para | |
demonstrar que sua teoria estava incorreta. Einstein declarou que “se o | |
deslocamento para o vermelho das linhas espectrais devido ao potencial | |
gravitacional não existir, a teoria geral da relatividade será insustentável”. | |
Einstein procurava algo que pudesse falsear sua teoria. Para Popper, isso | |
representava uma atitude e uma perspectiva totalmente diferentes daquelas | |
que ele associava a pseudociências como a astrologia. Os comprometidos | |
com essas ideologias simplesmente procuravam evidências que pudessem | |
con rmar suas ideias. | |
Embora seguisse o Círculo de Viena em insistir que um sistema teórico | |
deveria ser capaz de ser testado contra a observação do mundo, Popper | |
argumentou que as teorias cientí cas tinham que ser formuladas de tal | |
maneira que pudessem ser demonstradas como erradas. Havia a necessidade | |
de um “critério de demarcação” entre as ciências naturais genuínas e aquelas | |
que reivindicavam um status cientí co para o que era essencialmente uma | |
pseudociência. | |
Certamente admitirei um sistema como empírico ou cientí co apenas se ele for capaz de ser | |
testado pela experiência. Essas considerações sugerem que não a veri cabilidade, mas a | |
falseabilidade de um sistema é que deve ser tomada como critério de demarcação. [...] Deve ser | |
possível que um sistema cientí co empírico seja refutado pela experiência.64 | |
Onde o positivismo lógico enfatizava a necessidade de declarar as | |
condições sob as quais uma a rmação teórica poderia ser veri cada, Popper | |
sustentou que a ênfase deve recair sobre a capacidade de indicar as | |
condições sob as quais o sistema poderia ser falsi cado. | |
A abordagem de Popper teve uma in uência considerável na loso a da | |
religião nas décadas de 1950 e 1960, e está especialmente ligada ao que cou | |
conhecido como o “debate da falsi cação”. Em seu in uente ensaio de 1950, | |
“Teologia e Falsi cação”, o lósofo Anthony Flew argumentou que as | |
a rmações religiosas não podem ser consideradas signi cativas, pois nada | |
extraído da experiência pode falseá-las. Entretanto, esse debate debilitou-se | |
à medida que as di culdades associadas à abordagem de Popper foram se | |
tornando mais claras. A tentativa de Popper de estabelecer um critério | |
signi cativo de falsi cação acabou sendo muito mais difícil do que ele havia | |
esperado. | |
Popper defendia que os experimentos poderiam falsear uma teoria. | |
Entretanto, o lósofo da ciência francês Pierre Duhem havia argumentado | |
anteriormente que era de fato impossível conceber um “experimento crítico”, | |
pois sempre haveria um grau signi cativo de incerteza quanto ao fato de o | |
experimento exigir que uma teoria fosse abandonada em sua totalidade, ou | |
se a di culdade estaria em apenas uma de suas hipóteses, ou mesmo em | |
uma hipótese auxiliar, que não fosse de fundamental importância para a | |
própria teoria. A abordagem de Popper parecia ignorar que a natureza da | |
observação experimental é tal que ela própria é fortemente carregada de | |
teoria, o que tornava sua crítica consideravelmente menos potente do que | |
ele poderia ter esperado. | |
Então, o que se quer dizer com a a rmação de que a observação é | |
“carregada de teoria”? A ideia básica é que vemos e interpretamos o mundo | |
através de mapas mentais preexistentes que são colocados em jogo quando | |
observamos o mundo. Pensamos que estamos vendo o mundo como ele | |
realmente é, sem perceber que estamos realmente olhando para ele – e | |
dando sentido a ele – através de um tipo de mapa mental que nos diz o que | |
estamos vendo. O processo de observação é ao mesmo tempo um processo | |
de interpretação. O grande lósofo da ciência do século 19, William | |
Whewell, a rmou esse ponto quando declarou que “há uma máscara de | |
teoria sobre a face da natureza”. Observação e interpretação estão | |
interconectadas em uma circularidade inevitável. “Um fato sob um aspecto é | |
uma teoria sob outro”.65 Por essa razão, a distinção entre o “factual” e o | |
“teórico” era problemática, pois repousava em pré-compromissos | |
epistemológicos não reconhecidos por parte do observador. | |
A ideia de Whewell sobre natureza da observação ser “carregada de | |
teoria” foi desenvolvida mais recentemente por N. R. Hanson, que insistia | |
em que não apenas “vemos” a natureza; nós a entendemos de certa maneira, | |
vendo-a como algo. O processo de observação supostamente “objetivo” não é | |
neutro e imparcial, mas é, na realidade, um processo carregado de teoria, | |
pois envolve o observador usar esquemas conceituais implícitos, mesmo que | |
estejam abertos a contestações e mudanças. Quando observamos a natureza, | |
estamos usando um conjunto de “lentes” teóricas, um conjunto implícito de | |
suposições ou expectativas que criam certo grau de viés perceptivo e, | |
portanto, tendemos a ignorar ou desconsiderar evidências que não se | |
encaixam em nossos esquemas mentais existentes. | |
Por exemplo, agora se sabe que muitas observações do planeta Urano | |
foram feitas antes de sua “descoberta” por William Herschel, em 1781. | |
Embora Urano tenha sido realmente “visto” por observadores anteriores, seu | |
verdadeiro status de planeta não foi reconhecido. Não era visto como um | |
novo planeta, mas simplesmente como mais uma estrela. Sua baixa | |
magnitude (Urano é escassamente visível a olho nu) e seu lento período de | |
rotação ao redor do Sol zeram com que nunca fosse reconhecido como um | |
planeta, até que Herschel notou seu distinto disco planetário usando um | |
novo telescópio com considerável poder de captação de luz. | |
Isso nos leva de volta a Duhem, pois este percebeu que qualquer teoria | |
proposta para dar sentido às observações será composta de várias hipóteses, | |
algumas das quais podem ser de importância central, enquanto outras | |
seriam subsidiárias. O argumento de Duhem é que uma teoria consiste em | |
uma complexa rede de hipóteses interligadas, algumas centrais e outras | |
periféricas. Então, se algo previsto pela teoria não corresponde à | |
experimentação, qual das suposições está errada? Uma hipótese central? Se | |
for o caso, a teoria teria que ser abandonada. Ou uma das suposições | |
periféricas? Nesse outro caso, a teoria simplesmente precisa de modi cação. | |
Segundo Duhem, o físico simplesmente não está em condições de | |
submeter uma hipótese isolada ao teste experimental. Um experimento em | |
física nunca pode condenar uma hipótese isolada, mas apenas indica que há | |
um problema com um grupo de hipóteses. O físico não pode submeter uma | |
hipótese individual dentro desse grupo a um teste experimental, pois o | |
experimento pode indicar apenas que uma hipótese dentro de um grupo | |
maior de hipóteses requer revisão. O experimento testa um grupo de | |
hipóteses e, por si só, não indica qual das hipóteses requer modi cação. | |
Duhem argumentou que a noção de “experimento crucial” precisava ser | |
tratada com considerável cuidado. | |
Considere um estudo de caso histórico bem conhecido. Após a | |
descoberta do planeta Urano em março de 1781, veri cou-se que o | |
movimento observado do novo planeta não correspondia ao que era | |
previsto pela mecânica newtoniana. Popper concluiu, portanto, que isso | |
tinha que ter sido visto como um caso claro de falsi cação da teoria | |
gravitacional de Newton por observação. Porém, outros na época | |
sustentaram que essa observação pedia a modi cação, não a rejeição, da | |
teoria de Newton. Supunha-se que não havia planetas depois de Urano. Mas | |
e se houvesse um planeta para além de Urano, tal que a perturbação orbital | |
observada de Urano pudesse re etir a in uência gravitacional desse | |
hipotético planeta transurânico? Os cálculos da localização desse possível | |
planeta por matemáticos na Inglaterra e na França levaram à descoberta do | |
planeta transurânico Netuno, em 1846. A abordagem de Popper não seria | |
capaz de explicar a prática cientí ca bem conhecida e amplamente aceita de | |
modi cação da teoria em resposta a observações. | |
Isso, contudo, levanta outra questão, de considerável interesse em si | |
mesma e no campo geral de ciência e religião. Como a comunidade | |
cientí ca decide que uma teoria existente é inadequada e precisa de | |
modi cação – ou possivelmente rejeição – em favor de uma alternativa? Na | |
próxima seção, consideraremos a relevância dos pontos de vista do lósofo | |
da ciência americano omas S. Kuhn para essas questões importantes. | |
MUDANÇA DE TEORIA EM CIÊNCIA: THOMAS S. KUHN | |
Em sua obra e Structure of Scienti c Revolutions [A estrutura das | |
revoluções cientí cas] (1962), omas S. Kuhn (1922–1996) alega que a | |
visão predominante da natureza do progresso cientí co era que teorias | |
radicalmente novas surgem gradualmente por meio de veri cação ou | |
falsi cação. Esse modelo de “progresso gradual” é encontrado em muitos | |
trabalhos, incluindo A Lógica da Pesquisa Cientí ca, de Karl Popper. Kuhn | |
discordava, argumentando que as evidências históricas sugeriam que a | |
transição de um “paradigma” cientí co para outro não é gradual, mas | |
assume a forma de períodos de relativa estabilidade teórica, com ocasionais | |
mudanças radicais no entendimento, que ele denominou “mudança de | |
paradigma”. | |
Com base em seus estudos históricos sobre o desenvolvimento das | |
ciências naturais, Kuhn argumentou que determinado paradigma passa a ser | |
aceito como normativo por conta de seu sucesso explicativo passado. Uma | |
vez que determinado paradigma é aceito, segue-se um período referente ao | |
que Kuhn chama de “ciência normal”. Durante esse período, o paradigma | |
que resultou desse sucesso anterior é tratado como não problemático e | |
geralmente não é contestado. A evidência empírica que parece inconsistente | |
com esse paradigma é tratada como uma anomalia ou vista como algo que | |
pode ser acomodado dentro dessa abordagem existente. Essa evidência pode | |
representar di culdades para o paradigma predominante, mas não é vista | |
como exigência de que o paradigma seja abandonado. A anomalia é | |
considerada como algo para o qual uma solução é esperada dentro do | |
contexto desse paradigma, mesmo que, no momento, a natureza exata dessa | |
solução permaneça incerta. Modi cações ad hoc são propostas ao | |
paradigma existente – como no caso da astronomia ptolomaica, na qual a | |
disparidade entre teoria e observação pôde ser explicada pela adição de | |
epiciclos adicionais ao sistema. | |
Mas o que acontece se uma série de anomalias se acumular e atingir uma | |
força cumulativa que coloque o paradigma em questão? Ou se uma única | |
anomalia é reconhecida como sendo de tal importância, que o problema que | |
ela apresenta não possa mais ser desconsiderado? Kuhn argumenta que, em | |
tais situações, uma crise surge dentro do paradigma. Seções da comunidade | |
cientí ca percebem que o paradigma está em um ponto de ruptura e que | |
algo novo e mais satisfatório precisa ser encontrado. Uma “revolução | |
cientí ca” ocorre quando a comunidade cientí ca percebe que um ponto de | |
in exão foi atingido e que o modelo antigo deve ser abandonado em favor | |
de algo novo. | |
Kuhn contrasta essa abordagem revolucionária com um modelo | |
essencialmente evolutivo,que vê uma progressão constante no entendimento | |
cientí co por meio de um acúmulo gradual de dados e entendimento. | |
Quando outros historiadores da ciência falavam de “progresso cientí co”, | |
Kuhn preferia as imagens de uma revolução, na qual uma grande mudança | |
nas suposições ocorria em um curto período de tempo. Kuhn argumentou | |
que uma complexa rede de questões está por trás da decisão de abandonar | |
um paradigma e aceitar outro, e que isso não pode ser explicado apenas com | |
base em considerações cientí cas. Questões altamente subjetivas estão | |
envolvidas. Kuhn compara uma “mudança de paradigma” a uma | |
“conversão”. A adoção de um novo paradigma é acompanhada por uma | |
alteração repentina e intuitiva da percepção, como uma “troca de gestalt” – | |
uma imagem psicológica popular do nal da década de 1950. Kuhn observa | |
que “nenhum senso comum do termo ‘interpretação’ se encaixa nesses | |
lampejos de intuição através dos quais nasce um novo paradigma”.66 | |
Nesse ponto, devemos observar que o uso que Kuhn faz do termo | |
“paradigma” não é totalmente consistente, usando-o em dois sentidos | |
amplos. Geralmente, refere-se ao amplo grupo de suposições comuns que | |
une um grupo particular de cientistas. Ainda assim, às vezes ele pode ser | |
usado em um sentido mais especí co e restrito para se referir a um sucesso | |
explicativo cientí co passado, que parece oferecer uma estrutura que pode | |
ser tratada como normativa e, portanto, é tratada como exemplar ou | |
normativa a partir de então – até que algo nalmente faça o paradigma ser | |
abandonado. | |
A ênfase de Kuhn nas razões subjetivas das mudanças de paradigma | |
levou alguns de seus críticos a sugerir que sua descrição do desenvolvimento | |
cientí co se apoia em algo pouco superior ao “comportamento de manada”. | |
Provavelmente isso é injusto. Kuhn simplesmente observou os aspectos | |
sociológicos da mudança de opinião nas comunidades cientí cas. | |
A transição entre paradigmas concorrentes não pode ser feita na base de um passo por vez, | |
forçada pela lógica e pela experiência neutra. [...] Deve ocorrer ou de uma só vez (embora não | |
necessariamente em um instante), ou não ocorrer de maneira alguma. [...] Nessas questões, nem | |
prova nem erro estão em foco. A transferência de lealdade de um paradigma a outro paradigma é | |
uma experiência de conversão que não pode ser forçada.67 | |
Uma nova teoria nos permite observar as coisas de uma nova maneira, | |
substituindo uma forma mais antiga de interpretar e visualizar o mundo. | |
Kuhn destaca, assim, a natureza da observação “carregada de teoria” e | |
aponta suas implicações para a transição das teorias ptolemaica para | |
copernicana, do Sistema Solar. | |
Antes de ocorrer, o Sol e a Lua eram planetas, a Terra não. Depois disso, a Terra era um planeta, | |
como Marte e Júpiter; o Sol era uma estrela; e a Lua era um novo tipo de corpo, um satélite.68 | |
O argumento de Kuhn é que os fenômenos não foram alterados; eles | |
foram, no entanto, interpretados de uma nova maneira, na medida em que o | |
Sol agora era visto como uma estrela. A observação não é, portanto, um | |
processo neutro, mas é moldada por suposições, explícitas ou implícitas, | |
sobre o que está sendo observado. A observação refere-se a ver como, não | |
apenas ver. Um observador poderia ver o Sol nascer e se pôr; outro poderia | |
ver a Terra girando em seu eixo, levando ao movimento aparente do Sol | |
através dos céus. Ambos, no entanto, estão olhando para o mesmo | |
fenômeno natural. | |
A análise de Kuhn tem importância para a crença religiosa e dois de seus | |
temas centrais podem ser explorados para ilustrar sua relevância. Primeiro, | |
o conceito de Kuhn de “mudanças de paradigma” é útil para tentar entender | |
as principais mudanças intelectuais que ocorreram na história do | |
pensamento religioso. Como observamos, o pensamento religioso é | |
in uenciado, pelo menos até certo ponto, pelos pressupostos culturais e | |
losó cos da época. Mudanças radicais nessas suposições básicas podem, | |
portanto, ser de grande importância, como demonstrou o desenvolvimento | |
da teologia cristã. A Reforma e o Iluminismo são épocas no pensamento | |
cristão que podem ser vistas como representando “mudanças de paradigma” | |
na compreensão de como a teologia deve ser feita. Os entendimentos | |
existentes quanto a pressupostos, normas e métodos de fundo são, com | |
frequência, radicalmente alterados – e ocasionalmente abandonados por | |
completo – na transição de um paradigma para outro. | |
Um bom exemplo de tal mudança radical em um paradigma teológico | |
pode ser visto na discussão do nal do século 20 sobre a questão de se Deus | |
sofre. Durante o início da Era Cristã e na Idade Média, foi assumido em | |
geral que Deus não poderia sofrer. Existem exemplos de autores que falam | |
do sofrimento de Deus; estes, porém, são poucos e distantes entre si. Jesus | |
Cristo sofreu na cruz; no entanto esse sofrimento era considerado como algo | |
relacionado à natureza humana de Cristo, mas não à sua natureza divina. | |
Deus sabia que os seres humanos estavam sofrendo e era solidário à dor | |
deles. Ainda assim, Deus era visto como estando acima do sofrimento. As | |
razões para esse consenso teológico permanecem incertas. Alguns | |
estudiosos veem isso como uma expressão de uma visão losó ca da | |
perfeição de Deus. Fílon de Alexandria defendia vigorosamente a | |
impassibilidade de Deus: “Que impiedade maior poderia haver do que supor | |
que o Imutável muda?”. | |
Esse consenso foi quebrado na década de 1970, aparentemente em | |
resposta a uma crescente crença de que os níveis de sofrimento no século 20 | |
tornavam apologeticamente impossível tratar Deus como estando acima ou | |
além do sofrimento. Em A eology of the Pain of God [Uma teologia da dor | |
de Deus] (1946), o autor japonês Kazoh Kitamori argumentou que o amor | |
de Deus estava enraizado na dor do mundo. Em sua obra Cruci ed God [O | |
Deus cruci cado] (1972), Jürgen Moltmann propôs que um Deus que não | |
pode sofrer é um Deus de ciente, não perfeito. Salientando que Deus não | |
pode ser forçado a mudar ou sofrer, Moltmann declara que Deus quis sofrer. | |
O sofrimento de Deus é consequência direta da decisão de Deus de sofrer e | |
sua vontade de sofrer. A natureza do amor é tal, que envolve o amante | |
participar dos sofrimentos do amado. Tal foi a in uência de Moltmann que | |
um ponto de in exão foi atingido no protestantismo ocidental. Uma “nova | |
ortodoxia” surgiu, sustentando que Deus sofria. Outros, no entanto, foram | |
resistentes à ideia de um Deus sofredor, vendo isso como desnecessário e | |
impróprio. | |
Um último ponto deve ser frisado ao avaliar a abordagem de Kuhn às | |
“revoluções cientí cas”. Que explicação pode ser oferecida para o progresso | |
na teorização cientí ca, em oposição à mudança na teorização cientí ca? O | |
termo “progresso” implica claramente um julgamento – que essas mudanças | |
são para melhor. Então, uma revolução cientí ca necessariamente leva a | |
uma melhor compreensão da verdade sobre a natureza? Kuhn rejeita o | |
realismo como uma explicação dos sucessos da pesquisa cientí ca e, | |
portanto, não vê uma convergência crescente entre “teoria” e “realidade” | |
como uma explicação do progresso cientí co. Kuhn argumenta que nada se | |
perde em rejeitar uma descrição realista do desenvolvimento cientí co. | |
Então, como podemos falar de maneira signi cativa sobre o “progresso” | |
cientí co, a menos que haja algum meio de saber que a ciência está seguindo | |
na direção certa, em vez de dar uma guinada falsa que precisará ser | |
corrigida no futuro? Parece claro que há necessidade de mais discussões | |
sobre este ponto. | |
Este capítulo considerou algumas áreas de potencial envolvimento e | |
interação entre a religião e a loso a da ciência. E o trânsito na outra | |
direção? No capítulo 4, passaremos a considerar algumas áreas de potencial | |
envolvimento e interação entre as ciências naturais e a loso a da religião. | |
SUGESTÕES DE LEITURA | |
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Notas | |
31 Michael Devitt, Realism and Truth [Realismo e Verdade], 2. ed. Princeton, NJ: Princeton University | |
Press, 1997, p. 114. | |
32 John Polkinghorne, One World: e Interaction of Science and eology [Um mundo: A interação | |
da ciência e teologia]. Princeton: Princeton University Press, 1986, p. 22. | |
33 Michael Redhead, From Physics to Metaphysics [Da física para metafísica]. Cambridge: Cambridge | |
University Press, 1995, p. 9. | |
34 William James, Essays in Radical Empiricism [Ensaios em empiricismo radical]. Cambridge, MA: | |
Harvard University Press, 1976, p. 21. | |
35 N. T. Wright, e New Testament and the People of God [O novo testamento e o povo de Deus]. | |
London: SPCK, 1992, p. 35. | |
36 Ernest Nagel, e Structure of Science: Problems in the Logic of Scienti c Explanation [A estrutura | |
da ciência: problemas em lógica da explicação cientí ca]. London: Routledge and Kegan Paul, 1979, p. | |
129. | |
37 Bas C. van Fraassen, e Scienti c Image [A imagem cientí ca]. Oxford: Oxford University Press, | |
1980, pp. 202–203. | |
38 Nicolas Copernicus, De revolutionibus orbium coelestium [Das revoluções dos corpos celestes] libri | |
vi. Nuremberg, 1543, praefatio. | |
39 Don Cupitt, Only Human [Apenas humano]. London: SCM Press, 1985, p. 9. | |
40 John Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science [Crença em Deus em uma era cientí ca]. | |
New Haven, CT: Yale University Press, 1998, p. 104. | |
41 Ibidem pp. 105–106. | |
42 Werner Heisenberg, Physik und Philosophie [Fisica e Filoso a]. Stuttgart: Hirzel, 2007, p. 85. | |
43 Steven Rose, ‘e Biology of the Future and the Future of Biology’ [A biologia do futuro e o futuro | |
da biologia] em Explanations: Styles of Explanation in Science, editado por John Cornwell. Oxford: | |
Oxford University Press, 2004, pp. 125–142. | |
44 omas F. Torrance, eological Science [Ciência teológica]. London: Oxford University Press, | |
1969, p. 281. | |
45 omas F. Torrance, eology in Reconstruction [Teologia em reconstrução]. London: SCM Press, | |
1965, p. 9. | |
46 John Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science [Crença em Deus em uma era cientí ca]. | |
New Haven, CT: Yale University Press, 1998, pp. 105–106. | |
47 H. Wheeler Robinson, ‘Hebrew Psychology’ [Psicologia hebraica] A. S. Peake, ed., e People and | |
the Book [O povo e o livro]. Oxford: Clarendon Press, 1925, p. 362. | |
48 Peter R. Dear, e Intelligibility of Nature: How Science Makes Sense of the World [A inteligibilidade | |
da natureza: como a ciênca faz sentido do mundo]. Chicago: University of Chicago Press, 2006, p. 173. | |
49 Max Planck, Where Is Science Going? [Para onde a ciência está indo?] New York: W.W. Norton, | |
1932, p. 173. | |
50 John Polkinghorne, eology in the Context of Science [Teologia no contexto da ciência]. London: | |
SPCK, 2008, p. xx. | |
51 William Whewell, Philosophy of the Inductive Sciences [Filoso a das ciências indutivas] (2 vols). | |
London: John W. Parker, 1847, vol. 2, p. 46. | |
52 Wesley C. Salmon, Scienti c Explanation and the Causal Structure of the World [Explicação | |
cientí ca e a estrutura causal do mundo]. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1984, p. 260. | |
53 Philip Kitcher, ‘Explanatory Uni cation and the Causal Structure of the World’ [Uni cação | |
explanatória e a estrutura causal do mundo], em Scienti c Explanation, editado por P. Kitcher e W. | |
Salmon. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1989, pp. 410–505; citação na p. 432. | |
54 Pierre Duhem, La théorie physique: son object, sa structure [A teoria física: seu objeto e sua | |
estrutura], 2. ed. Paris: Rivière, 1914, pp. 3–4. | |
55 Alvin Plantinga, Warranted Christian Belief. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 370. | |
[Disponível em português: Crença Cristã Avalizada. São Paulo: Vida Nova, 2018]. | |
56 Keith E. Yandell, Philosophy of Religion: A Contemporary Introduction [Filoso a da religião: uma | |
introdução contemporânea]. New York: Routledge, 1999, p. 16. | |
57 Richard Swinburne, Is ere a God? [Existe um Deus?] Oxford: Oxford University Press, 1996, p. | |
68. | |
58 omas Nagel, ‘Why Is ere Anything?’ In Secular Philosophy and the Religious Temperament: | |
Essays, 2002–2008. Oxford: Oxford University Press, 2009, pp. 27–32; citado na p. 28. | |
59 William Whewell, On the Philosophy of Discovery [Sobre a loso a da descoberta]. London: Parker, | |
1860, p. 359. | |
60 Johann Kepler, Gesammelte Werke [Harmonias do mundo] (22 vols). Munich: C. H. Beck, 1937– | |
1983, vol. 6, p. 233. | |
61 Gilbert Harman, ‘e Inference to the Best Explanation [A Inferencia à melhor explicação].’ | |
Philosophical Review, 74 (1965): 88–95; citação na p. 89. | |
62 Charles Darwin, Origin of Species [A origem das espécies] 6a ed. London: John Murray, 1872, p. | |
421. | |
63 Richard Swinburne, e Existence of God [A existência de Deus], 2a ed. Oxford: Clarendon Press, | |
2004, p. 165. | |
64 Karl R. Popper, e Logic of Scienti c Discovery [A lógica da pesquisa cientí ca]. New York: | |
Routledge, 2002, p. 18. | |
65 William Whewell, Philosophy of the Inductive Sciences [Filoso a da ciência indutiva] (2 vols). | |
London: John W. Parker, 1847, vol. 1, p. 42. | |
66 omas S. Kuhn, e Structure of Scienti c Revolutions [A estrutura das revoluções cientí cas]. | |
Chicago: University of Chicago Press, 1962, p. 149. | |
67 Ibidem, p. 122. | |
68 omas S. Kuhn, e Road since Structure: Philosophical Essays, 1970–1993 [O caminho desde a | |
Estrutura: ensaios losó cos]. Chicago: University of Chicago Press, 2000, p. 15. | |
N | |
o capítulo anterior, exploramos alguns dos principais temas da | |
loso a da ciência e consideramos sua relevância para a discussão | |
de questões religiosas. O presente capítulo desenvolve ainda mais | |
essa abordagem, examinando como as ideias das ciências naturais | |
podem ter implicações para a loso a da religião – ou, pelo menos, qual seu | |
potencial para contribuir em discussões nessa área. | |
Entende-se geralmente que o campo da “ loso a da religião” se refere ao | |
exame losó co dos temas e conceitos básicos associados às tradições | |
religiosas, como o cristianismo, incluindo também a tarefa losó ca mais | |
ampla de re etir sobre questões de importância religiosa, como a relação | |
entre Deus e o mal, a natureza da linguagem religiosa, o uso de analogias na | |
religião e a avaliação de alternativas à religião, como o naturalismo secular. | |
A loso a da religião é uma área muita rica e, para nossos propósitos neste | |
capítulo, focalizaremos um de seus temas mais importantes: os argumentos | |
losó cos para a existência de Deus. De que maneira as ideias das ciências | |
naturais afetam esses argumentos? Como a literatura nessa área deixa claro, | |
discussões recentes de argumentos sobre a existência de Deus fazem ampla | |
referência a entendimentos cientí cos do mundo. | |
No capítulo 5, vamos considerar uma segunda área ampla que mescla | |
temas característicos da loso a da ciência e da loso a da religião – o uso | |
de modelos ou analogias para visualizar ou interpretar entidades complexas | |
ou não observáveis na ciência e na religião. | |
Neste capítulo, consideraremos algumas das linhas de argumentação | |
relacionadas à existência de Deus que foram desenvolvidas dentro da | |
loso a da religião e, em seguida, focalizaremos especi camente os | |
argumentos que são particularmente afetados pelas ciências naturais. | |
Começaremos nossa análise abordando alguns dos argumentos clássicos da | |
existência de Deus, para permitir que o leitor obtenha uma compreensão | |
dos tipos de abordagem amplamente discutidos nesse campo de estudo. | |
CIÊNCIA, RELIGIÃO E PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS | |
Uma das questões mais interessantes da ciência e da religião diz respeito | |
à natureza das “provas” de teorias – seja a teoria em questão a teoria da | |
relatividade de Einstein ou a a rmação cristã da existência de Deus. | |
Quando, na adolescência, comecei a estudar ciências, nos anos de 1960, fui | |
encorajado a pensar que a ciência provava suas descobertas com total | |
convicção. A composição química da água, por exemplo, pode ser | |
comprovada como sendo H2O. É lugar comum para os que têm | |
compromisso com o desatualizado modelo de “con ito” para a relação entre | |
ciência e religião compará-las nesse ponto. No que diz respeito às | |
evidências, ciência e religião são frequentemente colocadas em extremos | |
opostos da escala. | |
Richard Dawkins, um vigoroso defensor dessa abordagem – embora não | |
se deva dizê-lo particularmente bem-informado –, argumenta que a ciência | |
prova suas principais convicções recorrendo a evidências experimentais ou | |
observacionais, enquanto a religião se recusa a oferecer qualquer suporte | |
racional ou evidencial para suas crenças. Cientistas mais bem-informados | |
loso camente, no entanto, têm uma visão muito diferente. Max Planck, o | |
pai da teoria quântica, deixava bem claro que a fé desempenha um papel | |
crítico nas ciências naturais, argumentando que uma crença não | |
comprovada na unidade fundamental dos fenômenos fornece motivação e | |
justi cativa para o empreendimento cientí co. Não é algo que possa ser | |
provado, mas que, no entanto, parece fornecer uma base de trabalho para o | |
projeto cientí co. Para Planck, o cientista acredita em uma ordem invisível | |
das coisas e acha isso justi cado e re etido no sucesso das ciências: | |
Qualquer um que se dedique seriamente a trabalhos cientí cos de qualquer natureza percebe | |
que, sobre a entrada do portal do templo da ciência, estão escritas as palavras: “Você deve ter fé”. | |
Essa é uma qualidade que os cientistas não podem dispensar.1 | |
Um raciocínio semelhante foi apresentado por omas H. Huxley, | |
amplamente conhecido como “Buldogue de Darwin”, devido à sua defesa | |
obstinada das ideias de Darwin. Em 1885, Huxley declarou que “a ciência ... | |
comete suicídio quando adota um credo”. A ciência, na sua melhor e mais | |
autêntica forma, não tem credo ou ideologia, seja religiosa ou antirreligiosa. | |
Sua posição pública seria comprometida se fosse contaminada por agendas | |
religiosas ou antirreligiosas. Embora a ciência possa não ter um credo, | |
Huxley insistiu que ela tem uma e apenas uma regra de fé: | |
O único ato de fé no convertido à ciência é a con ssão da universalidade da ordem e da validade | |
absoluta, em todos os tempos e sob todas as circunstâncias, da lei da causalidade. Essa con ssão | |
é um ato de fé, porque, pela natureza do caso, a verdade de tais proposições não é suscetível de | |
prova.2 | |
Huxley percebeu claramente que a prática da ciência se apoia em uma | |
crença não comprovada (e não apta a ser provada). É uma crença que pode | |
ser reforçada com os resultados do processo cientí co – mas continua sendo | |
o que o psicólogo William James chamou de “hipótese de trabalho” não | |
comprovada. | |
No início deste livro, consideramos o lugar da explicação nas ciências | |
naturais e na teologia cristã. No caso das ciências naturais, a questão é como | |
dar sentido a um conjunto de observações do mundo natural. Qual “cenário” | |
faz mais sentido com essas observações? Como vimos no capítulo 3, isso | |
geralmente envolve o processo de “inferência à melhor explicação”. No | |
entanto, isso sempre é entendido como uma avaliação provisória, aberta à | |
revisão e correção à medida que as evidências se acumulam e a re exão | |
prossegue. Com base nas evidências disponíveis hoje, podemos aceitar essa | |
teoria cientí ca; com base em novas evidências ou interpretações revisadas | |
das antigas evidências que vamos obter amanhã, poderemos aceitar uma | |
teoria cientí ca bem diferente. | |
Como apontou Michael Polanyi, químico e notável lósofo da ciência, os | |
cientistas naturais precisam acreditar em algumas coisas que sabem que, | |
mais tarde, se mostrarão erradas – mas não sabendo ao certo quais de suas | |
crenças atuais se revelarão errôneas. | |
A teorização cientí ca oferece o que se acredita ser a melhor descrição | |
das observações experimentais atualmente disponíveis. A mudança radical | |
da teoria ocorre quando se acredita que exista uma explicação melhor do | |
que já é conhecido ou quando novas informações surgem, o que nos obriga | |
a ver o que é atualmente conhecido sob uma nova luz. A menos que | |
conheçamos o futuro, é impossível tomar uma posição absoluta sobre a | |
questão de saber se alguma teoria é “certa”. Não sabemos – e não temos | |
como saber – quais das teorias de hoje serão descartadas como fracassos | |
curiosos pelas gerações futuras. Entretanto, isso não impede os cientistas de | |
se comprometerem com uma dada teoria, acreditando que ela está certa | |
(embora saibam que ela pode ser inadequada ou errada em longo prazo). | |
Essa ênfase no caráter provisório das teorias cientí cas abala severamente | |
o positivismo ultrapassado, que frequentemente acompanha o modelo de | |
“con ito” da relação entre ciência e religião. Onde o positivista declara que | |
“a ciência provou que isso é verdade”, cientistas mais sábios e re exivos | |
preferem a rmar que: “existe um amplo consenso na comunidade cientí ca | |
de que isso está correto, o que provavelmente mudará à medida que mais | |
evidências forem acumuladas”. Isso não é, de forma alguma, uma crítica às | |
ciências naturais. É simplesmente um reconhecimento de como o método | |
cientí co funciona. Historiadores da ciência apontam regularmente para um | |
grupo de teorias que representavam a ortodoxia cientí ca em sua época e | |
agora são consideradas claramente incorretas. | |
Para explorar a importância desse ponto, vamos fazer uma pergunta: a | |
teoria da evolução de Darwin está correta? A melhor resposta para essa | |
pergunta seria que a teoria de Darwin, conforme modi cada por seus | |
sucessores, é considerada atualmente a melhor explicação de um vasto corpo | |
de dados biológicos. No entanto, à medida que mais e mais dados se | |
acumulam, pode ocorrer o que omas Kuhn chamou de “mudança de | |
paradigma”, envolvendo uma mudança radical da teoria do darwinismo para | |
uma nova teoria, atualmente desconhecida. Richard Dawkins, um defensor | |
entusiástico do darwinismo, é bastante claro sobre esse ponto: | |
Darwin pode ser [considerado] triunfante no nal do século 20, mas devemos reconhecer a | |
possibilidade de que novos fatos venham à tona, o que forçará nossos sucessores do século 21 a | |
abandonar o darwinismo ou modi cá-lo a ponto de se tornar irreconhecível.3 | |
E as crenças religiosas? Há três questões interessantes que devem ser | |
observadas aqui: | |
1. Se a crença em Deus pode ser demonstrada verdadeira, de modo | |
semelhante a como uma teoria cientí ca pode ser con rmada. | |
2. Que papel as ciências naturais desempenham na discussão da | |
racionalidade da crença religiosa em geral e da crença em Deus em | |
particular. | |
3. Que papel as ciências naturais desempenham nos argumentos | |
ateístas contra a existência de Deus – como os que agora são | |
geralmente conhecidos como “argumentos evolutivos de | |
desmisti cação”. | |
Consideraremos essas questões neste capítulo, começando com os | |
argumentos clássicos de Tomás de Aquino para a existência de Deus, | |
geralmente conhecidos como as “Cinco Vias”. | |
ARGUMENTOS FILOSÓFICOS TRADICIONAIS PARA A EXISTÊNCIA DE DEUS | |
Os argumentos losó cos para a existência de Deus mais amplamente | |
discutidos foram desenvolvidos por Anselmo de Cantuária e Tomás de | |
Aquino durante a Idade Média. O “argumento ontológico” de Anselmo é de | |
considerável interesse para os lósofos da religião, mas seu caráter não | |
empírico signi ca que ele tem pouco lugar em qualquer discussão sobre as | |
ciências naturais. Em contraste marcante, as “Cinco Vias” de Tomás de | |
Aquino estão diretamente fundamentadas em um engajamento com a | |
realidade empírica e, portanto, se conectam bem à investigação cientí ca. | |
Vamos considerar esses argumentos a seguir. | |
Em alguns livros didáticos, as “Cinco Vias” são descritas como “provas” | |
da existência de Deus. Isso é um exagero. Por várias razões, esses | |
argumentos tradicionais são mais bem-vistos como uma demonstração da | |
racionalidade interna da crença religiosa. A abordagem de Tomás de Aquino | |
é de especial interesse devido à conexão explícita que ele propõe entre a | |
existência de Deus e a capacidade humana de compreender o nosso mundo. | |
As declarações mais recentes desses argumentos geralmente assumem três | |
formas: | |
1. Argumentar que é mais racional acreditar que Deus existe do que | |
negar que Deus existe. | |
2. Argumentar que é mais racional acreditar que Deus existe do que ser | |
agnóstico quanto à existência de Deus. | |
3. Argumentar que é tão racional acreditar em Deus quanto acreditar | |
em muitas das coisas nas quais os lósofos ateus costumam | |
acreditar (como a existência de “outras mentes” ou na objetividade | |
de certo e errado do ponto de vista moral). | |
A seguir, consideraremos as formas clássicas desses argumentos e | |
algumas de suas formas mais recentes. | |
As Cinco Vias de Tomás de Aquino | |
Tomás de Aquino (c. 1225–1274) é provavelmente o teólogo mais | |
famoso e in uente da Idade Média. Nascido na Itália, alcançou fama através | |
do ensino e das obras escritas na Universidade de Paris e em outras | |
universidades do Norte. Sua fama repousa principalmente em sua Suma | |
Teológica, que foi composta no nal de sua vida e permaneceu inacabada no | |
momento de sua morte. Ele também escreveu muitas outras obras | |
importantes, particularmente a Suma Contra os Gentios, que representa uma | |
a rmação importante da racionalidade da fé cristã, e especialmente da | |
existência de Deus. Tomás de Aquino acreditava que era inteiramente | |
apropriado identi car indicadores da existência de Deus, extraídos da | |
experiência humana geral do mundo. | |
Para os propósitos de Tomás de Aquino em demonstrar a racionalidade | |
da crença teísta, Deus é tratado principalmente como um agente | |
explanatório cuja existência e natureza fornecem uma explicação | |
retrospectiva de vários aspectos de nossa experiência do mundo e de nós | |
mesmos como criaturas de Deus – como a ordem do mundo, ou nosso senso | |
de bondade ou beleza em resposta à natureza. Tomás de Aquino considera | |
inaceitável simplesmente a rmar a realidade crua da existência de nosso | |
mundo e suas características especí cas. Ele acredita claramente que é | |
razoável e apropriado procurar uma explicação, em primeiro lugar, de por | |
que esse mundo existe e, em segundo, por que tem as características | |
distintas que observamos em seus processos e estruturas. O universo precisa | |
ser explicado em termos de um relacionamento com algo diferente de si | |
mesmo – isto é, com Deus. | |
As “Cinco Vias” de Tomás de Aquino representam cinco linhas de | |
argumentação em apoio à existência de Deus; cada uma se baseia em algum | |
aspecto do mundo que “aponta” para a existência de seu criador. Então, que | |
tipo de indicadores Aquino identi ca? A linha básica de pensamento que | |
guia Aquino é que o mundo re ete Deus, como seu criador – uma ideia à | |
qual é dada uma expressão mais formal em sua doutrina da “analogia do | |
ser”. Assim como um artista pode assinar uma pintura para identi cá-la | |
como obra sua, também Deus estampou uma “assinatura” divina na criação. | |
O que observamos no mundo (por exemplo, os sinais de ordem) pode ser | |
melhor explicado com base na existência de Deus como seu criador. Deus | |
deve, portanto, ser visto como sua primeira causa e seu criador, ao trazer o | |
mundo à existência e imprimir nele algo da imagem e semelhança divinas. | |
Então, onde podemos procurar, na criação, evidências da existência de | |
Deus? Tomás de Aquino argumenta que a ordem do mundo é a evidência | |
mais convincente da existência e sabedoria de Deus. Essa suposição básica | |
está subjacente a cada uma das “Cinco Vias”, embora seja de particular | |
importância no caso do argumento frequentemente referido como o | |
“argumento do design” ou “argumento teleológico”. Vamos considerar cada | |
uma dessas “vias” individualmente, antes de focar em duas delas mais | |
adiante neste capítulo. | |
A primeira via começa com a observação de que as coisas no mundo | |
estão em movimento ou mudam. O mundo não é estático, mas é dinâmico. | |
Exemplos disso são fáceis de listar. A chuva cai do céu. Pedras rolam abaixo | |
pelos vales. A Terra gira em torno do Sol (um fato, aliás, desconhecido de | |
Aquino). O primeiro dos argumentos de Tomás de Aquino é normalmente | |
chamado de “argumento do movimento”. O termo em latim motus, muitas | |
vezes traduzido como “movimento”, tem um sentido mais amplo do que o | |
sugerido, de modo que a tradução “mudança” é mais apropriada em alguns | |
momentos. | |
Então, como a natureza entrou em movimento? Por que está mudando? | |
Por que não é estática? Tomás de Aquino argumenta que tudo o que se move | |
é movido por outra coisa. Para todo movimento, há uma causa. As coisas | |
não apenas se movem, elas são movidas por outra coisa. Agora, cada causa | |
de movimento deve ter ela mesma uma causa. E essa causa deve ter uma | |
causa também. Tomás de Aquino argumenta, portanto, que há toda uma | |
série de causas de movimento por trás do mundo como o conhecemos. | |
Agora, a menos que exista um número in nito dessas causas, argumenta | |
Tomás de Aquino, deve haver uma causa única bem na origem da série. A | |
partir dessa causa original do movimento, todos os outros movimentos são | |
derivados. Essa é a origem da grande cadeia de causalidade que vemos | |
re etida na maneira como o mundo se comporta. Pelo fato de as coisas | |
estarem em movimento, Tomás de Aquino defende a existência de uma | |
causa única original de todo esse movimento – e esta, ele conclui, é Deus. | |
Em tempos mais recentes, esse argumento foi rea rmado em termos | |
mais explicitamente cosmológicos. A declaração do argumento assume, | |
mais comumente, o seguinte formato: | |
1. Tudo dentro do universo depende de outra coisa para sua existência. | |
2. O que é verdade para suas partes individuais também é verdade para | |
o próprio universo. | |
3. O universo depende, portanto, de outra coisa para sua existência | |
desde que existe ou enquanto existir. | |
4. O universo, portanto, depende de Deus para sua existência. | |
O argumento pressupõe basicamente que a existência do universo é algo | |
que requer explicação. Ficará claro que esse tipo de argumento está | |
diretamente relacionado à pesquisa cosmológica moderna, particularmente | |
à teoria do “Big Bang” das origens do cosmos. | |
A segunda via começa com a ideia de causação e ciente. Tomás de | |
Aquino observa que observamos uma ordem de causas e cientes dentro do | |
que vemos ao nosso redor. Entretanto, não observamos, e não podemos | |
esperar observar, qualquer coisa que seja a causa e ciente de si mesma. | |
Como não é possível que exista uma série in nita de causas e cientes, é | |
razoável supor que exista alguma causa e ciente primordial (prima causa | |
efficiens), que é o que todos chamam de “Deus”. | |
A terceira via diz respeito à existência de seres contingentes. Em outras | |
palavras, o mundo contém seres (como os seres humanos) que não existem | |
por uma questão de necessidade. Tomás de Aquino contrasta esse tipo de ser | |
com um ser necessário (alguém que existe por necessidade). Ao passo que | |
Deus é um ser necessário, Tomás de Aquino argumenta que os seres | |
humanos são seres contingentes. O fato de estarmos aqui precisa de | |
explicação. Por que estamos aqui? O que aconteceu que nos trouxe à | |
existência? Tomás de Aquino argumenta que um ser passa a existir porque | |
algo já existente faz com que ele exista. Em outras palavras, nossa existência | |
é causada por outro ser. Nós somos o resultado de uma série causal. | |
Rastreando essa série de volta à sua origem, Tomás de Aquino declara que | |
essa causa original do ser só pode ser alguém cuja existência é necessária – | |
em outras palavras, Deus. | |
A quarta via começa com valores humanos, como verdade, bondade e | |
nobreza. De onde vêm esses valores? O que os causa? Tomás de Aquino | |
argumenta que deve haver algo que seja verdadeiro, bom e nobre, e que isso | |
faça surgir nossas ideias de verdade, bondade e nobreza. A origem dessas | |
ideias, sugere Tomás de Aquino, é Deus, que é sua causa original. | |
A quinta e última via é o próprio argumento teleológico ou “argumento | |
do design”. Esse é um dos argumentos losó cos pela existência de Deus | |
mais amplamente discutidos. Tomás de Aquino coloca o argumento em | |
termos de design aparente dentro da ordem natural. As coisas não existem | |
simplesmente; elas parecem ter sido projetadas com alguma forma de | |
propósito em mente. O termo “teleológico” (que signi ca “direcionado a um | |
objetivo”) é amplamente usado para indicar esse aspecto da natureza | |
aparentemente direcionado a uma meta. Isso leva Tomás de Aquino a | |
concluir que existe “um ser inteligente por meio do qual todas as coisas | |
naturais são direcionadas para o seu m” – em outras palavras, Deus. | |
Os cinco argumentos de Tomás de Aquino mostram uma estrutura | |
semelhante. Cada um depende de rastrear uma sequência causal de volta à | |
sua origem única e identi cá-la com Deus. Uma série de objeções às “Cinco | |
Vias” foram apresentadas pelos críticos de Tomás de Aquino durante a Idade | |
Média, como Duns Scotus e Guilherme de Ockham. As três críticas a seguir | |
são especialmente importantes. | |
1. Por que a ideia de uma regressão in nita de causas é impossível? Por | |
exemplo, o argumento do movimento só funciona realmente se for | |
possível mostrar que a sequência de causa e efeito para em algum | |
lugar. De acordo com Tomás de Aquino, deve haver um Primeiro | |
Motor Imóvel. Mas ele falha em demonstrar esse ponto, sustentando | |
que uma regressão in nita de causas é contraintuitiva. | |
2. Por que esses argumentos levam à crença em apenas um Deus? O | |
argumento do movimento, por exemplo, pode levar à crença em | |
vários Primeiros Motores Imóveis. Parece não haver nenhuma razão | |
especialmente premente para insistir que só pode haver uma dessas | |
causas, exceto a insistência cristã fundamental de que, de fato, existe | |
apenas um Deus. | |
3. Esses argumentos não demonstram que Deus continua a existir. | |
Tendo levado as coisas a acontecer, Deus poderia deixar de existir. A | |
existência continuada de eventos não implica necessariamente a | |
existência continuada de seu originador. Os argumentos de Tomás | |
de Aquino, sugere Ockham, podem levar à crença de que certa vez | |
Deus existiu – mas não necessariamente existe agora. Ockham | |
desenvolveu um argumento um tanto complexo para contornar essa | |
di culdade, com base na ideia de Deus continuar sustentando o | |
universo. | |
O argumento Kalam | |
O argumento que agora é geralmente conhecido como o “argumento | |
kalam” deriva seu nome de uma escola de loso a árabe que oresceu no | |
início da Idade Média. A estrutura básica do argumento pode ser de nida | |
como quatro proposições: | |
1. Tudo o que tem um começo deve ter uma causa. | |
2. O universo começou a existir. | |
3. Portanto, o início da existência do universo deve ter sido causado | |
por alguma coisa. | |
4. A única causa possível desse tipo é Deus. | |
Embora alguns estudiosos considerem esse argumento uma variante do | |
argumento cosmológico, já exposto acima, outros consideram que ele tem | |
certas características distintas, merecendo um tratamento próprio. | |
A estrutura do argumento é clara. Se pode ser dito que a existência de | |
algo teve um início, segue-se – é o que se argumenta – que deve ter uma | |
causa. Esse tipo de argumento é facilmente vinculado à ideia cientí ca | |
moderna de um “Big Bang”. A cosmologia moderna sugere fortemente que o | |
universo teve um começo. Se o universo começou a existir em determinado | |
momento, ele deve ter tido uma causa. E que causa poderia haver além de | |
Deus? Embora esse argumento tenha sido desenvolvido durante a Idade | |
Média, o consenso cientí co daquela época era que o universo não teve um | |
começo – em outras palavras, que a segunda premissa do argumento, | |
conforme exposto acima, é inválida. A mudança de paradigma cosmológico | |
que levou à aceitação cientí ca do “Big Bang” agora signi ca que a segunda | |
premissa do argumento coincide com o consenso cientí co predominante | |
do século 21, dando assim uma nova plausibilidade cientí ca a essa | |
abordagem. | |
Essa forma do argumento kalam tem sido amplamente debatida nos | |
últimos anos. Um de seus defensores de maior expressão tem sido William | |
Lane Craig, que apresenta suas principais características da seguinte | |
maneira: | |
Como tudo o que começa a existir tem uma causa para sua existência, e dado que o universo | |
começou a existir, concluímos, portanto, que o universo tem uma causa de sua existência [...]. | |
Transcendendo o universo inteiramente, existe uma causa que trouxe o universo à existência.4 | |
O debate sobre o argumento centrou-se em três questões, uma cientí ca | |
e as outras duas losó cas. | |
1. Alguma coisa pode ter um começo sem ser causada? Em um de seus | |
diálogos, o lósofo escocês David Hume argumentou que é possível | |
conceber algo que surge, sem necessariamente apontar para uma | |
causa de nida dessa existência. Contudo, essa sugestão acarreta | |
di culdades consideráveis e não está claro o quanto essa objeção é | |
realmente signi cativa. | |
2. Podemos falar de o universo ter um começo? É preciso lembrar que | |
o consenso cientí co da Idade Média, que prevaleceu até o início do | |
século 20, era o de que o universo sempre existiu. Ao a rmar que o | |
universo teve um começo, escritores religiosos medievais – cristãos, | |
judeus ou islâmicos – estavam remando contra o consenso | |
cientí co predominante de sua época. A situação, é claro, mudou | |
desde as transformações radicais na cosmologia cientí ca do nal | |
do século 20, que agora são entendidas como signi cando que o | |
universo tem um começo. | |
3. Se é possível considerar que o universo foi “causado”, essa causa deve | |
ser diretamente identi cada com Deus? Uma causa deve ser | |
anterior ao evento que causa. Falar de uma causa para o começo da | |
existência do universo é, portanto, falar de algo que existia antes do | |
universo. E se isso não for Deus, o que é? | |
Ficará claro que o argumento kalam tradicional recebeu um novo sopro | |
de vida, movendo-se da ideia de um universo eterno para a teoria mais | |
recente das origens do universo através do “Big Bang”. Entretanto, as | |
questões losó cas levantadas provavelmente continuarão sendo objeto de | |
intensa discussão crítica. | |
Um estudo de caso: o argumento biológico de William Paley a partir do | |
design | |
É amplamente aceito que a contribuição popular mais signi cativa para | |
o “argumento do design” é devida a William Paley. Sua obra Natural | |
eology: Or Evidences of the Existence and Attributes of the Deity, Collected | |
from the Appearances of Nature [Teologia Natural; ou as evidências da | |
existência e dos atributos da divindade, coletados das aparências da | |
natureza] (1802) teve uma profunda in uência no pensamento religioso | |
inglês popular na primeira metade do século 19 e se sabe ter sido lida por | |
Charles Darwin. Paley cou profundamente impressionado com a | |
descoberta de Newton sobre a regularidade da natureza, especialmente em | |
relação à área geralmente conhecida como “mecânica celeste”. Estava claro | |
que todo o universo poderia ser pensado como um mecanismo complexo, | |
operando de acordo com princípios regulares e compreensíveis. | |
Para alguns autores deístas, isso sugeria que Deus não era mais | |
necessário. Um mecanismo pode funcionar perfeitamente bem sem a | |
necessidade de seu criador estar presente o tempo todo. Uma das conquistas | |
signi cativas de Paley, que não era totalmente reconhecida na literatura | |
acadêmica, foi reabilitar a ideia de “mundo como um mecanismo” dentro de | |
uma perspectiva cristã. Paley conseguiu transformar a metáfora do “relógio”, | |
de uma imagem associada ao ceticismo e ao ateísmo para uma imagem | |
associada a uma a rmação clara da existência de Deus. Onde o progresso | |
cientí co parecia levar ao ateísmo na França, como indicavam as obras de | |
Laplace, Paley estabeleceu um contexto no qual o avanço cientí co era | |
acomodado dentro do amplo perímetro de uma teologia natural | |
adequadamente generosa. A visão de Paley para a teologia natural oferecia | |
um grau signi cativo de estabilidade religiosa e política em um momento | |
em que muitos temiam pela insegurança interna e externa. Sua visão | |
indicava que as leis xas da ciência tinham contrapartes nas leis xas da | |
sociedade, ambas baseadas na natureza divina. | |
Para Paley, a imagem newtoniana do mundo como um mecanismo | |
sugeriu imediatamente a metáfora de um relógio, levantando a questão de | |
quem construiu o intrincado mecanismo que era tão evidentemente exibido | |
no funcionamento do mundo. Um dos argumentos mais signi cativos de | |
Paley é que mecanismo implica “engenhosidade”. Escrevendo no contexto da | |
emergente Revolução Industrial na Inglaterra, datada de 1760 a 1840, Paley | |
procurou explorar o potencial apologético do crescente interesse em | |
máquinas – como “relógios, telescópios, moinhos e motores a vapor” – nas | |
classes letradas da Inglaterra. | |
As linhas gerais da abordagem de Paley são bem conhecidas. No início | |
do século 19, a Inglaterra estava atravessando a Revolução Industrial, na | |
qual as máquinas passaram a desempenhar um papel cada vez mais | |
importante. Paley argumenta que apenas um tolo sugeriria que essa | |
tecnologia mecânica complexa surgiu por acaso e sem propósito. | |
Mecanismo pressupõe engenhosidade – com o que Paley quer dizer que algo | |
foi projetado para um propósito e construído de maneira inteligente. Tanto | |
o corpo humano em particular, como o mundo em geral, podiam ser vistos | |
como mecanismos que haviam sido projetados e construídos de maneira a | |
alcançar harmonia de meios e ns. É preciso enfatizar que Paley não estava | |
sugerindo que existia simplesmente uma analogia entre os dispositivos | |
mecânicos humanos e o mundo natural – em outras palavras, que a natureza | |
seria como uma máquina. Em alguns pontos, a força de seu argumento | |
repousa mesmo na a rmação de que a natureza é um mecanismo e, | |
portanto, foi projetada de maneira inteligente e construída com habilidade. | |
O argumento de Paley gira em torno de um bordão: o mundo biológico | |
é análogo a um relógio. A estratégia apologética desenvolvida por ele | |
repousa sobre o estabelecimento dessa analogia vívida, que possui potencial | |
imaginativo su ciente para conduzir seus leitores e subverter a força | |
evidencial das objeções que podem ser levantadas contra sua abordagem. A | |
analogia do relógio, de Paley, pode não ter sido original, já que foi | |
empregada por autores holandeses em meados do século 18; entretanto, o | |
uso que ele faz dela mostra talento e criatividade que não podem ser | |
desprezados. | |
Os parágrafos iniciais da Teologia Natural de Paley são amplamente | |
conhecidos, com o bordão do relógio encontrado no meio de um habitat | |
natural isolado: | |
Suponha que, ao atravessar um matagal, eu tenha tropeçado em uma pedra e que me perguntem | |
como a pedra foi parar ali. Eu poderia talvez responder que, tanto quanto eu saiba, ela estava ali | |
desde sempre; e talvez não fosse muito fácil mostrar a validez dessa resposta. Mas suponha que | |
eu tenha encontrado um relógio no chão e que devesse procurar saber como aconteceu de o | |
relógio estar ali naquele lugar. Di cilmente eu pensaria na mesma resposta que dera antes, que, | |
tanto quanto eu soubesse, o relógio poderia ter estado ali desde sempre. Contudo, por que essa | |
resposta não deve servir tanto para o relógio quanto para a pedra? Por que ela não é admissível | |
tanto no segundo caso quanto no primeiro?5 | |
O que distingue o relógio da pedra? O ponto principal da resposta de | |
Paley pode ser resumido na palavra invenção6 – um sistema de peças que | |
foram projetadas e montadas para trabalharem em conjunto para uma | |
nalidade especí ca, demonstrando design e nalidade. Paley usou o termo | |
“invenção” para transmitir a ideia de algo que é projetado e construído, | |
apelando para o interesse popular em máquinas, características da nova era | |
da industrialização que emergia na Inglaterra. | |
Paley oferece uma descrição detalhada do relógio, notando em | |
particular sua caixa, mola cilíndrica em espiral, muitas engrenagens e face | |
de vidro. Tudo isso mostra evidência de design para uma nalidade | |
especí ca identi cável. Tendo conduzido seus leitores nessa análise | |
cuidadosa, Paley se volta para tirar uma conclusão criticamente importante | |
sobre a complexidade e o propósito óbvio do mecanismo: | |
Tendo esse mecanismo sido observado (o que requer, de fato, um exame do instrumento, e talvez | |
algum conhecimento prévio do assunto, para percebê-lo e compreendê-lo; mas, como dissemos, | |
uma vez observado e compreendido), a inferência que pensamos inevitável é que o relógio deve | |
ter tido um criador: que deve ter existido, em algum momento e em algum lugar ou outro, um | |
artí ce ou artí ces que o construíram para o propósito que achamos a que ele realmente | |
responde, que conceberam sua construção e projetaram seu uso.7 | |
A discussão prolongada de Paley sobre o relógio visa estabelecer uma | |
estrutura de interpretação, capaz de ser transferida para outros objetos que | |
parecem mostrar evidências de design. A análise detalhada de Paley do | |
mecanismo do relógio visa estabelecer que este é uma invenção, mostrando | |
evidências de que foi inicialmente projetado e posteriormente construído | |
para uma nalidade especí ca, indicando, portanto, a existência de um | |
designer. E, para Paley, esses mesmos padrões podem ser discernidos no | |
mundo biológico. | |
Muitos apologistas cristãos do início do século 18 apelaram à beleza e à | |
ordem do mundo físico como evidências para a existência de Deus. Paley | |
mudou de foco, voltando sua atenção para o mundo biológico. A astronomia | |
pode de fato apontar para a magni cência e maravilha de Deus para os | |
crentes; no entanto, não podia, antes de tudo, provar a existência de Deus. | |
Minha opinião sobre Astronomia sempre foi de que ela não é o melhor meio pelo qual provar a | |
atuação de um Criador inteligente; mas que, sendo isso provado, ela mostra, melhor que todas as | |
outras ciências, a magni cência de suas operações. Ela eleva a mente que já foi convencida a | |
visões mais sublimes da Deidade do que qualquer outro objeto o faz; mas ela não é tão bemadaptada, como alguns outros temas são, para esse tipo de argumento.8 | |
Paley ressalta que a observação dos planetas e das estrelas aponta para | |
sua simplicidade. “Não vemos nada a não ser pontos brilhantes, círculos | |
luminosos ou as fases das esferas que re etem a luz incidente sobre elas.”9 | |
Para Paley, no entanto, a inferência de design baseia-se na evidência de | |
complexidade. “Deduzimos o design da relação, adequação e | |
correspondência das partes. Portanto, é necessário um certo grau de | |
complexidade para tornar um objeto adequado a essa espécie de | |
argumento.”10 Paley descobriu essa complexidade nas estruturas do mundo | |
biológico – acima de tudo, no olho humano. | |
Quem, perguntava-se Paley, poderia observar as complexidades do olho | |
humano – que ele descreve detalhadamente – e não ver que ele também tem | |
um designer? O olho, sugere ele, é análogo a um telescópio: | |
Há precisamente a mesma prova de que o olho foi feito para a visão, como há para que o | |
telescópio foi feito para ajudá-lo. Eles são feitos com os mesmos princípios; ambos sendo | |
ajustados às leis pelas quais a transmissão e a refração dos raios de luz são reguladas. [...] O que | |
um fabricante de instrumentos de precisão poderia ter feito a mais para mostrar seu | |
conhecimento de seus princípios, sua aplicação desse conhecimento, a forma adequada de seus | |
meios a seu m [...] para testemunhar conselho, escolha, consideração, propósito?11 | |
Tendo desenvolvido essa analogia, Paley enfatiza a superioridade do | |
olho sobre o telescópio. O olho é mais engenhosamente projetado que o | |
telescópio e é melhor adaptado para lidar com uma ampla variedade de | |
circunstâncias, como níveis diferentes de iluminação ou o intervalo de | |
distâncias dos objetos a serem vistos. Para Paley, isso exige que o olho e o | |
telescópio sejam considerados inventos. Como o olho é mais engenhoso e | |
funcional que o telescópio, o criador desse invento natural merece mais | |
admiração e louvor do que o criador do telescópio. | |
O ponto essencial de Paley é que a natureza testemunha uma série de | |
estruturas biológicas que são “inventadas” – ou seja, projetadas e | |
construídas com um objetivo claro em mente. “Toda indicação de invenção, | |
toda manifestação de design, que existia no relógio, existe nas obras da | |
natureza.”12 De fato, Paley argumenta, a diferença é que a natureza mostra | |
um grau ainda maior de invenção e engenhosidade que o relógio. Talvez seja | |
justo dizer que o melhor de Paley está em como ele lida com a descrição de | |
estruturas naturais imensamente complexas, como o olho humano ou o | |
coração, tratando ambos como máquinas projetadas com propósitos | |
especí cos em mente. | |
Tem sido dada tanta atenção à analogia inicial de Paley, que os estágios | |
posteriores de seu argumento são frequentemente ignorados, | |
particularmente alguns levantados pelo lósofo cético David Hume em | |
relação às formas anteriores de teologia natural. Hume destacou que esse | |
argumento do design pode levar a múltiplas divindades ou a nenhuma | |
divindade. O ato de criação não implicava a existência continuada de um | |
criador. “Um grande número de homens se une na construção de uma casa | |
ou navio, na criação de uma cidade, na fundação de uma comunidade: por | |
que várias divindades não poderiam combinar entre si de criar e estruturar | |
um mundo?”13 Não é necessário que o designer original ainda exista para o | |
relógio continuar a existir, independentemente do destino de seu inventor. E | |
o caráter moral do designer? Hume sugeriu que este mundo é “defeituoso e | |
imperfeito”. Ele poderia, Hume argumentou, ter sido a primeira tentativa | |
frustrada de criação por parte de “alguma divindade infantil”, ou o “produto | |
da velhice e decrepitude” de algum Deus criador que houvesse decaído em | |
uma senilidade incompetente. | |
Paley lida com essas preocupações através de um longo e cumulativo | |
argumento, cujos estágios posteriores são frequentemente ignorados por | |
seus intérpretes. Primeiro, ele aborda a questão de saber se existe apenas um | |
criador. Seu argumento, embora complexo, reduz-se à a rmação de que há | |
uma consistência de propósito e design dentro da natureza, indicando que | |
existe apenas uma mente por trás do que é observado. A constância e a | |
universalidade das leis da natureza, por exemplo, apontam claramente para | |
uma única racionalidade expressa dentro do mundo natural. Além disso, | |
sugere Paley, falar de design implica imediatamente que o designer é uma | |
pessoa e não uma força abstrata. Mas o designer é bom e sábio? | |
Paley usa aqui uma forma do argumento de perfeição, que foi | |
desenvolvido por vários autores anteriores, inclusive pelo avô paterno de | |
Charles Darwin, Erasmus Darwin, conhecido por sua obra Zoönomia; or the | |
Laws of Organic Life [Zoonomia; ou as leis da vida orgânica] (1794-1796). | |
Paley argumenta que o caráter de um designer seria revelado naquilo que é | |
projetado. Como os inventos naturais parecem ter surgido para o bem geral | |
das criaturas, é razoável inferir que o criador pretende o bem da criação – e | |
que Deus é, portanto, bom. | |
O argumento de Paley foi in uente, especialmente a nível popular. Sua | |
premissa fundamental é que a natureza contém estruturas biologicamente | |
complexas, que não podem ser atribuídas ao acaso. Seu apelo à ciência | |
popular – especialmente à história natural – deu uma nova motivação para o | |
estudo atento e apreciativo do mundo natural. Entretanto, Paley dependia do | |
consenso cientí co do início do século 18, segundo o qual o mundo era | |
essencialmente estático e não sujeito a mudanças radicais. A noção | |
essencialmente estática de criação, de Paley, re ete uma crença de que existe | |
uma ordem imutável e projetada para as coisas. A Origem das Espécies, de | |
Charles Darwin, veio propor uma descrição muito diferente da origem de | |
complexidade biológica, atribuindo-a ao fenômeno da seleção natural, não a | |
design e construção divinos. | |
Ainda assim, a abordagem de Paley não foi totalmente desacreditada por | |
Darwin. Muitos teólogos ingleses das décadas de 1860 e 1870 consideravam | |
que, na realidade, Darwin havia resgatado a abordagem de Paley à teologia | |
natural, colocando-a em uma base intelectual mais rme, reti cando uma | |
premissa defeituosa e, em última análise, fatal. Charles Kingsley ponderava | |
que a palavra “criação” implicava um processo, e não um mero evento, de | |
modo que a teoria de Darwin realmente esclareceu o mecanismo da criação. | |
“Sabíamos antigamente que Deus era tão sábio, que podia fazer todas as | |
coisas; mas eis que ele é ainda tão mais sábio, que pode fazer todas as coisas | |
se fazerem a si mesmas.”14 Onde Paley pensava em criação estática, na qual | |
Deus parecia desempenhar apenas um papel de uma gura nominal, | |
Kingsley defendia que Darwin tornara possível ver a criação como um | |
processo dinâmico, fundamentalmente teleológico, dirigido pela | |
providência divina. O deísmo, para Kingsley, oferecia apenas um “sonho | |
arrepiante de um universo morto, não governado, por um Deus ausente”; o | |
darwinismo, quando corretamente interpretado, oferecia a visão de um | |
universo vivo, que constantemente melhorava sob a direção sábia de seu | |
benevolente criador. | |
Richard Dawkins sustenta que a seleção natural – o “processo cego, | |
inconsciente e automático que Darwin descobriu”15 – remove todos os | |
motivos para falar de maneira signi cativa sobre a natureza como tendo | |
sido “projetada”. Dawkins concede que seja possível falar em “aparência de | |
design”, insistindo que essa aparência decorra de um processo natural sem | |
propósito. A seleção natural, portanto, subverte qualquer argumento de | |
design. A lógica do argumento de Dawkins é um pouco opaca nesse | |
momento. Não está claro por que aceitar a explicação de Darwin do | |
mecanismo de evolução exige que alguém abandone a crença em bondade | |
ou propósito. De fato, o máximo que Dawkins pode dizer com base em uma | |
abordagem empírica é que há uma aparente ausência de propósito. Como | |
aponta o lósofo Alvin Plantinga, a a rmação de que a evolução não tem | |
propósito é um “acréscimo metafísico ou teológico”16 a qualquer descrição | |
puramente cientí ca da evolução. Plantinga defende que há várias maneiras | |
pelas quais Deus poderia ter guiado a evolução da vida, compatíveis com a | |
teoria da evolução de Darwin. | |
A AMBIGUIDADE DA “PROVA”: JUSTIFICAÇÃO NA CIÊNCIA E NA TEOLOGIA | |
O conceito de “prova” desempenha um papel importante na ciência e na | |
teologia, sendo geralmente entendido como designando argumentos ou | |
observações que oferecem razões convincentes para acreditar que certa | |
teoria deve ser considerada correta. O biólogo ateu Richard Dawkins | |
fornece um bom exemplo dessa abordagem à evidência. Na segunda edição | |
de seu in uente livro e Sel sh Gene [O gene egoísta], Dawkins propõe | |
uma dicotomia absoluta entre “fé cega” e “evidência esmagadora, disponível | |
ao público”: | |
Mas, a nal, o que é fé? É um estado de espírito que leva as pessoas a acreditar em algo – não | |
importa o quê – na total ausência de evidências de apoio. Se houvesse boas evidências de apoio, a | |
fé seria supér ua, pois, de qualquer forma, as evidências nos obrigariam a acreditar.17 | |
Essa visão da relação entre evidência e crença nas ciências naturais, | |
embora reconheça corretamente a importância de identi car e avaliar | |
evidências que possam ser aduzidas em apoio a uma crença, deixa de fazer | |
uma distinção criticamente importante entre “total ausência de evidências | |
de apoio” e “ausência de evidências de total apoio”. | |
Para apreciar a importância desse ponto, considere o debate atual na | |
cosmologia sobre se o “Big Bang” deu origem a um único universo ou a uma | |
série de universos (o chamado “multiverso”). Muitos cientistas ilustres | |
apoiam a primeira abordagem, da mesma forma que muitos cientistas | |
igualmente notáveis apoiam a segunda. No momento, a questão não pode | |
ser resolvida com um apelo à evidência disponível. Ambas são opções reais | |
para cientistas pensantes e informados, que tomam suas decisões com base | |
em seus julgamentos sobre a melhor forma de interpretar as evidências e | |
acreditar – embora não possam provar – que sua interpretação está correta. | |
Para colocar isso de forma mais técnica, eles acreditam que sua posição é | |
justi cada, mas sabem que não pode ser provada. | |
Uma questão semelhante surge em relação à teoria quântica. Qual | |
modelo está certo? A abordagem de Copenhague? Ou a abordagem rival de | |
Louis de Broglie e David Bohm, geralmente conhecida como teoria da onda | |
piloto? Ou a interpretação dos “muitos mundos”, proposta por Hugh | |
Everett? Como esses três modelos são empiricamente equivalentes, não se | |
pode realizar nenhum experimento para resolver a questão, que deve se | |
basear em julgamentos complexos e disputados sobre elegância conceitual, | |
simplicidade e se esses modelos parecem ter sido construídos para favorecer | |
alguma agenda metafísica. No entanto, essas di culdades não impedem que, | |
individualmente, os teóricos quânticos tomem decisões sobre sua escolha | |
preferida. Eles podem não ser capazes de provar que ela esteja certa, mas | |
podem oferecer bons motivos para essa escolha. | |
Em sentido estrito, “prova” só é possível nos campos da lógica e da | |
matemática. Assim, podemos provar que 2 + 2 = 4 ou que “o todo é maior | |
que a parte” – mas não que exista um multiverso ou que a abordagem de | |
Copenhague à teoria quântica esteja correta. John Polkinghorne – um físico | |
teórico que se tornou teólogo – insiste que o verdadeiro problema, tanto na | |
ciência quanto na religião, é se uma crença pode ser considerada avalizada | |
ou justi cada: | |
Nem a ciência nem a religião podem entreter a esperança de estabelecer provas logicamente | |
impositivas do tipo que apenas um tolo poderia negar. Ninguém pode evitar algum grau de | |
precariedade intelectual, e há uma consequente necessidade de um certo grau de ousadia | |
cautelosa na busca pela verdade. Experiência e interpretação se entrelaçam em uma circularidade | |
inevitável. Mesmo a ciência não pode escapar completamente desse dilema (a teoria interpreta | |
experimentos; os experimentos con rmam ou invalidam as teorias).18 | |
Boas razões podem ser dadas para acreditar que uma teoria cientí ca | |
(ou crença religiosa) é justi cada, mesmo que quem aquém da prova | |
rigorosa que esperamos na lógica ou na matemática. | |
A “justi cação” pode ser entendida como o processo pelo qual uma | |
crença se torna uma crença justi cada – por exemplo, através da | |
enumeração das boas razões que alguém possa ter para defender uma crença | |
como provavelmente verdadeira. Como Laurence Bonjour coloca: “A | |
questão básica é se eu tenho boas razões para pensar que minhas crenças são | |
verdadeiras (e, se houver, quais são as formas que essas razões assumem)”.19 | |
Para alguns lósofos, como Alvin Plantinga, a principal diferença entre uma | |
crença básica e uma crença propriamente básica está na con abilidade na | |
produção dessa crença. A ciência exige, com razão, que justi quemos nossas | |
crenças com base nos melhores conhecimentos e métodos à nossa | |
disposição. No entanto, como Stanley Fish apontou, esses métodos de | |
investigação e corpos de conhecimento mudam ao longo do tempo: | |
[A defesa da verdade objetiva] não procederá citando evidências não mediadas e | |
inquestionáveis, mas citando evidências que me parecem conclusivas, dadas as características do | |
mundo como eu o vejo e a força dos argumentos que a rmo de forma não problemática, pelo | |
menos por agora. Em resumo, con o no mundo que me foi entregue pelas tradições de | |
investigação e demonstração em que atualmente tenho fé. Acompanhando os melhores | |
argumentos e corpos de evidência que se tem no momento, é isso o que objetividade signi ca.20 | |
O argumento de Fish merece uma consideração cuidadosa: métodos de | |
investigação e premissas normativas são incorporados em contextos sociais | |
e pro ssionais e, portanto, mudam com o tempo. A mesma “evidência” ou | |
observação está aberta a ser interpretada de diferentes maneiras em | |
diferentes locais socioculturais. | |
Na seção anterior, consideramos os argumentos de William Paley, em | |
1802, para a existência de Deus com base em um apelo à complexidade | |
biológica. Paley claramente considerava que estava oferecendo uma “prova” | |
da existência de Deus (ou pelo menos de um criador). Entretanto, um | |
estudo mais cuidadoso de suas a rmações deixa claro que Paley não quer | |
dizer que essas observações sejam uma prova lógica, mas uma demonstração | |
retórica, semelhante à encontrada em um tribunal de justiça inglês. No | |
entanto, em 1836, uma série de reformas legais no sistema jurídico inglês | |
pôs m à ideia simplista de que a “evidência” havia assumido a forma de | |
fatos falando por si. O conceito de evidência foi agora reconhecido como | |
uma noção teórica, não uma noção empírica. Evidência não é algo | |
observado dentro da natureza ou lido a partir dela. A evidência é moldada | |
por suposições, por hipóteses que criam uma estrutura na qual uma | |
observação desempenha um papel particularmente signi cativo. Uma | |
observação factual pode apoiar várias teorias possíveis. Portanto, é | |
importante identi car a teoria que traz o maior grau de “ordem e conexão a | |
uma massa de fatos”. As observações factuais, portanto, só se tornam | |
evidências quando colocadas dentro de um contexto apropriado de | |
interpretação. | |
Em contextos legais, cientí cos e teológicos, a questão de como uma | |
crença pode ser tida como “justi cada” é de considerável importância, | |
independentemente da diversidade de pontos de vista sobre que quantidade | |
de evidências pode-se dizer que justi ca uma crença ou precisamente quais | |
critérios – extrínsecos ou intrínsecos – devem ser usados para decidir entre | |
crenças. Como observamos no capítulo 3, o conceito de “inferência à melhor | |
explicação” reconhece as sérias di culdades em provar que determinada | |
crença é correta; em vez disso, visa determinar qual dentre várias opções | |
teóricas deve ser preferida, mesmo reconhecendo que isso não signi ca | |
declarar que ela é verdadeira. | |
A AÇÃO DE DEUS NO MUNDO | |
Uma das interseções mais interessantes entre o pensamento cientí co e o | |
religioso diz respeito à maneira pela qual se pode dizer que Deus age no | |
mundo. Por exemplo, Deus age dentro das leis da natureza? Ou essas leis | |
podem ser violadas ou transcendidas a m de servir a algum propósito | |
divino especial? Essas perguntas permanecem vivas e importantes. As | |
últimas duas décadas testemunharam uma onda de interesse na questão de | |
saber se, e em que medida, pode-se dizer que Deus age no mundo. Pode-se | |
entender que Deus age inteiramente dentro e através das estruturas e | |
capacidades regulares da natureza ou uma explanação robusta da ação | |
divina também exige que a rmemos que Deus age especialmente de forma a | |
redirecionar o curso dos eventos no mundo natural, providenciando assim | |
resultados que não teriam ocorrido se Deus não tivesse agido dessa | |
maneira? | |
Embora essa discussão às vezes seja moldada em termos de uma noção | |
genérica de divindade, os engajamentos recentes mais signi cativos com a | |
questão têm re etido concepções judaico-cristãs de Deus. A linguagem da | |
ação divina é parte integrante do Antigo e do Novo Testamento. O Deus de | |
Israel é frequentemente e de nitivamente retratado e descrito como um | |
Deus que atua na história. A identidade e o caráter de Deus são entendidos | |
como visíveis na esfera da ação e re exão humanas. Essa concentração em | |
ações de Deus na natureza e na história pode levar à negligência de temas | |
importantes (como formas mais sutis e discretas de atividade divina na | |
experiência cotidiana), além de criar uma noção essencialmente impessoal | |
de Deus como força espiritual. No entanto, apesar dessas importantes | |
quali cações, Israel entendeu e representou Deus como alguém que agia na | |
natureza e na história. O Novo Testamento mantém essa tradição e a | |
concentra na vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. | |
Em 1988, o papa João Paulo II comemorou os trezentos anos da | |
publicação dos Principia, de Newton, patrocinando uma série de eventos | |
com o título geral de “Perspectivas Cientí cas sobre a Ação Divina”. Essa | |
série de eventos continuou por quase vinte anos, abrindo algumas questões | |
importantes sobre como – e se – poderia ser dito, de maneira signi cativa, | |
que Deus “age” no mundo da natureza. O debate sobre a ação divina especial | |
ocorre dentro uma estrutura do discurso cientí co, de nida em termos de | |
“leis da natureza”, que suscitam preocupações signi cativas (muitas vezes | |
baseadas no lósofo David Hume) sobre a noção de “interferência” divina | |
nas estruturas regulares do mundo.21 Com o benefício de uma visão | |
retrospectiva, pode-se agora ver que o importante “Projeto sobre Ação | |
Divina”, mencionado anteriormente, foi assombrado pelo medo de que | |
abordagens intervencionistas da ação divina parecessem questionar a | |
validade das leis da natureza. | |
A seguir, exploraremos três abordagens amplas para essa importante | |
questão que foram in uentes nos últimos cem anos, antes de considerar | |
brevemente algumas abordagens mais recentes baseadas na noção de | |
indeterminação na mecânica quântica. Começamos com a noção de que | |
Deus age através das leis da natureza. | |
Deísmo: Deus age através das leis da natureza | |
Os historiadores geralmente concordam que o conceito moderno de | |
“leis da natureza”, entendido como descrições matemáticas de regularidades | |
sem exceção, surgiu pela primeira vez na cultura ocidental durante o início | |
do período moderno, principalmente pela in uência de Galileu, Kepler e | |
Newton. Embora o conceito de regularidade da natureza fosse amplamente | |
aceito durante a Idade Média, a expressão especí ca “leis da natureza” não | |
era usada para indicar essa racionalidade, mas em geral era empregada para | |
fazer referência a leis morais que, se acreditava, eram fundamentadas em | |
uma ordem divinamente estabelecida. Na época de Newton, no entanto, a | |
expressão “leis da natureza’” estava se tornando bem estabelecida nos | |
círculos cientí cos, com o sentido de certos princípios fundamentais, | |
capazes de serem expressos matematicamente, que capturavam e | |
expressavam relações estruturais essenciais dentro do mundo da natureza. | |
A ênfase newtoniana na regularidade da natureza, particularmente | |
quando associada à crescente tendência de pensar a natureza como análoga | |
a um mecanismo automático, criava di culdades para qualquer noção de | |
intervenção divina no mundo natural. A intervenção parecia implicar | |
rompimento da ordem natural ou subversão das leis da natureza. Isaac | |
Newton não tinha di culdade com a ideia de que Deus havia estabelecido as | |
“leis da natureza”; ele estava preocupado, no entanto, com a ideia de que | |
Deus poderia violar essas leis, no que lhe parecia um ato de potencial | |
anarquia. As “leis da natureza” foram, portanto, interpretadas como | |
opondo-se à abertura causal nas estruturas da natureza. | |
Essa hostilidade em relação à ação divina especial é claramente re etida | |
nos escritos religiosos de Newton. Ele considerava os relatos de milagres na | |
igreja primitiva como “ ngidos” e argumentava que os relatos bíblicos de | |
milagres estavam mais preocupados com a raridade de sua ocorrência do | |
que com suas supostas origens divinas. Muitos teólogos do século 18 – como | |
Jonathan Edwards – consideravam que a cosmovisão cientí ca de Newton | |
minava a crença religiosa tradicional, principalmente por causa de suas | |
suspeitas e hesitações em relação a qualquer noção de ação divina além do | |
ato primordial da criação. | |
A ênfase newtoniana na regularidade mecânica do universo estava | |
intimamente ligada à ascensão do movimento conhecido como “deísmo”. | |
Pesquisas recentes sobre a natureza do deísmo enfatizaram que não se | |
tratava de um movimento coordenado, bem-de nido, mas sim de um amplo | |
espectro de opiniões individuais caracterizadas por graus variados de | |
ceticismo quanto à racionalidade e utilidade das crenças religiosas | |
tradicionais. O deísmo assume muitas formas para ser coberto por uma | |
única de nição ou história, mesmo que seja útil pensar nele como uma | |
família de crenças e atitudes. | |
Apesar dessas di culdades de de nição, o que geralmente é entendido | |
como uma posição “deísta” pode ser convenientemente resumido da | |
seguinte forma: Deus criou o mundo de maneira racional e ordenada, | |
re etindo sua própria natureza racional, e dotou a ordem natural com a | |
capacidade de se desenvolver e funcionar sem a necessidade de sua presença | |
ou envolvimento contínuo. Esse ponto de vista, que se tornou especialmente | |
in uente no século 18, tendia a seguir Kepler ao pensar no mundo como um | |
relógio e em Deus como um relojoeiro. Deus dotara o mundo com certo | |
design autossustentável, de modo que pudesse funcionar posteriormente | |
sem a necessidade de intervenção contínua. Portanto, não é por acaso que | |
William Paley escolheu usar a imagem de um relógio e de um relojoeiro | |
como parte de sua célebre defesa da existência de um Deus criador. | |
Então, como Deus age no mundo, de acordo com o deísmo? A resposta | |
simples para essa pergunta é que Deus não age no mundo. Ao contrário, | |
Deus estabeleceu uma estrutura dentro da qual o mundo pode funcionar. | |
Como um relojoeiro, Deus dotou o universo de regularidade inviolável | |
(expressa nas “leis da natureza”) e acionou seu mecanismo. Tendo fornecido | |
ímpeto para pôr o sistema em movimento e estabelecido os princípios que | |
governam esse movimento, não resta mais nada para Deus fazer. O mundo é | |
análogo a um relógio em grande escala, que é completamente autônomo e | |
autossu ciente. Nenhuma ação de Deus é necessária para seu | |
funcionamento contínuo. | |
Inevitavelmente, isso levou à questão de saber se Deus poderia ser | |
completamente eliminado da visão de mundo newtoniana. Se não havia | |
mais nada para Deus fazer, que necessidade concebível havia para qualquer | |
tipo de ser divino? Se pudesse ser demonstrado que existem certos | |
princípios autossustentáveis ativos no mundo, não haveria necessidade da | |
ideia tradicional de “providência” – ou seja, da mão sustentadora e | |
reguladora de Deus estar presente e ativa ao longo de toda a existência do | |
mundo. | |
A cosmovisão newtoniana encorajou, assim, a perspectiva de que, | |
embora Deus pudesse ter criado o mundo, não havia mais necessidade de | |
envolvimento divino. A descoberta das leis de conservação (por exemplo, as | |
leis de conservação da quantidade de movimento) parecia implicar que | |
Deus havia dotado a criação de todos os mecanismos necessários para | |
prosseguir. Esse é o argumento do astrônomo Pierre-Simon Laplace (17491827) em seu famoso comentário ao imperador francês Napoleão Bonaparte | |
sobre a ideia de Deus como sustentador do movimento planetário: “Não | |
preciso dessa hipótese”. | |
Entretanto, como esclarecem os escritos de Agostinho de Hipona e de | |
Tomás de Aquino, é perfeitamente possível a rmar que Deus age no mundo | |
através das leis da natureza, sem abandonar a crença na providência divina. | |
Por exemplo, considere a a rmação de Agostinho de Hipona sobre o papel | |
das “qualidades determinadas” divinamente criadas no mundo natural para | |
garantir um processo ordenado de desenvolvimento natural. | |
O funcionamento normal da natureza está sujeito a suas próprias leis naturais, segundo as quais | |
todas as criaturas vivas têm suas inclinações determinadas. […] Os elementos das coisas | |
materiais não vivas também têm suas qualidades e forças determinadas, por meio das quais | |
funcionam e se desenvolvem como o fazem. [...] A partir desses princípios primordiais, tudo o | |
que emerge o faz em seu próprio tempo e no devido curso dos eventos.22 | |
Para explorar mais esse ponto, passaremos a considerar o entendimento | |
mais ativista de como Deus age no mundo, devido a Tomás de Aquino e | |
autores modernos in uenciados por ele, que se concentram em causas | |
secundárias dentro da ordem natural. | |
Tomismo: Deus age por causas secundárias | |
Uma abordagem um pouco diferente da questão da ação de Deus no | |
mundo pode ser baseada nos escritos do principal teólogo medieval, Tomás | |
de Aquino. A concepção de Tomás sobre a ação divina focaliza a distinção | |
entre causas primárias e secundárias. Segundo Tomás, Deus não trabalha | |
diretamente no mundo, mas através de causas secundárias. Contudo, | |
embora possamos distinguir entre causalidade primária e secundária – ou | |
entre causalidade divina e natural – e argumentar que funcionam em | |
diferentes níveis, é importante compreender que elas não são absolutamente | |
independentes uma da outra, porque a causalidade divina é, em última | |
instância, a causa da causalidade própria das criaturas. | |
A abordagem de Tomás de Aquino é mais bem-explicada em termos de | |
analogia. Imagine uma pianista talentosa, que tem a capacidade de tocar | |
piano lindamente. No entanto, a excelência de sua execução depende em | |
parte da qualidade de seu piano. Um piano desa nado ou mecanicamente | |
defeituoso não permitirá que ela faça uma apresentação satisfatória de um | |
Noturno de Chopin, não importa quão bem ela possa tocar o instrumento. | |
Nessa analogia, a pianista é a causa primária da performance e, o piano, a | |
causa secundária. Ambos são necessários; cada um tem um papel | |
signi cativamente diferente a desempenhar. A capacidade da causa primária | |
de alcançar o efeito desejado depende da causa secundária usada para esse | |
m. No entanto, a analogia da pianista e seu piano é de ciente em um | |
aspecto importante, na medida em que falha em correlacionar as causas | |
primárias e secundárias como tendo suas origens fundamentais no mesmo | |
agente. | |
Tomás de Aquino usa esse apelo a causas secundárias para lidar com | |
alguns dos problemas relacionados à presença do mal no mundo. | |
Sofrimento e dor não devem ser atribuídos à ação direta de Deus, mas à | |
fragilidade e debilidade das causas secundárias através das quais Deus | |
trabalha. Deus, em outras palavras, deve ser visto como a causa primária e, | |
as variadas agências no mundo, como causas secundárias associadas. | |
Tomás de Aquino argumenta, portanto, que Deus é o “motor imóvel”, a | |
causa primordial de toda ação, sem a qual nada poderia acontecer. Contudo, | |
ele concede que Deus possa agir indiretamente, através de causas | |
secundárias. Uma cadeia de causalidade pode ser discernida, colocando | |
Deus novamente como o criador e o motor primordial de tudo o que | |
acontece no mundo. Contudo, Deus em geral não age diretamente no | |
mundo, mas através da cadeia de eventos que Ele inicia e guia. | |
Para Aristóteles (de quem Tomás de Aquino extrai muitas de suas | |
ideias), causas secundárias são capazes de atuar por si mesmas. Os objetos | |
naturais são capazes de agir como causas secundárias em virtude de sua | |
própria natureza. Essa visão era inaceitável para os lósofos teístas da Idade | |
Média, fossem cristãos ou muçulmanos. Por exemplo, o notável autor | |
islâmico Al-Ghazali (1058–1111) sustentava que a natureza está | |
completamente sujeita a Deus e, portanto, é impróprio falar em causas | |
secundárias independentes. Deus causa as coisas diretamente. Se um raio | |
incendeia uma árvore, o fogo não é causado pelo raio, mas por Deus. Deus | |
deve, portanto, ser visto como a causa primária, que sozinha é capaz de | |
mover outras causas. Na visão de muitos historiadores da ciência, essa | |
abordagem da causalidade divina (muitas vezes conhecida como | |
“ocasionalismo”) não contribuiu positivamente para o desenvolvimento das | |
ciências naturais, pois minimizava a regularidade das ações e eventos na | |
natureza e suas características de aparentarem ser “semelhantes a leis”. | |
Assim, ca claro que a abordagem de Tomás de Aquino leva à ideia de | |
Deus dando início a um processo que se desenvolve sob a orientação divina. | |
Deus, por assim dizer, delega a ação divina a causas secundárias dentro da | |
ordem natural. Por exemplo, Deus poderia mover, a partir de dentro, uma | |
vontade humana para que alguém que estivesse doente recebesse assistência. | |
Aqui, uma ação que expressa a vontade de Deus é realizada indiretamente | |
por Deus – entretanto, de acordo com Tomás de Aquino, ainda podemos | |
falar que essa ação foi “causada” por Deus de forma signi cativa. A | |
abordagem de Tomás se mostrou proveitosa e tem sido adotada e adaptada | |
por aqueles que desejam a rmar o envolvimento divino no “Big Bang” e no | |
processo de evolução biológica. | |
Uma abordagem relacionada foi desenvolvida pelo teólogo e lósofo | |
britânico Austin Farrer (1904-1968). Essa descrição da ação divina é | |
frequentemente denominada de “agência dupla”. Segundo Farrer, toda ação | |
que ocorre no mundo inclui um papel causal para um ou mais agentes ou | |
objetos no mundo (as causas “secundárias”) e um papel distinto para Deus | |
como causa “primária” do que ocorre. Poderíamos, portanto, falar de um | |
nexo ordenado de causas e efeitos criados que, em última análise, dependem | |
da ação divina. Duas ordens diferentes de e cácia podem ser distinguidas: | |
uma ordem “horizontal” de causas e efeitos criados, e uma ordem “vertical”, | |
através da qual Deus estabelece e sustenta a primeira. | |
A noção de operação divina indireta na natureza, através de causas | |
secundárias governadas pelas “leis da natureza”, desempenhou um papel | |
importante na construção de respostas teológicas à teoria evolutiva de | |
Darwin. Autores como Aubrey Moore (1848-1890) perceberam a ênfase de | |
Darwin nas “leis impressas na matéria pelo Criador”, uma noção que | |
ganhou um per l signi cativamente mais destacado na segunda edição da | |
Origem das Espécies do que na primeira. Para Moore, a ação de Deus era | |
revelada em leis naturais, que não deveriam ser entendidas nos termos do | |
“quase deísmo” da teologia natural de Paley, mas em termos de uma teologia | |
imanentista da natureza, que Moore considerava muito mais compatível | |
com o cristianismo. | |
A ciência havia empurrado o Deus dos deístas para cada vez mais longe, e no momento em que | |
parecia que ele seria expulso completamente, o darwinismo apareceu e, sob o disfarce de um | |
inimigo, fez o trabalho de um amigo. Ele conferiu à loso a e à religião um benefício | |
inestimável, mostrando-nos que devemos escolher entre duas alternativas. Ou Deus está presente | |
em toda parte na natureza, ou Ele não está em lugar algum. Ele não pode delegar seu poder a | |
semideuses chamados de “segunda causa”. Na natureza, tudo deve ser obra dele, ou nada.23 | |
Embora as opiniões de Moore sobre causalidade secundária estejam | |
sujeitas a críticas (Tomás de Aquino, por exemplo, não trata tais causas | |
como “semideuses”), sua análise é claramente de interesse neste momento, | |
particularmente no engajamento com a visão estática da criação, de Paley. | |
Teologia do Processo: Deus age através da persuasão | |
Concorda-se, em geral, que as origens da loso a do processo estão nos | |
escritos do lósofo anglo-americano Alfred North Whitehead (1861-1947), | |
especialmente em sua importante obra Process and Reality [Processo e | |
Realidade] (1929). Reagindo contra a visão bastante estática do mundo | |
associada à metafísica tradicional (expressa em ideias como “substância” e | |
“essência”), Whitehead concebia a realidade como um processo. O mundo, | |
como um todo orgânico, é algo dinâmico, não estático; algo que acontece. A | |
realidade é composta de elementos constitutivos de nidos como “entidades | |
reais” (actual entities) ou “ocasiões reais” (actual occasions) e, portanto, é | |
caracterizada por transformação, mudança e evento. | |
Todas essas “entidades” ou “ocasiões” (para usar os termos originais de | |
Whitehead) têm certo grau de liberdade para se desenvolver em resposta à | |
sua circunvizinhança. Talvez seja nesse ponto que a in uência das teorias | |
biológicas evolucionárias possa ser discernida: como Pierre Teilhard de | |
Chardin (1881-1955), Whitehead estava preocupado em permitir o | |
desenvolvimento dentro da criação, sujeito a alguma direção e orientação | |
gerais. Esse processo de desenvolvimento é, portanto, colocado em um | |
contexto permanente de ordem, que é visto como um princípio organizador | |
essencial para o crescimento. Whitehead argumenta que Deus pode ser | |
identi cado com esse pano de fundo de ordem dentro do processo. | |
Whitehead trata Deus como uma “entidade”, embora distingua Deus de | |
outras “entidades” com base na imperecibilidade. Outras entidades existem | |
por um período nito; Deus existe permanentemente. Cada entidade, | |
portanto, recebe in uência de duas fontes principais: entidades anteriores e | |
Deus. | |
Causação, desse modo, não é uma questão de uma entidade ser | |
compelida a agir de uma determinada maneira: é uma questão de in uência | |
e persuasão. As entidades se in uenciam de maneira “dipolar” – | |
mentalmente e sicamente. Precisamente o mesmo é verdadeiro para Deus e | |
para outras entidades. Deus só pode agir de maneira persuasiva, dentro dos | |
limites do próprio processo. Deus “mantém as regras” do processo. Assim | |
como Deus in uencia outras entidades, também é in uenciado por elas. | |
Deus, para usar a famosa frase de Whitehead, é “um companheiro sofredor | |
que entende”. Deus é assim afetado e in uenciado pelo mundo. Esse aspecto | |
do pensamento de Whitehead foi desenvolvido no contexto da interação | |
ciência-religião por vários autores, especialmente Ian R. Barbour. | |
A loso a do processo, portanto, rede ne a onipotência de Deus em | |
termos de persuasão ou in uência dentro do processo global do mundo. | |
Esse é um desenvolvimento importante, pois explica a atração desse modo | |
de entender a relação de Deus com o mundo no que se refere ao problema | |
do mal. Onde a defesa tradicional do mal moral, baseada em livre-arbítrio, | |
argumentando que os seres humanos são livres para desobedecer ou ignorar | |
Deus, a teologia do processo argumenta que os componentes individuais do | |
mundo são, da mesma forma, livres para ignorar as tentativas divinas de | |
in uenciá-los ou persuadi-los. Eles não são obrigados a responder a Deus. | |
Deus é, assim, absolvido de responsabilidade tanto pelo mal moral quanto | |
pelo natural. | |
A defesa tradicional de Deus diante do mal, baseada em livre-arbítrio, é | |
persuasiva (embora a extensão dessa persuasão seja contestada) no caso do | |
mal moral – ou seja, o mal resultante de decisões e ações humanas. Mas e o | |
mal natural? E os terremotos, a fome e outros desastres naturais? A loso a | |
do processo argumenta que Deus não pode forçar a natureza a obedecer à | |
vontade ou ao propósito divinos por isso. Deus só pode tentar in uenciar o | |
processo por dentro, por persuasão e atração. Cada entidade desfruta de um | |
grau de liberdade e criatividade, por cima dos quais Deus não pode passar. | |
Embora esse entendimento da natureza persuasiva da atividade de Deus | |
tenha méritos óbvios, principalmente pela maneira como oferece uma | |
resposta ao problema do mal (como Deus não está no controle, Deus não | |
pode ser responsabilizado pela maneira como as coisas aconteceram), | |
críticos da loso a do processo têm sugerido que esse é um preço muito alto | |
a pagar. A ideia tradicional da transcendência de Deus parece ter sido | |
abandonada ou radicalmente reinterpretada em termos da primazia e | |
permanência de Deus como uma entidade dentro do processo. Em outras | |
palavras, a transcendência divina signi ca pouco mais que o fato de Deus | |
sobreviver e superar outras entidades. | |
Anteriormente, observamos a importância de Ian Barbour como uma | |
in uência formativa sobre o campo da ciência e da religião. Barbour | |
defendeu o uso da loso a do processo como base intelectual para a | |
facilitação e consolidação desse diálogo intelectual. Em vez de ver o | |
surgimento do campo de “ciência e religião” como uma resposta pragmática | |
à necessidade de duas poderosas forças culturais se engajarem em diálogo, | |
Barbour argumenta que existe uma ponte intelectual entre as duas, o que | |
torna esse diálogo necessário e adequado. | |
O principal aspecto da teologia do processo do qual Barbour se apropria | |
para facilitar esse diálogo é a rejeição da doutrina clássica da onipotência de | |
Deus: Deus é um agente entre muitos, e não o soberano Senhor de todos. | |
Como Barbour aponta, a loso a do processo a rma “um Deus de | |
persuasão, em vez de compulsão, [...] que in uencia o mundo sem | |
determiná-lo”.24 A teologia do processo, portanto, situa as origens do | |
sofrimento e do mal no mundo a uma limitação radical ao poder de Deus. | |
Deus deixou de lado (ou simplesmente não tem) a capacidade de coagir, | |
mantendo apenas a capacidade de persuadir. A persuasão é vista como um | |
meio de exercer poder de maneira que os direitos e a liberdade dos outros | |
sejam respeitados. Deus é obrigado a persuadir cada aspecto do processo a | |
agir da melhor maneira possível. Não há, porém, garantia de que a | |
persuasão benevolente de Deus leve a um resultado favorável. O processo | |
não tem obrigação de obedecer a Deus. Como comenta Barbour, a teologia | |
do processo põe em questão “a expectativa tradicional de uma vitória | |
absoluta sobre o mal”.25 | |
Deus pretende o bem da criação e age em seus melhores interesses. No | |
entanto, a opção de obrigar tudo a fazer a vontade divina não pode ser | |
exercida. Como resultado, Deus é incapaz de impedir que certas coisas | |
aconteçam. Guerras, fome e holocaustos não são coisas que Deus deseja; elas | |
não são, no entanto, coisas que Deus pode impedir, devido às limitações | |
radicais impostas ao poder divino. Deus não é, portanto, responsável pelo | |
mal; nem se pode dizer, de maneira alguma, que Deus deseja ou aceita | |
tacitamente a existência do mal. Os limites metafísicos impostos a Deus são | |
tais, que impedem qualquer interferência na ordem natural das coisas. | |
Barbour considera essa abordagem (especialmente conforme | |
estabelecido nos escritos do próprio Whitehead) valiosa para iluminar a | |
maneira por meio do qual a ciência e a religião interagem. Permite que Deus | |
seja visto como presente e ativo na natureza, trabalhando dentro dos limites | |
e das restrições da ordem natural. Seria justo, a essa altura, categorizar | |
Barbour como um “panenteísta” (a visão de que “Deus está presente em | |
todas as coisas”, que não deve ser confundida com “panteísmo”, a visão de | |
que todas as coisas são divinas). | |
Talvez a maneira mais interessante de Barbour usar as ideias distintivas | |
da loso a do processo esteja relacionada à teoria da evolução. Barbour | |
argumenta que o processo evolutivo é in uenciado por – mas não dirigido | |
por – Deus. Isso permite que ele lide com o fato de que o processo evolutivo | |
parece ter sido longo, complexo e dispendioso. “Houve muitos becos sem | |
saída, espécies extintas e muito desperdício, sofrimento e mal para atribuir | |
todos os eventos à vontade especí ca de Deus”. Deus in uencia o processo | |
para o bem, mas não pode ditar com precisão qual forma ele vai assumir. É | |
aqui que a in uência de Barbour tem sido particularmente signi cativa, com | |
muitos trabalhos contemporâneos explorando as implicações religiosas do | |
sofrimento evolutivo, apelando aos princípios da loso a do processo para | |
mostrar que Deus não determina diretamente a forma precisa do processo | |
evolutivo. Ele sofre, junto com outros, dentro desse processo. | |
As ideias básicas de Whitehead também foram desenvolvidas por vários | |
autores, principalmente Charles Hartshorne, Schubert Ogden e John B. | |
Cobb. Hartshorne modi cou a noção de Deus de Whitehead em várias | |
direções, talvez de maneira mais signi cativa ao sugerir que o Deus da | |
loso a do processo deveria ser pensado mais como uma pessoa do que | |
como uma entidade. Isso permite que ele conteste uma das críticas mais | |
signi cativas à loso a do processo: a de que ela compromete a ideia da | |
perfeição divina. Se Deus é perfeito, como ele pode mudar? A mudança não | |
equivale a uma admissão de imperfeição? Hartshorne rede ne “perfeição” | |
em termos de uma receptividade à mudança que não compromete a | |
superioridade de Deus. Em outras palavras, a capacidade de Deus de ser | |
in uenciado por outras entidades não signi ca que Deus é reduzido ao seu | |
nível. Deus supera outras entidades, mesmo que seja afetado por elas. | |
A loso a do processo não tem di culdade em falar da “ação de Deus | |
dentro do mundo”, pois oferece uma estrutura na qual essa ação pode ser | |
descrita em termos de “in uência dentro do processo”. Contudo, a | |
abordagem especí ca adotada causa ansiedade ao teísmo tradicional, que é | |
crítico da noção de Deus associada à teologia do processo. Para os teístas | |
tradicionais, o Deus da loso a do processo frequentemente parece ter | |
pouca relação com o Deus descrito no Antigo ou Novo Testamento. | |
Teoria Quântica: Deus age através da indeterminação | |
Mais recentemente, uma quarta abordagem emergiu como signi cativa, | |
em grande parte como resultado do programa “Perspectivas Cientí cas da | |
Ação Divina”, mencionado anteriormente. As três abordagens descritas | |
anteriormente são amplamente encontradas nas discussões teológicas e | |
losó cas sobre agência divina. Nos últimos anos, entretanto, foram | |
complementadas por outras abordagens. Embora esses entendimentos mais | |
recentes de agência divina ainda não tenham recebido um amplo grau de | |
aceitação, eles têm interesse e importância su cientes para serem | |
mencionados aqui. | |
Uma abordagem, baseada no modelo de Copenhague da mecânica | |
quântica, sustenta que a ideia de indeterminação oferece uma maneira de | |
pensar sobre as ações de Deus no mundo. Eventos que poderiam parecer | |
como ocorrendo aleatoriamente são realmente causados por agência divina. | |
O apelo dessa abordagem é óbvio. A maioria dos lósofos quer a rmar que | |
qualquer crença na liberdade real de agentes, sejam humanos ou divinos, | |
requer um futuro aberto, e não um futuro que seja predeterminado. A | |
abordagem de Copenhague à mecânica quântica incorpora essa noção de | |
indeterminação, sugerindo assim que a agência divina pode operar sem | |
detecção ou interferência na autonomia das entidades naturais | |
(particularmente as vivas). Assim, Deus é o “determinador das | |
indeterminações”. | |
Essa abordagem é adotada por Robert John Russell em sua proposta | |
NIODA26 (ação divina objetiva não intervencionista), desenvolvida como | |
parte do programa “Perspectivas Cientí cas sobre Ação Divina”. Russell está | |
especi camente preocupado em saber se é possível dizer que Deus age | |
objetivamente na natureza, embora evitando a violação das leis naturais. | |
Russell argumenta que a ação especial de Deus “resulta em consequências | |
especí cas e objetivas na natureza, consequências que não teriam resultado | |
sem a ação especial de Deus”. Embora isso possa parecer um apelo ao | |
esquema do “Deus das lacunas”, Russell argumenta que não é esse o caso. | |
Deus criou o mundo de tal maneira que é capaz de agir de maneiras | |
especiais sem interferir no uxo dos processos naturais. Os processos físicos | |
estão abertos à direção ou in uência de Deus porque Deus os criou dessa | |
maneira. “Deus cria o universo de modo que os eventos quânticos ocorram | |
sem causas naturais su cientes e atua dentro desses processos naturais e | |
junto às causas naturais para provocá-los.”27 | |
No entanto, existem problemas com essa posição potencialmente | |
atraente. Mesmo que uma abordagem indeterminista da teoria quântica seja | |
favorecida, críticos como Jeffrey Koperski argumentam que o resultado | |
teológico de tal estratégia está próximo do deísmo. A interpretação | |
indeterminista de Copenhague quanto à teoria quântica pode muito bem ser | |
dominante; porém outras – como a desenvolvida por David Bohm – são | |
deterministas e parecem não oferecer um nexo quântico indeterminado | |
como forma de salvaguardar a ideia de agência divina. Tampouco há | |
qualquer indicação de que utuações quânticas possam ter a força | |
cumulativa necessária para se falar, de modo signi cativo, em Deus “agindo” | |
no mundo. | |
Uma das questões signi cativas na discussão da ação divina diz respeito | |
ao status da noção de “leis da natureza”. Elas devem ser vistas como | |
princípios invioláveis que governam os processos dentro do universo? Ou | |
simplesmente como sínteses de observações, sem nenhum sentido de que | |
sejam reguladoras ou normativas? Philip Clayton e outros têm sustentado | |
que há boas razões para se pensar que existem sistemas de fenômenos | |
emergentes dependentes das leis da natureza, mas que apresentam também | |
potencialidades causais emergentes, que não podem ser previstas por tais | |
leis. | |
Outros se voltaram para a noção de “causação descendente”, | |
frequentemente a rmada de formas ligeiramente vagas e imprecisas. A ideia | |
básica é que podemos considerar formas de “causação de cima para baixo” | |
ou “causação descendente” dentro do mundo natural, muito especialmente | |
quanto ao modo como a mente humana opera sobre vários componentes do | |
corpo humano. A maneira como a mente humana controla o corpo pode ser | |
análoga à maneira como Deus governa o universo? | |
É uma possibilidade fascinante, mas que no momento permanece difícil | |
de avaliar. A sugestão de que a causação mental possa elucidar a interação | |
entre a ação divina e o livre-arbítrio humano tem um apelo óbvio. Por | |
exemplo, ao iniciar processos transmitidos por neurônios, não se pode dizer | |
que a mente viola ou substitui a natureza ou as propriedades dos neurônios. | |
Uma das di culdades mais óbvias, por exemplo, é que a relação entre o | |
conceito de “mente” e o cérebro humano ainda não é completamente | |
compreendida. Poderíamos eventualmente falar do cérebro – e não da | |
mente – controlando outras partes do corpo? Isso reduziria seriamente o | |
valor dessa abordagem. | |
Uma terceira maneira de pensar sobre agência divina é considerar Deus | |
como uma fonte de informação. John Polkinghorne e Arthur Peacocke | |
sustentaram essa hipótese de entender a ação divina como um “input de | |
informação pura”. Deus pode ser considerado um coreógrafo, que permite a | |
seus dançarinos certo grau de liberdade em seus movimentos, ou um | |
compositor, que permite que uma orquestra explore possíveis variações para | |
uma sinfonia ainda inacabada. A beleza dessa abordagem reside, em parte, | |
no fato de que, pelo menos à primeira vista, a transferência de informações | |
parece não exigir violação das leis de conservação. Entretanto, seus críticos | |
apontam que o input de informações em um sistema implica 0 | |
reorganização de energia ou de matéria, aparentemente dando assim origem | |
a praticamente as mesmas di culdades encontradas por outras abordagens | |
mais tradicionais. | |
MILAGRES E LEIS DA NATUREZA | |
Como observamos anteriormente, o conceito de “leis da natureza”, | |
enquanto descrições matemáticas de regularidades que não apresentam | |
nenhuma exceção, surgiu pela primeira vez durante o período moderno, | |
principalmente pela in uência de Galileu, Kepler e Newton. Como Peter | |
Harrison e outros historiadores destacaram, os principais cientistas desse | |
período, quase sem exceção, tinham um duplo compromisso: por um lado, | |
com uma ciência baseada em um universo mecânico governado por leis | |
imutáveis da natureza e, por outro, com um Deus onipotente, que intervinha | |
na ordem natural de tempos em tempos, violando essas leis da natureza. | |
Os principais cientistas dessa época não viam isso como problemático. | |
Robert Boyle, por exemplo, escreveu que, embora Deus tivesse estabelecido | |
as leis da natureza, “[...] ele não amarrou suas próprias mãos com elas, assim | |
pode reforçar, suspender, anular e reverter qualquer uma delas como achar | |
conveniente”. Newton, por sua vez, considerava que dado evento pode | |
parecer milagroso para um observador e natural para outro, dependendo do | |
estado de conhecimento do observador. | |
Os milagres são assim chamados não porque são obras de Deus, mas porque raramente | |
acontecem e, por esse motivo, geram admiração. Se eles acontecessem constantemente, de | |
acordo com certas leis impressas na natureza das coisas, não seriam mais milagres maravilhosos, | |
mas seriam considerados na loso a como parte dos fenômenos da natureza, apesar de a causa | |
de suas causas ser desconhecida por nós.28 | |
A expressão “leis da natureza” não era usada, de maneira ampla, antes de | |
1650, embora seja encontrada com frequência após essa data. Esse ponto | |
histórico é signi cativo, pois as discussões modernas sobre milagres, que se | |
estabelecem a partir de 1650 são quase invariavelmente formuladas em | |
termos de “violação das leis da natureza” – expressão particularmente | |
associada à crítica de milagres por David Hume. | |
Crítica dos milagres por David Hume | |
A crítica in uente de David Hume aos milagres depende de | |
compreendê-los como “violações das leis da natureza” ou “transgressões de | |
uma lei da natureza por determinada vontade da Deidade ou pela | |
interposição de algum agente invisível”.29 Há uma inconsistência óbvia aqui | |
dentro do próprio pensamento de Hume. Uma das contribuições mais | |
distintivas de Hume à loso a da ciência é um rigoroso ceticismo em | |
relação ao processo indutivo. Como, perguntava Hume, podemos chegar a | |
conclusões que vão além dos exemplos passados dos quais tivemos | |
experiência? Hume argumenta que o raciocínio indutivo se baseia no | |
princípio “de que exemplos dos quais não tivemos experiência devem se | |
parecer com aqueles dos quais já tivemos, e que o curso da natureza | |
continua sempre uniformemente o mesmo”.30 O raciocínio indutivo assume, | |
assim, sua própria validade ao oferecer uma justi cativa para sua prática. | |
Uma lei universal da natureza só pode ser estabelecida indutivamente. | |
Como a possibilidade de uma observação futura que a torne inválida não | |
pode ser excluída, essas “leis” devem ser vistas como provisórias e parciais, | |
não universais e necessárias. Pelos próprios critérios de Hume, um “milagre” | |
pode ser uma violação das leis da natureza – ou a invalidação antecipada da | |
universalidade dessa lei. | |
As visões de Hume sobre os processos indutivos que conduzem à | |
formulação de “leis da natureza” o levam a concluir que a regularidade que | |
elas expressam não é uma característica do “mundo real”, mas é uma | |
construção da mente humana, que impõe ordem a ele. O exagero de Hume | |
não foi bem recebido pela comunidade cientí ca, que geralmente considera | |
essa regularidade uma característica intrínseca do mundo, descoberta (não | |
imposta) pela investigação humana. Por exemplo, considere os comentários | |
do físico Paul Davies, que seriam amplamente endossados pelos cientistas | |
naturais: | |
É importante entender que as regularidades da natureza são reais. [...] Creio que qualquer | |
sugestão de que as leis da natureza sejam projeções similares da mente humana é absurda. A | |
existência de regularidades na natureza é um fato matemático objetivo. […] Na condução da | |
ciência, estamos descobrindo regularidades e conexões reais da natureza, não as inscrevendo na | |
natureza.31 | |
Uma abordagem religiosa (e especialmente cristã) dessa discussão se | |
concentrará no ordenamento do mundo como algo que existe neste mundo, | |
independentemente de a mente humana reconhecê-lo ou não, e que esse | |
ordenamento pode ser entendido como relacionado à doutrina da criação. | |
Embora muitos cientistas naturais tenham descartado o arcabouço teológico | |
original que levou seus predecessores dos séculos 17 e 18 a falar em “leis da | |
natureza”, não há razão para que tal entendimento não deva ser reapropriado | |
por cientistas naturais sensíveis aos aspectos religiosos do trabalho deles. | |
Há um segundo ponto que precisa ser mencionado aqui. A de nição de | |
milagre dada por Hume, como muitas vezes foi apontado, tem a infeliz | |
consequência de que poucos teriam acreditado em “milagre”, como Hume | |
de ne, nos primeiros 1.600 anos da história cristã. Por quê? Porque poucos, | |
se é que havia alguém, acreditavam em “leis da natureza” absolutas com esse | |
nome antes de 1650. Tomás de Aquino, escrevendo no século 13, descreveu | |
um milagre como algo que “supera as capacidades da natureza”, não fazendo | |
referência à violação de leis da natureza. (Uma visão semelhante foi | |
apresentada pelo papa Bento XIV em 1738: um milagre é um evento cuja | |
ocorrência excede o poder da natureza física e visível). | |
O lósofo holandês Baruch Spinoza fez uma crítica importante aos | |
milagres em 1670. Em sua obra Tractatus eologico-Politicus [Tratado | |
teológico-político], Spinoza argumentou que os milagres eram impossíveis, | |
pois as “leis da natureza” são decretos de Deus que são expressões da | |
necessidade e perfeição da natureza divina. “Nada acontece na natureza que | |
esteja em contradição com suas leis universais.” Como um milagre | |
representa uma violação ou contravenção das leis da natureza, qualquer um | |
que sugerir que Deus realizou milagres teria que aceitar que Deus | |
contradisse sua própria natureza, o que é claramente absurdo. | |
Albert Einstein frequentemente indicava seu respeito e dívida para com | |
Spinoza, observando que “os seguidores de Spinoza veem nosso Deus na | |
maravilhosa ordem e regularidade de tudo o que existe”.32 Einstein sugere | |
que a crença em um Deus pessoal era a “principal fonte dos con itos atuais | |
entre as esferas da religião e da ciência”. Por quê? Porque a “doutrina de um | |
Deus pessoal que interfere nos eventos” não era consistente com a | |
“regularidade ordenada” dos processos naturais. Deus não quebra as leis da | |
natureza. Para Einstein, o conceito de um Deus pessoal implicava um Deus | |
que não respeitava as leis da natureza – a despeito de tê-las estabelecido em | |
primeiro lugar. Einstein parece ter acreditado que permitir que Deus fosse | |
“pessoal” abria caminho para que Deus fosse caprichoso ou extravagante. | |
Esses pontos históricos são importantes ao estabelecer um contexto para | |
a discussão de milagres, tanto no meio cientí co quanto no religioso. O | |
conceito de “lei da natureza” é aqui entendido como uma regra divinamente | |
estabelecida de que certas coisas devem acontecer e outras não. Contudo, | |
muitos lósofos da ciência responderiam criticamente a essa abordagem, | |
vendo-a como uma interpretação exagerada da ideia de “lei da natureza”. | |
[Consideram que] as leis naturais são melhor entendidas como | |
generalizações indutivas incompletas, e reduzem qualquer lei natural | |
universal a uma abordagem estatística semelhante à encontrada na teoria | |
quântica. | |
Albert Einstein, conhecido por sua rigorosa busca pelas leis | |
fundamentais da natureza, cava consternado com a crescente tendência da | |
teoria quântica de usar abordagens estatísticas. A citação frequentemente | |
atribuída a Einstein – “Deus não joga dados” – é na verdade uma contração | |
displicente de uma a rmação mais elaborada: “Parece difícil dar uma | |
espiada nas cartas de Deus. Mas que ele jogue dados e use métodos | |
“telepáticos” (como a atual teoria quântica exige dele) é algo que não consigo | |
acreditar por um único momento”.33 O ponto de Einstein é que a noção de | |
causalidade se torna complexa no contexto da teoria quântica, levantando | |
questões sobre o que uma “lei da natureza” poderia ser capaz de estipular | |
nessa situação. Einstein acreditava que deveria ser possível formular as | |
ideias da teoria quântica como leis da natureza e não em termos de | |
probabilidades estatísticas. | |
A de nição de “milagre” de Hume permanece in uente e é | |
frequentemente o ponto de partida para discussões contemporâneas dessa | |
noção. Por exemplo, em seu Concept of Miracle (1970), o lósofo da religião | |
Richard Swinburne segue Hume ao de nir um milagre como “uma violação | |
de uma lei da natureza por um deus”. Muitos autores contemporâneos, | |
incluindo cientistas e lósofos, também resistem à noção de “leis da | |
natureza” como sendo simplesmente generalizações indutivas que resumem | |
o comportamento observado de eventos físicos. O físico Paul Davies, por | |
exemplo, sustenta que as leis da natureza estão embutidas no universo, | |
levando-o a “apoiar fortemente a ideia platônica de que as leis estão ‘lá fora’, | |
transcendendo o universo físico”.34 | |
O debate continua. Como o próprio Hume ressaltou, as generalizações | |
indutivas são necessariamente incompletas e, por esse motivo, não podem | |
ser consideradas “comprovadas” ou “universais”. Além disso, o avanço da | |
ciência implica inevitavelmente reavaliação e, às vezes, correção do que as | |
gerações anteriores consideravam estar rmemente estabelecido. Esse | |
argumento é apresentado repetidamente por autores que estão alertas ao | |
perigo de carem presos ao que uma época ou geração considerava | |
suposições evidentemente verdadeiras sobre o mundo natural. Nosso | |
conhecimento das leis da natureza se expandirá ao longo do tempo. Uma | |
das discussões mais in uentes sobre esse ponto é encontrada no livro de F. | |
R. Tennant, Miracle and Its Philosophical Presuppositions [O milagre e suas | |
pressuposições losó cas] (1925), no qual ele fez essa a rmação | |
signi cativa: “até que tenhamos chegado a algo como onisciência quanto à | |
constituição e às capacidades intrínsecas da natureza, não podemos a rmar | |
que nenhuma maravilha esteja além delas”.35 | |
Keith Ward sobre milagres | |
Essa discussão se concentra excessivamente na ideia de milagre como | |
algo que viola – outros diriam que expande – nossa compreensão das leis da | |
natureza. E quanto ao seu signi cado religioso, que não é concebido em | |
termos de violação das leis da natureza, mas em termos de ser um sinal da | |
presença ou atividade de Deus? O teólogo britânico Keith Ward esclareceu | |
esse ponto em seu livro Divine Action (1990): | |
É bastante insatisfatório pensar em milagres apenas como eventos raros, altamente improváveis e | |
sicamente inexplicáveis. O teísta não tem interesse na alegação de que eventos físicos anômalos | |
ocorrem. Os eventos nos quais o teísta está interessado são atos de Deus; e os atos divinos não | |
ocorrem arbitrariamente ou apenas como mudanças anômalas e totalmente inexplicáveis no | |
mundo.36 | |
Para Ward, os milagres são melhor compreendidos como “epifanias do | |
Espírito”, que visam revelar que a natureza não deve ser considerada como | |
um sistema físico fechado. Pelo contrário, a natureza pode ser | |
interpenetrada e reordenada por Deus, que, antes de tudo, foi quem a criou. | |
Ward, portanto, situa sua discussão sobre milagres dentro de uma | |
compreensão mutável do universo, como ele a vê na ciência contemporânea, | |
que oferece uma imagem de um universo que é muito “mais solta” e mais | |
aberta do que a revelada pela mecânica newtoniana, um tanto | |
determinística. “A imagem integral, ‘sem costura’, da natureza como um | |
sistema causal fechado é muito menos convincente do que poderia | |
parecer.”37 | |
Ward também critica o entendimento in ado de Hume sobre uma “lei | |
da natureza” e sua aparente exclusão dos objetivos de Deus em, antes de | |
tudo, estabelecer o universo: | |
Se pensarmos que as leis foram criadas por Deus, as próprias leis devem existir por algum | |
motivo – e se Deus é um agente pessoal, esse motivo poderia muito bem justi car algumas | |
ocorrências que transcendem princípios gerais semelhantes a leis.38 | |
Ward oferece um exemplo para nos ajudar a entender seu ponto de vista. | |
Suponha que Deus pretenda que os seres humanos possam conhecer e amar | |
a Deus e desfrutar da presença divina. Se esse for realmente o caso, esse | |
objetivo estará re etido nas estruturas causais do universo. O que acontece | |
para ajudar a criar esse relacionamento não é, então, uma “violação” das leis | |
da natureza, mas sim o cumprimento teleológico delas. Ward enfatiza esse | |
ponto da seguinte maneira: | |
Leis da natureza são princípios gerais da regularidade inteligível que governam o cosmos físico, | |
mas há razão de sobra para um teísta pensar que existem princípios mais elevados do que leis da | |
natureza – princípios que atraem pessoas nitas para um relacionamento consciente com o | |
Criador. Milagres, eventos que transcendem as regularidades da natureza, resultam da aplicação | |
de tais princípios inteligíveis.39 | |
Wolart Pannenberg sobre milagres | |
O teólogo alemão Wolart Pannenberg adota uma abordagem mais | |
teológica da questão dos milagres,40 argumentando que as “leis da natureza” | |
têm um status puramente provisório, até que sejam colocadas em um | |
fundamento teórico mais rme pela análise teológica. Então, milagres | |
representam violações das leis da natureza? Pannenberg admite que eles | |
podem realmente ser entendidos dessa maneira e que isso levanta algumas | |
questões cientí cas muito difíceis. “O conceito de ‘milagre’ como uma | |
violação da lei natural subverte o próprio conceito de lei.” Contudo, essa é | |
uma declaração moderna da questão, que pode ser corrigida considerandose abordagens anteriores do problema. Pannenberg destaca com particular | |
aprovação a abordagem de Agostinho de Hipona (354-430), que enfatizava | |
que eventos desse tipo não ocorrem contrariamente à natureza das coisas. | |
Eles podem realmente parecer contrários a essa ordem, mas isso se deve ao | |
nosso conhecimento limitado do curso da natureza. | |
Pannenberg defende a rejeição da noção de “milagre” como contra | |
naturam – isto é, como um evento que contradiz ou viola as leis da natureza. | |
A abordagem de Agostinho de Hipona, conforme exposto em seu | |
comentário sobre o Gênesis, baseia-se no reconhecimento de que | |
experimentamos ou observamos certos eventos como incomuns e | |
excepcionais, em contraste com os padrões habituais de eventos. “Um | |
milagre é apenas um evento ou ação incomum, e a interpretação religiosa o | |
identi ca como um ato de Deus.” O que é realmente milagroso, na visão de | |
Pannenberg, são as próprias leis da natureza. Por que existe essa ordem em | |
um mundo radicalmente contingente? “A ordem da natureza pela lei natural | |
é um dos maiores milagres, tendo em vista a contingência básica dos eventos | |
e de sua sequência.” | |
Pannenberg leva essa ênfase à contingência ainda mais longe, ao a rmar | |
que as contingências são imprevisíveis. Alguns veem a mão de Deus em | |
certas contingências, interpretando certos eventos como milagres, não | |
porque violem as leis da natureza, mas porque se destacam como incomuns. | |
De vez em quando, no entanto, ocorrem contingências que conscientizam as pessoas da | |
contingência básica que permeia toda a realidade. Uma ocorrência tão incomum pode ser | |
experimentada como um “milagre” e as pessoas religiosas a interpretarão como um ato de Deus, | |
um “sinal” da atividade contínua do Criador na criação e, talvez, de coisas novas por vir.41 | |
Por esse motivo, argumenta Pannenberg, a abordagem agostiniana do | |
milagre deve ser defendida. Não exige nenhuma oposição à ordem da | |
natureza descrita em termos de lei natural. “Requer apenas que admitamos | |
que não sabemos tudo sobre como os processos da natureza funcionam.” | |
ATEOLOGIA NATURAL? ARGUMENTOS EVOLUTIVOS DE DESMISTIFICAÇÃO CONTRA | |
DEUS | |
Finalmente, nos voltamos ao surgimento de uma série de argumentos | |
ligados a interpretações particulares das visões de Darwin sobre a seleção | |
natural ou a “Síntese Evolucionária Estendida”, segundo a qual um | |
entendimento evolutivo das origens das capacidades racionais humanas põe | |
em questão a racionalidade da crença em Deus. O tema fundamental | |
subjacente ao que veio a ser conhecido como “argumentos evolutivos de | |
desmisti cação” é que as origens e características da religião podem ser | |
explicadas em bases evolutivas sem a necessidade de invocar a existência de | |
Deus. | |
Existem algumas di culdades signi cativas no que se refere a uma | |
abordagem tão genérica da religião; talvez a mais notável é que não haja | |
uma de nição empírica estabelecida de “religião”. Pode ser natural para nós | |
pensar na religião em termos essencialistas, vendo-a como uma categoria | |
universal, que compreende exemplos individuais desse universal – como | |
budismo, cristianismo e hinduísmo –, para que generalizações sumativas | |
possam ser feitas sobre a “essência da religião”. Entretanto, historicamente, as | |
visões sobre natureza, função e identidade da religião variaram de um local | |
histórico para outro, como o fazem hoje. A categoria “religião” é | |
provavelmente melhor vista como uma construção social útil que tem pouca | |
ou nenhuma base na investigação cientí ca. O termo é socialmente | |
importante – por exemplo, em relação à garantia do direito básico de | |
“liberdade religiosa” (o que claramente exige algum acordo sobre o que | |
conta como religião). De nições simplistas de religião em termos de uma | |
crença especí ca em deuses ou seres espirituais – subjacentes à ousada | |
declaração de Daniel Dennett, ainda que imprecisa, de que “uma religião | |
sem Deus ou deuses é como um vertebrado sem espinha dorsal”42 – são | |
tornadas problemáticas pelo budismo, que se recusa obstinadamente a se | |
conformar a essas de nições. | |
A maioria dos argumentos evolutivos de desmisti cação se concentra na | |
utilidade social da religião como um fator que aumenta seu potencial de | |
sobrevivência, tornando a questão da de nição menos importante. Crenças | |
que incentivam o surgimento de atitudes pró-sociais provavelmente levarão | |
a uma maior possibilidade de sobrevivência para as comunidades que as | |
adotam. Isso, é claro, levanta a questão da distinção entre religião e ética, na | |
medida em que, embora um sistema ético possa ser derivado de crenças | |
“religiosas”, ele também pode surgir por razões pragmáticas. | |
Muitos têm defendido o caráter adaptativo da religião, visto que a | |
religião encoraja a coesão e a disciplina social, dando a um grupo maior | |
capacidade de sobreviver e de se reproduzir. Há muito que se reconhece que | |
uma das principais funções da religião é a promoção desse tipo de | |
solidariedade de grupo, que muitas vezes é fortalecida por meio de rituais, | |
expressando tanto os fundamentos da identidade do grupo quanto os | |
perigos que a acompanham. Esse vínculo social fortalecido dentro de um | |
grupo não deve ser visto como um m em si mesmo; aumentando a | |
solidariedade, a religião facilita a cooperação dentro do grupo, melhorando | |
assim suas perspectivas de sobrevivência. | |
Mas a capacidade da religião de aumentar as perspectivas de | |
sobrevivência em grupo é uma consequência de sua verdade ou de sua | |
utilidade? Uma perspectiva evolutiva das origens da religião mostra que suas | |
ideias evoluíram, não em resposta à busca pela verdade, mas para aumentar | |
a capacidade do grupo de orescer e se reproduzir? Essa linha de | |
investigação está por trás do surgimento de “argumentos evolutivos de | |
desmisti cação”, alguns dos quais sustentam que o processo evolutivo leva a | |
uma explicação redutiva das crenças religiosas como acidentais e não | |
con áveis. | |
Um conjunto de argumentos evolutivos de desmisti cação baseia-se nas | |
origens da religião, sustentando que o fenômeno da religião pode ser | |
explicado em bases evolutivas sem a necessidade de apelar à existência de | |
um deus ou de outra agência ou entidade transcendente. O lósofo Robert | |
Nola, por exemplo, argumenta que a religião surge naturalmente e, portanto, | |
é explicada por fatores naturais – subvertendo implicitamente qualquer | |
suposição de que a religião seja justi cada ao apelar a qualquer agência ou | |
entidade sobrenatural. Outros argumentam que isso representa um exemplo | |
da “falácia genética”, na qual uma teoria das origens sociais de um sistema | |
ou comunidade é considerada como a explicação de nitiva, excluindo | |
outras. Diferentes níveis de explicação são possíveis. Uma explicação | |
evolutiva de como a música se desenvolveu, por exemplo, não esgota a | |
questão de seu valor atual para os indivíduos ou de sua utilidade social. As | |
perspectivas evolucionárias também não explicam adequadamente as | |
crenças justi cadas. Esse argumento evolutivo de desmisti cação claramente | |
presumiu que explicar as origens da religião equivale a mostrar que as | |
crenças religiosas são falsas. | |
Uma descrição evolutiva das origens da religião não exclui outras causas | |
ou explicações da religião – ou qualquer comunidade de crenças | |
comparável. Nola parece acreditar que as descrições teológicas e evolutivas | |
da religião são incompatíveis, talvez re etindo uma dependência | |
imprudente da metáfora do “con ito” sobre o relacionamento entre elas. Na | |
realidade, várias explicações sobre as origens da religião, operando em | |
diferentes níveis, podem ser dadas, e cada uma delas será inadequada para | |
explicar as especi cidades da religião como um fenômeno em geral ou as | |
características especí cas de qualquer comunidade religiosa. Como | |
observou a lósofa de Oxford, Janet Radcliffe-Richards, em suas críticas à | |
desmisti cação evolutiva do altruísmo, “explicar como o altruísmo veio a | |
existir não mostra que o altruísmo não é real, assim como explicar como um | |
bolo foi feito não mostra que o bolo não é real”.43 | |
Uma segunda abordagem propõe que as origens da crença religiosa | |
residem na falta de con abilidade das faculdades racionais humanas. A | |
evolução não seleciona de acordo com qualquer capacidade de buscar e | |
encontrar a verdade, mas sim devido à capacidade de sobreviver e de se | |
reproduzir. “A seleção natural não se importa com a verdade; ela se importa | |
apenas com o sucesso reprodutivo.” Embora se possa argumentar que faz | |
sentido sugerir que a evolução nos projetou para avaliar o mundo com | |
precisão e formar crenças verdadeiras, permanece a questão de se algumas | |
falsas crenças, pelo menos, podem ser vantajosas em termos adaptativos? | |
Essa linha de pensamento leva a um segundo conjunto de argumentos | |
evolutivos de desmisti cação, segundo os quais a religião é o resultado de | |
uma capacidade falha de raciocínio, re etindo o fato de que a evolução não | |
seleciona a verdade das crenças humanas. A religião é, portanto, considerada | |
o resultado de faculdades racionais humanas imperfeitas, o que nos leva a | |
sustentar certas crenças que acabam se adaptando devido a seus resultados | |
pró-sociais. John Wilkins e Paul Griffiths, por exemplo, argumentam que as | |
crenças empíricas têm uma clara vantagem evolutiva – por exemplo, | |
ajudando-nos a identi car possíveis estratégias de sobrevivência. Portanto, é | |
possível argumentar que as faculdades racionais humanas funcionam bem | |
em um domínio (o empírico), mas não tão bem em outros (como o religioso | |
ou o moral). | |
Contudo, não é nada claro para onde isso nos leva. Argumentar que as | |
faculdades racionais humanas têm uma origem evolutiva não implica que | |
elas levem a crenças falsas. É sabido que diferentes áreas de engajamento e | |
interação – como ciências, ética e teologia – usam estratégias e normas | |
racionais diferentes, adaptadas às suas tarefas e objetivos de pesquisa. | |
Wilkins e Griffiths têm razão em levantar questões sobre a racionalidade de | |
nossos julgamentos, decorrentes de nosso passado evolutivo; no entanto, no | |
nal, eles dependem dessas mesmas faculdades racionais na avaliação da | |
con abilidade de seus julgamentos introduzindo um grau desconfortável de | |
circularidade e autorreferência na discussão. | |
TEOLOGIA NATURAL: É DEUS A “MELHOR EXPLICAÇÃO” DO NOSSO UNIVERSO? | |
Na seção anterior, consideramos alguns argumentos que sugerem que o | |
fenômeno da religião ou uma crença especí ca em Deus pode ser | |
“explicada” pelas ciências naturais. Embora esses argumentos sejam mais | |
fracos do que muitos acreditam, eles levantam uma questão totalmente | |
legítima: de que maneira Deus pode ser visto como a “melhor explicação” do | |
nosso universo? Existe algum caminho intelectual que conecte a observação | |
do nosso mundo a uma realidade transcendente, como Deus? Essa questão é | |
frequentemente explorada com referência à noção de “teologia natural”, que | |
há muito é reconhecida como um tema importante no campo da ciência e | |
da religião. | |
Em seu sentido mais geral, a teologia natural sugere que existe um elo | |
entre o mundo natural e o transcendente. É uma intuição profundamente | |
humana, compartilhada por artistas e cientistas. G. K. Chesterton foi um dos | |
muitos a apontar como a imaginação humana ultrapassa os limites da razão, | |
buscando uma realidade pouco vislumbrada, que parece estar além do | |
limiar de nossa experiência. “Todo verdadeiro artista”, a rmou Chesterton, | |
sente “que está tocando as verdades transcendentais; que suas imagens são | |
sombras de coisas vistas através do véu”.44 Outra maneira de expressar isso é | |
encontrada nos escritos do lósofo José Ortega y Gasset,45 que admite não | |
haver um “arco” de evidências que vincule de forma segura e inequívoca o | |
mundo empírico e a realidade transcendente. No entanto, Ortega nos pede | |
para imaginar um arco romano, ligando dois pilares. Parte do arco desabou, | |
mas ainda podemos ver o traço do arco original e fazer a conexão agora | |
imaginativa, mas antes real, entre os dois pilares. | |
Embora a expressão “teologia natural” (latim: theologia naturalis) fosse | |
conhecida pelos primeiros autores cristãos, não era comumente usada por | |
escritores medievais, como Tomás de Aquino. Como observou, com razão, o | |
estudioso de Oxford, C. C. J. Webb, no início do século 20, estudos | |
históricos indicaram que a expressão “teologia natural” raramente foi usada | |
durante os períodos patrístico e medieval, e só foi mais amplamente | |
utilizada no século 16, principalmente por causa da in uência do estudioso | |
catalão do século 15, Raimundo de Sebonde (c. 1385-1436). | |
Imagina-se que a obra Liber Creaturarum [O Livro das Criaturas], de | |
Sebonde, tenha sido escrita nos últimos dois anos de sua vida. Uma decisão | |
editorial póstuma, do século 16, levou à adição do subtítulo theologia | |
naturalis (ou “teologia natural”) à segunda edição em latim dessta obra – e, | |
portanto, à adoção do termo “teologia natural” para descrever a forma | |
ampla do envolvimento teológico com a natureza, que Sebonde louvava. | |
Entretanto, a expressão em latim theologia naturalis pode ser entendida | |
tanto como “uma teologia natural” quanto “uma teologia da natureza”. Ela | |
pode ser entendida tanto como o processo de argumentar da natureza para | |
Deus como de ver a natureza do ponto de vista da fé. Sebonde tende a adotar | |
a segunda dessas duas abordagens. | |
O trabalho de Sebonde foi amplamente imitado, com o aparecimento de | |
várias publicações de editores franceses e espanhóis no século 16 | |
desenvolvendo seu método e abordagem, moldando as expectativas de como | |
uma “teologia natural” deveria ser, na teoria e na prática. Contudo, a forma | |
de “teologia natural” encontrada na obra de Sebonde tem pouca relação com | |
os entendimentos modernos desse conceito, que surgiram dois séculos | |
depois. A teologia natural não é entendida como um empreendimento | |
apologético, mas é mais vista como um engajamento afetivo com a ordem | |
natural, vista da perspectiva da fé. O tratado de Sebonde, embora inclua | |
algumas seções catequéticas posteriores, que tratam de teologia dogmática, é | |
realmente uma obra de espiritualidade, e não de teologia. | |
Embora os lósofos da religião tendam a de nir “teologia natural” como | |
o “ramo da loso a que investiga o que a razão humana, sem ajuda da | |
revelação, pode nos dizer a respeito de Deus”, um exame do | |
desenvolvimento histórico da teologia natural indica que essa é apenas uma | |
das várias formas que ela tem assumido durante esse processo. Esse | |
entendimento especí co da teologia natural emerge principalmente na | |
Inglaterra do nal do século 17, e é moldado pelo contexto cultural e | |
intelectual daquele período, particularmente pela crescente sensação de | |
afastamento entre os modos de pensar cientí co e religioso. A expressão | |
“físico-teologia” às vezes é usada para se referir a essa abordagem especí ca | |
da teologia natural. | |
A “físico-teologia” surgiu como uma ferramenta intelectual que | |
encorajou a pesquisa cientí ca dentro da cultura persistentemente religiosa | |
da Inglaterra durante o século 18, além de a rmar o valor e a racionalidade | |
da religião dentro de uma cultura cada vez mais cientí ca. Sua ênfase na | |
transparência racional da natureza e na facilidade com que isso era mapeado | |
em um catálogo religioso de signi cados parecia contornar as grandes | |
controvérsias teológicas da época, ao mesmo tempo que encorajava o | |
surgimento das ciências naturais. Em seu auge, no início do século 18, a | |
“físico-teologia” (do grego: physikos, “natural”) era vista como reveladora e | |
proclamadora da harmonia fundamental do universo, fundamentada nas | |
“leis da natureza” estabelecidas por um benevolente criador. | |
Uma das declarações mais conhecidas dessa visão de um universo | |
harmonioso é encontrada na famosa “Ode” de Joseph Addison, de 1712 – | |
um comentário extenso sobre Salmos 19:1, o qual declara que as | |
regularidades do mundo natural exibem a sabedoria e a racionalidade de seu | |
Criador. Para Addison, as regularidades do Sol, da Lua e dos planetas eram | |
uma manifestação publicamente acessível da presença divina dentro do | |
universo: | |
O infatigável Sol, dia após dia, | |
O poder de seu Criador anuncia, | |
E publica para cada continente | |
A obra de uma Mão Onipotente.46 | |
A razão humana foi capaz de discernir essa regularidade e expressá-la | |
matematicamente. Para Addison e seus contemporâneos, a racionalidade e a | |
elegância dessa visão de harmonia cósmica eram uma garantia da perfeição | |
de Deus na criação: | |
No ouvido da Razão, todos rejubilam, | |
E uma voz gloriosa domina, | |
Para sempre cantando, enquanto brilham, | |
A Mão que nos criou é Divina.47 | |
Atualmente, existe amplo reconhecimento da diversidade de | |
perspectivas possíveis com respeito à teologia natural, incluindo abordagens | |
intelectuais com duas direções bastante diferentes: da natureza para Deus e | |
de Deus para a natureza. Na sequência, descrevemos brevemente quatro | |
perspectivas de teologia natural, duas das quais representam o primeiro tipo | |
de abordagem e, duas outras, o segundo: | |
1. A teologia natural refere-se a uma forma de raciocínio, independente | |
da revelação, que re ete sobre as implicações teístas da beleza ou da | |
complexidade do mundo natural. Como observamos anteriormente, | |
esse entendimento especí co da teologia natural é amplamente | |
referido como “físico-teologia” e emergiu como uma presença | |
intelectual signi cativa na Inglaterra do século 18. A trajetória do | |
pensamento aqui é da observação do mundo natural à inferência da | |
existência de Deus, sem pressupor ou estabelecer uma relação de | |
dependência com relação a ideias reveladas. Essa abordagem pode | |
se basear na ordem ou na beleza do mundo natural, ambas | |
consideradas como tendo implicações apologéticas. | |
2. A teologia natural designa uma teologia que vem “naturalmente” à | |
mente humana – isto é, sem o auxílio da revelação divina. Pode ser | |
considerada como uma demonstração da racionalidade intrínseca | |
da fé cristã, usando formas naturais de raciocínio. O chamado | |
“argumento ontológico” de Anselmo para a existência de Deus é um | |
bom exemplo dessa abordagem. No Proslógio, Anselmo não apela à | |
revelação para justi car a racionalidade da fé e não se envolve com | |
o mundo natural, concentrando-se nos padrões de raciocínio | |
humano, apontando para suas implicações. | |
Ambas as perspectivas de teologia natural esboçadas acima assentam | |
seus pontos de partida no mundo da natureza e apontam para uma | |
divindade genérica, que então demanda correlação com uma compreensão | |
mais especí ca da divindade, como o conceito cristão de Deus. | |
E quanto às perspectivas de teologia natural que se originam dentro de | |
uma comunidade de fé e são informadas por suas crenças distintas? Vamos | |
considerar duas abordagens desse tipo. | |
3. A teologia natural deve ser entendida primordialmente como uma | |
“teologia da natureza” – isto é, como uma maneira especi camente | |
cristã de ver ou entender o mundo natural, re etindo as suposições | |
centrais da fé cristã, para contrastar ou mesmo opor-se a descrições | |
naturalistas ou seculares da natureza. O movimento do pensamento | |
aqui é de dentro da tradição cristã em direção à natureza, e não da | |
natureza em direção à fé (como na segunda abordagem, | |
mencionada acima). Essa abordagem pressupõe a revelação divina e | |
re ete o entendimento especí co da natureza que resulta quando a | |
natureza é vista dessa perspectiva. Ela se origina da tradição cristã e | |
estabelece um modo especi camente cristão de ver a ordem natural. | |
4. A teologia natural é o resultado intelectual da tendência natural da | |
mente humana de desejar ou de se inclinar para Deus. | |
Tradicionalmente, essa abordagem faz um apelo ao “desejo natural | |
de ver Deus”, desenvolvido por Tomás de Aquino e outros, embora | |
possa ser formulada de várias maneiras – como a a rmação de | |
Bernard Lonergan de que há uma tendência inata do intelecto | |
humano para entender a existência. Nessa abordagem, é natural que | |
a mente humana busque por Deus; a teologia natural é o resultado | |
dessa busca, fundamentada em uma espécie de “instinto de voltar | |
para casa”48 intelectual ou imaginativo, que existiria na humanidade. | |
Outras abordagens podem, é claro, ser discernidas e desenvolvidas. O | |
ponto a ser apreciado aqui é que “teologia natural” designa um | |
empreendimento intelectual multifacetado, que resiste à de nição, mas é | |
rico em aplicações e explora possíveis conexões entre o mundo da natureza e | |
uma realidade transcendente – como o conceito cristão de Deus. Essas | |
conexões são múltiplas e complexas. Tradicionalmente, elas se concentram | |
na re exão sobre Deus como uma explicação para a beleza e a regularidade | |
da natureza, usando modos de argumentação indutivo, abdutivo e dedutivo. | |
No entanto, outras abordagens devem ser observadas, particularmente a | |
clássica metáfora renascentista sobre os “Dois Livros de Deus”, cujas origens | |
podem ser rastreadas até o início do período medieval. Essa metáfora | |
fortemente visual nos convida a ver Deus como o autor ou criador de dois | |
“livros” distintos, mas relacionados – o “Livro da Natureza” e o “Livro das | |
Escrituras” – e, assim, imaginar a natureza como um texto legível que requer | |
interpretação de maneira comparável à interpretação cristã da Bíblia. | |
Os pontos fortes e os limites dessa abordagem podem ser vistos nos | |
escritos do físico e teólogo John Polkinghorne. Seu ponto de partida é que, | |
embora a teologia e as ciências naturais divirjam em seus métodos de | |
pesquisa, elas compartilham a visão de uma compreensão aprofundada do | |
nosso mundo. “Teologia e ciência diferem muito quanto à natureza do | |
objeto de que tratam. No entanto, cada uma delas tenta compreender | |
aspectos da forma como o mundo é.”49 Ciente dos limites e de ciências da | |
“físico-teologia”, Polkinghorne argumentou em favor de uma “nova teologia | |
natural” que fosse reavivada e revisada. Esta abordagem da teologia natural | |
se vê como um suplemento às explicações das ciências naturais, em vez de se | |
considerar uma rival ou concorrente da explicação cientí ca. “O Deus da | |
físico-teologia, consequentemente, era o Deus das lacunas, uma | |
pseudodivindade que pretendia complementar a explicação cientí ca | |
quando esta estivesse em falta, mas estava, portanto, sempre sujeita a ser | |
declarada redundante quando novos avanços cientí cos fornecessem sua | |
própria explicação.”50 | |
A “nova” teologia natural de Polkinghorne não reivindica a existência de | |
Deus, mas argumenta que sua abordagem oferece insights sobre um | |
envolvimento mais amplo com o mundo natural, na medida em que | |
propicia uma explicação mais satisfatória da natureza do que suas | |
alternativas ateias ou naturalistas. Embora a própria ciência não pareça | |
precisar de nenhuma suplementação teológica em seu próprio domínio | |
distinto, ela levanta questões que não pode responder com base em seus | |
próprios métodos de trabalho. “Existem metaquestões que surgem da nossa | |
experiência e entendimento cientí cos, mas que nos apontam para além do | |
que a ciência por si só pode presumir falar.” Essas “metaquestões” são | |
abordadas pela nova teologia natural. | |
Veja bons exemplo de tais metaquestões: | |
• Antes de mais nada, por que a ciência, em sua forma moderna e | |
desenvolvida, é possível? | |
• Por que o universo físico é tão racionalmente transparente para nós, | |
tal que possamos discernir seu padrão e estrutura, mesmo no | |
mundo quântico, que tem pouca relação com nossa experiência | |
cotidiana? | |
• Por que alguns dos padrões mais belos propostos pela matemática | |
pura são realmente encontrados na estrutura do mundo físico? | |
A teologia natural oferece uma estrutura explicativa que suplementa – e | |
não substitui – a das ciências naturais, permitindo uma compreensão mais | |
ampla e profunda de seu potencial e limites. Polkinghorne sugere que outro | |
exemplo de metaquestão surge da observação do ajuste no do universo, | |
geralmente expresso em termos do “princípio antrópico”. Por que o universo | |
aparentemente é “ideal” para a vida? Essa nova teologia natural oferece a | |
percepção de que nosso universo pode ser visto como uma “criação que foi | |
dotada por seu Criador com as condições exatas necessárias para sua | |
história frutífera”. | |
Polkinghorne, portanto, rejeita a ideia de teologia natural como um | |
meio independente de demonstrar a existência de Deus. Seu argumento é | |
que a teologia natural pertence justamente à “investigação teológica geral” e | |
que visa oferecer uma visão aprimorada da maneira como o mundo é, | |
complementando ou suplementando as ciências, em vez de tentar substituílas. | |
Existem vários usos aos quais uma teologia natural pode ser aplicada. | |
Um deles, como vimos, é a rmar a legitimidade intelectual de um diálogo | |
entre ciência e religião – talvez vendo cada uma como oferecendo | |
perspectivas diferentes, mas potencialmente complementares, de um mundo | |
complexo. A teologia natural pode também servir para uma função | |
adicional – levantar questões sobre a legitimidade do “cienti cismo”, | |
destacando particularmente a visão empobrecida da natureza que surge da | |
perspectiva de que apenas a ciência determina nossa compreensão e nossas | |
atitudes em relação ao mundo natural. | |
Essa ansiedade sobre os limites das ciências naturais em nossa busca de | |
signi cado é ecoada em “Lamia”, o poema de John Keats, de 1820, que | |
levanta preocupações sobre o efeito potencialmente empobrecedor de | |
reduzir os belos e impressionantes fenômenos da natureza – como um arcoíris – à lógica abstrata da teoria cientí ca. Essa estratégia reducionista é | |
esteticamente empobrecedora, esvaziando a natureza de sua beleza e | |
mistério e reduzindo-a a algo frio e clínico: | |
Os encantos todos não voam | |
Com o simples toque da fria loso a? | |
Uma vez, houve um espantoso arco-íris no céu: | |
Nós conhecemos sua trama, sua textura; ela é dada | |
No enfadonho catálogo de coisas comuns. | |
A loso a cortará as asas de um anjo …51 | |
A chave para a preocupação de Keats está em sua referência a “cortar” as | |
asas de um anjo. Para Keats, o mundo natural é – e deve ser – uma porta de | |
entrada para o reino do transcendente. A razão humana pode compreender | |
algo do mundo real; suas ideias são complementadas pela capacidade da | |
imaginação humana de re etir sobre o que está além do alcance do método | |
empírico. Keats, como muitos outros poetas românticos, valorizava a | |
imaginação humana, vendo-a como uma faculdade que permitia insights | |
sobre o transcendente e sublime. A razão, em contraste, manteve a | |
humanidade rmemente ancorada ao solo e ameaçou impedir que ela | |
descobrisse suas dimensões espirituais mais profundas. | |
Para Keats, um arco-íris é destinado a elevar o coração e a imaginação | |
humana, sugerindo a existência de um mundo além dos limites da | |
experiência. Para autores cientí cos, como Richard Dawkins, o arco-íris | |
permanece rmemente localizado no mundo da experiência humana, não | |
tendo dimensão ou capacidade transcendente. O fato de poder ser explicado | |
em termos puramente naturais pressupõe que não tenha nenhum | |
signi cado como sinal de algo que esteja além dele. O “anjo” que, para Keats, | |
pretendia elevar nossos pensamentos para o céu, teve suas asas cortadas; não | |
pode mais fazer nada, a não ser espelhar o mundo dos eventos e aparências | |
terrestres, na medida em que qualquer vínculo com um possível mundo | |
transcendente foi rompido. | |
Para os teístas, esse entendimento imaginativamente de ciente e | |
racionalmente truncado do mundo natural pode ser contestado e corrigido | |
através de uma teologia natural. Essa teologia natural é capaz de enriquecer | |
uma narrativa cientí ca, impedindo-a de colapsar naquilo que Keats | |
censurou como um “enfadonho catálogo de coisas comuns”. Uma teologia | |
natural fornece estrutura para um engajamento imaginativo informado com | |
a natureza, permitindo que ela seja apreciada por sua beleza e não | |
simplesmente tratada como um objeto de dissecação racional. Uma das | |
características mais perturbadoras do cienti cismo é o racionalismo | |
excessivo, que impede qualquer envolvimento sério com níveis mais | |
profundos do mundo natural, incluindo seu impacto afetivo sobre nós. | |
UMA METAQUESTÃO: CRIAÇÃO E UNIFORMIDADE DA NATUREZA | |
John Polkinghorne desenvolveu a ideia de “metaquestão” ao considerar a | |
relação entre ciência e religião. “Existem metaquestões que surgem de nossa | |
experiência e entendimento cientí cos, mas que nos apontam para além do | |
que a ciência por si só pode presumir falar.”52 Um excelente exemplo de | |
metaquestão diz respeito à uniformidade da natureza, que as ciências | |
naturais devem assumir, mas que não podem provar. | |
Em sua obra de 1912, e Problems of Philosophy, o lósofo britânico | |
Bertrand Russell levantou algumas questões difíceis sobre o método | |
cientí co, observando que o empreendimento cientí co aparentemente | |
dependia de certas suposições injusti cáveis. A di culdade essencial | |
observada por Russell é que o método cientí co é obrigado a assumir a | |
uniformidade da natureza para os seus procedimentos, mas não pode, por si | |
só, substanciar essa suposição implícita. “A crença na uniformidade da | |
natureza é a crença de que tudo o que aconteceu ou acontecerá é um | |
exemplo de alguma lei geral para a qual não há exceções.”53 Mas quais são os | |
fundamentos dessa crença, que é indiscutivelmente fundamental para o | |
método cientí co? | |
A ciência pode descobrir regularidades e uniformidades; no entanto, os | |
padrões passados de regularidade não podem ser considerados conducentes | |
a qualquer grau de certeza. “O homem que alimentou a galinha todos os dias | |
ao longo de sua vida torce o seu pescoço a certa altura, mostrando que | |
visões mais re nadas sobre a uniformidade da natureza teriam sido úteis | |
para a galinha.”54 A questão aqui diz respeito aos limites do raciocínio | |
indutivo – uma questão levantada por David Hume, mas desenvolvida mais | |
rigorosamente por Russell: | |
Assim, nosso princípio indutivo não pode, de qualquer forma, ser refutado por um apelo à | |
experiência. O princípio indutivo, no entanto, não pode igualmente ser provado por um apelo à | |
experiência. [...] Assim, todo conhecimento que, com base na experiência, nos diz algo sobre o | |
que não é experimentado é baseado em uma crença que a experiência não pode con rmar nem | |
refutar, mas que, pelo menos em suas aplicações mais concretas, parece estar tão rmemente | |
enraizada em nós quanto muitos dos fatos da experiência.55 | |
Russell argumenta, portanto, que a investigação empírica não pode | |
fornecer uma justi cativa da indução (ou de conceitos associados, como a | |
uniformidade da natureza), pois qualquer justi cativa indutiva ou empírica | |
da indução seria simplesmente posta em questão. Quanto a esse ponto, “o | |
próprio princípio não pode, sem circularidade, ser inferido a partir das | |
uniformidades observadas, uma vez que é necessário justi car tal | |
inferência”, conforme Russell colocou em uma obra posterior.56 | |
A relevância losó ca da doutrina da criação para as ciências naturais | |
foi explorada em um artigo clássico, porém negligenciado, do lósofo de | |
Oxford, Michael Foster, publicado em 1934, intitulado e Christian | |
Doctrine of Creation and the Rise of Modern Science [A doutrina cristã da | |
criação e o surgimento da ciência moderna]. Nesse artigo, Foster estabeleceu | |
a maneira pela qual a crença de que a ordem natural foi criada teve grandes | |
consequências para a investigação cientí ca. Embora Foster tenha | |
concentrado sua atenção particularmente nos desenvolvimentos dos séculos | |
17 e 18, cará claro que sua análise continua a ter relevância para | |
desenvolvimentos subsequentes. | |
Foster argumenta que as “implicações metafísicas do dogma cristão”, 57 | |
especialmente em relação à noção de criação, forneceram uma base | |
intelectual para uma análise cientí ca da natureza. Os métodos das ciências | |
naturais re etem uma série de suposições sobre a natureza que se apoiavam | |
nas crenças cristãs sobre Deus e a criação. Como parte de sua análise, Foster | |
faz a observação de que a substituição de ideias pagãs da criação | |
(especialmente aquelas que repousam na ideia de um “demiurgo”) por ideias | |
cristãs foi uma condição prévia essencial para o surgimento das ciências | |
naturais. | |
Foster sugeriu que a doutrina cristã da criação tornava possível uma | |
visão especí ca da natureza que encorajava o surgimento das ciências | |
naturais. A doutrina da criação ex nihilo permitiu ao cientista abordar a | |
natureza com a expectativa de que a racionalidade divina se re etisse em | |
suas estruturas e funcionamento: | |
Derivam daí dois pressupostos que serão facilmente reconhecidos como fundamentais para o | |
método cientí co moderno: primeiro, o pressuposto de que o cientista não deve olhar para lugar | |
algum além do mundo da própria natureza material para encontrar os objetos próprios de sua | |
ciência; segundo (na verdade, um corolário do primeiro), que as leis inteligíveis que ele descobre | |
ali não admitem exceção. Ambos são consequências da doutrina de que o mundo material é | |
obra, não de um Demiurgo, mas de um criador onipotente. [...] Um Criador divino, que não é | |
limitado por um material recalcitrante, pode incorporar suas ideias na natureza com a mesma | |
perfeição com que estão presentes ao seu intelecto.58 | |
Foster compara essa noção cristã de Deus com as que encontrou em sua | |
leitura da loso a grega clássica, e sugere que somente a primeira poderia | |
oferecer uma base intelectual para os métodos das ciências naturais. Foster | |
procurou distinguir as visões cristã e grega de natureza e identi car sua | |
importância para o cientista natural. Ele situou a distinção mais | |
fundamental entre as concepções grega e cristã de natureza no conceito de | |
“criação”. A rmar que o mundo foi criado é fazer uma série de declarações | |
signi cativas sobre a natureza: | |
A natureza, na visão grega, inclui tudo. Inclui homens e deuses (homens e deuses são | |
concidadãos do universo, diz Cícero, reproduzindo uma visão estoica); homens e deuses nascem | |
de uma origem comum, disse Hesíodo. [...] A ciência da natureza é um estudo contemplativo; ela | |
procede da contemplação sensorial das aparências de divindade à contemplação intelectual do | |
divino em si. [...] Na concepção cristã, por outro lado, a natureza é feita por Deus, mas não é | |
Deus. Há uma ruptura abrupta entre natureza e Deus. A adoração divina deve ser prestada | |
somente a Deus, que é totalmente diferente da natureza. A natureza não é divina.59 | |
Embora a abordagem de Foster exija algumas quali cações, ela destaca a | |
importância do argumento de Polkinghorne de que a ciência depende de | |
certos pressupostos críticos que ela mesma não pode fornecer, mas que são | |
providos com equilíbrio intelectual por um enquadramento teológico. | |
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Notas | |
1 Max Planck, Where Is Science Going? [Para onde a ciência está indo?] Nova York: W.W. Norton, | |
1932, p. 214. | |
2 omas H. Huxley, in Francis Darwin, ed. e Life and Letters of Charles Darwin [A vida e as cartas | |
de Charles Darwin] (3 vols). Londres: John Murray, 1887, vol. 2, p. 200. | |
3 Richard Dawkins, A Devil’s Chaplain: Selected Writings. Londres: Weidenfeld & Nicholson, 2003, p. | |
81. [Ed. Bras.: O capelão do Diabo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005] | |
4 William Lane Craig e Quentin Smith, eism, Atheism, and Big Bang Cosmology [Teísmo, ateísmo e | |
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5 William Paley, Natural eology: Or Evidences of the Existence and Attributes of the Deity, 12. ed. | |
[Teologia Natural: ou evidências da existência e atributos da divindade, 12. ed.]. Londres: Faulder, | |
1809, p. 1. | |
6 O termo original é contrivance, que em algumas ocasiões também pode ser traduzido por | |
“engenhosidade” [N. E.]. | |
7 Ibidem, p. 3. | |
8 Ibidem, p. 378. | |
9 Ibidem, p. 379. | |
10 Ibidem. | |
11 Ibidem, pp. 18-19. | |
12 Ibidem, pp. 17-18 | |
13 David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion [Diálogos sobre religião natural]. Nova York: | |
Penguin, 1990, p. 79. | |
14 Charles Kingsley, ‘e Natural eology of the Future,’ in Westminster Sermons. Londres: | |
Macmillan, 1874, pp. v–xxxiii. | |
15 Richard Dawkins, e Blind Watchmaker: Why the Evidence of Evolution Reveals a Universe without | |
Design, Londres: Penguin, 1988, p. 5. [Ed. Bras.: O relojoeiro cego. São Paulo: Companhia das Letras, | |
2001]. | |
16 Alvin Plantinga, Where the Con ict Really Lies: Science, Religion, and Naturalism. Oxford: Oxford | |
University Press, 2011, p. 14. [Ed. Bras.: Ciência, religião e naturalismo: onde está o con ito? São | |
Paulo: Vida Nova, 2018.] | |
17 Richard Dawkins, e Sel sh Gene, 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 1989, p. 330. [ed. Bras.: | |
O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.] | |
18 John Polkinghorne, eology in the Context of Science [Teologia no contexto da ciência]. London: | |
SPCK, 2008, pp. 84–86. | |
19 Laurence Bonjour e Ernest Sosa, Epistemic Justi cation: Internalism vs. Externalism, Foundations | |
vs. Virtues [Justi cação Epistêmica: Internalismo vs. Externalismo, Fundamentos vs. Virtudes]. | |
Oxford: Blackwell, 2003, p. 174 (ênfase no original). | |
20 Stanley Fish, “Evidence in Science and Religion, Part Two.” New York Times, 9 April 2012. | |
21 David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion [Diálogos sobre a religião natural]. Nova | |
York: Penguin, 1990, p. 79. | |
22 Agostinho de Hipona, De Genesi ad litteram [Comentário literal de Gênesis], IX.17. | |
23 Aubrey Moore, “e Christian Doctrine of God,” in Lux Mundi: A Series of Studies in the Religion | |
of the Incarnation [Lux Mundi: uma série de estudos sobre a religião da encarnação], editado por | |
Charles Gore. Londres: John Murray, 1890, pp. 57–109; citação na p. 99. | |
24 Ian G. Barbour, Religion in an Age of Science [Religião na era da ciência]. São Francisco: | |
HarperSanFrancisco, 1990, p. 29. | |
25 Ibidem, p. 224. | |
26 Sigla para a expressão em inglês Non-Interventionist Objective Divine Action. [N. T.] | |
27 Robert John Russell, ‘Divine Action and Quantum Mechanics: A Fresh Assessment,’ in Quantum | |
Mechanics: Scienti c Perspectives on Divine Action [Mecânica quântica: perspectivas cientí cas da ação | |
divina], editado por Robert John Russell et al. Cidade do Vaticano: Vatican Observatory, 2001, pp. | |
293–328; citação na p. 295. | |
28 Newton, citado por Richard Westfall, Science and Religion in Seventeenth Century England [Ciência | |
e religião na Inglaterra do século 17]. New Haven, CT: Yale University Press, 1970, pp. 203–204. | |
29 David Hume, An Enquiry Concerning Human Understanding. Oxford: Clarendon Press, 2007, p. 62. | |
[Ed. Bras.: Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: | |
Editora Unesp, 2004.] | |
30 Ibidem. | |
31 Paul Davies, e Mind of God: e Scienti c Basis for a Rational World. Nova York: Simon & | |
Schuster, 2005, p. 81-82. [Ed. Bras.: A mente de Deus: a ciência e a busca do sentido último. Rio de | |
Janeiro: Ediouro, 1994.] | |
32 Albert Einstein, Ideas and Opinions. Nova York: Crown Publishers, 1954, pp. 47–48. | |
33 Albert Einstein, carta a Cornelius Lanczos, 12 de março de 1942; in H. Dukas e B. Hoffmann, eds., | |
Albert Einstein: e Human Side [Albert Einstein: o lado humano]. Princeton, NJ: Princeton | |
University Press, 1979, p. 68. | |
34 Paul Davies (2005), p. 86. | |
35 F. R. Tennant, Miracle and Its Philosophical Presuppositions [O milagre e suas pressuposições | |
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36 Keith Ward, Divine Action [Ação divina]. Londres: Collins, 1990, p. 196. | |
37 Ibidem, pp. 177-178. | |
38 Keith Ward, “Believing in Miracles.” Zygon, 37, n. 3 (2002), 741–750; citação na p. 743. | |
39 Ididem, p. 746. | |
40 Wolart Pannenberg, “e Concept of Miracle.” Zygon, 37, n. 3 (2002), 759–762. | |
41 Ibidem, p. 761. | |
42 Daniel C. Dennett, Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon [Quebrando o feitiço: a | |
religião como um fenômeno natural]. Nova York: Viking Penguin, 2006, p. 9. | |
43 Janet Radcliffe‐Richards, Human Nature aer Darwin: A Philosophical Introduction [A natureza | |
humana depois de Darwin: uma introdução losó ca]. Londres: Routledge, 2000, p. 180. | |
44 G. K. Chesterton, e Everlasting Man. San Francisco: Ignatius Press, 1993, p. 105. [Ed. Bras.: O | |
homem eterno. Cajamar, SP: Mundo Cristão, 2010.] | |
45 José Ortega y Gasset, ‘El origen deportivo del estado.’ Citius, Altius, Fortius, 9, n. 1–4(1967): 259– | |
276. | |
46 Joseph Addison, “Ode”, in Christopher Ricks, ed., e Oxford Book of English Verse. Oxford: Oxford | |
University Press, 1999, p. 246. | |
47 Ibidem. | |
48 A expressão usada no original, homing instinct, refere-se à capacidade que certos animais e aves | |
têm de encontrar o caminho de volta para casa, depois de viajar longas distâncias. [N. T.] | |
49 John Polkinghorne, One World: e Interaction of Faith and Science [Um único mundo: a interação | |
entre a fé e a ciência]. Londres: SPCK, 1986, p. 36. | |
50 Para o que se segue, veja John Polkinghorne, “e New Natural eology”. Studies in World | |
Christianity, 1, n. 1 (1995): 43–44. | |
51 John Keats, Complete Poems [Poemas completos], 3. ed. Londres: Penguin, 1988, p. 395. | |
52 John Polkinghorne, “e New Natural eology”. Studies in World Christianity, 1, n. 1 (1995): 41– | |
50; citação na p. 43. | |
53 Bertrand Russell, e Problems of Philosophy [Os problemas da | |
University Press, 1912, p. 98. | |
loso a]. Londres: Oxford | |
54 Ibidem. | |
55 Ibidem, p. 99. | |
56 Bertrand Russell, History of Western Philosophy. Londres: George Allen & Unwin, 1946, pp. 673– | |
674. [Ed. Bras.: História da loso a ocidental. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: | |
Companhia Editora Nacional, 1982.] | |
57 Michael B. Foster, “e Christian Doctrine of Creation and the Rise of Modern Science.” Mind, 43 | |
(1934): 446–468. | |
58 Michael B. Foster, “Christian eology and Modern Science of Nature (II).” Mind, 45 (1936): 1–27; | |
citação nas pp. 14–15. | |
59 Michael B. Foster, “Greek and Christian Ideas of Nature”. e Free University Quarterly, 6 (1959): | |
122–127; citação nas pp. 123–124 (ênfase no original). | |
C | |
omo visualizamos sistemas complexos? Como formamos imagens | |
mentais de entidades não observáveis ao tentarmos entendê-las e | |
descobrir maneiras de explorá-las ainda mais? Um dos aspectos mais | |
intrigantes da interface entre ciência e religião é o uso de “modelos” | |
ou “analogias” como recursos visuais para representar entidades complexas | |
– seja a entidade em questão um núcleo atômico ou Deus. O lósofo da | |
ciência Ernan McMullin indica os modelos cientí cos como uma forma de | |
representar e organizar as observações do mundo, ao chamar a atenção para | |
suas estruturas ocultas que estão subjacentes a essas observações: | |
Os cientistas constroem teorias que explicam as características observadas do mundo físico | |
postulando modelos para a estrutura oculta das entidades que são estudadas. Essa estrutura é | |
relacionada causalmente aos fenômenos observáveis, e o modelo teórico fornece uma | |
aproximação dos fenômenos a partir dos quais o poder explicativo do modelo deriva.1 | |
Um argumento semelhante é apresentado pelo lósofo da ciência Peter | |
Godfrey-Smith, ao ressaltar que o uso cientí co de modelos geralmente | |
envolve o desenvolvimento de simpli cações deliberadas, projetadas para | |
tornar os problemas mais tratáveis: | |
Um modelo é uma estrutura imaginada ou hipotética que descrevemos e investigamos na | |
esperança de usá-lo para entender algum sistema ou domínio mais “complexo” do mundo real. O | |
entendimento é obtido por meio de uma relação de semelhança, ou seja, alguma similaridade | |
relevante entre o modelo e o sistema-alvo do mundo real.2 | |
O argumento de Godfrey-Smith é que modelos não devem ser | |
representações exatas de uma entidade ou sistema complexos; eles se | |
assemelham a esse sistema em alguns pontos e, portanto, são capazes de | |
estimular a formulação de perguntas e métodos de pesquisa planejados para | |
permitir uma compreensão mais profunda da realidade mais complexa – e, | |
consequentemente, o desenvolvimento de modelos mais con áveis. No | |
entanto, esses modelos não precisam ser analogias físicas – como o famoso | |
modelo do átomo como um “sistema solar”, desenvolvido por Ernest | |
Rutherford no início do século 20, pois alguns modelos cientí cos assumem | |
a forma de representações matemáticas. | |
Neste capítulo, vamos explorar as diferentes maneiras pelas quais esses | |
“recursos visuais” são desenvolvidos e empregados em ciência e religião. São | |
eles simplesmente maneiras úteis de visualizar o invisível e o inacessível? | |
Precisamos ser capazes de imaginar coisas como elétrons, prótons e núcleos | |
atômicos – e Deus. Ou eles também geram um programa de pesquisa, | |
abrindo assim novas linhas de investigação, exploração e compreensão? | |
Os modelos desempenham uma função psicológica importante, na | |
medida em que permitem aos seres humanos discernir um senso racional | |
dentro do que muitas vezes parece ser um mundo sem forma e desordenado. | |
Em 1897, o psicólogo William James destacou a necessidade humana de | |
encontrar uma maneira de superar a confusão e a uidez conceitual do | |
mundo pelo uso de modelos e teorias, a m de trazer a sua (presumida) | |
racionalidade para um foco mais nítido: | |
Todas as magní cas conquistas das ciências físicas e matemáticas – nossas doutrinas da | |
evolução, da uniformidade das leis e todo o resto – procedem de nosso desejo indomável de | |
representar o mundo de uma forma mais racional em nossas mentes do que na forma em que ele | |
é percebido pela ordem grosseira de nossa experiência. O mundo tem se mostrado, em grande | |
medida, plástico a essa nossa demanda por racionalidade.3 | |
Contudo, James sugere que essa percepção de ordem, reforçada pelo uso | |
seletivo de modelos, pode originar-se tanto em nosso desejo de encontrar | |
estruturas racionais quanto naquilo que o próprio universo revela. | |
A representação da realidade em ciência e religião é frequentemente | |
concebida em termos de modelos, metáforas e analogias. Sendo assim, essas | |
três categorias de representação constituem pontos diferentes em um | |
espectro essencialmente contínuo de possibilidades intelectuais ou são | |
abordagens distintas do processo de representação imaginativa? Não | |
poderiam cientistas ou teólogos estarem enganados em suas concepções, | |
confundindo as categorias de metáfora e analogia – supondo, antes de mais | |
nada, que haja uma diferença genuína entre elas? Vários estudiosos tentaram | |
explicar as diferentes características entre modelos, metáforas e analogias, e | |
como elas poderiam afetar o uso dessas categorias em ciência e religião. A | |
lósofa da ciência Daniela Bailer-Jones, por exemplo, aponta como essas três | |
categorias são empregadas em todas as disciplinas, tornando difícil | |
estabelecer, de forma precisa, sua natureza e função. Bailer-Jones sugere que | |
um modelo pode ser pensado como “uma descrição interpretativa de um | |
fenômeno que facilita o acesso a esse fenômeno”.4 Isso destaca a função | |
heurística de um modelo e nos ajuda a entender que, ao focar apenas em | |
certos aspectos do fenômeno, ele produz, na melhor das hipóteses, acesso | |
parcial ao fenômeno. | |
Bailer-Jones considera uma metáfora como “uma expressão linguística | |
na qual pelo menos uma parte da expressão é transferida de um domínio de | |
aplicação (domínio-fonte), no qual é ela comum, para outro (domínio-alvo) | |
no qual é incomum, ou provavelmente era incomum em um momento | |
anterior, quando teria sido nova”.5 Isso enfatiza os aspectos criativos e | |
imaginativos de uma metáfora e também nos permite entender como as | |
metáforas podem perder sua força inovadora ao longo do tempo. No caso de | |
uma analogia, Bailer-Jones aponta para a importância de uma semelhança | |
entre relações em dois domínios diferentes, ajudando a fazer a transição de | |
um fenômeno desconhecido ou novo para um conceito familiar ou mais | |
facilmente compreendido. | |
Neste capítulo, vamos considerar o uso de modelos, metáforas e | |
analogias em ciência e religião. É preciso deixar claro desde o início que não | |
há acordo geral sobre o signi cado dos termos “modelo”, “metáfora” e | |
“analogia”, e como eles devem ser distinguidos uns dos outros. Para explorar | |
esta questão, vamos considerar como modelos, metáforas e analogias são | |
desenvolvidos e usados tanto em ciência quanto em teologia, antes de | |
explorar como Ian Barbour os aplicou ao caso especí co da ciência e da | |
religião. | |
O USO DE MODELOS NAS CIÊNCIAS NATURAIS | |
Os modelos são geralmente entendidos como formas de pensar ou | |
representar sistemas complexos, que auxiliam na visualização do sistema e | |
também fornecem uma maneira provisória de entendê-lo, baseado em algo | |
que já nos é conhecido. Isso nos permite extrair inferências provisórias e | |
formular hipóteses testáveis sobre o sistema mais complexo com base em | |
um modelo mais simples ou mais conhecido. | |
Como deve ser evidente, a partir da breve análise apresentada acima, a | |
lósofa da ciência Daniela Bailer-Jones desenvolveu um entendimento | |
coerente de modelos, metáforas e analogias, embora existam claras zonas de | |
superposição entre essas categorias. No entanto, os pontos de vista dela | |
podem não ser compartilhados por cientistas e teólogos, dado o grau | |
signi cativo de “imprecisão” nas de nições. Em uma série de entrevistas | |
com cientistas ativos em pesquisa no Reino Unido, Bailer-Jones os convidou | |
a de nir o que entendiam por modelos cientí cos e como consideravam a | |
sua função em programas de pesquisa cientí ca. Essas entrevistas apontam | |
para uma variedade considerável no uso do conceito de modelo. | |
Em termos gerais, Bailer-Jones descobriu que os cientistas tendem a | |
pensar em modelos como “simpli cações” do sistema que está sendo | |
modelado. Para a biogeoquímica Nancy Dise, este é um elemento central de | |
sua compreensão de um modelo cientí co: | |
Geralmente, eu consideraria um modelo uma simpli cação do sistema, incorporando os | |
elementos mais importantes – o que você considera os mais importantes – desse sistema. Assim, | |
você descreve o sistema, mas não o descreve em todos os detalhes.6 | |
As entrevistas de Bailer-Jones com cientistas atuantes levaram-na a tirar | |
cinco conclusões gerais sobre como eles entendiam o papel dos modelos em | |
suas pesquisas, como se segue:7 | |
1. A modelagem é amplamente considerada como central para se fazer | |
ciência. Trata-se de um afastamento relativamente recente da | |
preocupação com teorias. | |
2. Existe uma diversidade considerável em como os modelos são | |
entendidos, sendo adotadas várias de nições e descrições de | |
modelos cientí cos. | |
3. Os modelos são comumente caracterizados por simpli cações e | |
omissões com o objetivo de “capturar a essência” do que está sendo | |
modelado. | |
4. Os modelos são concebidos para propiciar insights, e não fazem isso | |
por simplesmente descrever dados. | |
5. Embora os modelos tenham uma variedade de aspectos já | |
especi cados, espera-se também que sejam submetidos a testes | |
empíricos. | |
Como as entrevistas de Bailer-Jones deixam claro, os cientistas naturais | |
desenvolvem e usam regularmente modelos para representar, pelo menos, | |
certos aspectos de sistemas complexos. Um modelo é entendido como uma | |
maneira simpli cada, desenvolvida por pesquisadores com o objetivo | |
especí co de representar um sistema complexo, permitindo que seus | |
usuários obtenham uma compreensão maior de, pelo menos, alguns de seus | |
múltiplos aspectos. Esses modelos são inventados, deliberadamente | |
construídos para permitir que seus usuários visualizem e interpretem, | |
mesmo que em parte, um sistema complexo e façam previsões sobre seu | |
comportamento. | |
Um dos modelos mais conhecidos é o modelo “planetário” do átomo, | |
desenvolvido em dezembro de 1910 pelo físico de Cambridge, Ernest | |
Rutherford. Em vista da importância desse modelo, vamos considerar as | |
circunstâncias que levaram Rutherford a desenvolvê-lo. A descoberta inicial | |
que motivou Rutherford a desenvolver seu modelo “planetário” do átomo foi | |
feita por seus colaboradores Hans Geiger e Ernest Marsden, em 1909. Para | |
entender esse experimento, precisamos colocá-lo em seu próprio contexto. | |
O salto conceitual de Rutherford surgiu através de seus estudos de | |
radioatividade – o processo pelo qual núcleos atômicos instáveis se | |
decompõem espontaneamente para formar núcleos mais estáveis pela | |
liberação de energia e partículas subatômicas. Uma das descobertas mais | |
importantes de Rutherford ocorreu em 1899, quando ele mostrou que | |
elementos radioativos – como o rádio – emitiam o que ele chamava de “raios | |
alfa”, “raios beta” e “raios gama”. Mais tarde, compreendeu-se que os | |
chamados “raios alfa”, na realidade, eram núcleos de hélio com carga | |
positiva, os “raios beta” eram elétrons com carga negativa e os “raios gama” | |
eram radiação eletromagnética de alta energia. | |
Em 1904, após a descoberta do elétron, o físico britânico J. J. omson | |
propôs o que cou conhecido como o modelo “pudim de passas” do átomo. | |
omson sugeriu que os átomos eram análogos à conhecida iguaria inglesa, | |
o “pudim de passas”, no qual os elétrons carregados negativamente (as | |
passas) estariam espalhados através de uma matriz esférica positiva (o | |
pudim como um todo). O modelo de omson acomodava com sucesso as | |
duas descobertas empíricas sobre átomos que eram conhecidas no | |
momento: que os elétrons são partículas com carga negativa e que os átomos | |
não têm carga elétrica efetiva. O conceito de um “núcleo atômico” denso e | |
central não era conhecido por omson. Para omson, o átomo consistia | |
num volume sólido redondo, que era carregado positivamente. Os elétrons | |
estavam embutidos nesse volume sólido. A carga negativa geral dos elétrons | |
era balanceada com precisão pela carga positiva total do volume sólido, de | |
modo que o próprio átomo não carga efetiva. | |
Em uma série de experimentos entre 1908 e 1913, Rutherford e seus | |
jovens colegas, Hans Geiger e Ernest Marsden, analisaram como partículas | |
alfa carregadas positivamente (a esta altura, o termo “raios” havia sido | |
eliminado) eram de etidas quando impactavam átomos de ouro. Um feixe | |
de partículas alfa era projetado sobre tiras de folhas de ouro, com apenas | |
alguns átomos de espessura, medindo-se a amplitude da de exão do feixe | |
em relação à direção original. Com base no modelo de átomo de omson, | |
era previsto que o uxo de partículas alfa seria consistentemente desviado de | |
alguns graus da sua trajetória original. As partículas alfa e o núcleo atômico | |
eram carregados positivamente. Quando uma partícula alfa se aproximava | |
do núcleo, experimentava repulsão eletrostática e, portanto, era de etida. | |
Geiger e Marsden, no entanto, descobriram que a maioria das partículas | |
alfa passava pela folha de ouro sem quase nenhuma de exão, embora um | |
número pequeno (cerca de 1 em 8.000) fosse desviado de ângulos muito | |
grandes. Rutherford cou surpreso com esse resultado e percebeu que era | |
necessária uma nova maneira de pensar sobre a estrutura do átomo. | |
Foi o evento mais incrível que já aconteceu comigo em minha vida. Era quase tão incrível quanto | |
se você disparasse uma bomba de 15 polegadas sobre um pedaço de papel de seda e ela voltasse e | |
atingisse você. [...] Vi que era impossível obter algo dessa ordem de magnitude, a menos que | |
você adotasse um sistema no qual a maior parte da massa do átomo estivesse concentrada em | |
um minúsculo núcleo. Foi então que tive a ideia de um átomo com um centro massivo diminuto, | |
carregando uma carga.8 | |
Rutherford percebeu que esse resultado completamente inesperado | |
signi cava que a massa do átomo não estava uniformemente dispersa pelo | |
átomo, mas estava altamente concentrada em uma região extremamente | |
pequena de carga positiva (o núcleo), cercada por elétrons. O átomo não | |
consistia numa substância uniformemente densa, mas tinha um núcleo | |
superdenso cercado por espaço vazio. Era, portanto, necessária uma nova | |
maneira de visualizar o átomo, o que ajudaria a criar experimentos para | |
esclarecer melhor sua estrutura e propriedades. | |
O novo modelo de átomo de Rutherford retratava o núcleo como seu | |
centro de massa, com elétrons dispersos no espaço ao seu redor – de certa | |
forma análogo ao Sol como o centro do sistema solar. Imaginar um átomo | |
como um sistema solar em miniatura ajudou a visualizar a estrutura do | |
átomo, pois era isso o que estava sendo revelado pela de exão das partículas | |
alfa. O átomo consiste num corpo central (o núcleo), no qual está | |
concentrada praticamente toda a sua massa. Os elétrons orbitam esse núcleo | |
da mesma maneira que os planetas orbitam o Sol. Embora as órbitas dos | |
planetas fossem determinadas pela atração gravitacional do Sol, Rutherford | |
argumentava que as órbitas dos elétrons eram determinadas pela atração | |
eletrostática entre os elétrons carregados negativamente e o núcleo | |
carregado positivamente. O modelo era visualmente simples, fácil de | |
entender e oferecia uma estrutura teórica que explicava pelo menos parte do | |
comportamento conhecido dos átomos naquele momento. | |
Depois que um modelo é construído e testado, ele pode ser desenvolvido | |
de forma a incluir algumas características mais complicadas do sistema, que | |
foram inicialmente ignoradas em sua construção. Para nos ajudar a re etir | |
sobre esse assunto, vamos considerar agora um dos mais simples e mais | |
conhecidos modelos cientí cos – o “modelo cinético” dos gases. | |
O MODELO CINÉTICO DOS GASES | |
O comportamento dos gases foi estudado em detalhes a partir do século | |
17, particularmente pelo físico inglês Robert Boyle e pelo físico e inventor | |
francês Jacques Charles (cujas invenções incluíram o balão de hidrogênio, | |
em 1783). Uma série de experimentos examinava a maneira como os gases | |
se comportavam quando tinham pressão, volume e temperatura alterados. | |
Em termos gerais, o volume de um gás é inversamente proporcional à sua | |
pressão e diretamente proporcional à sua temperatura, expressa em kelvin. | |
Os experimentos detalhados de Boyle e Charles mostraram que o | |
comportamento dos gases poderia ser descrito em termos de uma série de | |
leis que se aplicavam a todos os gases a baixas pressões, independentemente | |
de sua identidade química. As duas leis mais famosas são conhecidas como | |
“Lei de Boyle” e “Lei de Charles”, podendo ser formuladas do seguinte | |
modo: | |
Lei de Boyle: pV = constante | |
Lei de Charles: V = constante × T | |
Onde p é a pressão do gás, V seu volume e T sua temperatura, expressa | |
em termos da escala de temperatura criada por Lord Kelvin, segundo a qual | |
0° centígrado é 273,15 kelvin. (Essa escala identi ca a temperatura de “zero | |
absoluto” como -273,15 °C.) A “equação do gás perfeito”, que combina essas | |
duas leis e outras observações, pode ser formulada como: | |
pV = nRT | |
Onde R é a constante dos gases (8,31446 J K−1 mol−1) e n o número de | |
moles de gás presente. Essa equação é válida universalmente, | |
independentemente da identidade do gás em questão. | |
Então, como esse comportamento pode ser explicado? O “modelo | |
cinético” dos gases oferece uma maneira de visualizar um gás ideal, | |
permitindo que seu comportamento seja previsto e compreendido. O termo | |
“cinético” vem do vocábulo grego kinesis (“movimento”) e refere-se à | |
característica principal desse modelo de gás – isto é, que as moléculas de gás | |
se movem e, portanto, não são estáticas. O “modelo cinético” é baseado em | |
três suposições básicas: | |
1. Um gás consiste em moléculas em movimento aleatório incessante, | |
que não interagem de maneira alguma (por exemplo, sendo atraídas | |
uma pela outra por sua massa ou repelidas uma da outra por uma | |
carga eletrostática). | |
2. O tamanho das moléculas é desprezível, pois seu diâmetro é | |
considerado insigni cante em comparação com a distância média | |
percorrida pela molécula entre as colisões. | |
3. Ao atingir as paredes de seu recipiente, as moléculas do gás sofrem | |
colisões perfeitamente elásticas, nas quais a energia cinética | |
translacional da molécula permanece inalterada. Em outras | |
palavras, supõe-se que as moléculas do gás não se tornem mais | |
lentas como resultado das colisões com as paredes do recipiente. | |
De fato, o modelo sugere que pensemos nas moléculas de gás como | |
bolas de sinuca ou bilhar, movendo-se dentro de um recipiente e colidindo | |
constantemente com suas paredes. É bastante fácil usar esse modelo para | |
prever como a pressão, o volume e a temperatura estão relacionados. Por | |
exemplo, a pressão no recipiente pode ser calculada em termos da taxa de | |
variação de momentum das moléculas de gás. As leis dos gases mencionadas | |
acima podem ser derivadas teoricamente com base nesse modelo de gases, | |
sugerindo que a teoria cinética é um bom modelo básico para esses sistemas. | |
O modelo é muito simples e, portanto, não leva em consideração | |
algumas características mais complexas do comportamento dos gases. Por | |
exemplo, ele presume que o volume ocupado por moléculas de gás seja | |
desprezível, de modo que a parte do volume total de gás ocupado por essas | |
moléculas possa ser desconsiderada nos cálculos. Embora isso seja verdade a | |
baixas pressões, torna-se uma complicação mais séria a pressões mais altas. | |
O modelo também ignora colisões e forças intermoleculares (que são | |
insigni cantes à baixa pressão) e se concentra na maneira como essas | |
moléculas impactam as paredes do recipiente. Os termos “gás perfeito” ou | |
“gás ideal” são usados para deixar claro que essa simplicidade teórica não é | |
realmente observada em gases reais! | |
Esse modelo pode ser mais so sticado, para permitir que os aspectos | |
mais complicados do sistema sejam modelados. Como observado, o modelo | |
não leva em conta o fato de que as moléculas de gás têm um tamanho | |
de nido. Este fato pode ser ignorado em baixas pressões; a altas pressões, no | |
entanto, o volume ocupado pelas moléculas de gás começa a se tornar | |
signi cativo. Isso pode ser incorporado à modelagem matemática do | |
sistema da seguinte maneira. Anteriormente, vimos como o comportamento | |
dos gases poderia ser previsto usando a seguinte fórmula: | |
pV = nRT | |
Essa fórmula assume que as moléculas de gás são de tamanho | |
desprezível. Um pequeno ajuste na fórmula permite levar em consideração o | |
tamanho nito das moléculas. Se b é o volume real ocupado pelas moléculas | |
de gás, então o comportamento desse gás é dado pela fórmula: | |
P(V-b) = nRT | |
Esse padrão é uma característica básica do desenvolvimento e da | |
aplicação de modelos cientí cos. Os aspectos básicos do padrão que | |
emergem podem ser de nidos da seguinte maneira: | |
1. O comportamento de um sistema é investigado e alguns padrões são | |
observados – por exemplo, que a compressão de um gás leva a um | |
aumento de sua temperatura. | |
2. É desenvolvido um modelo, que visa explicar as observações mais | |
importantes sobre o modo como o sistema se comporta. | |
3. O modelo apresenta fragilidades em vários pontos, geralmente | |
devido à sua simplicidade. | |
4. O modelo pode então se tornar mais complexo, a m de levar em | |
conta essas fragilidades. | |
Os modelos são formas claramente úteis de visualizar ou entender | |
sistemas complexos. No entanto, eles podem ser mal interpretados. Dois | |
mal-entendidos podem surgir através do uso de modelos nas ciências | |
naturais. Primeiro, alguns assumem que os modelos são idênticos aos | |
sistemas aos quais estão associados. O modelo atômico de Rutherford nos | |
ajuda a entender algumas das características dos átomos – como a | |
concentração de massa em um espaço muito pequeno – se pensarmos neles | |
como sistemas solares em miniatura, com elétrons orbitando um núcleo | |
central como planetas orbitando o Sol. No entanto, isso é simplesmente uma | |
representação visual útil de um átomo, que auxilia na explicação e na | |
interpretação. Isso deve ser levado a sério (na medida em que claramente | |
tem alguma relação com o sistema que está sendo modelado); não é, no | |
entanto, para ser tomado literalmente. | |
O segundo erro que pode ser cometido é assumir que todos os aspectos | |
do modelo estão necessariamente presentes no sistema que está sendo | |
modelado. O modelo e o sistema que está sendo modelado se parecerão de | |
algumas maneiras, mas não de outras. Para nos ajudar a entender esse | |
segundo ponto, vamos considerar um excelente exemplo desse problema – a | |
suposição de que, como o som parecia ser uma analogia útil para a luz e o | |
som exigia um meio pelo qual viajar, isso também se aplicaria à luz. | |
COMPLEMENTARIDADE: LUZ ENQUANTO ONDA E PARTÍCULA | |
Os físicos do século 18 discordavam sobre a natureza da luz. Alguns | |
consideraram que eram feixes de pequenas partículas; outros consideravam | |
a luz uma forma de movimento ondulatório. Em sua obra Óptica (1704), | |
Newton considerava que um feixe de luz consistia numa série de pequenas | |
partículas movendo-se rapidamente, ou “corpúsculos” (do termo latino | |
corpuscula, “pequenos corpos”). O re exo da luz por um espelho era | |
análogo a atirar bolas contra uma parede e observá-las quicar de volta. O | |
físico holandês Christiaan Huygens discordava, argumentando que a luz era | |
composta de ondas e que alguns aspectos de seu comportamento eram mais | |
bem-explicados com base nesse modelo. | |
A teoria corpuscular da luz, de Newton, passou a dominar a física | |
durante o século 18. Isso levou a duas previsões importantes. A primeira | |
dessas previsões foi feita pelo cientista natural inglês John Mitchell em um | |
artigo apresentado à Sociedade Real, em 1783. Como a luz consistia num | |
feixe de partículas que seria atraído pela força gravitacional de uma estrela, | |
Mitchell argumentou que algumas estrelas poderiam ser tão massivas, que | |
suas forças gravitacionais impediriam que os feixes de luz deixassem suas | |
superfícies. Como a famosa maçã de Newton, essas partículas de luz | |
simplesmente cairiam no chão. Mitchell propôs, assim, a existência de | |
“estrelas escuras”, que não podiam ser vistas porque a luz seria incapaz de se | |
libertar da força de sua gravidade. Os cálculos de Mitchell sugeriram que | |
isso aconteceria se a estrela tivesse 500 vezes a massa do nosso Sol. Hoje, | |
essas estrelas escuras são conhecidas como “buracos negros”. | |
Segunda, se a luz consistisse num feixe de partículas, a teoria da | |
gravitação de Newton previa que essas partículas viajariam em linha reta, a | |
menos que fossem desviadas pela gravidade. Em 1804, o matemático alemão | |
Johann Georg von Soldner publicou um artigo calculando a quantidade pela | |
qual um feixe de luz seria desviado pelo campo gravitacional de uma estrela | |
– como o Sol. Von Soldner concluiu que o efeito previsto era pequeno | |
demais para ser observado pelos instrumentos de seu tempo; assim, | |
ninguém levou adiante esse assunto. | |
Porém, durante o século 19, um crescente corpo de evidências | |
experimentais sugeriu que a luz era melhor compreendida como um | |
movimento de onda. Em 1801, o físico inglês omas Young concebeu o | |
experimento da “dupla fenda”, sugerindo que a luz se comporta como | |
ondulações ou ondas em um lago de água. Em meados do século 19, esse | |
modo de pensar sobre a luz ganhou ascendência. A luz, como o som, era | |
entendida como uma forma de movimento ondulatório. | |
Muitos físicos passaram a enfatizar a analogia entre luz e som e tirar | |
disso conclusões que hoje são consideradas arriscadas e | |
superdimensionadas. O som requer um meio – como ar ou metal – pelo | |
qual viajar. Se uma fonte de som – como uma campainha – for colocada em | |
um recipiente de vidro e o ar for bombeado para fora, a intensidade do som | |
diminuirá gradualmente e nalmente desaparecerá. O som precisa se | |
propagar através de algo e não pode viajar no vácuo. Muitos físicos | |
concluíram que, como o som precisava de um meio para ser transmitido e a | |
luz era análoga ao som, a luz também precisava de um meio para ser | |
transmitida. Mas o quê? O termo “éter luminífero” (“luminífero” signi ca | |
“que dá suporte à luz”) foi usado para se referir a essa substância invisível | |
que, segundo se acreditava, preenchia o espaço vazio e, portanto, permitia | |
que a luz viajasse através do espaço. | |
Entretanto, esse aspecto da analogia acabou revelando-se incorreto. A | |
luz não precisa viajar através de nenhum meio. Não existe nenhum “éter”. O | |
experimento de Michelson-Morley, de 1887, foi projetado para detectar o | |
“vento etéreo” – isto é, o resultado do movimento do éter em relação à Terra, | |
à medida que a Terra se movia pelo espaço. Esse experimento falhou, | |
embora tenha levado algum tempo para que a implicação do resultado | |
negativo fosse totalmente aceita e compreendida pela comunidade cientí ca. | |
Ou o éter estava totalmente em repouso com relação ao movimento da Terra | |
ou não existia. Ao nal, foi preciso aceitar que não havia suporte | |
experimental para a existência do “éter luminífero”. Pelo menos a esse | |
respeito, havia uma distinção fundamental entre luz e som. | |
Tudo mudou em 1905, quando Albert Einstein propôs uma explicação | |
teórica brilhante para o efeito fotoelétrico, ao sugerir que, sob certas | |
condições, a luz se comportava como um feixe de partículas. Einstein teve o | |
cuidado de dar a essa ideia um caráter instrumental – em outras palavras, | |
era uma maneira útil de pensar sobre a luz. No entanto, ela rapidamente se | |
transformou em uma descrição realista da luz como um uxo do que mais | |
tarde passou a ser conhecido como “fótons”. | |
O “efeito fotoelétrico” foi observado pela primeira vez em 1887 pelo | |
físico alemão Heinrich Hertz e investigado detalhadamente mais tarde pelo | |
colega de Hertz, Philipp Lenard. Em um artigo de 1902, Lenard mostrou | |
que, se um feixe de luz fosse projetado sobre certos metais, ele era capaz de | |
ejetar elétrons da superfície de alguns deles. Os experimentos de Lenard | |
revelaram que a taxa de emissão de elétrons da superfície do metal era | |
diretamente proporcional à intensidade da luz projetada sobre ele. Quanto | |
mais brilhante a luz, mais elétrons eram deslocados da superfície do metal. | |
Porém, Lenard descobriu também que o brilho ou a intensidade do feixe de | |
luz projetado na superfície do metal parecia não afetar a energia desses | |
elétrons emitidos. Os elétrons emitidos pela exposição a uma luz muito | |
brilhante apresentavam a mesma energia que os emitidos pela exposição a | |
uma luz muito fraca. Além disso, os fotoelétrons eram emitidos apenas se a | |
frequência da luz excedesse um limiar de frequência, que variava de um | |
metal para outro. | |
Essas observações não faziam sentido dentro dos entendimentos então | |
existentes sobre a natureza da luz. Einstein argumentou que o efeito | |
fotoelétrico era melhor entendido em termos de uma colisão entre um | |
pacote de energia semelhante a uma partícula incidente (isto é, luz) e um | |
elétron próximo à superfície do metal. O elétron só poderia ser ejetado do | |
metal se os pacotes de luz incidentes (ou feixes de energia semelhantes a | |
partículas, agora conhecidos como “fótons”) tivessem energia su ciente para | |
desalojar esse elétron. O fator crítico que determina se um elétron é ejetado | |
não é a intensidade da luz, mas sua frequência. Além disso, se a energia do | |
pacote de luz que chega é menor que certa quantidade (a “função trabalho” | |
do metal em questão), nenhum elétron será emitido, independentemente da | |
intensidade do bombardeio com a luz. Foi uma peça de análise brilhante e | |
levou Einstein a receber o Prêmio Nobel de Física em 1921 “por seus | |
serviços à Física Teórica e, especialmente, por sua descoberta da Lei do | |
Efeito Fotoelétrico”. | |
A sugestão de Einstein enfrentou intensa oposição antes da Primeira | |
Guerra Mundial, principalmente porque parecia envolver o abandono do | |
entendimento clássico predominante de exclusividade total entre ondas e | |
partículas: algo poderia ser uma ou outra coisa – mas não ambas. | |
Gradualmente, a visão de Einstein ganhou aceitação, de modo que a luz | |
agora é pensada em termos de “fótons”, que apresentam tanto as | |
propriedades de ondas quanto de partículas. O comportamento da luz, às | |
vezes, é melhor explicado como uma partícula e, outras vezes, como uma | |
onda. Então, como o comportamento da luz deve ser expresso em termos de | |
sua ontologia? Em outras palavras, qual é a natureza da luz? | |
Na década de 1920, cou claro que o comportamento da luz era tal, que | |
precisava ser explicado através de um modelo ondulatório quanto a alguns | |
aspectos e através de um modelo corpuscular quanto a outros. O trabalho de | |
Louis de Broglie sugeriu que até mesmo a matéria deveria ser considerada | |
como uma onda sob algumas circunstâncias. Essas teorias levaram o físico | |
teórico dinamarquês Niels Bohr a desenvolver o seu conceito de | |
“complementaridade”. Para Bohr, os modelos clássicos de “ondas” e | |
“partículas” eram ambos necessários para explicar o comportamento da luz | |
e da matéria. Isso não signi ca que os elétrons “são” partículas ou que “são” | |
ondas; signi ca que, o quer que sejam em última instância, seu | |
comportamento pode ser descrito com base em modelos de ondas ou de | |
partículas, e que uma descrição completa desse comportamento requer que | |
sejam usadas duas maneiras mutuamente exclusivas de representá-los. | |
Não se trata aqui de um expediente intelectualmente super cial e | |
preguiçoso de a rmar duas opções mutuamente exclusivas em vez de tentar | |
determinar qual é a superior. Como já foi enfatizado, trata-se – para Bohr – | |
do resultado inevitável de uma série de teorias e experimentos críticos que | |
demonstraram a impossibilidade de representar a situação de qualquer outra | |
maneira. Em outras palavras, Bohr sustentava que os dados experimentais à | |
sua disposição o forçaram a concluir que uma situação complexa (o | |
comportamento da luz e da matéria) tinha que ser representada usando dois | |
modelos aparentemente contraditórios e incompatíveis. Esse princípio de | |
reunir dois modelos aparentemente inconciliáveis de um fenômeno | |
complexo a m de explicar seu comportamento é conhecido como o | |
“princípio da complementaridade”. | |
RACIOCÍNIO ANALÓGICO: GALILEU E AS MONTANHAS DA LUA | |
Galileu Galilei é amplamente considerado – e com razão – um dos mais | |
importantes pesquisadores cientí cos do início da Era Moderna, e está | |
particularmente associado às principais descobertas astronômicas através do | |
uso do então recém-inventado telescópio. Galileu foi o primeiro a observar | |
as quatro principais luas do planeta Júpiter durante o inverno de 1609-1610, | |
a densa estrutura estrelada da Via Láctea e as montanhas da Lua. | |
No entanto, essas declarações familiares precisam de uma exploração | |
mais aprofundada. Galileu realmente observou montanhas na Lua? A nal, | |
seu telescópio só lhe permitia estudar a superfície da Lua em duas | |
dimensões. O que Galileu realmente observou através de seu telescópio foi a | |
mudança nos padrões de claro e escuro na superfície da Lua, que | |
posteriormente interpretou como evidência da existência de montanhas, | |
análogas às encontradas na Terra. Ele interpretou suas observações sobre os | |
padrões variáveis de claro e escuro na face da Lua como resultado da | |
mudança da posição do Sol enquanto a Lua orbitava ao redor da Terra, de | |
modo que as sombras lançadas pelas montanhas lunares variavam em | |
extensão e intensidade durante o período da órbita da Lua ao redor da Terra. | |
Em um estudo cuidadoso da estrutura lógica da conclusão de Galileu, de | |
que ele estava observando montanhas na superfície da Lua e não | |
simplesmente mudanças nos padrões de claro e escuro, a historiadora e | |
lósofa da ciência Marta Spranzi identi cou os elementos centrais do | |
argumento analógico que o levou a essas conclusões:9 | |
1. Estamos familiarizados com o fenômeno terrestre de montanhas e | |
planícies iluminadas pelo Sol de diferentes maneiras, levando a | |
diferentes padrões de luz e sombra. | |
2. Suponha que fôssemos capazes de nos colocar a alguma distância da | |
Terra – por exemplo, na superfície da Lua. O que veríamos se | |
observássemos esses padrões de mudança na face da Terra? Como | |
eles seriam se os desenhássemos em duas dimensões? Sabe-se que | |
Galileu fez isso, usando seu conhecimento do uso de perspectiva na | |
arte. Embora essa imagem represente uma realidade imaginada, | |
Galileu estava seguro de que a teoria renascentista da perspectiva | |
era su cientemente con ável para permitir que isso fosse feito. | |
3. Agora, suponha que devêssemos desenhar as diferentes imagens das | |
sombras e manchas de luz que observamos na Lua usando um | |
telescópio em momentos diferentes durante sua órbita ao redor da | |
Terra. Novamente, sabe-se que Galileu fez isso. | |
4. Agora, imagine que esses dois desenhos – uma representação real da | |
superfície da Lua vista através de um telescópio e uma | |
representação imaginada de montanhas terrestres vistas à distância | |
– fossem comparados. Eles não seriam signi cativamente | |
semelhantes, se não idênticos? | |
5. Por raciocínio analógico, podemos concluir que os desenhos que | |
zemos da Lua indicam que estamos realmente observando a | |
presença de montanhas e vales na superfície lunar. | |
Galileu expõe esse argumento em detalhes em sua obra Mensageiro | |
Sideral (1610), observando como os padrões vistos na superfície da Lua | |
parecem ser cumes, iluminados de diferentes maneiras pela luz do Sol. | |
Um grande número de pequenos pontos escuros, totalmente separados da parte escura, está | |
distribuído por toda parte em quase toda a região [da Lua] já banhada pela luz do Sol. [...] Todos | |
esses pequenos pontos que acabamos de mencionar sempre concordam com isso: eles têm uma | |
parte escura no lado direcionado ao Sol, enquanto no lado oposto ao Sol são coroados com | |
bordas mais resplandecentes, como cumes brilhantes.10 | |
Galileu argumenta que esse padrão já é conhecido das montanhas | |
terrestres. | |
Temos uma visão quase inteiramente semelhante na Terra, próximo ao nascer do Sol, quando os | |
vales ainda não estão banhados pela luz, mas as montanhas ao redor do Sol já são vistas | |
brilhando com a luz. [...] Assim como as sombras dos vales terrestres diminuem à medida que o | |
Sol se eleva, essas manchas lunares perdem a escuridão à medida que a parte luminosa cresce. | |
[...] Ora, na Terra, antes do amanhecer, os picos das montanhas mais altas não são iluminados | |
pelos raios de Sol enquanto as sombras ainda cobrem a planície?11 | |
Galileu se referia às áreas planas da superfície lunar como “mares”. | |
Novamente, seu processo de argumentação é analógico. Na Terra, as coisas | |
mais próximas a essas características lunares são os oceanos. No entanto, | |
Galileu deixou claros os limites dessa analogia: não havia razão para supor | |
que esses “mares” lunares contivessem água. As analogias funcionam dentro | |
de limites; é importante identi cá-los e respeitá-los. | |
Esse argumento da analogia é parte integrante do método cientí co. | |
Padrões intrigantes no mundo natural podem ser explicados, pelo menos | |
em parte, propondo uma analogia com um conjunto conhecido de | |
observações. Esse processo é subjacente à proposta de Darwin de um | |
processo de “seleção natural” dentro do campo biológico, de alguma forma | |
paralelo ao processo de “seleção arti cial” que foi amplamente utilizado na | |
agricultura britânica na década de 1850. Em vista de sua importância, vamos | |
explorar isso com mais detalhes na seção a seguir. | |
USANDO MODELOS CIENTÍFICOS DE FORMA CRÍTICA: O PRINCÍPIO DA SELEÇÃO | |
NATURAL, DE DARWIN | |
Em sua obra Origem das Espécies (1859), Charles Darwin propôs a | |
“seleção natural” como o processo subjacente que explicava o fenômeno da | |
evolução biológica. O gênio de Darwin não estava em mostrar que a | |
evolução biológica ocorreu, mas em sugerir um mecanismo por trás dela. O | |
modo como Darwin desenvolveu a noção de “seleção natural” é de | |
particular interesse, pois ilustra claramente algumas das questões que | |
surgem pelo uso de analogias ou metáforas no desenvolvimento de teorias | |
cientí cas. Darwin viu sua tarefa como a de entender a desconcertante | |
diversidade de plantas e animais, vivos e extintos, que geralmente eram uma | |
fonte de mistério para aqueles que o precederam. | |
O primeiro capítulo de Origem das Espécies examina a “seleção arti cial” | |
– a maneira pela qual criadores pro ssionais e jardineiros criam novas | |
formas de gado e de plantas domésticas. Darwin argumenta que esse | |
processo de “seleção arti cial”, familiar aos seus leitores, era análogo a um | |
processo de “seleção natural” que acreditava estar ocorrendo dentro da | |
própria natureza por longos períodos de tempo. (O termo “seleção natural” | |
aparece pela primeira vez nos escritos de Darwin após março de 1840, | |
quando ele leu um manual padrão de manejo de gado, intitulado Cattle: | |
eir Breeds, Management and Diseases [Gado: suas raças, manejo e | |
doenças], que explicava os métodos e resultados da seleção arti cial.) | |
Darwin introduziu o termo “seleção natural” como um meio metafórico | |
e não literal de se referir a um processo que acreditava ser o meio mais | |
convincente de explicar os padrões de diversidade observados por ele na | |
natureza. | |
Todas as minhas noções sobre como as espécies mudaram derivam de um longo e continuado | |
estudo dos trabalhos de agricultores e horticultores; e creio que vejo meu método com muita | |
clareza nos meios utilizados pela natureza para modi car suas espécies e adaptá-las às | |
maravilhosas e requintadamente belas contingências às quais todos os seres vivos estão | |
expostos.12 | |
Essa passagem é signi cativa por dois motivos. Primeiro, ela deixa claro | |
que Darwin via claramente uma analogia entre o conhecido processo de | |
“seleção arti cial” e o processo inferido ou proposto – mas não observado e | |
intrinsecamente inobservável – de seleção natural. Segundo, ela implica | |
também a noção de um processo consciente de seleção. Em alguns | |
momentos, Darwin fala explicitamente da natureza modi cando sua espécie | |
e adaptando-a. Aparentemente, é permitido que a analogia implique que a | |
seleção ativa do criador de animais ou plantas, de alguma maneira, encontre | |
paralelo dentro da própria natureza. Isso é certamente sugerido por suas | |
frequentes referências à “natureza” como um agente que “seleciona” | |
ativamente boas variantes. | |
Mas essa analogia não está sendo levada longe demais? Pode-se falar de | |
a natureza “selecionar” alguma coisa, quando “seleção” parece implicar | |
propósito, escolha e inteligência? O colega de Darwin, Alfred Russell | |
Wallace, foi um dos muitos que caram alarmados com a aparente sugestão | |
de Darwin de um processo ativo de seleção por parte de uma natureza | |
personi cada, que fosse então entendida como tendo poderes de análise | |
racional e um objetivo intencional. | |
A analogia da “seleção natural” desenvolvida por Darwin transfere | |
noções de intenção, seleção ativa e propósito nal do modelo (os | |
procedimentos estabelecidos de seleção arti cial) para aquilo que o modelo | |
pretende explicar ou iluminar (a ordem natural). Tanto no nível verbal | |
quanto no conceitual, o conceito antropomór co de “propósito” é mantido, | |
apesar da aparente intenção de Darwin de eliminar qualquer noção de | |
propósito ou design deliberado. O próprio Darwin percebeu os perigos de | |
sua maneira um tanto antropomór ca de falar sobre “natureza” e | |
acrescentou um prefácio à terceira edição da Origem das Espécies (1861), no | |
qual enfatizou que a ideia de “seleção natural” não implicava que a natureza | |
escolhesse o que desejava produzir. | |
O uso de Darwin da analogia da “seleção natural” ilustra | |
adequadamente os aspectos positivos e negativos de um argumento a partir | |
da analogia. Positivos, porque a analogia permite que uma situação | |
complexa seja iluminada ou parcialmente compreendida por um apelo a um | |
evento, processo ou ação conhecido e compreendido. Mas também | |
negativos, porque pode levar à transferência de aspectos inadequados do | |
modelo para aquilo que o modelo pretende explicar. Darwin claramente não | |
pretendia que seus leitores entendessem que a natureza agia intencional e | |
racionalmente na “seleção” de variantes. No entanto, como Darwin veio a | |
descobrir, era precisamente isso que a analogia sugeria a muitos de seus | |
leitores. | |
Uma analogia vívida pode facilmente ser mal compreendida. As | |
evidências sugerem que pelo menos alguns dos leitores de Darwin não | |
perceberam que a “seleção natural” era uma metáfora e a viam como uma | |
verdade literal, implicando que a natureza escolhia ativamente seus | |
resultados preferidos. Sabemos como Darwin queria que seus leitores | |
interpretassem a metáfora da “seleção natural”. Como observamos | |
anteriormente, Darwin adicionou um prefácio explicativo à terceira e | |
subsequente edição de Origem das Espécies, esclarecendo – e, portanto, | |
restringindo – o signi cado de “seleção natural”. Suas palavras merecem um | |
estudo atento neste momento: | |
Vários autores compreenderam mal ou se opuseram ao termo Seleção Natural. [...] Outros | |
objetaram que o termo seleção implica em escolha consciente dentre os animais que são | |
modi cados; e até se insistiu que, como as plantas não têm vontade, a seleção natural não lhes é | |
aplicável! No sentido literal da palavra, sem dúvida, seleção natural é um termo falso; mas quem | |
já se opôs aos químicos falando das a nidades eletivas dos vários elementos? E também não se | |
pode dizer estritamente que um ácido elege a base com a qual preferencialmente se combina. Foi | |
dito que falo da seleção natural como um poder ativo ou Deidade; mas quem se opõe a um autor | |
que fala da atração da gravidade como governando o movimento dos planetas? Todo mundo | |
sabe o que signi ca e está implícito em tais expressões metafóricas; e elas são quase necessárias | |
por brevidade. Então, novamente, é difícil evitar personi car a palavra Natureza; mas, por | |
Natureza, quero dizer apenas a ação e o produto agregados de muitas leis naturais, e por leis a | |
sequência de eventos, conforme apurado por nós. | |
Esta passagem é de considerável importância, devido à sua a rmação | |
explícita da natureza analógica ou metafórica do termo “seleção natural”. É | |
um “termo falso” – isto é, um termo que não pode ser forçado para seus | |
limites literais de signi cado. Darwin deixa claro que, embora a metáfora | |
pareça endossar e abraçar as ideias de “escolha ativa” e certa personi cação | |
do agente de seleção (que poderia ser considerado essencial para a noção de | |
“seleção”), ele não pretendia a rmar essas coisas ao usar o termo “seleção | |
natural”. | |
Então, o que acontece se nos for apresentada uma analogia para algo que | |
não podemos ver diretamente – como Deus ou salvação – e tivermos que | |
descobrir como interpretá-la por conta própria? Darwin teve oportunidade | |
de interpretar sua própria analogia em benefício de seus leitores. Porém, no | |
caso das analogias religiosas, para as quais nos voltamos agora, não há | |
intérprete com autoridade que possa nos dizer com precisão como a | |
analogia de Deus como “pastor” ou a de salvação como “adoção” deve ser | |
interpretada. Como cará claro, isso nos ajuda a entender por que modelos, | |
metáforas e analogias religiosos são tão poderosos em seu apelo à | |
imaginação, mas resistentes a permitir interpretações rígidas. | |
O USO DE MODELOS E METÁFORAS NA TEOLOGIA CRISTÃ | |
O cristianismo, como a maioria das religiões, usa linguagem analógica | |
ou metafórica para falar sobre Deus e temas relacionados – como a natureza | |
da salvação. Por quê? Porque essas realidades excedem a capacidade da | |
mente humana de compreendê-las. Por esse motivo, essas realidades | |
precisam ser adaptadas às habilidades humanas – um processo conhecido | |
como “acomodação”. A Bíblia cristã e a longa tradição de re exão sobre esse | |
texto fazem uso extensivo de analogias e modelos, claramente destinados a | |
transmitir ideias sobre Deus de maneiras simples e acessíveis. Isso tem dois | |
resultados signi cativos, ambos importantes para qualquer entendimento do | |
uso religioso de modelos ou analogias. Primeiro, essas analogias são vistas | |
como formas con áveis, mas incompletas de pensar sobre Deus ou sobre a | |
transcendência. Segundo, há muito mais em Deus ou na transcendência do | |
que essas analogias são capazes de transmitir. A mente humana é incapaz de | |
compreender Deus completamente e apenas parcialmente consegue alcançar | |
a realidade de Deus, de maneira que seja informada e guiada pelo uso | |
apropriado de modelos, analogias e metáforas. | |
Isso imediatamente coloca a questão do “mistério” – aqui entendido não | |
como algo enigmático, mas algo tão vasto ou complexo, que a mente | |
humana luta para concebê-lo. Quando confrontados com essa situação, | |
tendemos a reduzir o mistério para algo com o qual podemos lidar, | |
limitando efetivamente Deus ao nível de nossas concepções, ao invés de | |
expandir nossas concepções para que elas possam apresentar a natureza de | |
Deus mais efetivamente. O teólogo suíço Emil Brunner estava atento à | |
tendência humana de reduzir Deus ao que consideramos intelectualmente | |
administrável. Ele defendia, por exemplo, que a doutrina da Trindade | |
deveria ser vista como uma “doutrina de segurança”, pensada para nos | |
impedir de diluir ou distorcer a majestade e a glória de Deus por meio de | |
nossas tentativas bem-intencionadas de tornar Deus inteligível. Voltaremos | |
a este ponto mais adiante neste capítulo. | |
Contudo, o uso de analogias e metáforas na teologia também destaca a | |
importância da imaginação humana na re exão religiosa. Imagens de | |
quaisquer tipos nos convidam ao engajamento, tornando a re exão mais | |
aberta, ao invés de fechá-la. Muitos autores do Iluminismo que endossavam | |
a busca da Era da Razão por respostas objetivas e concisas às perguntas | |
resistiram ao uso de metáforas, preocupados com sua uidez conceitual. O | |
lósofo político do século 17, omas Hobbes, por exemplo, falava das | |
metáforas como “palavras sem sentido e ambíguas”, de modo que “raciocinar | |
sobre elas é perambular entre inúmeros absurdos”.13 O que Hobbes via como | |
vício, outros viam como virtude – uma capacidade de permitir a exploração | |
imaginativa de uma imagem, identi cando seus múltiplos signi cados | |
possíveis e explorando como eles poderiam ser avaliados e aplicados. | |
Então as analogias são apenas ilustrações úteis, sem conexão ontológica | |
com o que são usadas para explicar? Ou há algo mais profundo | |
acontecendo, de modo que analogias ou metáforas devem ter alguma | |
conexão com o que signi cam? Muitos teólogos argumentam que o uso | |
especi camente cristão de metáforas está enraizado em uma doutrina da | |
criação que confere a certos aspectos do mundo natural e social a | |
capacidade de expressar Deus como seu criador. A seguir, exploraremos essa | |
ideia, que é frequentemente denominada “analogia do ser” (do latim | |
analogia entis). Sua formulação mais conhecida é encontrada nos escritos do | |
teólogo do século 13, Tomás de Aquino. | |
Tomás de Aquino sobre a Analogia Entis (“Analogia do Ser”) | |
Como podemos descrever Deus usando termos humanos? Muitos | |
argumentam que isso limita Deus ao reino do humano ou do natural e deixa | |
de levar em conta a transcendência de Deus em relação à ordem natural. Se | |
eu dissesse “Deus é bom”, correria o risco de descrever ou mesmo de nir | |
Deus em termos de concepções humanas de bondade, que geralmente são | |
falhas e egoístas. Por esse motivo, Tomás de Aquino argumentou que os | |
termos aplicados a Deus não podem signi car exatamente o mesmo que se | |
fossem aplicados às coisas no mundo da experiência humana. Por esse | |
motivo, Tomás argumenta que as palavras que usamos para nos referir a | |
Deus devem ser analógicas, usadas em sentidos diferentes, mas relacionados | |
aos encontrados na vida cotidiana. | |
Tomás, dessa forma, a rmou a natureza analógica da linguagem | |
teológica. Quando digo que “Deus é bom”, não estou de nindo Deus pelos | |
padrões humanos de bondade, como se houvesse uma correspondência | |
direta entre a bondade divina e a humana. Estou dizendo que há uma | |
relação analógica – uma similaridade, mas não uma identidade – entre essas | |
noções. Isso nos permite evitar duas maneiras inadequadas de falar sobre | |
Deus – a univocidade, na qual pensamos que nossas palavras signi cam | |
exatamente a mesma coisa quando são usadas para nos referirmos a Deus ou | |
a criaturas; e a equivocidade, na qual pensamos que nossas palavras são tão | |
indeterminadas, que de forma alguma podemos falar sobre Deus de maneira | |
signi cativa. | |
Entretanto, talvez a contribuição mais signi cativa de Tomás de Aquino | |
para a discussão de analogias entre Deus e o mundo da criação seja | |
encontrada em seus escritos posteriores, como a Suma Contra os Gentios e a | |
Suma Teológica. Tomás de Aquino liga aqui a natureza análoga de Deus e da | |
ordem criada com uma doutrina de similaridade causal, enfatizando a | |
transmissão ativa de propriedades de Deus para as criaturas. Criação é um | |
ato de causação, que leva a ordem criada a ter uma semelhança com seu | |
criador. | |
Deus é, portanto, uma causa analógica. Em outras palavras, a criação do | |
mundo por Deus envolve a criação de uma esfera que é análoga ao criador, e | |
essa correspondência analógica intrínseca entre Deus e a ordem natural está | |
subjacente ao uso legítimo da linguagem analógica. O lósofo católico | |
alemão Erich Przywara descreveu a “analogia do ser” como a “metafísica a | |
priori do catolicismo” e estendeu a abordagem de Tomás para incluir | |
questões mais amplas do que a linguagem teológica. Nossa preocupação | |
nesta seção, no entanto, está na descrição da ideia de Tomás, e não na forma | |
mais desenvolvida associada ao Przywara. | |
A abordagem de Tomás dá legitimidade teológica ao uso de analogias | |
extraídas do mundo da criação para nos ajudar a pensar em Deus. A | |
utilidade dessa abordagem não é um feliz acidente; está fundamentada em | |
uma característica distinta do mundo da natureza – ou seja, que é criação de | |
Deus e, portanto, carrega, de alguma maneira e até certo ponto, a impressão | |
de Deus. | |
Esse entendimento teológico, no entanto, não resolve a questão de como | |
as analogias teológicas como, por exemplo, “Deus como pastor”, devem ser | |
interpretadas. Ele estabelece as bases para esse processo, mas ele mesmo não | |
determina seus resultados. Há duas tarefas interpretativas principais que | |
precisam ser realizadas: | |
1. A interpretação de analogias individuais, particularmente à luz do | |
contexto cultural em que foram originalmente usadas – por | |
exemplo, a analogia de “adoção”, usada nas cartas paulinas como | |
uma imagem de salvação, que é fundamentada no direito de família | |
romano. | |
2. A correlação e interconexão de grupos de analogias para entender | |
como elas se relacionam e qual é o cenário maior que resulta de sua | |
combinação. Isso geralmente envolve resolver tensões entre essas | |
analogias. | |
Ian T. Ramsey sobre o modelo da economia divina | |
No início deste capítulo, observamos como, em 1910, Ernest Rutherford | |
expôs seu in uente modelo de átomo como um sistema solar em miniatura. | |
Rutherford observou padrões de de exão de partículas alfa disparadas sobre | |
nas folhas de ouro, que não eram consistentes com o modelo de átomo | |
então geralmente aceito – o modelo de pudim de passas de J. J. omson, de | |
1904. Os elementos básicos do entendimento emergente de Rutherford | |
sobre o átomo combinaram com o resultado desse experimento – a massa | |
do átomo sendo concentrada em um “minúsculo centro massivo”, os | |
elétrons orbitando esse núcleo central e o restante do átomo consistindo em | |
espaço vazio. No entanto, Rutherford sabia que precisava desenvolver uma | |
representação visual desse novo entendimento. | |
Ele, portanto, tomou um modelo desenvolvido para um propósito | |
completamente diferente – o modelo copernicano do sistema solar – e o | |
adaptou. O modelo de Copérnico para o sistema solar ofereceu a Rutherford | |
um padrão conceitual existente, uma imagem visual cienti camente | |
conhecida, com três elementos principais: um objeto massivo no centro, | |
vastas áreas de espaço e corpos menores que orbitam essa massa central. | |
Havia di culdades – por exemplo, os elétrons realmente orbitavam o núcleo? | |
Mas era bom o su ciente para o propósito de Rutherford. Seu novo modelo | |
teórico do átomo podia ser representado visualmente usando uma analogia | |
conhecida. | |
Então, esse processo de construção de modelos é também encontrado na | |
teologia cristã? Pode parecer, à primeira vista, que a resposta seja “não”. A | |
maioria dos modelos teológicos é extraído da Bíblia cristã. Há, porém, | |
exemplos de modelos teológicos que são emprestados de outros contextos, | |
geralmente para correlacionar insights bíblicos usando uma imagem ou | |
conceito familiar extraído do contexto cultural de um teólogo. A seguir, | |
vamos considerar as re exões do teólogo e lósofo de Oxford, Ian T. | |
Ramsey, sobre a ideia de “economia divina” – um modelo de atividade | |
divina que encontrou ampla aceitação nas igrejas cristãs de língua grega dos | |
primeiros cinco séculos. | |
Durante a década de 1960, Ramsey escreveu uma série de obras sobre o | |
problema da linguagem religiosa e a relação entre ciência e religião, muitas | |
vezes focando em questões originadas do predomínio do positivismo lógico, | |
que colocavam objeções à legitimidade da linguagem religiosa. Ramsey | |
dedicou dois trabalhos a esses tópicos: Religious Language (1957) e Models | |
and Mystery (1964). A religião, argumenta ele, é como qualquer outra | |
disciplina – ela desenvolve sua própria linguagem em resposta à sua área de | |
discurso e usa modelos para ajudar a compreender aspectos de uma | |
realidade complexa: | |
Várias disciplinas, apesar de suas diferenças necessárias e características, têm, no entanto, uma | |
característica comum de grande signi cado, uma característica que muitas vezes é negligenciada | |
e frequentemente mal compreendida: o uso que fazem de modelos. É pelo uso de modelos que | |
cada disciplina fornece sua compreensão de um mistério que confronta todas elas.14 | |
A defesa de Ramsey quanto à legitimidade da linguagem teológica é | |
importante por si só; entretanto, nossa preocupação aqui é com a maneira | |
como ele resolve a questão de como correlacionar múltiplos modelos de | |
Deus. | |
As re exões nais de Ramsey sobre esse tópico foram publicadas | |
postumamente em Models for Divine Activity [Modelos para a atividade | |
divina] (1973). Depois de observar como a Bíblia faz uso extensivo de | |
“modelos” de Deus – como o Espírito Santo, Ramsey explora como os | |
primeiros teólogos cristãos adotaram um conceito puramente secular e o | |
desenvolveram como um modelo de atividade divina. O termo grego | |
oikonomia – talvez melhor traduzido como uma “administração ordenada” – | |
era amplamente usado na cultura secular para se referir à organização e | |
administração das sociedades. Os teólogos logo perceberam que isso | |
fornecia uma estrutura para o desenvolvimento de uma descrição | |
interconectada da ação de Deus no mundo, particularmente em relação à | |
salvação. A expressão “economia da salvação” começou a ser usada para se | |
referir aos padrões ordenados de atividade divina – incluindo a criação, o | |
ato de redenção em Cristo e o ministério subsequente da igreja cristã. O | |
modelo da “economia divina” não era bíblico, mas era um esquema secular | |
que permitia aos primeiros teólogos cristãos mostrar a coerência do padrão | |
bíblico de ação divina na criação e redenção. Contudo, com a passagem do | |
contexto cultural desse modelo na Antiguidade Clássica tardia, o modelo | |
perdeu sua plausibilidade e parece que deixou de ser usado no discurso | |
teológico cristão. | |
Observe que Ramsey não estava sugerindo que os primeiros teólogos | |
cristãos inventaram certas crenças sobre Deus com referência a ideias | |
seculares. Seu argumento é muito mais sutil e interessante. Ramsey | |
argumenta que os primeiros teólogos cristãos tinham um entendimento | |
bem desenvolvido quanto à ação de Deus na criação, quanto à natureza da | |
redenção do mundo realizada por Deus em Cristo e uma crescente | |
compreensão do papel da igreja na manutenção da vida de fé. O que eles | |
precisavam – e o que encontraram no modelo secular da oikonomia – era | |
uma estrutura conceitual que lhes permitia manter tudo isso unido, como | |
três elementos de um todo maior, distintos, porém interconectados. Essa | |
capacidade integradora de modelos ou analogias é importante tanto na | |
ciência quanto na teologia. Os elementos básicos já eram conhecidos; o que | |
era novo era a estrutura que permitia vê-los como parte de um todo integral. | |
Arthur Peacocke sobre a aplicação teológica de modelos e analogias | |
Arthur Robert Peacocke foi para o Exeter College, na Universidade de | |
Oxford, em 1942, para estudar Química. A essa altura, o curso de Química | |
da Universidade de Oxford durava quatro anos. Após os três anos iniciais de | |
ensino, o último ano consistia num projeto substancial de pesquisa. | |
Peacocke foi supervisionado, durante seu último ano de graduação, pelo | |
ganhador do prêmio Nobel Sir Cyril Hinshelwood (1897–1967) no | |
Laboratório de Físico-Química, e permaneceu com ele para sua subsequente | |
pesquisa de doutorado. Em 1973, ele aceitou o cargo de decano do Clare | |
College, em Cambridge, o que lhe permitiu desenvolver seu interesse na | |
interface entre ciência e religião. De 1985 a 1999, ele atuou como diretor do | |
Ian Ramsey Centre, em Oxford, que tem interesse especial em promover o | |
estudo de questões relacionadas à interação entre ciência e religião. | |
Em comum com muitos dos que trabalham na interface entre ciência e | |
religião, Peacocke defende uma forma de “realismo crítico”, em que os | |
modelos desempenham um papel importante como intermediários no | |
processo de produção de conhecimento. Tanto a ciência quanto a teologia | |
usam imagens na tentativa de oferecer uma descrição con ável e responsável | |
do mundo como ele realmente é. | |
Penso que a ciência e a teologia visam retratar a realidade; que ambas o fazem em linguagem | |
metafórica com o uso de modelos; e que suas metáforas e modelos são passíveis de correção no | |
contexto das comunidades contínuas que os geraram. Essa loso a da ciência (“realismo | |
crítico”) tem a virtude de ser a loso a de trabalho implícita, embora muitas vezes não | |
articulada, de cientistas atuantes que visam descrever a realidade, mas conhecem muito bem sua | |
falibilidade ao fazê-lo.15 | |
Tendo a rmado que alguma forma de realismo crítico é parte integrante | |
do método cientí co, Peacocke argumenta que a teologia também visa | |
representar a realidade usando modelos ou analogias. As imagens usadas | |
para visualizar a realidade podem, no entanto, ser culturalmente | |
condicionadas e, portanto, podem exigir revisão ou modi cação para | |
garantir o uso contínuo. Contudo, a compreensão do caráter provisório de | |
nossas representações da realidade não nos obriga a abandonar a ideia de um | |
mundo real que de alguma forma seja representado dessa maneira. | |
A teologia, a formulação intelectual das experiências e crenças religiosas também emprega | |
modelos que podem ser descritos de maneira semelhante. Insisto que um realismo crítico seja | |
também a loso a mais apropriada e adequada a respeito da linguagem religiosa e das | |
proposições teológicas. Os conceitos e modelos teológicos devem ser considerados parciais, | |
adequados e corrigíveis, mas necessários e, de fato, as únicas maneiras de fazer referência à | |
realidade denominada “Deus” e as relações de Deus com a humanidade.16 | |
Embora reconheça a diversidade de tipos de realismo cientí co, | |
Peacocke defendia um “núcleo comum” de proposições – principalmente, | |
que a renovação cientí ca é progressiva e acumulativa e que o objetivo da | |
ciência é descrever a realidade. Peacocke defende também o realismo crítico | |
em teologia. Como na ciência, os conceitos e modelos teológicos são | |
parciais, inadequados e revisáveis. No entanto, ao contrário daqueles da | |
ciência, eles incluem uma função afetiva forte, envolvendo as emoções tanto | |
quanto a mente. Para Peacocke, tanto a ciência quanto a religião operam | |
com base em um “realismo crítico”, que reconhece que os modelos são | |
“meios parciais, adequados, revisáveis e necessários” para representar a | |
realidade. Cada um desses termos merece um pouco mais de exploração:17 | |
• Parcial. Os modelos teológicos podem permitir o acesso a apenas | |
parte da realidade maior que representam. Peacocke reconhece, | |
portanto, que há limites para o que se pode saber da realidade, | |
cientí ca ou religiosa, devido ao modo de representação que deve | |
ser usado no processo de descrição. | |
• Adequado. Peacocke chama aqui a atenção para o fato de que esses | |
modelos são bons o su ciente para nos permitir conhecer a | |
realidade retratada. O fato de que esse conhecimento não deriva | |
diretamente da realidade não deve ser visto como implicando que | |
ele seja, de alguma forma, abaixo do padrão ou de segunda | |
categoria. | |
• Revisável. Peacocke argumenta aqui que os modelos precisam ser | |
revisados continuamente e devem ser vistos como provisórios e não | |
de nitivos. Talvez esse seja um dos aspectos mais controversos de | |
sua análise, na medida em que muitos pensadores religiosos mais | |
tradicionais sustentariam que os modelos religiosos são “dados”. | |
John Polkinghorne, por exemplo, admite a necessidade de revisão | |
em certos pontos, mas sustenta que o que requer revisão é a | |
interpretação que damos a esses modelos, não os modelos em si. | |
• Necessário. Geralmente, é feita uma distinção entre “realismo | |
ingênuo” e “realismo crítico”, com o primeiro sustentando que é | |
possível conhecer a realidade diretamente e o segundo dizendo que | |
é necessário conhecê-la indiretamente, por meio de modelos. Essa é | |
fundamentalmente uma questão sobre como a mente humana | |
confere sentido às coisas. Peacocke sustenta que é apropriado | |
permitir à mente humana um papel ativo e construtivo na | |
representação da realidade. Longe de ser uma observadora passiva | |
das coisas, a mente humana constrói ativamente suas representações | |
do mundo externo. Esse aspecto do realismo crítico não é visto | |
como controverso e é compartilhado por outros pensadores dentro | |
do círculo que trata de ciência e religião, incluindo Ian Barbour e | |
John Polkinghorne. | |
Sallie McFague sobre metáforas na teologia | |
Uma das discussões mais in uentes sobre o papel da metáfora em uma | |
teologia cristã construtiva e crítica é a de Sallie McFague, que atuou como | |
professora na cátedra Carpenter de teologia na Vanderbilt Divinity School, | |
antes de se tornar teóloga emérita residente na Vancouver School of | |
eology. Para McFague, precisamos chegar a um acordo com a | |
inevitabilidade de abordagens metafóricas na teologia, permanecer em um | |
relacionamento “tenso” com metáforas teológicas que não podem ser | |
diretamente identi cadas com o que elas apontam e envolver a imaginação | |
crítica em vez da razão discursiva. | |
Em um importante estudo de 1975, McFague deixou clara sua | |
insatisfação com o racionalismo ingênuo do Iluminismo, que valorizava a | |
aquisição de “ideias claras e distintas”, mas era incapaz de avaliar as | |
di culdades para assegurar isso, dados os limites impostos à situação | |
humana: | |
Os dias de supor que estamos livres de limitações nitas, de supor que temos alguma forma de | |
acesso direto à “Verdade”, que possa haver palavras que correspondam a “o que é”, que “ideias | |
claras e distintas” podem ser muitas ou muito interessantes – esse tempo acabou (se é que | |
alguma vez existiu, exceto nos círculos mais racionalistas). [...] O que temos, e tudo o que temos, | |
é a grade ou tela18 fornecida por essa ou aquela metáfora. A metáfora é a coisa, ou pelo menos o | |
único acesso que nós, seres altamente relativos e limitados, temos a ela.19 | |
McFague argumenta que uma apreciação do papel central e inevitável do | |
conceito de “metáfora” na teologia nos afasta decisivamente da precisão | |
teológica favorecida pelos autores do Iluminismo, nos convidando a abraçar | |
um encontro “aberto, tentativo e indireto” com a realidade que nunca | |
poderia ser capturado ou totalmente expresso em termos de ideias bemde nidas. A teologia é assim chamada a “entender a centralidade dos | |
modelos na religião e dos modelos particulares na tradição cristã”, a criticar | |
“modelos literalizados e exclusivos” e a “mapear as relações entre metáforas, | |
modelos e conceitos”.20 Curiosamente, para McFague, “modelos cientí cos se | |
referem à dimensão quantitativa do mundo, enquanto modelos teológicos se | |
referem à dimensão qualitativa”.21 | |
Tendo explorado alguns aspectos da função e do uso de modelos e | |
metáforas na religião, precisamos agora considerar um estudo de caso com | |
mais detalhes, para que os pontos em questão possam ser mais bemavaliados. Portanto, voltamos a dois aspectos da teologia cristã para explorar | |
isso mais completamente. Veremos a doutrina da criação e o que é | |
frequentemente conhecido como “teorias da expiação” – entendimentos do | |
signi cado e da importância da morte de Cristo. | |
Usando modelos religiosos de forma crítica: criação | |
A ideia de que o mundo foi criado é de fundamental importância para | |
muitas religiões, especialmente para o cristianismo e o judaísmo. O tema | |
“Deus como criador” é de grande importância dentro do Antigo Testamento | |
e acredita-se que tenha se tornado particularmente signi cativo para o | |
entendimento de Israel durante o período de exílio na Babilônia. De | |
particular interesse para nossos propósitos é o tema do Antigo Testamento | |
de “criação enquanto ordenamento” e a maneira pela qual o tema | |
criticamente importante da “ordem” é estabelecido e justi cado com | |
referência a fundamentos cosmológicos. | |
O Antigo Testamento geralmente descreve a criação em termos da | |
vitória de Deus sobre as forças do caos, entendida como uma imposição de | |
ordem sobre um caos amorfo ou como con ito com uma série de forças | |
caóticas, muitas vezes retratadas como um dragão ou outro monstro. | |
Embora existam paralelos entre a narrativa do Antigo Testamento de que | |
Deus se envolve com as forças do caos e as mitologias ugarítica e cananeia, | |
há divergências signi cativas em pontos de importância, como a insistência | |
de que a criação não deve ser entendida em termos de diferentes deuses | |
guerreando uns contra os outros pelo domínio de um (futuro) universo, mas | |
em termos do domínio de Deus sobre o caos e o ordenamento do mundo. | |
Os teólogos da igreja primitiva a rmavam que a ordem natural tinha | |
bondade, racionalidade e ordem estável que resultavam diretamente de sua | |
criação por Deus. A verdade, a bondade e a beleza de Deus (para usar a | |
“tríade platônica” de categorias que in uenciaram muitos autores desse | |
período) podiam ser discernidas dentro da ordem natural, em consequência | |
dessa ordem ter sido estabelecida por Deus. No terceiro século, Orígenes | |
argumentava que foi a criação do mundo por Deus que estruturou a ordem | |
natural de tal maneira que pudesse ser compreendida pela mente humana, | |
conferindo a esse ordenamento racionalidade e ordem intrínsecas, que | |
derivavam e re etiam a própria natureza divina. | |
Esse entendimento é de importância central para a interação entre a | |
teologia cristã e as ciências naturais, destacando a relevância da doutrina | |
cristã da criação para fundamentar tanto a racionalidade do cosmos quanto | |
a capacidade da mente humana de discernir essa racionalidade. Por | |
exemplo, Atanásio de Alexandria e Agostinho de Hipona sustentam que um | |
Deus racional criou um universo coerente e racional (logikos), cujas | |
estruturas re etem o caráter de seu criador e são capazes de ser apreendidas | |
pela mente humana e seu signi cado ser apreciado, ainda que apenas parcial | |
e vagamente. Esse sistema de crença a rma que o ser do universo, em última | |
análise, deriva do ser de Deus, e que a humanidade, como portadora da | |
imagem de Deus, tem uma capacidade criada de envolver-se com, | |
interpretar e entender o universo. Muitos estudiosos acreditam que esse | |
sistema para lidar com a natureza pode ajudar a explicar por que a teologia | |
cristã foi tão intelectualmente acolhedora em relação às ciências naturais | |
emergentes na época do Renascimento. | |
A ideia de criação é, portanto, importante teologicamente, bem como | |
em relação ao campo de ciência e religião. Mas como a criação deve ser | |
entendida? Quais modelos podem ser usados para nos ajudar a visualizar | |
esse conceito e, assim, revelar uma compreensão mais profunda de seu | |
signi cado? Na sequência, vamos considerar três modelos que foram | |
empregados em vários pontos da tradição cristã e examinar questões que | |
provêm deles, indicando a necessidade de uma abordagem crítica a esses | |
modelos. | |
1. Expressão Artística. Muitos autores cristãos, de vários períodos da | |
história da igreja, falam da criação como “obra de Deus”, | |
comparando-a a uma obra de arte que é bela por si só, além de | |
expressar a personalidade de seu criador. Esse modelo de criação | |
como “expressão artística” de Deus enquanto criador é encontrado | |
nos escritos do teólogo norte-americano Jonathan Edwards do | |
século 18, bem como no in uente trabalho de Dorothy L. Sayers, | |
e Mind of the Maker [A mente do criador] (1941). Esse modelo de | |
criação se encaixa bem na cultura contemporânea e fornece uma | |
maneira importante de visualizar a autoexpressão de Deus dentro | |
da ordem criada. | |
2. Construção. Muitas passagens bíblicas retratam Deus como um | |
mestre de obras, deliberadamente construindo o mundo (por | |
exemplo, Salmo 127:1). As imagens são poderosas, transmitindo as | |
ideias de propósito, planejamento e intenção deliberada de criar. A | |
imagem é importante, pois chama a atenção tanto para o criador | |
quanto para a criação. Além de trazer à tona a habilidade do | |
criador, permite também que a beleza e a ordem da criação | |
resultante sejam apreciadas tanto pelo que ela é quanto por seu | |
testemunho da criatividade e zelo de seu criador. | |
3. Emanação. Muitos autores cristãos primitivos que simpatizavam | |
com as várias formas de platonismo populares naquela época, viam | |
a imagem da “emanação” como uma maneira útil e apropriada de | |
visualizar a criação. A imagem que domina essa representação é a | |
da luz ou do calor que irradia do Sol ou de uma fonte feita pelo | |
homem, como um fogo. Essa imagem da criação (insinuada na | |
expressão “luz de luz”, do Credo Niceno) sugere que a criação do | |
mundo pode ser considerada como um transbordamento da energia | |
criativa de Deus. Assim como a luz deriva do Sol e re ete sua | |
natureza, a ordem criada deriva de Deus e expressa a natureza | |
divina. Esse modelo a rma, assim, uma conexão natural ou | |
orgânica entre Deus e a criação. | |
Cada um desses modelos deve ser entendido como uma analogia, e não | |
uma identidade. Existem claras continuidades e descontinuidades entre o | |
modelo e o que está sendo modelado. Cada modelo oferece uma descrição | |
parcial de alguns aspectos do conceito de criação do mundo por Deus, | |
deixando de esclarecer outros aspectos e, ocasionalmente, introduzindo | |
ideias que são contrárias a alguns conceitos cristãos fundamentais. Dois | |
desses conceitos são de particular importância: primeiro, que Deus deve ser | |
considerado como um agente pessoal; e segundo, que criação signi ca trazer | |
coisas à existência ex nihilo (“do nada”), em vez de representar uma | |
reordenação ou rearranjo de matéria preexistente. | |
Esse segundo ponto requer mais discussão. O prólogo do evangelho de | |
João (João 1:1-14) fala que tudo foi criado por Deus, do nada, através de | |
Cristo. No entanto, esse conceito contraria a ideia helenística claramente | |
expressa no diálogo de Platão, Timeu, de que o mundo foi feito de matéria | |
preexistente, tendo sido moldada na forma atual do mundo. Essa ideia foi | |
adotada por autores gnósticos, especialmente no segundo século. Entretanto, | |
quando os primeiros autores cristãos se tornaram cada vez mais conscientes | |
das de ciências do gnosticismo, adotaram leituras mais so sticadas das | |
narrativas da criação do Antigo Testamento e ensinaram que “criação” | |
signi cava trazer coisas à existência do nada. | |
Cada um dos três modelos mencionados acima tem pontos de valor, | |
embora exijam também uma interpretação crítica. É necessário excluir | |
determinadas leituras de dado modelo em questão para que este seja | |
genuinamente esclarecedor. A ideia de criação como emanação, por | |
exemplo, sugere desnecessariamente um processo constante de produção | |
natural, em vez de uma decisão divina proposital de criar. A imagem do Sol | |
irradiando luz implica uma emanação involuntária – algo que acontece | |
naturalmente. A tradição cristã enfatizava consistentemente que o ato de | |
criação repousa em uma decisão anterior da parte de Deus em criar, o que | |
esse modelo não consegue expressar adequadamente. De fato, esse modelo | |
de criação – como todos esses modelos – precisa ser abordado através de um | |
ltro teológico. | |
O mesmo problema surge quando se pensa em criação como construção | |
ou expressão artística. Nesse caso, a criação pode ser entendida como dando | |
aparência e forma a algo que já existe – uma ideia que está em tensão com a | |
doutrina cristã da criação ex nihilo. A imagem de Deus como construtor | |
parece implicar a montagem do mundo a partir de material que já existe. O | |
modelo de expressão artística pode ser associado à ideia de criação a partir | |
de matéria preexistente, como no caso de um escultor com uma estátua | |
esculpida em um bloco de pedra já existente. Contudo, esse modelo expressa | |
a percepção de que o caráter do criador é, de alguma forma, expresso no | |
mundo natural, assim como o de um artista é comunicado ou incorporado | |
ao seu trabalho. Essa debilidade pode, entretanto, ser resolvida. Um dos | |
muitos méritos da obra Mind of the Maker, de Dorothy L. Sayer, é que ela | |
consegue acomodar a ideia de criação a partir do nada, como na analogia do | |
autor que escreve um romance ou do compositor que cria uma melodia e | |
harmonia. | |
Usando modelos religiosos de forma crítica: teorias da expiação | |
A necessidade de adotar uma abordagem crítica para os modelos | |
teológicos também é evidente no caso de interpretações do signi cado da | |
morte de Cristo – uma área da teologia tradicionalmente conhecida como | |
“teorias da expiação” ou “da obra de Cristo”. O Novo Testamento emprega | |
uma rica variedade de imagens visuais para permitir um entendimento | |
completo das consequências da obra de Cristo – como justi cação, salvação, | |
reconciliação e adoção. | |
A mensagem cristã da salvação foi contextualizada em linguagem acessível às pessoas comuns. | |
Imagens, metáforas e comparações que esses primeiros cristãos podiam entender e relacionar se | |
tornaram ferramentas importantes nas mãos dos evangelistas para explicar a esses novos | |
convertidos o que lhes havia acontecido.22 | |
Contudo, a questão de até que ponto essas analogias podem ser | |
estendidas permanece importante, pois qualquer analogia soteriológica não | |
indica os limites de seu escopo ou seu modo próprio de interpretação. Para | |
ilustrar esse ponto, podemos considerar a seguinte imagem: a noção de que | |
Cristo deu a vida como “resgate” pelos pecadores (Marcos 10:45; 1Timóteo | |
2:6). | |
Então, o que essa analogia signi ca? Como deve ser interpretada? O uso | |
comum da palavra “resgate” sugere quatro ideias: | |
1. Sendo mantido em cativeiro. Um resgate é uma forma de pagamento | |
que obtém a liberdade de uma pessoa mantida em cativeiro ou em | |
escravidão. | |
2. Um pagamento. Um resgate é uma soma de dinheiro que é paga aos | |
captores para obter a libertação de um indivíduo. | |
3. Alguém a quem o resgate é pago. Um resgate geralmente é pago ao | |
captor de um indivíduo ou a um intermediário. | |
4. Libertação. O estado de ser libertado da servidão ou prisão como | |
resultado do pagamento do resgate. | |
Todas essas quatro ideias parecem estar implícitas ao se falar da morte | |
de Cristo como um “resgate” pelos pecadores. Mas devemos interpretar essa | |
analogia dessa maneira? A analogia não poderia estar sendo forçada demais | |
em certos pontos? | |
Não há dúvida de que o Novo Testamento proclama que fomos libertos | |
do cativeiro através da morte e ressurreição de Cristo. Fomos libertos do | |
cativeiro do pecado e do medo da morte (Romanos 8:21; Hebreus 2:15). | |
Também está claro que o Novo Testamento entende a morte de Cristo como | |
o preço a ser pago para alcançar nossa libertação (1Coríntios 6:20; 7:23). | |
Nossa libertação é uma questão cara e preciosa. Em três desses quatro | |
aspectos, o uso bíblico de “resgate” corresponde amplamente ao uso diário | |
da palavra. Mas e a ideia de que a morte de Cristo foi um resgate pago a | |
alguém? Quem foi pago dessa maneira? | |
O Novo Testamento silencia sobre qualquer sugestão de que a morte de | |
Cristo foi o preço pago a alguém para alcançar nossa libertação. Alguns dos | |
escritores dos primeiros quatro séculos, entretanto, assumiram que | |
poderiam estender essa analogia até seus limites. Para Orígenes, talvez o | |
mais especulativo dos primeiros autores patrísticos, uma vez que a morte de | |
Cristo foi um resgate, esse resgate deve ter sido pago a alguém. Mas para | |
quem? Não poderia ter sido pago a Deus, pois Deus não estava prendendo | |
pecadores para serem resgatados. Orígenes concluiu que tinha que ser pago | |
ao diabo. | |
Autores posteriores – como Ru no de Aquileia e Gregório Magno – | |
desenvolveram ainda mais essa ideia. O diabo tinha adquirido direitos sobre | |
a humanidade caída, que Deus foi obrigado a respeitar. O único meio pelo | |
qual a humanidade poderia ser liberta desse domínio e opressão satânicos | |
era através de o diabo exceder os limites de sua autoridade e, portanto, ser | |
obrigado a desistir de seus direitos. Então, como isso podia ser alcançado? | |
Gregório sugere que isso poderia acontecer se uma pessoa sem pecado | |
entrasse no mundo, ainda que na forma de uma pessoa pecaminosa normal. | |
O diabo não notaria até que fosse tarde demais: ao reivindicar autoridade | |
sobre essa pessoa sem pecado, o diabo teria ultrapassado os limites de sua | |
autoridade e, portanto, seria obrigado a desistir de seus direitos sobre a | |
humanidade. Ru no sugere a imagem de um anzol com isca: a humanidade | |
de Cristo é a isca e sua divindade é o anzol. O aspecto dessa abordagem para | |
o signi cado da cruz que causou a maior inquietação subsequente foi a | |
aparente implicação de que Deus era culpado de enganar o diabo. | |
Após a penetrante crítica teológica dessa ideia por Anselmo de | |
Cantuária, no século 11, essa teoria foi de modo geral abandonada pelos | |
teólogos acadêmicos, embora tenha retido considerável apelo popular. Essa | |
teoria insatisfatória resultou claramente de uma analogia ser estendida | |
muito além dos limites pretendidos. Mas como sabemos se uma analogia | |
teológica foi levada longe demais? Como os limites dessas analogias podem | |
ser testados? Tais questões foram debatidas ao longo da história cristã. Uma | |
importante discussão sobre esse ponto, no século 20, pode ser encontrada | |
nos escritos do lósofo Ian T. Ramsey, que observamos anteriormente neste | |
capítulo. Em sua obra Christian Discourse: Some Logical Explorations | |
[Discurso cristão: algumas explorações lógicas] (1965), Ramsey expôs a | |
ideia de que modelos ou analogias não são independentes e autônomos, mas | |
interagem entre si e quali cam um ao outro. | |
Ramsey argumenta que as Escrituras não nos dão uma única analogia | |
(ou “modelo”) para Deus ou para a salvação, mas usam uma série de | |
analogias. Cada uma delas lança luz sobre certos aspectos de nosso | |
entendimento de Deus ou da natureza da salvação – mas não todos. | |
Entretanto, essas analogias também interagem entre si. Elas se modi cam. | |
Elas nos ajudam a entender os limites de outras analogias. Nenhuma | |
analogia ou parábola é exaustiva em si mesma; tomadas em conjunto, no | |
entanto, uma série de analogias e parábolas se acumula para fornecer uma | |
compreensão abrangente e consistente de Deus e da salvação. | |
MODELOS E MISTÉRIO: OS LIMITES DA REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE | |
Como representamos uma realidade complexa, tal como o mundo | |
estranho e desconcertante que nos rodeia? Existe um desejo humano | |
profundo de poder visualizar as coisas, em um processo que se baseia mais | |
na imaginação do que na razão. Quando tentamos “imaginar” algo que está | |
além da nossa capacidade de ver completamente, naturalmente tentamos | |
reduzi-lo a algo que possa ser administrado. Isso está subjacente ao uso | |
cientí co de modelos como mecanismos heurísticos para nos ajudar a | |
entender os principais aspectos de sistemas complicados. | |
Neste capítulo, exploramos como modelos e analogias podem nos ajudar | |
a visualizar pelo menos alguns aspectos de uma realidade complexa. | |
Observamos alguns de seus limites, particularmente aqueles que surgem ao | |
confundir um modelo com o que está sendo modelado. Mas existe uma | |
preocupação adicional: e se modelos e analogias forem fundamentalmente | |
incapazes de representar a complexidade do nosso universo? Já | |
mencionamos o conceito de “mistério” neste capítulo; esse tema claramente | |
requer mais discussão. | |
Qualquer discussão sobre a tentativa humana de investigar e representar | |
a realidade precisa levar em conta a capacidade limitada dos seres humanos | |
de compreender entidades complexas. O físico teórico Werner Heisenberg – | |
mais conhecido por ter formulado o princípio da incerteza – argumentou | |
que, embora uma boa teoria cientí ca faça justiça a “todos os domínios | |
acessíveis do mundo”, ainda permanecem certos “fenômenos que desa am a | |
formulação em [termos de] linguagem”. O pensamento cientí co “sempre | |
paira sobre uma profundidade insondável”, sendo confrontado pelos limites | |
impostos à compreensão humana: | |
Toda vez que ocorre a compreensão de uma nova realidade, sua esfera de validade parece ser | |
empurrada um passo a mais na impenetrável escuridão que está por trás das ideias que a | |
linguagem é capaz de expressar.23 | |
Richard Dawkins também apreciou claramente a importância desse | |
ponto e a necessidade de se reconhecer a validade, em ciência, da categoria | |
mistério: | |
A física moderna nos ensina que a verdade não se limita ao que os nossos olhos podem ver, ou | |
ao que pode ver a limitada mente humana, desenvolvida como ela foi para dar conta de objetos | |
de tamanho médio movimentando-se a velocidades médias ao longo de distâncias médias na | |
África. Em face desses profundos e sublimes mistérios, os arroubos intelectuais equivocados dos | |
pedantes da pseudo loso a simplesmente não se mostram merecedores de nossa atenção.24 | |
Alguns cientistas usam a palavra “mistério” querendo dizer algo que | |
atualmente não é entendido, mas que se tornará resolvido e inteligível | |
através do avanço cientí co. Por exemplo, Charles Darwin comentou que a | |
questão da origem histórica das espécies era o “mistério dos mistérios”, | |
tomando emprestada uma expressão do astrônomo Sir John Herschel. Para | |
Darwin, um mistério poderia ser resolvido descobrindo uma teoria de | |
ordem superior que permita ver de uma nova maneira o que atualmente | |
parece incompreensível ou incoerente. A resposta de Darwin ao enigma de | |
Herschel foi encontrar uma teoria que tornasse inteligível o que de outro | |
modo poderia parecer misterioso – a teoria da descendência com | |
modi cação pela seleção natural. Certos “mistérios” deixam de ser | |
misteriosos assim que são explicados pela descoberta de uma estrutura | |
intelectual na qual eles são tornados inteligíveis ou previsíveis. | |
Outros cientistas, no entanto, consideram um mistério algo que está | |
além do escopo da explicação redutiva. Albert Einstein, por exemplo, | |
enfatizava constantemente os limites da compreensão humana quanto à | |
racionalidade do universo e à importância de manter um senso de mistério e | |
admiração diante de sua vastidão. Embora ele não fosse um místico em | |
nenhum sentido signi cativo do termo, Einstein estava seguro de que uma | |
percepção do “misterioso” era a fonte de toda a verdadeira arte e ciência, | |
assim como uma “experiência do mistério” estava no coração da religião. “O | |
que vejo na natureza é uma estrutura magní ca que só podemos | |
compreender de maneira imperfeita”.25 | |
Outra questão precisa ser registrada neste momento. Uma suposição | |
comum subjacente à biologia evolutiva contemporânea é que as capacidades | |
cognitivas humanas evoluíram principalmente para os propósitos de | |
sobrevivência, não para a busca e aquisição da verdade. Contudo, as | |
capacidades cognitivas humanas excedem em muito as exigidas para a mera | |
sobrevivência – como é evidente, por exemplo, nos notáveis sucessos da | |
matemática. Ainda assim, o argumento de Dawkins permanece. A “limitada | |
mente humana” está bem adaptada a cenários simples. Mas e aqueles que | |
são vastos e complexos demais para serem apreendidos por essa limitada | |
mente humana? O uso de modelos e analogias pode nos ajudar a entender | |
algo que está além da nossa compreensão total? | |
Para teólogos cristãos como Máximo, o Confessor, o termo “mistério” | |
refere-se fundamentalmente à imensidão conceitual ou vastidão ontológica | |
de Deus. Um mistério é resistente ao fechamento interpretativo ou à redução | |
intelectual, transcendendo nalmente qualquer tentativa de uma de nição | |
limitadora – precisamente porque isso limita o que deve ser permitido | |
permanecer aberto. O teólogo inglês Charles Gore também destacou a | |
importância desse ponto, observando os limites da linguagem para | |
compreender o mistério do divino: | |
A linguagem humana nunca pode expressar adequadamente realidades divinas. Uma constante | |
tendência de pedir desculpas pela fala humana, um grande elemento de agnosticismo, um | |
terrível senso de profundidade insondável além do pouco que é conhecido está sempre presente | |
na mente dos teólogos que sabem com o que estão lidando, ao conceber ou expressar Deus.26 | |
A famosa declaração de Agostinho de Hipona, si comprehendis non est | |
Deus27 (“se você pode compreendê-lo, não é Deus”), destaca que qualquer | |
coisa que a humanidade possa compreender plena e completamente não | |
pode ser Deus, justamente porque seria tão limitada e empobrecida a ponto | |
de poder ser totalmente compreendida pela mente humana. | |
A potencial importância da questão para a religião pode ser vista em | |
Idea of the Holy [Ideia do sagrado] (1917), de Rudolf Otto, que desenvolveu | |
o conceito de “numinoso” como um meio de expressar o que ele considerava | |
fundamental para a experiência e existência religiosas. Para Otto, o | |
numinoso pode ser entendido como uma experiência de terror e admiração | |
misteriosos (mysterium tremendum et fascinans) na presença daquele que é | |
“totalmente outro” e, portanto, não pode ser expresso diretamente usando | |
linguagem ou analogias humanas. A concepção de Otto de um aspecto | |
irracional ou numinoso da religião, que está além da descrição conceitual e é | |
acessível apenas através da experiência, provou ser signi cativa no estudo da | |
religião; ela é, entretanto, de particular importância para qualquer tentativa | |
séria de re etir sobre a categoria religiosa do mistério. Otto não usa o termo | |
“irracional” com o signi cado de “racionalmente de ciente”; na verdade, seu | |
uso de termos complementares, como “não racional” ou “transracional”, | |
deixa claro que o mistério no coração da religião é algo que subjuga e satura | |
as capacidades racionais humanas. | |
O teólogo e lósofo francês Gabriel Marcel (1889-1973) distinguiu entre | |
os usos cientí cos e religiosos do termo “mistério” usando as categorias | |
“problemas” e “mistérios”. Para Marcel, as ciências naturais lidam com o | |
mundo dos problemas. Um problema é algo que pode ser visto | |
objetivamente e para o qual podemos encontrar uma solução possível. Um | |
mistério, no entanto, é algo que não podemos ver objetivamente, | |
precisamente porque não podemos nos separar dele. Embora os problemas | |
possam ser resolvidos por meio de soluções universais ou generalizadas, os | |
mistérios não podem. A vida, segundo Marcel, não é, portanto, um | |
problema a ser resolvido, mas um mistério a ser vivido. A existência do | |
sofrimento, por exemplo, deve ser vista como um mistério que nunca pode | |
ser totalmente compreendido, e não como um problema intelectual que | |
pode ser dominado e subjugado. | |
Um argumento semelhante foi apresentado pelo grande físico alemão | |
Max Planck, amplamente considerado o fundador da mecânica quântica. | |
Como Einstein, Planck sustentava que havia limites para a capacidade da | |
ciência de entender completamente nosso universo. “A ciência não pode | |
resolver o mistério nal da natureza. Isso porque, em última análise, nós | |
mesmos somos parte da natureza e, portanto, parte do mistério que estamos | |
tentando resolver.”28 | |
As ideias de Marcel foram desenvolvidas de maneira mais explicitamente | |
teológica pelo teólogo e lósofo inglês Austin Farrer, que de niu o domínio | |
da problemática como o campo em que existem respostas corretas. O | |
domínio do mistério, no entanto, envolve o engajamento com a realidade em | |
um nível que não pode ser investigado em termos de “problemas | |
determinados e solúveis”. O teólogo, argumenta Farrer, não se depara com a | |
relação limitada e gerenciável que surge entre um instrumento conceitual e | |
objetos físicos. Somos, na verdade, confrontados com o “objeto em si, em | |
toda a sua plenitude”, consistindo não em “um conjunto de problemas”, cada | |
um dos quais pode ser resolvido cienti camente ou racionalmente, mas de | |
um “único, embora múltiplo, mistério”. É tentador aplicar-se em reduzir um | |
mistério a um conjunto de problemas com base na crença equivocada de que | |
o mistério é a mera soma dos problemas individuais (solúveis). | |
A análise apresentada por Marcel e Farrer ilumina a tarefa teológica, | |
pois cada geração é chamada a lutar com um mistério, sabendo que ele tem | |
certa inesgotabilidade, que não pode ser alcançada ou totalmente | |
compreendida por nenhum autor ou época. O teólogo católico omas | |
Weinandy diz o seguinte: “Como Deus, que nunca pode ser totalmente | |
compreendido, está no centro de toda investigação teológica, a teologia por | |
natureza não é um empreendimento de solução de problemas, mas um | |
empreendimento que discerne o mistério.”29 A problemática é o domínio da | |
ciência e da investigação racional. Depois que um problema é resolvido, não | |
há mais interesse nele. | |
Um mistério, entretanto, desa a, atualiza e revigora a tarefa teológica, | |
sobretudo pela expectativa de que uma nova luz esteja ainda para irromper | |
dos mistérios que foram atacados pelas gerações anteriores. O processo de | |
lutar com um mistério permanece, portanto, aberto, não fechado. O que | |
uma geração herda da outra não são tanto respostas de nitivas, mas o | |
compromisso partilhado com o processo de lutar. | |
Uma resposta teológica à categoria do mistério é desenvolver modelos | |
que tentem representar ou permitir a visualização de certos aspectos de uma | |
realidade maior, embora admitam que essa realidade como um todo | |
permanece resistente à redução por essa via. Os teólogos podem, assim, falar | |
de diferentes “modelos” da Trindade. Embora exista uma clara diferença | |
entre modelagem teológica e modelagem nas ciências naturais, alguns | |
modelos analíticos de Deus buscam compreender seu objetivo | |
“cienti camente” – em outras palavras, total e completamente. | |
Um bom exemplo de um modelo teológico da Trindade é o | |
desenvolvido por Jeffrey Brower e Michael Rea, com base na noção | |
aristotélica de “igualdade numérica sem identidade”. Esse modelo sugere que | |
podemos entender um aspecto fundamental da doutrina da Trindade – a | |
relação entre as três pessoas divinas e uma única natureza divina – como | |
análoga à relação entre uma estátua de bronze e o metal bronze do qual ela é | |
construída. A estátua e o bronze contam exatamente como um objeto (eles | |
são numericamente iguais). No entanto, a estátua não é estritamente idêntica | |
ao bronze, pois não tem exatamente as mesmas propriedades ou condições | |
de persistência. Por exemplo, é possível derreter a estátua sem destruir o | |
bronze. Da mesma maneira, podemos pensar na essência divina como | |
desempenhando o papel da matéria em um composto forma-matéria, de | |
modo que as pessoas da Trindade podem ser entendidas como seres | |
numericamente distintos constituídos por três formas numericamente | |
distintas. | |
Contudo, alguns teólogos têm expresso preocupação com as tentativas | |
de modelar Deus, observando como isso tende a reduzir Deus a algo | |
existente no mundo, deixando de fazer justiça à transcendência de Deus. O | |
lósofo da religião William Wood salienta essas preocupações, destacando a | |
importância de considerações “apofáticas” – em outras palavras, | |
reconhecendo os limites de nossas tentativas de falar de Deus. Os seres | |
humanos, por causa de sua nitude e pecaminosidade, não podem | |
compreender a essência ou o ser de Deus. Deus é “incognoscível” no sentido | |
de estar além das categorias humanas e de métodos investigativos: | |
Nas últimas décadas, teólogos acadêmicos contemporâneos têm rea rmado a transcendência | |
absoluta e a incognoscibilidade de Deus, que caminham lado a lado com um renovado respeito | |
pela teologia apofática. Quanto mais insistimos que Deus é incognoscível, mais problemática é a | |
prática de modelar Deus. A literatura existente sobre modelagem teológica realmente não chegou | |
a um acordo com essa renovação do pensamento apofático.30 | |
O ponto de Wood é importante, pois levanta a questão de saber se a | |
prática cientí ca de desenvolver modelos como recursos heurísticos visando | |
à inteligibilidade pode ser aplicada legitimamente dentro da teologia. Como | |
observa o lósofo da ciência Peter Godfrey-Smith, as ciências naturais | |
geralmente desenvolvem modelos que representam uma “simpli cação | |
deliberada ou outra modi cação imaginativa da realidade, a m de tornar | |
visíveis algumas relações ou tornar tratáveis alguns problemas”.31 Muitos | |
teólogos clássicos sugerem que tornar Deus “tratável” provavelmente trará | |
distorção e diminuição. | |
Ê | |
à | |
IAN BARBOUR SOBRE MODELOS EM CIÊNCIA E RELIGIÃO | |
Ian Barbour teve um impacto signi cativo no campo de ciência e | |
religião, principalmente através de seus trabalhos inovadores em Issues in | |
Science and Religion [Questões em ciência e religião] (1966) e os posteriores | |
em Myths, Models, and Paradigms [Mitos, modelos e paradigmas] (1974). | |
Barbour deu uma atenção considerável ao desenvolvimento de uma base | |
intelectual para facilitar e consolidar uma interação positiva e construtiva | |
entre a ciência e a religião. Longe de ser uma resposta pragmática à | |
necessidade de duas poderosas forças culturais entrarem em diálogo, | |
Barbour argumenta que existe uma ponte intelectual entre as duas, o que | |
torna o diálogo necessário e adequado. | |
Segundo Barbour, existem continuidades importantes (embora não | |
identidades) em termos de epistemologia (os tipos de conhecimento que | |
temos), metodologia (como esse conhecimento é obtido e justi cado) e | |
linguagem (como esse conhecimento é expresso). Juntos, esses pontos em | |
comum fornecem uma ponte entre a ciência e a religião capaz de sustentar | |
um tráfego intelectual signi cativo entre elas. Embora alguns considerem | |
que a realização bem-sucedida de Barbour em estabelecer uma ponte sobre | |
essas disciplinas seja baseada principalmente em sua noção de “realismo | |
crítico”, outros sugerem que ela reside no uso das categorias modelos, | |
metáforas e analogias – em outras palavras, na maneira pela qual | |
visualizamos nosso mundo. | |
A discussão de Barbour sobre a categoria “modelo” mostra tanto uma | |
percepção do potencial de elucidação desse conceito quanto a geração de | |
programas de pesquisa, ao mesmo tempo que ele observa diferenças | |
importantes entre as maneiras pelas quais os modelos são entendidos em | |
ciência e religião. Modelos cientí cos, sugere ele, não são “imagens literais | |
da realidade” nem “ cções úteis”, mas formas parciais e provisórias de | |
imaginar o que não é observável; são representações simbólicas de aspectos | |
do mundo que não são diretamente acessíveis a nós. Eles cumprem uma | |
função heurística, na medida em que são “construções mentais criadas para | |
explicar os fenômenos observados no mundo natural”. Barbour enfatiza que | |
esses modelos são construídos pelas comunidades cientí cas como | |
ferramentas interpretativas; não são conceitos a priori que derivam sua | |
plausibilidade de algo além da prática cientí ca. | |
Janet Martin Soskice argumenta que é importante distinguir “modelo” | |
de “metáfora”, e critica Barbour por confundir esses dois – na verdade, | |
considerando sua diferença apenas como uma questão de grau. Para Soskice, | |
“diz-se que um objeto ou estado de coisas é um modelo quando é visto em | |
termos de algum outro objeto ou estado de coisas. Um modelo não precisa | |
ser uma metáfora, pois não precisa de forma alguma ser linguístico”.32 | |
Modelos religiosos, segundo Barbour, também não são imagens literais | |
da realidade nem cções úteis; eles têm uma função adicional, no entanto, | |
de servir como imagens organizadoras para interpretar padrões de | |
experiência humana, especialmente aqueles associados a uma variedade de | |
emoções religiosas – como temor e reverência. | |
Modelos em religião são também analógicos. Eles organizam as imagens usadas para ordenar e | |
interpretar padrões de experiência na vida humana. Como os modelos cientí cos, eles não são | |
imagens literais da realidade, nem cções úteis. Uma das principais funções dos modelos | |
religiosos é a interpretação de tipos distintos de experiência: temor e reverência, obrigação | |
moral, reorientação e reconciliação, relacionamentos interpessoais, eventos históricos | |
importantes, e ordem e criatividade no mundo.33 | |
Entretanto, esses modelos são frequentemente dados à comunidade | |
religiosa de interpretação por meio da tradição, levantando a questão de se | |
eles podem ser revisados ou substituídos – ou se a renovação e o uso | |
contínuo dependem de sua constante reinterpretação. Como vimos | |
anteriormente neste capítulo, Arthur Peacocke assume essa posição. | |
Barbour apontou três semelhanças entre o uso cientí co e religioso de | |
modelos:34 | |
1. Tanto na ciência quanto na religião, os modelos são analógicos em | |
suas origens, podem ser estendidos para lidar com novas situações e | |
são compreensíveis como unidades individuais. | |
2. Modelos, sejam cientí cos ou religiosos, não devem ser tomados | |
como representações literais da realidade, mas como | |
“representações simbólicas, para ns particulares, de aspectos da | |
realidade que não são diretamente acessíveis a nós”. | |
3. Os modelos funcionam como imagens organizadoras, permitindonos estruturar e interpretar padrões de eventos em nossas vidas | |
pessoais e no mundo. Nas ciências, os modelos se relacionam com | |
dados observacionais; nas religiões, com a experiência de | |
indivíduos e comunidades. | |
Barbour também observou três áreas de divergência entre o uso de | |
modelos em contextos cientí cos e religiosos. Nesse ponto, certo grau de | |
generalização sobre a natureza da religião talvez leve a algumas conclusões | |
incautas, embora não haja dúvida de que, pelo menos em alguns casos, os | |
pontos que Barbour ressalta são válidos. | |
1. Os modelos religiosos cumprem funções não cognitivas, que não | |
têm paralelo na ciência. | |
2. Os modelos religiosos evocam um envolvimento pessoal mais total | |
do que os seus correspondentes cientí cos. | |
3. Os modelos religiosos parecem ter maior apelo imaginativo do que | |
as crenças e doutrinas formais derivadas deles, ao passo que os | |
modelos cientí cos são subservientes às teorias. | |
Outro ponto de importância nessa comparação diz respeito à maneira | |
pela qual as analogias ou modelos são escolhidos. Nas ciências, analogias ou | |
modelos são escolhidos e validados parcialmente com base em certos | |
critérios de delidade – por exemplo, se oferecem um bom ajuste empírico | |
com o objetivo da representação, compartilhando o máximo possível de suas | |
características signi cativas. Esses dois temas – seleção e validação – são de | |
considerável importância, principalmente porque destacam uma diferença | |
signi cativa entre as ciências naturais e a religião. Analogias são geradas | |
dentro da comunidade cientí ca; se forem insatisfatórias, serão descartadas | |
e substituídas por novas. | |
Esses temas-chave de formulação e validação não têm paralelo direto no | |
pensamento cristão clássico. O cristianismo tradicionalmente sustenta que | |
as analogias dominantes ou os modelos generativos em questão são “dados”, | |
não escolhidos; as duas tarefas que desa am o teólogo são as de estabelecer | |
os limites de uma analogia e de correlacioná-la com outras dessas analogias | |
dadas. Nem todos os teólogos apoiariam essa visão tradicional; alguns | |
argumentariam que temos liberdade para desenvolver novos modelos que | |
evitem certas características dos modelos tradicionais, consideradas | |
insatisfatórias. | |
SUGESTÕES DE LEITURA | |
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Notas | |
1 Ernan McMullin, “A Case for Scienti c Realism” [Um caso pelo realismo cientí co] in Scienti c | |
Realism, editado por Jarrett Leplin. Berkeley, CA: University of California Press, 1984, pp. 8–40; | |
citação nas pp. 26–27. | |
2 Peter Godfrey‐Smith, “eories and Models in Metaphysics.” Harvard Review of Philosophy, 14 | |
(2006): 4–19; citação na p. 7. | |
3 William James, e Will to Believe, and Other Essays in Popular Philosophy [A vontade de acreditar e | |
outros ensaios de loso a popular]. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1979, p. 67. | |
4 Daniela M. Bailer‐Jones, Scienti c Models in Philosophy of Science [Modelos cientí cos em loso a | |
da ciência]. Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press, 2013, p. 206. | |
5 Ibidem, p. 111. | |
6 Daniela M. Bailer‐Jones, “Scientists’ oughts on Scienti c Models.” Perspectives on Science, 10, n. 3 | |
(2002): 275–301; citação na p. 284. | |
7 Ibidem, p. 291. | |
8 Rutherford, citado em E. N. da C. Andrade, Rutherford and the Nature of the Atom [Rutherford e a | |
natureza do átomo]. Londres: Heinemann, 1965, p. 111. | |
9 Marta Spranzi, “Galileo and the Mountains of the Moon: Analogical Reasoning, Models and | |
Metaphors in Scienti c Discovery.” Journal of Cognition and Culture, 4, n. 3–4 (2004): 451–483, | |
especialmente p. 461. | |
10 Ibidem, pp. 466-467. | |
11 Galileo Galilei, Sidereus Nunceus [Mensageiro Sideral]. Chicago: University of Chicago Press, 1989, | |
p. 41. | |
12 Charles Darwin. Origin of Species [A origem das espécies], 6th ed. Londres: John Murray, 1866, pp. | |
91–92. | |
13 omas Hobbes, Leviathan [Leviatã]. Londres: Andrew Crooke, 1651, p. 28. | |
14 Ian T. Ramsey, Models and Mystery [Modelos e mistério]. Londres: Oxford University Press, 1964, | |
p. 1. | |
15 Arthur Peacocke, Paths from Science Towards God: e End of All Our Exploring [Caminhos da | |
ciência em direção a Deus: o m de todas as nossas explorações]. Oxford: Oneworld, 2001, p. 9. | |
16 Arthur Peacocke, eology for a Scienti c Age: Being and Becoming Divine and Human [Teologia | |
para uma era cientí ca: ser e tornar-se divino e humano]. Londres: SCM Press, 1993, p. 14. | |
17 Arthur Peacocke, “Science and the Future of eology: Critical Issues.” Zygon, 35 (2000): 119–40. | |
18 Ao usar as expressões “grade ou tela”, a autora quer referir-se a algum artefato através do qual | |
podemos enxergar, mas cuja perspectiva é limitada e condicionada pelo padrão das frestas pelas quais | |
podemos olhar. (N. T.) | |
19 Sallie McFague, Speaking in Parables: A Study in Metaphor and eology [Falando em parábolas: | |
um estudo em metáfora e teologia]. Filadél a: Fortress Press, 1975, p. 29. | |
20 Sallie McFague, Metaphorical eology: Models of God in Religious Language [Teologia metafórica: | |
modelos de Deus em linguagem religiosa]. Filadél a: Fortress Press, 1982, p. 28. | |
21 Ibidem, p. 106. | |
22 Jan G. van der Watt (ed.), Salvation in the New Testament: Perspectives on Soteriology [Salvação no | |
Novo Testamento: perspectivas em soteriologia]. Leiden/Boston: Brill (2005), p. 1. | |
23 Werner Heisenberg, Die Ordnung der Wirklichkeit [A ordem da realidade]. Munique: Piper Verlag, | |
1989, p. 44. | |
24 Richard Dawkins, A Devil’s Chaplain: Selected Writings. Londres: Weidenfeld & Nicholson, 2003, p. | |
19. [Ed. Bras.: O capelão do diabo: ensaios escolhidos. [São Paulo: Companhia das Letras, 2005] | |
25 Citado em Max Jammer, Einstein and Religion: Physics and eology [Einstein e a religião: física e | |
teologia]. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1999, pp. 125–127. | |
26 Charles Gore, e Incarnation of the Son of God [A encarnação do lho de Deus]. Londres: John | |
Murray, 1922, pp. 105–106. | |
27 Augustine, Sermon, 117.3.5. | |
28 Max Planck, Where is Science Going? [Para onde está indo a ciência?] Nova York: W.W. Norton, | |
1932, p. 217. | |
29 omas G. Weinandy, Does God Suffer? [Deus sofre?] Notre Dame, IN: University of Notre Dame | |
Press, 2000, p. 32. | |
30 Wood, William. “Modeling Mystery.” Scientia et Fides, 4, n. 1 (2016): 39–59; citação na p. 43. | |
31 Peter Godfrey‐Smith, “Metaphysics and the Philosophical Imagination.” Philosophical Studies, 160 | |
(2012): 97–113; citação na p. 98. | |
32 Janet Martin Soskice, Metaphor and Religious Language [Metáfora e linguagem religiosa]. Oxford: | |
Clarendon Press, 1985, p. 55. | |
33 Ian Barbour, Myths, Models, and Paradigms [Mitos, modelos e paradigmas]. Nova York: Harper & | |
Row, 1974, pp. 6–7. | |
34 Ibidem, p. 7. | |
N | |
os capítulos anteriores, consideramos alguns temas gerais | |
relacionados à ciência e à religião. O presente capítulo adota uma | |
abordagem diferente, considerando nove debates contemporâneos | |
nesse amplo campo. Cada um deles é interessante por si só, mas | |
também ilustra alguns aspectos especí cos do campo de ciência e religião. O | |
primeiro debate diz respeito a se a ciência tem capacidade de estabelecer | |
valores morais. Essa é uma questão importante, que geralmente aparece em | |
debates culturais mais amplos sobre se os valores morais humanos | |
dependem de algum fundamento transcendente – como os tradicionalmente | |
associados à religião. | |
FILOSOFIA MORAL: AS CIÊNCIAS NATURAIS PODEM ESTABELECER VALORES MORAIS? | |
A relação entre as ciências naturais e a ética tem sido frequentemente | |
estudada. Atualmente, existe um amplo consenso na literatura de que as | |
ciências podem informar a tomada de decisões éticas, mas não servem como | |
base da ética. Os pontos de vista de Albert Einstein sobre esse assunto | |
encontraram ampla aceitação. Einstein argumentava que as ciências naturais | |
não podem criar objetivos morais, embora possam fornecer meios pelos | |
quais esses poderiam ser alcançados. “A ciência não pode criar ns e, menos | |
ainda, incuti-los nos seres humanos; a ciência, no máximo, pode fornecer os | |
meios pelos quais se atinjam determinados ns.”1 Os objetivos ou valores | |
morais não surgem como resultado de uma investigação cientí ca, embora a | |
ciência possa ajudar a implementar sua aplicação – por exemplo, no campo | |
da medicina. | |
Einstein deixou claro que “essas convicções necessárias e determinantes | |
para nossa conduta e julgamentos” estão além do escopo das ciências | |
naturais: | |
O método cientí co não pode nos ensinar nada além de como os fatos estão relacionados e | |
condicionados um pelo outro. [...] O conhecimento do que é não abre a porta diretamente para o | |
que deve ser. Pode-se ter o conhecimento mais claro e completo do que é, e ainda assim não estar | |
habilitado a deduzir disso qual deve ser o objetivo de nossas aspirações humanas.2 | |
Einstein deixa claro que tanto a identidade desse objetivo quanto a | |
motivação para alcançá-lo “devem vir de outra fonte”. | |
O lósofo do século 18, David Hume, é amplamente reconhecido como | |
tendo estabelecido a disjunção entre “é” e “dever ser”. Em sua obra Treatise of | |
Human Nature [Tratado da natureza humana], Hume considera a questão | |
das “distinções morais não derivadas da razão”. Ele aponta que há uma | |
diferença signi cativa entre declarações positivas sobre o que é e declarações | |
prescritivas ou normativas sobre o que deve ser. Hume não disse que isso | |
não poderia ser feito; mas observou com razão que esse não era um processo | |
simples e direto. | |
Para Hume, parecia não haver argumentos logicamente válidos, indo da | |
observação não moral para a prescrição moral. A força do argumento de | |
Hume é um pouco reduzida pelo fato de que, em vários pontos de seus | |
escritos, ele mesmo tira conclusões morais particulares, pelas quais é | |
pessoalmente solidário, por inferência de premissas causais e factuais. | |
Contudo, seu argumento permanece signi cativo: é difícil passar de | |
declarações descritivas para declarações prescritivas. | |
O argumento de Hume, como seria de se esperar, foi submetido a um | |
exame minucioso e é frequentemente o ponto de partida para discussões | |
sobre a relação entre ciência e moralidade. Como a análise cientí ca de | |
nosso mundo – que trata de sua descrição e interpretação – pode ser | |
conectada a a rmações sobre como devemos agir dentro dele? Para explorar | |
essa questão, vamos considerar duas grandes áreas de discussão: primeiro, se | |
a teoria da seleção natural de Darwin pode atuar como base para valores | |
morais humanos; e segundo, se a noção de “bem-estar” pode servir como | |
base para a ética. | |
Evolução e ética: o debate sobre darwinismo e moralidade | |
omas H. Huxley foi um dos defensores mais notáveis da teoria da | |
seleção natural de Darwin, na Inglaterra, durante o período vitoriano. | |
Embora seu debate de 1860, em Oxford, com Samuel Wilberforce tenha sido | |
seriamente deturpado em obras de ciência popular, não há dúvida de sua | |
rme compreensão intelectual da teoria da seleção natural, nem de suas | |
razões para acreditar que ela era cienti camente con ável. Mas qual era sua | |
relevância para a loso a moral? | |
Em sua Romanes Lecture,3 em 1893, na Universidade de Oxford, | |
intitulada “Evolução e Ética”, Huxley deixou claro que considerava a ética e a | |
teoria evolutiva darwiniana radicalmente incompatíveis. Embora as | |
preocupações de Hume sobre a relação entre “é” e “dever ser” possam ser | |
identi cadas na análise de Huxley, seu ponto principal é que os seres | |
humanos são fundamentalmente animais que triunfaram na “luta pela | |
existência” por causa de sua “destrutividade implacável e feroz”. Entretanto, | |
essa capacidade de violência e destruição, outrora uma virtude, torna-se um | |
vício com o surgimento da cultura social. Como resultado, as características | |
morais que permitiram aos seres humanos triunfar na “luta pela existência” | |
não são mais vistas como “reconciliáveis com sólidos princípios éticos”. | |
Para Huxley, portanto, a ética é uma resistência, baseada em princípios, a | |
exatamente aquelas qualidades animais que asseguraram a dominação | |
humana sobre o mundo vivo e aos processos darwinianos que as sustentam. | |
Devemos aprender a conquistar e subjugar os instintos animais naturais que | |
permanecem dentro de nós. Nossa história hereditária continua a moldar | |
nosso presente – e deve ser rechaçada, mesmo que não possa ser erradicada. | |
“A prática daquilo que é eticamente melhor – o que chamamos de “bondade” | |
ou “virtude” – envolve uma linha de conduta que, em todos os aspectos, se | |
opõe ao que leva ao sucesso na luta cósmica pela existência.”4 Embora a | |
evolução possa explicar as origens da ética, não pode funcionar como o | |
fundamento da ética: | |
A evolução pode nos ensinar como as tendências boas e más do homem podem ter surgido; mas, | |
por si só, ela é incompetente para nos dar uma boa razão para que o que chamamos de “bem” | |
seja preferível ao que chamamos de “mal”, em vez do que tínhamos antes.5 | |
Isso leva Huxley a concluir que, se a civilização e a cultura entrassem em | |
colapso, a humanidade retornaria aos seus antigos modos violentos. Huxley | |
convidou seu público de Oxford a imaginar um pedaço de terra em seu | |
estado natural e, então, comparar isso ao que seria se alguém transformasse | |
essa paisagem em um jardim. Contudo, o jardim precisa ser mantido. Se | |
seus jardineiros deixassem de cultivá-lo, ele retornaria ao seu estado natural. | |
Para Huxley, o colapso da cultura humana levaria à reversão da humanidade | |
ao seu estado animal natural. | |
Outros, no entanto, discordaram da avaliação de Huxley – incluindo seu | |
neto, o famoso biólogo Julian Huxley. Em 1943 – cinquenta anos após a | |
palestra de seu avô em Oxford – Julian Huxley defendeu que a compreensão | |
do processo evolutivo nos permite entender como o “dever ser” emerge do | |
“ser”. A evolução caminhava para um objetivo de nido e o surgimento da | |
ética fazia parte desse objetivo. O livro Sociobiology [Sociobiologia] (1975), | |
de Edward O. Wilson, concordou com Julian Huxley que a ética surge do | |
processo evolutivo, mas rejeitou a ideia de que a evolução é direcionada ou | |
conscientemente se move em direção a algum objetivo. Embora Wilson não | |
pudesse ver nenhuma base biológica para as questões de Julian Huxley, ele | |
foi muito claro quanto à importância da biologia na explicação das origens | |
dos valores morais. “Cientistas e humanistas devem considerar juntos a | |
possibilidade de que a ética seja temporariamente removida das mãos dos | |
lósofos e biologizada”.6 As origens das intuições morais humanas deveriam | |
ser explicadas em termos da história evolutiva da humanidade. | |
Wilson não propôs sua própria ética “biologizada”, mas examinou | |
algumas das questões que imaginava demandar exploração adicional no | |
campo mais amplo da ética. Por exemplo, nossos instintos morais são | |
herdados do passado, re etindo contextos históricos de muito tempo atrás? | |
Quando vista de uma perspectiva estritamente cientí ca, a abordagem de | |
Wilson levantou questões importantes. A capacidade humana de orientação | |
normativa deve ser vista como uma adaptação biológica, que pode ter | |
conferido uma vantagem seletiva no passado – embora não necessariamente | |
no presente – ao melhorar a coesão social e a cooperação dentro de grupos? | |
E, se sim, isso invalida ou con rma tais normas de comportamento e | |
sentimentos? Richard Alexander propõe uma re exão útil sobre os | |
problemas que enfrentamos ao tentar re etir sobre a complexa relação entre | |
evolução e ética: | |
A análise evolutiva pode nos dizer muito sobre a nossa história e os sistemas de leis e normas | |
existentes, e também sobre como alcançar quaisquer objetivos considerados desejáveis; mas não | |
tem essencialmente nada a dizer sobre quais objetivos são desejáveis ou sobre as direções nas | |
quais leis e normas devem ser modi cadas no futuro.7 | |
Neurociência e ética: Sam Harris sobre a paisagem moral | |
Nos últimos anos, apareceram muitos trabalhos propondo descrições | |
cientí cas sobre por que a moralidade é importante ou por que os seres | |
humanos consideram signi cativos determinados valores morais. Um bom | |
exemplo é o livro e Righteous Mind: Why Good People Are Divided by | |
Politics and Religion [A mente moralista: por que pessoas boas são separadas | |
pela política e pela religião] (2013), de Jonathan Haidt, que propõe algumas | |
ideias importantes extraídas da psicologia, sociologia e antropologia. | |
Entretanto, é importante notar que a análise de Haidt não está preocupada | |
com a determinação cientí ca dos valores morais. Sua preocupação é ajudar | |
seus leitores a contornar questões que surgem de intuições e debates morais. | |
O próprio Haidt não se posiciona quanto ao que deve ser considerado bom | |
ou ruim, mas está interessado em explorar o que indivíduos e sociedades | |
realmente assim consideram, estejam eles certos ou não. | |
Alguns têm argumentado, porém, que a ciência é capaz de determinar e | |
de nir valores morais objetivos. Em 2011, Sam Harris publicou e Moral | |
Landscape [A paisagem moral], uma pequena obra defendendo a | |
objetividade dos valores morais, que ele considerava estar rmemente | |
fundamentada nas ciências naturais, particularmente na neurociência. | |
Harris foi crítico quanto às re exões de E. O. Wilson sobre a relação entre | |
evolução e ética, argumentando que, embora a evolução não nos tenha | |
projetado para “levar vidas profundamente grati cantes”, a re exão ética | |
humana deve claramente levar em conta esse objetivo. A abordagem de | |
Harris à ética vai muito além daquela de Albert Einstein, que reconhecia e | |
acolhia uma perspectiva cientí ca informativa sobre questões morais. Para | |
Harris, a ciência pode e deve determinar nossos valores – um tema | |
explicitamente declarado no subtítulo da obra: “Como a ciência pode | |
determinar os valores humanos”. | |
A defesa feita por Harris de uma moralidade cientí ca objetiva tem três | |
elementos principais, todos focados na determinação objetiva do “bem-estar | |
das criaturas conscientes”:8 | |
1. A moralidade diz respeito à melhoria do “bem-estar das criaturas | |
conscientes” e à identi cação de “princípios de comportamento que | |
permitam que as pessoas oresçam”. | |
2. Fatos sobre o que promove e prejudica o “bem-estar de criaturas | |
conscientes” são acessíveis à ciência. | |
3. Portanto, a ciência pode determinar o que é objetivamente “moral”, | |
na medida em que pode determinar se algo aumenta ou diminui o | |
“bem-estar das criaturas conscientes”. | |
Entretanto, é provável que leitores críticos de Harris concluam que ele | |
apenas a rma a hipótese não testada e inerentemente não testável de que a | |
moralidade deve ser considerada equivalente a manter ou melhorar o “bemestar de criaturas conscientes”. Esse pressuposto básico não parece derivar de | |
nenhuma forma de investigação empírica, por mais provisória que seja. É | |
uma suposição metafísica e sem evidência, não uma conclusão cientí ca. | |
Então, que razões cientí cas poderiam ser dadas para preferir as de nições | |
dos termos morais de Harris em lugar das versões rivais propostas por | |
teóricos do contrato social, eticistas da virtude ou por qualquer outra das | |
muitas escolas de teoria moral atualmente em voga? | |
Uma das críticas mais signi cativas a Harris deve-se ao biólogo e lósofo | |
americano Massimo Pigliucci, que defende a necessidade de distinguir entre | |
julgamentos de valor e questões de fato. Pigliucci assinalou que Harris | |
parece estar cometendo um equívoco fundamental quanto às categorias: “O | |
que ele chama de valores são, na realidade, fatos empíricos sobre como | |
alcançar o bem-estar humano”.9 Por exemplo, Harris critica o castigo | |
corporal de crianças. Pigliucci compartilha dessa opinião, mas ressalta como | |
Harris se torna vulnerável nessa questão: | |
E se um estudo cientí co demonstrasse que, de fato, bater em crianças tem um efeito mensurável | |
de melhorar aquelas características desejáveis? Harris então teria que admitir que o castigo | |
corporal é moral, embora de alguma forma duvido que ele o zesse. Eu certamente não | |
admitiria, porque minha intuição moral (sim, é assim que vou chamá-la, lide com isso) me diz | |
que in igir propositadamente dor em crianças está errado, independentemente do que a | |
evidência empírica diz.10 | |
George Ellis desenvolve ainda mais esse ponto, destacando a in uência | |
de fatores culturais para determinar se é de maior importância o bem-estar | |
de indivíduos ou de comunidades.11 Não poderia a visão de Harris estar | |
simplesmente re etindo os pressupostos centrais de uma cultura WEIRD12 | |
(ocidental, educada, industrializada, rica e democrática), que são dados | |
como certos por aqueles que vivem em tais culturas, mas não em outros | |
lugares? Muitas culturas asiáticas, por exemplo, consideram que o bem-estar | |
de um grupo é mais importante que o bem-estar de indivíduos. Harris não | |
está simplesmente assumindo como autoevidentes algumas visões que têm | |
aceitação assegurada em setores da cultura ocidental, mas que não são | |
aceitas em nenhum outro lugar? | |
No nal das contas, a ênfase de Harris na “maximização do bem-estar” o | |
leva a adotar a posição ética geralmente conhecida como “utilitarismo” | |
(embora o próprio Harris não descreva sua posição dessa maneira). No | |
entanto, essa abordagem da moralidade deixa de explicar por que a | |
maximização do “bem-estar de criaturas conscientes” é de importância | |
moral. O lósofo Whitley Kaufman aponta um problema com a estratégia de | |
Harris: | |
Ela torna o termo “bem-estar” tão completamente vazio que não temos mais nenhuma teoria | |
moral, pois agora precisamos de uma teoria para nos dizer o que constitui bem-estar e de que | |
maneira valores como justiça e felicidade devem ser avaliados um em relação outro.13 | |
Kaufman destaca ainda o fato de que a defesa realizada por Harris de seu | |
método ético é na verdade losó ca, não cientí ca. Embora Harris apele | |
continuamente à “ciência”, ele está de fato apresentando uma loso a moral | |
controversa e bastante implausível: | |
Uma das peculiaridades desse livro é que a única descoberta concreta que Harris a rma ter feito | |
no livro, de que o utilitarismo é a teoria moral correta (o resto são meras notas promissórias | |
sobre uma futura ciência da ética), não é em nenhum sentido razoável uma descoberta | |
“cientí ca”.14 | |
Para Kaufman, não há sentido signi cativo em que o “método cientí co” | |
se aplique a essas questões morais. Harris, argumenta ele, não traz nenhuma | |
expertise especial ao debate como neurocientista, nem se baseia em novas | |
descobertas dramáticas e convincentes do campo da ciência para defender | |
sua posição. | |
O argumento de Harris para a autoridade moral da ciência, em última | |
análise, repousa em princípios losó cos fundamentais não declarados. | |
Muitos sugerem que sua abordagem representa uma forma de cienti cismo | |
que busca estender o escopo da ciência através de uma trivialização retórica | |
da autoridade moral de suas óbvias alternativas culturais, como loso a e | |
religião. A loso a e a teologia moral têm uma longa história de re exão | |
sobre os temas clássicos da ética e sua aplicação na vida cotidiana. Como | |
destaca Pigliucci, a sugestão de uma analogia entre saúde física e bem-estar | |
(ou orescimento) não é nova, e é um aspecto importante da re exão | |
losó ca neoaristotélica. | |
As opiniões de Harris sobre a capacidade da ciência de determinar | |
valores morais naturalmente nos levam a re etir ainda mais sobre questões | |
relacionadas ao escopo da ciência, particularmente em relação à religião. A | |
seguir, vamos considerar a questão altamente contestada de se a realidade é | |
limitada ao que pode ser descoberto ou revelado pelo método cientí co. | |
FILOSOFIA DA CIÊNCIA: A REALIDADE ESTÁ LIMITADA AO QUE AS CIÊNCIAS PODEM | |
REVELAR? | |
Usamos muitas ferramentas para entender nosso mundo e nosso lugar | |
nele e para explorar a questão de como devemos viver de maneira autêntica | |
e signi cativa. Ciência, ética, poesia e religião contribuem para essa | |
discussão. As ciências naturais alcançaram um sucesso considerável na | |
explicação de aspectos da estrutura e do comportamento do universo. Então, | |
como as ciências naturais se relacionam com outras fontes de | |
conhecimento? | |
Existem duas questões centrais aqui. A primeira é identi car os | |
diferentes métodos que são característicos das ciências naturais e considerar | |
como eles se relacionam com outras formas de investigação – como a | |
loso a ou a teologia. A segunda é perguntar se o próprio método cientí co | |
ou os resultados de sua aplicação têm alguma autoridade privilegiada ou | |
mesmo exclusiva na determinação do que é o conhecimento verdadeiro. | |
Alguns se referem a essa abordagem como um “naturalismo metodológico | |
forte”, segundo o qual “a única fonte válida de conhecimento do mundo | |
natural são as ciências naturais”. Outros, como Massimo Pigliucci, usam o | |
termo “cienti cismo” para designar a “atitude totalizante que considera a | |
ciência como padrão e árbitro nal de todas as questões interessantes; ou, | |
alternativamente, que busca expandir a própria de nição e escopo da ciência | |
para abranger todos os aspectos do conhecimento e entendimento | |
humanos.”15 | |
Um bom exemplo dessa abordagem pode ser visto nos escritos do | |
geneticista de Harvard, Richard Lewontin, para o qual uma ontologia | |
materialista – que ele considera fundamental para o método cientí co – | |
implica compromisso com o cienti cismo. Apesar de todas as suas falhas e | |
contradições, a ciência é a única maneira con ável de entender nosso | |
mundo: | |
Quando a ciência fala às pessoas do público em geral, o problema é levá-las a rejeitar explicações | |
irracionais e sobrenaturais do mundo, os demônios que existem apenas em sua imaginação, e a | |
aceitar um aparato social intelectual, a Ciência, como a única geradora de verdade. […] Nós | |
assumimos o lado da ciência, apesar do absurdo patente de alguns de seus construtos, apesar de | |
não ter cumprido muitas de suas extravagantes promessas de saúde e vida, apesar da tolerância | |
da comunidade cientí ca com histórias ctícias e infundadas, porque temos um compromisso | |
prévio, um compromisso com o materialismo.16 | |
No entanto, Lewontin parece não querer enfrentar o fato de que o que | |
ele defende aqui não é ciência, mas uma posição metafísica especí ca que | |
está além do escopo da ciência con rmar. Lewontin apenas equipara a | |
ciência a um naturalismo ou materialismo losó co, aparentemente | |
deixando de perceber que existe um abismo metafísico substancial entre o | |
naturalismo metodológico e o naturalismo losó co. Assim, é razoável | |
perguntar: por que um cientista precisa se identi car com o “materialismo”? | |
O lósofo americano Alex Rosenberg apresenta-se como um excelente | |
exemplo de um autode nido autor “cienti cista” ao insistir que a realidade é | |
limitada ao que as ciências – especi camente a física – podem revelar. No | |
seu Atheist’s Guide to Reality [Guia do ateu para a realidade], Rosenberg | |
argumenta que a única realidade é aquela que pode ser revelada pela | |
aplicação do método cientí co: | |
A ciência fornece todas as verdades signi cativas sobre a realidade, e conhecer essas verdades é o | |
que realmente importa. [...] Ser cientista signi ca tratar a ciência como nosso guia exclusivo da | |
realidade, da natureza – tanto da nossa própria natureza quanto de tudo o mais.17 | |
Rosenberg admite que o cienti cismo se vê preso a um argumento | |
viciosamente circular do qual nenhum experimento pode libertá-lo, pois | |
teria que assumir sua própria autoridade para con rmá-lo. Tendo adotado | |
uma epistemologia que limita a realidade ao que a ciência pode revelar, o | |
cienti cismo faz a a rmação ontológica de que a realidade é limitada ao que | |
a ciência pode revelar. Por esse motivo, Rosenberg argumenta que não | |
podemos de modo válido sustentar valores morais, pois eles não podem ser | |
estabelecidos com segurança pelo método cientí co. “Temos que ser niilistas | |
sobre o propósito das coisas em geral, sobre o propósito da vida biológica | |
em particular e o propósito da vida em geral”.18 Ele declara que não há | |
diferença fundamental entre certo e errado, bom e ruim. Teria ele, então, | |
razão em argumentar dessa maneira? | |
Considera-se amplamente que as ciências naturais são caracterizadas | |
pelo “naturalismo metodológico” – uma tentativa de identi car os processos | |
e padrões que podem ser discernidos no mundo natural e de formular | |
teorias que parecem capazes de explicar essas regularidades. Trata-se | |
fundamentalmente de uma tentativa de oferecer uma compreensão coerente | |
da própria natureza, que nos permita posicionar eventos e observações | |
dentro de um contexto explanatório mais amplo e mais profundo. Esse | |
método de pesquisa varia de uma disciplina cientí ca para outra, pois sua | |
formulação e aplicação dependem do objeto preciso de estudo e dos limites | |
que este impõe à sua investigação. A ontologia, por assim dizer, determina a | |
epistemologia; a natureza do objeto sob investigação determina como ele é | |
conhecido e até que ponto ele pode ser conhecido. | |
As ciências naturais são, portanto, uma maneira de entender o mundo | |
natural com base nas forças e nos processos naturais que podem ser | |
observados nele ou inferidos como existindo a partir do que é observado. O | |
conceito de gravidade de Newton é um bom exemplo de uma força não | |
observada cuja existência foi indicada por observações do mundo natural. O | |
naturalismo metodológico é o método de investigação que é característico | |
das ciências naturais; no entanto, isso não exclui outros métodos de pesquisa | |
ou abordagens da realidade. Eles podem estar certos – mas não são | |
cientí cos. | |
A ciência estabeleceu um conjunto de regras e métodos testados e | |
con áveis pelos quais investiga a realidade, e o “materialismo metodológico” | |
é um deles. Contudo, trata-se de desenvolver regras con áveis e viáveis para | |
explorar a realidade, não limitando a realidade ao que pode ser explorado | |
dessa maneira. Isso não signi ca que a ciência esteja comprometida com | |
algum tipo de materialismo losó co. Embora seja verdade que alguns | |
materialistas defendem que os sucessos explicativos da ciência parecem | |
endossar um materialismo ontológico subjacente, essa é simplesmente uma | |
das várias maneiras de interpretar essa abordagem, mas há outras com | |
amplo apoio dentro da comunidade cientí ca. Eugenie Scott, então diretora | |
do Centro Nacional de Educação Cientí ca, a rmou claramente esse ponto | |
em 1993: “A ciência não nega nem se opõe ao sobrenatural, mas ignora o | |
sobrenatural por razões metodológicas.”19 A ciência é uma forma não teísta, | |
e não antiteísta, de abordar a realidade. | |
É importante notar que o compromisso cientí co com um naturalismo | |
metodológico signi ca que as ciências são inaptas para discutir questões | |
teológicas de maneira signi cativa. O método de trabalho consensual das | |
ciências naturais funciona como se o mundo natural devesse ser investigado | |
e explicado usando categorias puramente naturais. Isso signi ca que as | |
respostas cientí cas são determinadas por essa metodologia; na medida em | |
que, através desse método, entidades ou teorias teístas ou “sobrenaturais” são | |
excluídas por uma questão de princípio, a ciência não pode discutir questões | |
teológicas. Elas não são passíveis de investigação por métodos cientí cos. | |
Alguns autores têm sugerido que uma visão ampliada das ciências | |
naturais poderia incluir pressupostos teístas. O lósofo Alvin Plantinga, por | |
exemplo, argumentou que os cristãos deveriam incluir ideias cristãs, como | |
ação divina especial, em sua re exão cientí ca. Outros resistiram a essa | |
proposta, ressaltando que esses são pressupostos não cientí cos, os quais | |
podem, contudo, ser compreendidos numa visão maior da realidade do que | |
as ciências naturais sozinhas são capazes de propor. Como Ernan McMullin | |
aponta: “O naturalismo metodológico não restringe nosso estudo da | |
natureza; apenas estabelece que tipo de estudo se quali ca como cientí co.”20 | |
Outros métodos de pesquisa além das ciências naturais podem | |
complementar suas ideias. | |
Onde Plantinga propõe envolver o teísmo dentro de uma visão ampliada | |
da ciência – que muitos, é preciso dizer, não reconheceriam como ciência! – | |
McMullin propõe tecer insights cientí cos com insights teológicos fora de | |
um contexto ou método especi camente cientí co. Para McMullin, o uso do | |
naturalismo metodológico como ferramenta de pesquisa nas ciências | |
naturais não compromete o cristão com o naturalismo metafísico, que exclui | |
Deus de sua visão de realidade. A ciência é uma das várias maneiras de | |
explicar e explorar nosso mundo; pode ser complementado por outros | |
métodos e abordagens.21 | |
Alguns cientistas e lósofos argumentam, entretanto, que a ciência | |
sozinha pode responder a todas as questões importantes da vida e, assim, | |
reivindicam autoridade exclusiva para as ciências naturais de respondê-las. | |
O lósofo Ian Kidd sustenta que três “impulsos” ou “ímpetos” básicos | |
podem ser vistos por trás do surgimento do cienti cismo:22 | |
1 Um ímpeto imperialista – uma compulsão de estender os conceitos, | |
métodos e práticas de investigação cientí ca para áreas nas quais | |
sua competência é, na melhor das hipóteses, inapropriada e quase | |
certamente problemática. | |
2 Um ímpeto salví co – uma insistência na ideia de que a ciência, ou o | |
que algumas pessoas consideram ciência, pode satisfazer nossas | |
preocupações e necessidades éticas, espirituais e existenciais. | |
3 Um ímpeto absolutista – uma compulsão de atribuir à ciência a tarefa | |
exclusiva de fornecer interpretações completas, absolutas e | |
“totalizantes” da vida, do universo e de tudo. | |
Tais formas de cienti cismo estão, entretanto, abertas a algumas críticas | |
signi cativas. Já observamos como o cienti cismo se vê preso a um | |
argumento viciosamente circular do qual nenhum experimento pode | |
libertá-lo, na medida em que deveria assumir sua própria autoridade para | |
con rmá-lo. Na verdade, o cienti cismo é uma loso a naturalista um tanto | |
agressiva, que foi enxertada nas ciências naturais. Formas in acionadas de | |
cienti cismo, que tratam a ciência como o “padrão e árbitro nal de todas as | |
questões interessantes”, na verdade fazem a rmações losó cas de segunda | |
ordem sobre a ciência que não podem ser veri cadas empiricamente; uma | |
refutação desse ponto deve, portanto, repousar em argumentos losó cos, e | |
não cientí cos. Como argumenta o lósofo americano Edward C. Feser, o | |
preço para sair desse círculo vicioso parece ser con scar tais pretensões | |
espúrias de privilégio intelectual: | |
Romper com esse círculo requer “colocar-se fora” da ciência completamente e descobrir, a partir | |
desse ponto de vista extracientí co, que a ciência transmite uma imagem precisa da realidade – | |
e, se for para o cienti cismo ser justi cado, que somente a ciência faz isso. Mas daí a própria | |
existência desse ponto de vista extracientí co falsi caria a a rmação de que só a ciência nos dá | |
um meio racional de investigar a realidade objetiva.23 | |
Essas alegações por parte do cienti cismo são, como esperado, vistas | |
como arrogantes por não cientistas. Considere, por exemplo, as opiniões do | |
lósofo de Oxford, Timothy Williamson, ao ressaltar que a abordagem de | |
Rosenberg tem di culdade para explicar o sucesso da matemática – um | |
ponto ao qual retornaremos mais tarde. “O naturalismo privilegia o método | |
cientí co sobre todos os outros e a matemática é uma das histórias de | |
sucesso mais espetaculares da história do conhecimento humano”.24 No | |
entanto, a matemática não usa métodos experimentais ou empíricos, mas | |
prova seus resultados por raciocínio puro. Isso não se encaixa na descrição | |
drasticamente empobrecida de Rosenberg sobre como investigamos a | |
realidade. A prova matemática é um caminho para o conhecimento tão | |
e caz quanto os métodos experimentais ou observacionais. | |
Talvez mais signi cativamente, Williamson contesta a validade da | |
“alegação naturalista extremada de que todas as verdades são descobertas | |
pela ciência”. Por que devemos acreditar que isso seja verdade? Qual é a sua | |
base evidencial? É difícil refutar o argumento de Williamson: | |
Se é verdadeiro que todas as verdades são descobríveis pelas ciências exatas, então é descobrível | |
pelas ciências exatas que todas as verdades são descobríveis pelas ciências exatas. Mas não é | |
possível descobrir pelas ciências exatas que todas as verdades são descobríveis pelas ciências | |
exatas. “Todas as verdades são descobríveis pelas ciências exatas?” não é uma questão de ciências | |
exatas. Portanto, a alegação naturalista extremada não é verdadeira.25 | |
Para a lósofa Mary Midgley, “o erro do cienti cismo não consiste em | |
elogiar excessivamente um modo de [conhecimento], mas em separá-lo do | |
restante do pensamento, em tratá-lo como um vencedor que eliminou todos | |
os competidores.”26 No entanto, o verdadeiro problema é que a rica | |
variedade de discursos e de experiências humanas se mostra resistente, | |
mesmo às demandas mais persistentes, de que devam ser reduzidas a um | |
único vocabulário, seja cientí co ou qualquer outro. Midgley insiste que a | |
maioria das questões importantes da vida humana exige várias ferramentas | |
conceituais diferentes, que precisavam ser usadas em conjunto. Se uma | |
única perspectiva da realidade puder se tornar normativa, o resultado é | |
inevitavelmente uma “visão bizarramente restritiva de signi cado”.27 A | |
abordagem de Midgley reconhece a necessidade de “vários mapas” de uma | |
realidade complexa. Nenhuma abordagem única é adequada; diferentes | |
ângulos de abordagem e metodologias de pesquisa são necessários para que | |
a mente humana garanta uma compreensão máxima do universo. | |
A análise apresentada nesta seção sugere que as ciências naturais são | |
melhor vistas como reveladoras de importantes – embora limitadas – | |
percepções sobre o nosso universo, que podem ser suplementadas ou | |
enriquecidas por outras fontes, como a loso a moral ou a religião. | |
FILOSOFIA DA RELIGIÃO: TEODICEIA EM UM MUNDO DARWINIANO | |
A questão de por que o sofrimento ou a dor existem no mundo tem sido | |
objeto de muita discussão. Como Richard Dawkins e outros ressaltaram, do | |
ponto de vista biológico, sofrimento e morte são elementos inevitáveis do | |
processo evolutivo. É assim que as coisas são. Outros, no entanto, veem que | |
o sofrimento suscita potenciais di culdades para suas formas de pensar | |
sobre o mundo. A existência contínua de sofrimento causa problemas para | |
pelo menos duas narrativas que, segundo o sociólogo Christian Smith, | |
desempenham um papel importante na cultura ocidental: os que | |
comprometidos com uma “narrativa de progresso” se veem incomodados | |
com a aparente incapacidade dos seres humanos de eliminar o sofrimento – | |
um problema agravado pelo desenvolvimento de tecnologia | |
deliberadamente planejada para causar dor e morte, como o napalm e os | |
patógenos projetados; os que são comprometidos com uma “narrativa cristã” | |
experimentam pelo menos algum grau de desconforto intelectual. Se Deus é | |
bom ou perfeito, certamente a criação deveria ser melhor que isso, não? | |
A teoria da seleção natural de Darwin levantou muitas questões para o | |
pensamento religioso, incluindo a questão criticamente importante do status | |
da humanidade na ordem natural como um todo. Contudo, o próprio | |
Darwin estava ciente do problema do desperdício do processo evolutivo e do | |
sofrimento que ele pressupunha. Sua carta a Asa Gray, de maio de 1860, | |
enfatiza esse ponto com força considerável: | |
Mas reconheço que não consigo ver tão claramente quanto outros, e como eu deveria desejar, | |
evidências de design e benevolência por todos os lados. Parece-me muita miséria no mundo. | |
Não consigo me convencer de que um Deus benévolo e onipotente teria criado planejadamente a | |
[vespa Ichneumonidae] com a intenção expressa de que se alimentasse dentro dos corpos vivos | |
de lagartas ou que um gato deveria brincar com ratos.28 | |
O modelo de Darwin para a evolução prevê que o surgimento do reino | |
animal ocorreu ao longo de um período de tempo extremamente extenso, | |
envolvendo sofrimento e aparente desperdício que vão muito além das | |
abordagens tradicionais à teodiceia. Como aponta, através de uma série de | |
importantes intervenções recentes,29 a teóloga de Oxford, Bethany | |
Sollereder, os seres humanos não se envolveram de maneira alguma nesse | |
sofrimento, pois o sofrimento gratuito que observamos no mundo natural | |
antecede a existência humana em centenas de milhões de anos. Pode-se ver | |
a teoria da evolução de Darwin como enfatizando um problema existente, ao | |
ressaltar a extensão do sofrimento ao longo do período da história evolutiva. | |
A questão da teodiceia – a proposta de uma explicação ou justi cação da | |
existência de dor e sofrimento em um mundo criado por Deus – tornou-se | |
assim cada vez mais importante. | |
É importante evitar enquadrar essas discussões em termos de “mal | |
natural”. O julgamento de que qualquer processo natural é “mau” é | |
insustentável do ponto de vista evolutivo. Essa avaliação moral não se baseia | |
em critérios naturais, mas na imposição de uma perspectiva moral humana. | |
Podemos considerar que o deslocamento de uma placa tectônica é “mau”, à | |
luz da nossa percepção de suas implicações. No entanto, o deslocamento de | |
placas tectônicas é natural. O julgamento adicional de que ele é mau ou leva | |
ao mal não pode ser defendido de uma perspectiva cientí ca. É apenas | |
porque observamos a natureza através de uma lente moral especí ca que | |
podemos falar de sofrimento natural como sendo “mau”. | |
Ainda assim, é perfeitamente adequado perguntar por que sofrimento e | |
dor parecem ser aspectos inerentes ao mundo natural e re etir sobre seu | |
signi cado religioso. William Paley estava ciente da existência de sofrimento | |
e dor na natureza, e acreditava que isso poderia ser satisfatoriamente | |
acomodada dentro da noção de “invenção” divina do mundo. A dor no | |
mundo natural pode representar “um defeito na invenção: mas não é o | |
objeto dela”.30 A criação é, portanto, realizada para re etir os propósitos | |
benevolentes de Deus, mesmo onde estes são imperfeitamente executados. | |
Uma das discussões recentes mais importantes sobre o problema do | |
sofrimento na perspectiva evolutiva se deve ao teólogo britânico | |
Christopher Southgate. Em seu livro Groaning of Creation [Gemido da | |
criação] (2008), Southgate propõe um engajamento teologicamente rigoroso | |
com o problema do sofrimento na evolução. Reconhecendo corretamente as | |
severas limitações das abordagens não trinitárias à questão, como a loso a | |
do processo, Southgate desenvolve uma abordagem baseada no motivo | |
paulino do “gemido da criação” (Romanos 8). A preocupação de Southgate | |
de permanecer el aos temas centrais da tradição cristã também o leva a | |
rejeitar a abordagem de Pierre Teilhard de Chardin, para o qual Deus usava | |
a “centralização evolutiva” a m de produzir convergência para uma gloriosa | |
culminação nal da evolução, centrada em Deus. Para Southgate, o tema | |
bíblico do “poderoso ato redentor de Deus inaugurado na Cruz de Cristo” | |
parece oferecer uma base para tais re exões muito mais segura | |
teologicamente. | |
O problema do sofrimento evolutivo é assim visto através de uma lente | |
teológica moldada pela maioria dos principais temas de uma visão trinitária | |
da realidade – como a noção de criação ex nihilo e a consumação nal, | |
embora exclua especi camente a noção de queda histórica, como | |
tradicionalmente interpretada. Para Southgate, a teologia trinitária da | |
criação se estende para incluir a noção de que o amor autoesvaziador de | |
Deus é expresso na kenosis encarnacional. Sua abordagem une os cinco | |
temas seguintes: | |
1. Dor, sofrimento, morte e extinção são consequências inevitáveis para | |
uma criação que está evoluindo de acordo com os princípios | |
darwinianos. | |
2. Uma criação em evolução é o único meio pelo qual Deus poderia dar | |
origem a toda beleza, diversidade, senciência e so sticação que | |
observamos à nossa volta na biosfera. | |
3. Deus sofre junto com todo ser sensível na criação. A cruz de Cristo é | |
interpretada como um momento histórico de manifestação e | |
personi cação da compaixão divina, pela qual Deus assume a | |
responsabilidade suprema pelo sofrimento e pela dor da ordem | |
criada que “geme”. | |
4. A cruz e a ressurreição inauguram a transformação da criação, que | |
culmina na extinção nal do gemido da criação na renovação | |
escatológica. | |
5. Deus não considera nenhuma criatura como um mero expediente | |
evolutivo ou intermediário, mas providencia um cumprimento | |
escatológico para cada criatura. A criação não humana será | |
representada no céu. | |
A abordagem de Southgate é rica em ideias. Um exemplo é a dialética | |
entre desvalor e valor dentro do processo evolutivo, que contrapõe o | |
desvalor do sofrimento de animais individuais ao valor da sobrevivência de | |
suas espécies, que esse sofrimento ajuda a tornar possível. Trata-se de um | |
argumento apresentado anteriormente pelo especialista em ética ambiental | |
Holmes Rolston, segundo o qual processos intrínsecos ao desenvolvimento | |
evolutivo podem, de fato, causar dor e sofrimento, mas também podem ser | |
instrumentais ao promover valores, dando origem a novas formas de | |
existência. Rolston expressa esse argumento geral usando um aforismo | |
frequentemente citado: “A presa do puma aguça a visão do cervo, a agilidade | |
do cervo torna a leoa mais exível”.31 | |
Pontos semelhantes são apresentados pela teóloga de Oxford, Bethany | |
Sollereder, ao observar que a intenção de Deus não é o mal ou o sofrimento, | |
mas tornar possíveis novas e melhores formas de existência dentro do | |
processo evolutivo. Partindo das preocupações de Darwin quanto à vespa | |
Ichneumonidae, ela propõe uma leitura teológica alternativa dessa | |
observação: | |
Deus não projetou a vespa parasita Ichneumonidae para pôr ovos dentro de um hospedeiro vivo, | |
mas o amor de Deus criou um campo aberto de possibilidades em que a Ichneumonidae teria | |
liberdade para desenvolver esta técnica de sobrevivência ao buscar seus desejos.32 | |
Em geral, três temas distintos surgiram como característicos das recentes | |
re exões cristãs quanto às preocupações apologéticas decorrentes do | |
sofrimento evolutivo, sejam entrelaçadas em uma tapeçaria coerente, sejam | |
a rmadas individualmente como signi cativas por si mesmas: | |
1. Deus sofre dentro da ordem criada, experimentando a dor da | |
criação. Esse tema se tornou signi cativo na teologia cristã durante | |
a década de 1970, em parte como resultado da in uência do livro de | |
Jürgen Moltmann, Cruci ed God [O Deus cruci cado] (1974). O | |
tema do sofrimento de Deus dentro do processo evolutivo, até então | |
con nado ao domínio da loso a do processo, tornou-se agora uma | |
opção para a teologia ortodoxa. Pode-se dizer que Deus sofre com | |
os processos criativos mas custosos do mundo à medida que eles se | |
desenvolvem ao longo de vastos períodos de tempo. Sollereder | |
captura esse ponto da seguinte forma: “Deus é vulnerável à criação | |
em amor, o que signi ca que Deus sofre com a criação e, portanto, | |
participa e acompanha a dor do mundo não humano”.33 | |
2. Para que o mundo gere a rica diversidade de vida que conhecemos | |
atualmente, incluindo os seres humanos, é preciso haver dor, | |
sofrimento e morte. Para Bethany Sollereder, a evolução é “o | |
processo de criação de Deus, e é cheio de sofrimento, extinção, | |
morte prematura e desvalorização”.34 Não há outro caminho para a | |
diversidade biológica a não ser através de processos de | |
desenvolvimento e competição nos quais algumas espécies morrem | |
para serem substituídas por outras. Se Deus é a fonte última de | |
novidade na evolução, Deus também deve ser a causa da | |
instabilidade e desordem, condições essenciais para a vida. Como | |
observadores limitados desse processo evolutivo, não estamos em | |
posição de sugerir que a dor, o sofrimento e os “desvalores” | |
associados ao processo evolutivo não sejam justi cados em termos | |
dos valores que ele cria. | |
3. O universo deve ser visto de uma perspectiva escatológica, olhando | |
para sua consumação e transformação nais. A importância da | |
escatologia em relação ao problema do sofrimento e do mal é | |
reconhecida há muito tempo. Muitos argumentam que somos | |
capazes de lidar com o sofrimento pela esperança de sua | |
transformação nal na Nova Jerusalém. Torna-se natural aplicar tal | |
perspectiva à questão do sofrimento no processo evolutivo. Esse é | |
um tema importante na abordagem de Southgate, para quem o | |
mundo animal fará parte do resultado da renovação cósmica, que é | |
tradicionalmente chamada de “paraíso”. Podemos olhar o mundo | |
através de um tríptico de três lentes que vê as trevas à luz da glória | |
da criação, da glória da cruz e da glória da redenção escatológica. | |
As três glórias formam [...] um tríptico com uma perspectiva escatológica, a criação | |
como ela será, em seu estado transformado. Gloria mundi, aquilo que o mundo ainda | |
não completamente redimido revela de seu criador, deve ser apropriado e entendido no | |
contexto da Gloria crucis, de tudo o que vemos de Deus na paixão de Cristo – e isso, | |
por sua vez, se abre e é informado pelo que se poderia chamar de Gloria in excelsis, a | |
canção escatológica da nova criação, na qual o orescimento da criação será alcançado | |
sem luta na criação.35 | |
TEOLOGIA: TRANSUMANISMO, “IMAGEM DE DEUS” E IDENTIDADE HUMANA | |
As formas clássicas de humanismo, expressas em obras como a Oração à | |
Dignidade do Homem, de Giovanni Pico della Mirandola, enfatizavam a | |
beleza e a elegância da natureza humana, deleitando-se com a complexidade | |
do corpo humano e a multiplicidade de realizações humanas. | |
Mais recentemente, no entanto, surgiram escolas de pensamento que | |
veem a natureza humana como um “projeto em andamento, um começo | |
incompleto que podemos aprender a remodelar de maneira desejável”. O | |
termo “transumanismo” foi cunhado por Julian Huxley, em 1957, para | |
designar a visão de que a ciência poderia permitir que os seres humanos | |
transcendessem seus limites atuais e, assim, realizassem seu potencial nal. | |
O termo relacionado “pós-humano” passou a ser usado para designar aquilo | |
em que os humanos podem se tornar se os objetivos transumanistas forem | |
alcançados.36 | |
O movimento “transumanista” defende fundamentalmente a melhoria | |
da condição humana por meio da tecnologia, eliminando o envelhecimento | |
e melhorando as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas humanas. | |
Argumenta-se que o aprimoramento tecnológico permitirá que os seres | |
humanos transcendam seus limites biológicos. Um exemplo desse tipo de | |
aprimoramento tecnológico é o desenvolvimento futuro de glóbulos | |
vermelhos arti ciais, capazes de transportar oxigênio e dióxido de carbono | |
com mais e ciência no sangue humano. Essas células arti ciais não seriam | |
limitadas pelos materiais e pelas pressões que ocorrem naturalmente, | |
permitindo assim um desempenho muito além do alcance dos glóbulos | |
vermelhos naturais. | |
Alguns verão essa intervenção no ser humano como “brincar de Deus”. | |
Entretanto, é justo ressaltar que os seres humanos já dependem | |
extensivamente de intervenções cientí cas – como remédios e cirurgias – | |
para promover a qualidade e ampliar a duração da vida. A verdadeira | |
questão é se o transumanismo representa uma extensão das práticas | |
existentes ou uma nova abordagem, que estaria nos levando para um | |
território ético e social pouco conhecido e perturbador. | |
Os transumanistas em geral presumem que a ampliação tecnológica das | |
capacidades cognitivas humanas naturais levará à excelência moral, | |
considerando efetivamente o egoísmo e nossas tendências inatas para | |
padrões destrutivos de pensamento e ação como decorrentes dos nossos | |
limites cognitivos atuais, que podem ser remediados aumentando nossas | |
capacidades cognitivas. É uma sugestão interessante. | |
No entanto, alguns argumentam que esse desenvolvimento é | |
ambivalente e pode levar ao surgimento de problemas mais profundos. Nick | |
Bostrom, um dos lósofos transumanistas mais importantes e in uentes, | |
questiona corretamente qualquer equação simplista de avanços tecnológicos | |
com a noção de progresso em si: | |
Pode ser tentador referir-se à expansão das capacidades tecnológicas como “progresso”. Mas esse | |
termo tem conotações avaliativas – de que as coisas estão melhorando – e está longe de ser uma | |
verdade conceitual que a expansão de capacidades tecnológicas faça as coisas melhorarem.37 | |
Bostrom alude aqui a preocupações levantadas na década de 1960 por | |
Victor Ferkiss. E se esses aprimoramentos levassem a uma distopia | |
tecnológica? Da mesma maneira que a maioria das previsões quanto à forma | |
do futuro, que datam das décadas de 1950 e 1960, as projeções de Ferkiss | |
sobre o futuro humano parecem um pouco ingênuas hoje; no entanto, seu | |
interesse real não reside em prever a direção futura da tecnologia, mas se os | |
seres humanos têm, dentre suas habilidades, caráter moral e capacidade de | |
sabedoria para lidar com esses novos desenvolvimentos: | |
E se o novo homem combinar a irracionalidade animal do homem primitivo com a cobiça | |
calculada e a luxúria pelo poder do homem industrial, e ao mesmo tempo possuir poderes | |
semelhantes aos divinos, concedidos a ele pela tecnologia? Isso seria o horror de nitivo.38 | |
Alguns autores cristãos, como o teólogo luterano Ted Peters, estão | |
preocupados com o fato de os transumanistas seculares não levarem a sério | |
a pecaminosidade da natureza humana e não estarem su cientemente | |
alertas para a fragilidade da visão humana de moralidade. | |
A ascensão e o desenvolvimento do transumanismo levanta algumas | |
questões fundamentais sobre a natureza humana, algumas das quais são | |
claramente de natureza religiosa. No caso do cristianismo, a identidade e a | |
singularidade humanas são parcialmente moldadas em termos de a | |
humanidade ser portadora da “imagem de Deus” (Gênesis 1:26–27). Essa | |
noção não é elaborada em nenhum lugar nos textos bíblicos, portanto há | |
um debate sobre o que esse conceito realmente signi ca e quais podem ser | |
suas implicações. Para nossos propósitos nesta seção, a questão é: permitir | |
ou impor uma mudança radical na natureza humana compromete a | |
identidade humana como criaturas feitas à imagem de Deus? | |
Uma questão central aqui é se a noção teológica de ser criado à “imagem | |
de Deus” implica imutabilidade da identidade humana ou se ela cria a | |
possibilidade de transformação humana por meio do exercício das | |
faculdades que são entendidas como parte dos dons humanos criados. | |
Poucos, entretanto, têm sugerido que alterações físicas, culturais ou mentais | |
na pessoa humana equivalem à violação de algo sagrado. Para explorar este | |
ponto mais a fundo, vamos considerar quatro entendimentos centrais da | |
noção de “imagem de Deus” que surgiram durante o desenvolvimento da | |
teologia cristã: | |
1 A soberania de Deus. O estudioso do Antigo Testamento, Gerhard | |
von Rad, argumentou que havia um entendimento antigo e | |
especí co do Oriente Próximo da palavra hebraica para imagem – | |
selem – em termos da representação pública da autoridade de um | |
governante: por exemplo, ao ser usada para se referir a imagens ou | |
estátuas que simbolizavam o domínio de um rei sobre uma região | |
(veja, por exemplo, a estátua de ouro de Nabucodonosor, descrita | |
em Daniel 3:1–7). A “imagem de Deus” pode assim servir como um | |
lembrete da autoridade de Deus sobre a humanidade. Ser criado à | |
“imagem de Deus” poderia, portanto, ser entendido como ser | |
responsável perante Deus. | |
2 Correspondência humana com Deus. A ideia da “imagem de Deus” | |
pode ser usada para se referir a algum tipo de correspondência | |
entre a razão humana e a racionalidade de Deus como criador. | |
Nessa visão, há uma ressonância intrínseca entre as estruturas do | |
mundo e a racionalidade humana. Essa abordagem é apresentada | |
com particular clareza em um dos principais textos teológicos de | |
Agostinho, De Trinitate [Sobre a Trindade]: | |
A imagem do criador deve ser encontrada na alma racional ou intelectual da | |
humanidade [...] [A alma humana] foi criada de acordo com a imagem de Deus para | |
que possa usar a razão e o intelecto para apreender e contemplar Deus. | |
Para Agostinho, fomos criados com os recursos intelectuais que | |
podem nos colocar no caminho de encontrar Deus, re etindo sobre | |
a criação. Embora Agostinho tenha focado nos aspectos racionais | |
da “imagem de Deus”, outros autores – como Reinhold Niebuhr – | |
entenderam que ela envolvia a capacidade humana de se | |
autotranscender. | |
3 Imagem e relacionalidade. Uma terceira abordagem sustenta que a | |
“imagem de Deus” é sobre a capacidade de nos relacionarmos com | |
Ele. Ser criado à “imagem de Deus” é possuir o potencial de entrar | |
em relacionamento com Deus. O termo “imagem”, aqui, expressa a | |
ideia de que Deus criou a humanidade com um objetivo especí co | |
– ou seja, se relacionar com Deus. Esse tema teve um papel | |
importante na espiritualidade cristã. Nós fomos feitos para existir | |
em relacionamento com nosso criador e redentor. | |
4 Imagem e narrativa. Um dos aspectos mais característicos dos seres | |
humanos é que eles contam histórias para preservar memórias, | |
salvaguardar a identidade pessoal e comunitária e dar sentido ao | |
mundo ao seu redor. J. R. R. Tolkien (1892–1973) sustentava que | |
havia uma base teológica para essa capacidade: somos criados com | |
algum modelo narrativo dentro de nós e isso signi ca que a imagem | |
de Deus está impressa e re etida nas histórias que criamos. O | |
instinto humano de contar histórias signi cativas está | |
fundamentado em uma doutrina cristã da criação e oferece uma | |
explicação teológica para o nosso amor à narração. Talvez o mais | |
importante seja que essa abordagem enfatiza a importância da | |
criatividade humana – uma ideia que Tolkien expressou em termos | |
de os humanos serem “cocriadores” com Deus na construção de | |
mundos reais e imaginários. | |
Então, como esse amplo conceito de portador da “imagem de Deus” | |
entra em re exões sobre a relação de aprimoramento tecnológico humano e | |
abordagens religiosas da identidade humana? A seguir, vamos considerar as | |
perspectivas de dois teólogos luteranos com interesses especí cos no campo | |
de ciência e religião: Philip Hefner, professor emérito de teologia sistemática | |
da Lutheran School of eology, de Chicago, e ex-diretor do Zygon Center | |
for Religion and Science, e Ted Peters, professor de teologia sistemática no | |
Paci c Lutheran eological Seminary (Berkeley, Califórnia). | |
Em sua in uente obra e Human Factor [O fator humano] (1993), | |
Philip Hefner estabelece as bases de uma antropologia cristã enraizada na | |
ideia do ser humano como um “cocriador criado”. Para Hefner, uma teoria | |
contemporânea viável da pessoa humana deve ser fundamentada na noção | |
de um Deus que cria os seres humanos como cocriadores. Deus não apenas | |
propiciou seres humanos, mas os chamou e capacitou para escolher e criar | |
sua própria liberdade. O processo de seleção natural continha em si mesmo, | |
desde o início, o potencial para a futura liberdade de criação, e a chegada da | |
humanidade representa o ponto em que se pode dizer que a criação escolheu | |
ser livre. | |
Ted Peters desenvolve ainda mais esse conceito, principalmente por | |
meio de sua visão “proléptica” da teologia. Peters argumenta que a natureza | |
deve ser vista como creatio continua de Deus. A criação é tanto um evento | |
quanto um processo, de forma que o processo de criação está ocorrendo | |
ainda hoje. Ao desenvolver esse ponto, Peters faz distinção entre duas | |
maneiras de entender a “criação”: criação “arcônica”,39 na qual tudo é criado | |
desde o início e se move em direção ao seu objetivo nal predeterminado, e | |
criação “epigenética”, na qual o processo de criação tem capacidade de | |
novidade genuína, levando a um futuro aberto – e não predeterminado. A | |
humanidade está envolvida nesse processo de moldar o futuro da criação – | |
incluindo o seu próprio futuro. Peters sugere, desse modo, que nos tornamos | |
mais humanos ao nos unirmos à obra de Cristo dentro do processo | |
evolutivo para, assim, crescermos na semelhança com Deus. | |
A tecnologia tem um claro papel a desempenhar nesse processo de | |
desenvolvimento e aprimoramento. Hefner, por exemplo, argumenta que | |
Deus nos dotou de capacidade e desejo de autotranscendência, pois somos | |
capazes de imaginar novos futuros e estabelecê-los. Hefner e Peters, no | |
entanto, estão cientes de como a tecnologia pode ser abusada. Hefner admite | |
a importância de reconhecer o aspecto decaído da natureza humana e o | |
impacto que isso tem sobre as capacidades morais humanas e os objetivos de | |
suas aspirações. Os processos criativos humanos nem sempre estão | |
alinhados com os propósitos de Deus, de modo que as atitudes culturais | |
humanas e sua capacidade tecnológica foram fundamentais para levar o | |
planeta a um ponto de crise. A capacidade humana de criatividade é apenas | |
um aspecto ou elemento da “imagem de Deus”; essa ideia também envolve | |
viver e agir de acordo com os propósitos de Deus, à medida que estes são | |
revelados e incorporados em Cristo. | |
Não obstante Hefner e Peters expressarem preocupações sobre aspectos | |
do transumanismo, seu entendimento da “imagem de Deus” cria espaço | |
para o cristianismo e o transumanismo convergirem em alguns pontos, | |
particularmente em sua visão de que a humanidade precisa se mover em | |
direção ao futuro, usando a criatividade para melhorar a criação e a | |
condição humana – mas, no entanto, permanecendo humana ao fazê-lo. | |
MATEMÁTICA: A CIÊNCIA E A LINGUAGEM DE DEUS | |
O universo é algo que podemos entender parcialmente e representar | |
matematicamente. Esse entendimento é fundamental para as ciências | |
naturais, embora, em grande medida, seja um resultado surpreendente. O | |
universo não é apenas governado por leis; essas leis são compreensíveis para | |
nós. Como observa o lósofo Roger Scruton,40 a ideia de que um universo | |
deixado por conta própria “produzirá seres conscientes, capazes de procurar | |
a razão e o signi cado das coisas” é extraordinária e exige algum tipo de | |
explicação fundamentada. John Polkinghorne, físico teórico britânico | |
conhecido por seu trabalho em teoria quântica, é um dos muitos que | |
enfatiza a curiosidade dessa observação e suas possíveis implicações. Os | |
cientistas estão tão familiarizados com a capacidade de entender o mundo, | |
que na maioria das vezes tomam isso como dado, a nal, é o que torna a | |
ciência possível. No entanto, observa Polkinghorne, as coisas poderiam ter | |
sido muito diferentes. “O universo poderia ter sido um caos desordenado e | |
não um cosmos ordenado. Ou poderia ter tido uma racionalidade | |
inacessível para nós.”41 | |
Algo particularmente enigmático é por que as estruturas profundas do | |
universo podem ser representadas matematicamente. Como poderia o | |
grande oceano indomável do universo ser representado na calma e rasa | |
piscina da matemática? Esse ponto foi colocado em um ensaio clássico do | |
físico teórico e ganhador do Nobel, Eugene Wigner, intitulado e | |
Unreasonable Effectiveness of Mathematics [A irrazoável e cácia da | |
matemática].42 Uma de suas frases nais destaca as implicações desse | |
“milagre” – ou seja, a “adequação da linguagem da matemática para a | |
formulação das leis da física”. Para Wigner, este é um “presente maravilhoso | |
que não entendemos, nem merecemos”, um mistério que clama por | |
explicação. | |
Quando os cientistas tentam entender as complexidades do nosso | |
mundo, eles usam a matemática como sua tocha. Às vezes, teorias | |
matemáticas abstratas que foram originalmente desenvolvidas sem | |
nenhuma aplicação prática em mente mais tarde se tornam modelos físicos | |
poderosamente preditivos. Entretanto, nossa familiaridade com esse fato | |
embotou nossa consciência de que isso é realmente muito estranho. Para | |
Polkinghorne, é profundamente intrigante o fato de haver uma tão | |
signi cativa “congruência entre nossas mentes e o universo”. Por que a | |
matemática (uma racionalidade que experimentamos dentro de nós | |
mesmos) corresponde tão intimamente às estruturas profundas do universo | |
(uma racionalidade observada além de nós mesmos)? Que explicações | |
podem ser oferecidas para essa estranha observação? | |
Uma possibilidade é que isso poderia ser resultado de uma sorte | |
extraordinária – até um milagre. Por que a matemática, resultado de uma | |
exploração livre da mente humana, tem alguma relação com a estrutura do | |
mundo físico ao nosso redor? Ora, alguns chegam a sugerir que podemos | |
deixar isso para lá. Funciona, e é tudo o que precisamos saber. A maioria, no | |
entanto, sentirá que esse mistério exige uma explicação. Como Albert | |
Einstein observou certa vez: “A coisa mais incompreensível do universo é | |
que ele é compreensível”.43 Einstein acreditava que, embora a questão da | |
inteligibilidade do mundo tenha sido levantada pela ciência, ela vai muito | |
além da capacidade de resposta da ciência. | |
Esse é um bom exemplo da di culdade observada pelo lósofo Ludwig | |
Wittgenstein, ao apontar corretamente que o signi cado de um sistema não | |
será encontrado dentro do próprio sistema. A ciência é muito boa em | |
levantar questões profundas, cujas respostas estão além do escopo do | |
método cientí co. Assim, acaso existiria o que o próprio Eugene Wigner | |
chamou de “uma imagem que seja uma fusão consistente de pequenas | |
imagens em uma única unidade” que possa acomodar essa observação? | |
Alguns contestariam que há algo a ser explicado. Eles argumentariam | |
que o papel da matemática na teoria física fundamental é simplesmente | |
organizacional, na medida em que nós impomos signi cado e estrutura ao | |
mundo. Portanto, não existe uma ordem matemática especí ca dentro do | |
próprio universo. A mente humana gosta de organizar as coisas, levandonos a impor nossa própria ordem à realidade, lançando uma rede | |
matemática sobre ela. Essa rede cria e impõe ordem, mas a ordem é | |
inventada, não real. | |
Contudo, como Roger Penrose e outros observaram, essa noção de | |
imposição de uma ordem inventada não consegue explicar a extraordinária | |
precisão na concordância entre as melhores teorias físicas que nós temos e o | |
comportamento de nosso universo material em seus níveis mais | |
fundamentais. Penrose aponta para a teoria da relatividade geral, de | |
Einstein, que é ainda melhor que a já incrivelmente precisa teoria da | |
gravidade newtoniana. A teoria de Newton tinha precisão de algo como uma | |
parte em cem na descrição do comportamento do sistema solar. No entanto, | |
a teoria de Einstein não é apenas muito mais precisa; ela também prevê | |
efeitos completamente novos, como buracos negros e ondas gravitacionais. | |
Nossas mentes podem desenvolver teorias que não explicam | |
simplesmente o que já é conhecido, mas podem prever coisas que ainda não | |
descobrimos. Esse é um ponto particularmente importante quando visto à | |
luz dos tipos de darwinismo metafísico que autores como Daniel Dennett e | |
Richard Dawkins consideram tão persuasivos. Dennett argumenta que o | |
pensamento humano – incluindo nossa moralidade e religião – foi moldado | |
pelo nosso passado evolutivo. Sem perceber, somos os prisioneiros de nossa | |
história genética, presos a modos de pensar que foram moldados por nossa | |
necessidade de sobreviver. Dennett vê o darwinismo como um “ácido | |
universal”, uma loso a naturalista que corrói a religião e a ética, expondoas como relíquias de um passado que não têm lugar no presente. Os críticos | |
de Dennett, é claro, apontaram que isso também tem implicações negativas | |
para a loso a. Se a racionalidade humana está fundamentada em nosso | |
passado evolutivo, por que con ar nela loso camente? | |
Se a narrativa darwiniana in ada de Dennett for correta, a mente | |
humana evoluiu em resposta à necessidade de sobrevivência. Assim, que | |
razão existe para pensar que ela pode adquirir um conhecimento profundo | |
da realidade – como a estrutura fundamental do universo – quando tudo o | |
que é necessário para que os humanos reproduzam seus genes é evitar | |
cometer erros fatais com muita frequência? Não há razão evolutiva | |
convincente para nossa capacidade de desenvolver as teorias matemáticas | |
ricas e complexas de nossos dias, de especular sobre as origens do universo | |
ou de poder representar matematicamente as estruturas profundas da | |
realidade. | |
Durante o século 17, muitos cientistas importantes começaram a pensar | |
na matemática como uma “linguagem natural” ou a “linguagem da | |
natureza”. A ideia pode ser vista claramente nos escritos de Johannes Kepler | |
(1571-1630), que considerava a geometria como o arquétipo do cosmos, | |
coeterna com Deus como seu criador. Em sua obra Harmonices Mundi | |
[Harmonia do mundo] (1619), Kepler argumentou que, como a geometria | |
tinha suas origens na mente de Deus, era de se esperar que a ordem criada | |
estivesse em conformidade com seus padrões: | |
Na medida em que a geometria é parte da mente divina desde as origens do tempo, mesmo antes | |
das origens do tempo (pois o que há em Deus que também não é de Deus?), ela forneceu a Deus | |
os padrões para a criação do mundo e foi transferida para a humanidade com a imagem de | |
Deus.44 | |
Um tema semelhante é encontrado nos escritos de Galileu, que falaram | |
do universo como um livro escrito usando a linguagem da matemática: | |
A loso a está escrita naquele grande livro que se abre continuamente diante de nossos olhos | |
(estou falando do Universo), mas não pode ser entendido sem aprender a entender a linguagem | |
e interpretar os caracteres em que está escrita. Ela está escrita na linguagem da matemática e seus | |
caracteres são triângulos, círculos e outras guras geométricas, sem as quais é humanamente | |
impossível entender uma única palavra.45 | |
A tendência crescente em direção à “matematização da natureza”, | |
evidente nessa passagem, re ete essa crença de que a matemática é a | |
linguagem na qual o “livro da natureza” está escrito. | |
Muitos cientistas pioneiros da Renascença viam a teologia como um | |
modelo imaginativo que lhes permitia entender o mundo. Em particular, | |
eles consideravam que a noção da humanidade como portadora da “imagem | |
de Deus” tinha importantes consequências epistêmicas, incluindo uma | |
propensão ou capacidade de discernir Deus dentro da criação. A ideia | |
bíblica da “imagem de Deus” foi desenvolvida de maneiras signi cativas | |
dentro da tradição teológica cristã, que muitas vezes a concebeu como um | |
modelo racional ou imaginativo, apontando para uma explicação teísta do | |
mundo. | |
Uma visão semelhante foi adotada pelo grande lósofo empírico | |
vitoriano William Whewell, cujo método cientí co indutivo re etia sua | |
crença de que as “Ideias Fundamentais” que usamos para organizar nossas | |
ciências se assemelham às ideias usadas por Deus na criação do universo | |
físico. Para Whewell, Deus criou nossas mentes para que elas contenham | |
essas ideias (ou seus “germes”), tal que “elas possam e devam concordar com | |
o mundo”.46 | |
A capacidade de uma teoria – uma maneira de ver as coisas – de | |
“encaixar as coisas”, de mostrar que elas são uma parte interconectada de um | |
todo maior é amplamente aceita como uma indicação de sua veracidade. | |
Agora, isso não equivale a uma prova de tal teoria, no sentido estrito lógico | |
ou matemático do termo. No entanto, uma das questões mais fundamentais | |
da explicação cientí ca é se uma observação pode ser satisfatoriamente | |
acomodada dentro de certa maneira de pensar. Isso não prova que uma | |
visão teísta esteja certa. A nal, várias formas de platonismo também | |
oferecem uma estrutura para explicar essa notável e até mágica capacidade | |
da matemática de mapear as estruturas mais profundas da mente humana. | |
Talvez não seja surpreendente que essa seja frequentemente considerada a | |
posição metafísica padrão para os matemáticos. No entanto, todo cientista | |
sabe que existem múltiplas interpretações teóricas para cada observação; a | |
questão é qual delas deve ser vista como a melhor. Para muitos, a ideia de | |
Deus continua sendo uma das maneiras mais simples, elegantes e | |
satisfatórias de ver o nosso mundo e entender o lugar da matemática nele. | |
FÍSICA: O “PRINCÍPIO ANTRÓPICO” TEM SIGNIFICADO RELIGIOSO? | |
Considera-se, em geral, que a física e a cosmologia modernas oferecem | |
algumas das possibilidades mais importantes e frutíferas de diálogo entre as | |
ciências e a religião. Nesta seção, focaremos em duas questões relevantes que | |
estão interconectadas: o “Big Bang” e o chamado “princípio antrópico”. | |
Vamos considerá-los a seguir. | |
Como vimos anteriormente nesta obra, hoje é amplamente aceito que o | |
universo teve um início. Isso imediatamente aponta para, pelo menos, | |
algum nível de a nidade ou consonância com a ideia cristã de que o | |
universo foi criado. Embora o reconhecimento de que o universo tenha tido | |
um “começo” não implique necessariamente que ele tenha sido “criado”, um | |
grande número de autores, como o lósofo e padre húngaro Stanley L. Jaki, | |
argumentou que essa é a implicação mais óbvia da noção de origem. Um dos | |
fatores que têm sido de particular importância para focalizar esse debate é o | |
“princípio antrópico”, ao qual nos voltamos agora. | |
A expressão “princípio antrópico” é usada de várias maneiras por | |
diferentes autores; mas, em geral, é empregada para fazer referência ao | |
notável grau de “ajuste no” observado na ordem natural. O físico | |
americano Paul Davies propõe que a notável convergência de certas | |
constantes fundamentais é carregada de signi cado religioso. “A | |
concordância aparentemente milagrosa de valores numéricos que a natureza | |
atribuiu a suas constantes fundamentais deve permanecer a evidência mais | |
convincente de um elemento de design cósmico.” | |
É amplamente aceito que a introdução mais acessível ao princípio | |
antrópico seja o estudo de John D. Barrow e Frank J. Tipler, de 1986, | |
intitulado e Anthropic Cosmological Principle [O princípio cosmológico | |
antrópico]. A observação básica subjacente ao princípio pode ser | |
apresentada da seguinte forma: | |
Um dos resultados mais importantes da física do século 20 foi a percepção gradual de que | |
existem propriedades invariantes do mundo natural e seus componentes elementares que tornam | |
inevitável o tamanho e a estrutura macroscópicos de praticamente todos os seus constituintes. O | |
tamanho de estrelas e planetas, e até mesmo das pessoas, não é aleatório, nem resultado de | |
qualquer processo de seleção darwiniano a partir de uma in nidade de possibilidades. Essas e | |
outras características macroscópicas do Universo são as consequências da necessidade; são | |
manifestações dos possíveis estados de equilíbrio entre forças concorrentes de atração e repulsão. | |
Os níveis intrínsecos dessas forças controladoras da Natureza são determinados por uma | |
misteriosa coleção de números puros que chamamos de constantes da Natureza. | |
A importância desse ponto foi destacada em um importante artigo de | |
revisão, publicado em 1979 no principal periódico cientí co britânico, | |
Nature, por B. J. Carr e M. J. Rees. Eles destacaram como a maioria das | |
escalas naturais – em particular as escalas de massa e comprimento – é | |
determinada por algumas constantes físicas. Concluíram que: “A | |
possibilidade de a vida como a conhecemos evoluir no Universo depende | |
dos valores de algumas constantes físicas – e ela é, em alguns aspectos, | |
notavelmente sensível aos seus valores numéricos”. As constantes que | |
assumiram um papel particularmente signi cativo foram a constante de | |
estrutura na eletromagnética, a constante gravitacional e a razão entre a | |
massa do elétron e a massa do próton. | |
Exemplos do “ajuste no” de constantes cosmológicas fundamentais | |
incluem: | |
1. Se a constante de acoplamento forte fosse um pouco menor, o | |
hidrogênio seria o único elemento no universo. Uma vez que a | |
evolução da vida como a conhecemos é fundamentalmente | |
dependente das propriedades químicas do carbono, essa vida não | |
poderia ter surgido sem que parte do hidrogênio fosse convertido | |
em carbono por fusão nuclear. Por outro lado, se a constante de | |
acoplamento forte fosse um pouco maior (até 2%), o hidrogênio | |
seria convertido em hélio, com o resultado de que nenhuma estrela | |
de vida longa seria formada. Como essas estrelas são consideradas | |
essenciais para o surgimento da vida, essa conversão teria feito com | |
que a vida, como a conhecemos, não pudesse emergir. | |
2. Se a constante de acoplamento fraca fosse um pouco menor, nenhum | |
hidrogênio teria se formado durante os primórdios da história do | |
universo. Consequentemente, nenhuma estrela teria sido formada. | |
Por outro lado, se ela fosse um pouco maior, as supernovas seriam | |
incapazes de ejetar os elementos mais pesados necessários para a | |
vida. Em ambos os casos, a vida como a conhecemos não poderia | |
ter emergido. | |
3. Se a constante de estrutura na eletromagnética fosse ligeiramente | |
maior, as estrelas não seriam quentes o su ciente para aquecer os | |
planetas a uma temperatura su ciente para manter a vida na forma | |
em que a conhecemos. Se fosse menor, as estrelas teriam queimado | |
muito rapidamente para permitir que a vida evoluísse nesses | |
planetas. | |
4. Se a constante gravitacional fosse um pouco menor, estrelas e | |
planetas não seriam capazes de se formar, devido às restrições | |
gravitacionais necessárias para a coalescência de seu material | |
constituinte. Se fosse mais forte, as estrelas assim formadas teriam | |
queimado muito rapidamente para permitir a evolução da vida | |
(como no caso da constante de estrutura na eletromagnética). | |
O signi cado dessa evidência de “ajuste no” tem sido objeto de | |
considerável discussão entre cientistas, lósofos e teólogos. Não há dúvida | |
de que essas coincidências são imensamente interessantes e instigantes, | |
levando pelo menos alguns cientistas naturais a postular uma possível | |
explicação religiosa para essas observações. “Quando olhamos para o | |
universo e identi camos os muitos acidentes de física e astronomia que | |
trabalharam juntos em nosso benefício, quase parece que o universo, em | |
certo sentido, soubesse que estávamos chegando” (Freeman Dyson). Deve-se | |
enfatizar, no entanto, que a visão de Dyson não tem consenso universal | |
dentro da comunidade cientí ca, a despeito de sua óbvia atratividade para | |
um subconjunto signi cativo dessa comunidade, que endossa a noção de | |
um Deus criador. | |
Certamente é verdade que o princípio antrópico, na sua forma fraca ou | |
forte, é muito consistente com uma perspectiva teísta. Um teísta (por | |
exemplo, um cristão), com um rme compromisso com uma doutrina da | |
criação, julgará o “ajuste no” do universo uma adorável con rmação | |
antecipada de suas crenças religiosas. Isso não constituiria uma prova da | |
existência de Deus, mas seria um elemento importante em uma série | |
cumulativa de considerações no mínimo consistentes com a existência de | |
um Deus criador. Esse é o tipo de argumento apresentado por F. R. Tennant | |
(1886-1957) em seu importante estudo Philosophical eology [Teologia | |
losó ca] (1930), que muitos acreditam ter usado o termo “antrópico” pela | |
primeira vez para designar esse tipo especí co de argumento teleológico: | |
A força da sugestão da Natureza de que ela é o resultado de um design inteligente não reside em | |
casos particulares de adaptabilidade no mundo, nem mesmo na multiplicidade deles [...] [mas] | |
consiste antes na conspiração de inúmeras causas para produzir, seja por ação conjunta ou | |
recíproca, e manter uma ordem geral da Natureza. Tipos mais restritos de argumentos | |
teleológicos, baseados em pesquisas de esferas restritas de fato, são muito mais precários do que | |
aqueles para os quais o nome de “teleologia mais ampla” pode ser apropriado, no sentido de que | |
o argumento de design abrangente é o resultado de sinopse ou conspecção do mundo conhecível. | |
Isso não signi ca que os fatores mencionados acima constituam | |
evidência irrefutável da existência ou caráter de um Deus criador; poucos | |
pensadores religiosos sugeririam que esse é o caso. O que seria a rmado, no | |
entanto, é que eles são consistentes com uma visão de mundo teísta; que eles | |
podem ser acomodados com maior facilidade dentro dessa visão de mundo; | |
que reforçam a plausibilidade de uma visão de mundo para aqueles que já | |
estão comprometidos com uma; e que eles oferecem possibilidades | |
apologéticas para aqueles que ainda não mantêm uma posição teísta. | |
Mas e aqueles que não têm um ponto de vista religioso? Que status o | |
“princípio antrópico” pode ter em relação ao debate de longa data sobre a | |
existência e a natureza de Deus, ou o design divino do universo? Peter | |
Atkins, um químico-físico com visões estritamente antirreligiosas, observa | |
que o “ajuste no” do mundo pode parecer milagroso; no entanto, ele | |
argumenta que, sob inspeção mais minuciosa, pode-se propor uma | |
explicação puramente naturalista. | |
E o que dizer da noção de “multiverso”? Esse debate continua, sem sinais | |
óbvios de resolução. O ponto crucial do debate é se existe um universo | |
singular ou uma multiplicidade de universos. A possibilidade de múltiplos | |
universos deriva da ideia de um universo in acionário, proposta pela | |
primeira vez por Alan Guth, em 1981. Uma maneira de entender | |
teoricamente as propriedades observadas do universo é sugerir que ele | |
sofreu in ação massiva no primeiro instante – menos de um trilionésimo de | |
segundo – de sua existência. Isso envolveu o surgimento de uma | |
multiplicidade de universos. | |
Nessa abordagem, vivemos em um universo com propriedades | |
biologicamente amigáveis. Não habitamos ou observamos outros universos, | |
onde essas condições não ocorrem. Nossas ideias são restringidas por efeitos | |
de seleção de observação, o que signi ca que nossa localização dentro de um | |
universo biofílico nos inclina a propor que todo o cosmos possua essas | |
propriedades, quando, de fato, existirão outros universos que são hostis à | |
vida. De fato, alguns argumentam que esses universos biofóbicos são | |
previstos como sendo a norma. Por acaso existimos em um universo | |
excepcional e generalizamos a partir de suas propriedades. Nosso universo | |
pode ter propriedades antrópicas. Mas outros não. O debate continuará e | |
seu resultado é incerto. | |
BIOLOGIA EVOLUTIVA: PODEMOS FALAR EM “DESIGN” NA NATUREZA? | |
Um dos debates mais interessantes da biologia evolutiva contemporânea | |
diz respeito à noção de “teleologia”. Essa expressão, que deriva da palavra | |
grega telos (“ nalidade” ou “objetivo”), geralmente é interpretada como | |
“uma teoria de que um processo é direcionado para um objetivo ou | |
resultado especí co”. Essa ideia está subjacente à obra célebre Teologia | |
Natural, de William Paley (1802), segundo a qual a natureza demonstra | |
certas características que indicam ter sido “inventada” – isto é, projetada e | |
construída – por Deus à luz de certas nalidades ou objetivos muito | |
especí cos. | |
É uma ideia que permanece atraente. O lósofo Henri Bergson e o | |
paleontólogo evolutivo Pierre Teilhard de Chardin desenvolveram loso as | |
da vida que eram fundadas na aceitação da evolução biológica, embora a | |
interpretassem como tendo algum tipo de propósito ou objetivo. Nesta | |
seção, vamos considerar por que a ideia de teleologia em biologia se tornou | |
tão controversa e por que ela tem implicações religiosas signi cativas. | |
No início desta obra, consideramos as características básicas do | |
entendimento neodarwiniano de evolução. Essa abordagem combina a | |
ênfase de Charles Darwin no papel da seleção natural e a teoria genética de | |
Gregor Mendel. Um dos aspectos mais discutidos dessa abordagem da | |
evolução é a rejeição implícita de qualquer “propósito” no processo | |
evolutivo. Ele pode ter direção; no entanto não tem um objetivo. Isso levanta | |
claramente uma série de questões signi cativas. | |
Em seu in uente e amplamente discutido livro e Blind Watchmaker | |
[O relojoeiro cego] (1986), o zoólogo ateu Richard Dawkins lida com a | |
aparência de design no mundo, o que levou muitos a tirar disso conclusões | |
religiosas. Para Dawkins, embora essas conclusões possam ser | |
compreensíveis, elas permanecem equivocadas e infundadas: | |
Essa [aparência de design] é provavelmente a razão mais importante para a crença, mantida pela | |
grande maioria das pessoas que já viveu, em algum tipo de divindade sobrenatural. Foi preciso | |
um grande salto de imaginação para Darwin e Wallace perceberem que, ao contrário de toda | |
intuição, existe outro caminho e, uma vez que você o compreenda, um caminho muito mais | |
plausível para o “design” complexo surgir da simplicidade primordial. | |
Como vimos anteriormente, o título do livro de Dawkins é inspirado em | |
uma analogia usada por William Paley, um dos mais notáveis defensores do | |
“argumento do design”. Paley propõe que o mundo é como um relógio, que | |
mostra evidências de projeto e construção. Assim como a existência de um | |
relógio aponta para um relojoeiro, a aparência de design na natureza | |
(evidente, por exemplo, no olho humano) aponta para um designer. | |
Dawkins, embora aprecie as imagens de Paley, as considera fatalmente | |
defeituosas. Toda a ideia de “design” ou “ nalidade” está fora de lugar: | |
Paley sustenta seu argumento com descrições belas e reverentes da maquinaria dissecada da | |
vida, começando pelo olho humano [...] O argumento de Paley é feito com sinceridade | |
apaixonada e é informado pelo melhor conhecimento biológico de sua época, mas está errado, | |
gloriosa e totalmente errado [...] A seleção natural, o processo cego inconsciente e automático | |
que Darwin descobriu, e que agora sabemos ser a explicação para a existência e forma | |
aparentemente intencionais de toda a vida, não tem um objetivo em mente. Ele não tem mente, | |
nem olho da mente. Não planeja o futuro. Não tem visão, nem previsão, nem perspectiva | |
alguma. Se pode-se dizer que ele desempenha o papel de relojoeiro na natureza, ele é o relojoeiro | |
cego. | |
O processo de seleção natural é, portanto, visto como não guiado e não | |
direcionado, e “seleciona” apenas no sentido de que certas forças naturais | |
tendem a fazer com que certas espécies deixem de se estabelecer diante da | |
intensa competição com outras, na luta pela existência no mesmo ambiente. | |
Esse tom fortemente antiteleológico pode ser encontrado em vários | |
trabalhos anteriores de notáveis biólogos moleculares, talvez mais | |
signi cativamente Jacques Monod (1910-1976) em seu livro Chance and | |
Necessity [Acaso e necessidade] (1971). Nesse livro, Monod argumenta que a | |
mudança evolutiva ocorreu por acaso e foi perpetuada pela necessidade. O | |
termo “teleonomia” foi introduzido no uso biológico, em 1958, pelo biólogo | |
C. S. Pittendrigh (1918-1996), de Princeton, a m de enfatizar que o | |
“reconhecimento e a descrição de direcionalidade” não acarretam nenhum | |
compromisso com teleologia. Essa ideia foi desenvolvida ainda mais por | |
Monod, ao defender que a teleonomia havia substituído a teleologia na | |
biologia evolutiva. Ao usar esse termo, Monod quis destacar que a biologia | |
evolutiva estava preocupada em identi car e esclarecer os mecanismos | |
subjacentes ao processo evolutivo. Embora os mecanismos que governavam | |
a evolução fossem de interesse, eles não tinham objetivo. Portanto, não é | |
possível falar seriamente em “propósito” na evolução. | |
Ou é possível? O biólogo e lósofo Francisco Ayala (nascido em 1934) | |
argumenta que alguma noção de explicação teleológica é realmente | |
fundamental para a biologia moderna. É necessário dar conta dos papéis | |
funcionais conhecidos desempenhados por partes de organismos vivos e | |
descrever o objetivo da aptidão reprodutiva, que desempenha um papel tão | |
central nas descrições da seleção natural: | |
Uma explicação teleológica implica que o sistema em consideração é organizado | |
direcionalmente. Por esse motivo, explicações teleológicas são apropriadas na biologia e no | |
domínio da cibernética, mas não fazem sentido quando usadas nas ciências físicas para | |
descrever fenômenos como a queda de uma pedra. Além disso, e mais importante, as explicações | |
teleológicas implicam que o resultado nal é a razão explicativa da existência do objeto ou | |
processo que serve ou leva a ele. Uma descrição teleológica das brânquias de peixes implica que | |
as brânquias vieram à existência precisamente porque servem à respiração. Se o raciocínio acima | |
estiver correto, o uso de explicações teleológicas na biologia não é apenas aceitável, mas | |
indispensável. | |
A própria seleção natural, a principal fonte de explicação em biologia, é | |
para Ayala um processo teleológico por duas razões. Primeiro, porque é | |
direcionado ao objetivo de aumentar a e ciência reprodutiva; e segundo, | |
porque produz os órgãos e processos direcionados para esse objetivo e que | |
são necessários para isso. | |
Ernst Mayr (1904–2005), amplamente creditado por criar a loso a | |
moderna da biologia, especialmente da biologia evolutiva, expõe quatro | |
objeções tradicionais ao uso da linguagem teleológica na biologia: | |
1 Declarações ou explicações teleológicas implicam o endosso de | |
doutrinas teológicas ou metafísicas não veri cáveis nas ciências. | |
Mayr tem em mente o élan vital de Bergson ou a noção de | |
“enteléquia”, formulada por Hans Driesch (1867-1941). | |
2 A crença de que a aceitação de explicações para fenômenos | |
biológicos que não são igualmente aplicáveis à natureza inanimada | |
constitui rejeição de uma explicação físico-química. | |
3 A suposição de que objetivos futuros fossem a causa de eventos atuais | |
parecia incompatível com as noções aceitas de causalidade. | |
4 A linguagem teleológica parecia corresponder a um | |
antropomor smo censurável. O uso de termos como “intencional” | |
ou “direcionado a objetivo” parece representar a transferência de | |
qualidades humanas – como propósito e planejamento – para | |
estruturas orgânicas. | |
Conforme observa Mayr, como resultado dessas e de outras objeções, | |
acreditava-se amplamente que as explicações teleológicas em biologia eram | |
“uma forma de obscurantismo”. Contudo, paradoxalmente, os biólogos | |
continuam usando linguagem teleológica, insistindo que é metodológica e | |
heuristicamente apropriada e útil. | |
No entanto, como Mayr observa corretamente, a natureza é abundante | |
em processos e atividades que levam a um m ou objetivo. | |
Independentemente de como escolhemos interpretá-los, exemplos de | |
comportamento direcionado a objetivos são comuns no mundo natural; de | |
fato, “a ocorrência de processos direcionados para objetivos é talvez o | |
aspecto mais característico do mundo dos sistemas vivos”. A evasão de | |
declarações teleológicas através de sua rea rmação em formas não | |
teleológicas invariavelmente leva a “chavões sem sentido”. Embora envolva | |
sua conclusão em um emaranhado de quali cações, Mayr insiste que é | |
apropriado concluir que “o uso da chamada linguagem ‘teleológica’ por | |
biólogos é legítimo; não implica uma rejeição da explicação físico-química, | |
nem implica uma explicação não causal.” | |
Não há dúvida de que objeções sérias podem ser, e foram levantadas, | |
sobre a noção de evolução como um agente consciente, planejando | |
ativamente seus objetivos e resultados ou atraída para um objetivo | |
predeterminado por alguma força misteriosa. No entanto é preciso salientar | |
que essas formas antropomór cas de falar (e pensar) são evidentes em | |
algumas seções da biologia contemporânea. Um excelente exemplo é dado | |
pela visão de evolução “centrada no gene”, popularizada por Richard | |
Dawkins, que implica a visualização do gene como um agente ativo. Apesar | |
de advertir com razão que “não devemos pensar nos genes como agentes | |
conscientes e propositais”, Dawkins argumenta que o processo de seleção | |
natural “os faz se comportarem como se fossem propositais”. Essa maneira | |
antropomór ca de falar envolve a atribuição de ação e intencionalidade a | |
uma entidade que é, em última análise, uma participante passiva no | |
processo de replicação, em vez de sua diretora ativa. | |
A questão da direcionalidade no processo evolutivo foi reaberta em 2003 | |
pelo biólogo evolutivo de Cambridge, Simon Conway Morris (nascido em | |
1951). Em seu livro Life’s Solution [A solução da vida], Conway Morris | |
argumenta que o número de destinos evolutivos é limitado. “Rode | |
novamente a ta da vida quantas vezes quiser e o resultado nal será o | |
mesmo.” Em Life’s Solution é dado um forte argumento para a previsibilidade | |
dos resultados evolutivos. Seu argumento é baseado no fenômeno da | |
evolução convergente, no qual duas ou mais linhagens desenvolveram | |
independentemente estruturas e funções semelhantes. Os exemplos de | |
Conway Morris vão desde a aerodinâmica de mariposas e beija- ores até o | |
uso de seda por aranhas e alguns insetos para capturar presas. | |
A evolução parece regularmente “convergir” para um número | |
relativamente pequeno de resultados possíveis. A convergência é | |
generalizada, apesar da in nidade de possibilidades genéticas, porque “as | |
rotas evolutivas são muitas, mas os destinos são limitados”. Certos destinos | |
são impedidos pelas “vastidões selvagens dos mal-adaptativos”. A história | |
biológica mostra uma acentuada tendência a se repetir, com a vida | |
demonstrando uma capacidade quase misteriosa de encontrar o caminho | |
para a solução correta, repetidamente. “A vida tem uma propensão peculiar | |
de ‘navegar’ para soluções bastante precisas em resposta a desa os | |
adaptativos”. | |
Ao enfatizar essa importante questão, Conway Morris propõe uma | |
analogia não biológica para ajudar seus leitores a entender seu ponto. Ele | |
recorre à descoberta da Ilha de Páscoa pelos polinésios, talvez 1.200 anos | |
atrás. A Ilha de Páscoa é um dos lugares mais remotos do mundo, a pelo | |
menos 3 mil quilômetros dos centros populacionais mais próximos, Taiti e | |
Chile. No entanto, embora cercada pela vastidão vazia e deserta do Oceano | |
Pací co, foi descoberta pelos polinésios. Isso, pergunta Conway Morris, é | |
para ser atribuído ao acaso e à sorte? Possivelmente. Mas provavelmente | |
não. Conway Morris aponta para a “so sticada estratégia de busca dos | |
polinésios”, que tornou sua descoberta inevitável. O mesmo, diz ele, acontece | |
no processo evolutivo: “Ilhas ‘isoladas’ oferecem refúgios de possibilidade | |
biológica em um oceano de má adaptação.” Essas “ilhas de estabilidade” dão | |
origem ao fenômeno da evolução convergente. | |
Qual é o signi cado teológico dessas re exões? A maioria das objeções | |
tradicionais ao apelo à noção de teleologia em biologia observada por Mayr | |
re ete a crença de que um sistema metafísico a priori, muitas vezes teísta, é | |
imposto ao processo de observação e re exão cientí ca, prejudicando seu | |
caráter cientí co. Do ponto de vista do método cientí co, pode-se de fato | |
protestar contra a imposição de noções a priori de objetivos e causas, como | |
as associadas a muitas abordagens tradicionais de teleologia. As ciências | |
naturais protestam corretamente sobre o contrabando de esquemas | |
teleológicos preconcebidos para a análise cientí ca. Mas e se eles surgirem | |
do processo de re exão sobre a observação? E se forem inferências a | |
posteriori, em vez de suposições dogmáticas a priori? A análise de Conway | |
Morris sugere que uma forma de teleologia pode realmente ser inferida a | |
posteriori, como a “melhor explicação” do que é observado. Isso pode não | |
estar diretamente relacionado à doutrina cristã tradicional da providência; | |
contudo, há alguma sobreposição conceitual e ressonância. | |
Deve-se notar, isso não é necessariamente uma questão de discernir | |
“propósito” – uma noção fortemente carregada do ponto de vista metafísico | |
– dentro da sequência evolutiva e inferir disso que Deus existe. Na verdade, | |
isso equivale a a rmar uma ressonância entre teoria religiosa e observação, | |
semelhante à a rmada na observação de John Henry Newman: “Eu acredito | |
em design porque acredito em Deus; não em Deus porque vejo o design”. | |
Além disso, a noção de “criar” não precisa ser interpretada como um evento | |
único, isolado no tempo, mas pode igualmente – e muitos diriam | |
corretamente – ser entendida como um processo direcionado. Essa é a visão | |
de criação apresentada por Agostinho de Hipona (354-430), que falou de | |
Deus criando um mundo com uma capacidade inerente de se desenvolver e | |
evoluir. Uma observação semelhante foi feita pelo clérigo inglês Charles | |
Kingsley (1819-1875), em 1871: “Sabíamos antigamente que Deus era tão | |
sábio, que Ele podia fazer todas as coisas: mas observe, Ele é muito mais | |
sábio do que isso; Ele pode fazer com que todas as coisas se façam a si | |
mesmas”. Mais uma vez, é claro que estamos lidando com um debate que | |
ainda tem um longo caminho a percorrer. | |
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO: O QUE É RELIGIÃO, AFINAL? | |
A psicologia da religião está se tornando um campo cada vez mais | |
importante, principalmente por causa de uma série de estudos empíricos | |
recentes sugerindo que a crença religiosa pode desempenhar um papel | |
positivo signi cativo em relação ao bem-estar. A disciplina tradicionalmente | |
explora questões tais como o modo pelo qual a fé religiosa se desenvolve e | |
amadurece, as maneiras pelas quais a fé religiosa pode ser bené ca ou | |
nociva, as diferentes respostas religiosas associadas a vários tipos de | |
personalidade e os mecanismos cerebrais subjacentes à experiência religiosa. | |
O estudo psicológico da religião tem encontrado alguma resistência | |
dentro das comunidades religiosas, principalmente devido à preocupação de | |
que a psicologia vise o reducionismo explicativo – em outras palavras, que | |
as crenças religiosas sejam reduzidas à psicologia ou minimizadas por ela. | |
Não há dúvida de que parte dessa agenda pode ser vista em algumas | |
abordagens fortemente reducionistas da religião – como a de Sigmund | |
Freud (1856–1939), que vamos considerar na sequência. De qualquer forma, | |
esse não é necessariamente o caso. Muitos psicólogos, incluindo William | |
James (1842–1910), tratam a religião como um fenômeno com sua própria | |
integridade e características distintas, que devem ser reconhecidas e | |
respeitadas. Onde Freud estava convencido de que as origens da crença | |
religiosa estavam em certos delírios profundamente enraizados, James | |
propôs uma abordagem mais apreciativa e positiva da religião. | |
Pode-se notar também que a psicologia e a religião podem ser vistas | |
como oferecendo diferentes níveis de explicação. Certamente é possível | |
argumentar que alguns aspectos dos processos cognitivos humanos podem | |
ajudar a explicar como as ideias religiosas são geradas ou sustentadas. No | |
entanto, como ressalta o psicólogo Fraser Watts, é necessário reconhecer | |
uma multiplicidade de causas nessas áreas. Alguns cientistas adotaram o | |
hábito de perguntar: “O que causou A? Foi X ou Y?” Mas, nas ciências | |
humanas, múltiplas causas são a norma. Por exemplo, considere a pergunta: | |
“A depressão é causada por fatores físicos ou sociais?” A resposta é que ela é | |
causada por ambos. Como Watts salienta, a história de tais pesquisas | |
“deveria nos tornar cautelosos ao perguntar se uma aparente revelação de | |
Deus é realmente tal, ou se tem alguma outra explicação natural em termos | |
de processos mentais ou processos cerebrais das pessoas”. Para colocá-lo de | |
forma direta, Deus, os processos do cérebro humano, o contexto cultural e | |
os processos psicológicos podem ser fatores causais na experiência religiosa | |
humana. | |
A seguir, vamos explorar algumas abordagens psicológicas da religião e | |
destacar sua importância para o nosso tema. Vamos nos concentrar em dois | |
dos autores mais importantes e interessantes nesse campo – William James e | |
Sigmund Freud. | |
William James estudou na Universidade de Harvard, onde | |
posteriormente se tornou professor de psicologia (1887-1897) e, depois, de | |
loso a (1897-1907). Seu trabalho mais in uente foi baseado nas Gifford | |
Lectures da Universidade de Edimburgo, publicadas sob o título e | |
Varieties of Religious Experience [As variedades da experiência religiosa] | |
(1902). Nesse estudo de referência, James se baseou extensivamente em uma | |
ampla gama de obras publicadas e testemunhos pessoais, envolvendo-se | |
com a experiência religiosa em seus próprios termos e levando em conta tais | |
experiências conforme apresentadas. A discussão de James sobre o | |
misticismo identi ca quatro características dessas experiências religiosas: | |
1 Inefabilidade: a experiência “desa a a expressão”; não pode ser | |
descrita adequadamente em palavras. “Sua qualidade deve ser | |
experimentada diretamente; ela não pode ser comunicada ou | |
transferida para outras pessoas.” | |
2 Qualidade noética: tal experiência é vista como tendo autoridade, | |
fornecendo insights e conhecimentos sobre verdades profundas, que | |
são sustentadas ao longo do tempo. Esses “estados de percepção em | |
profundezas de verdade insondável pelo intelecto discursivo” são | |
entendidos como “iluminações, revelações cheias de signi cado e | |
importância, todas inarticuladas, embora permaneçam”. | |
3 Transitoriedade: “Os estados místicos não podem ser mantidos por | |
muito tempo”. Geralmente eles duram de alguns segundos a | |
minutos, e suas qualidades não podem ser lembradas com precisão, | |
embora a experiência seja reconhecida se ela se repete. “Quando | |
esmaecida, suas qualidades podem ser reproduzidas na memória | |
apenas imperfeitamente”. | |
4 Passividade: “Embora a iminência de estados místicos possa ser | |
facilitada por operações voluntárias preliminares”, uma vez | |
iniciadas, o místico se sente fora de controle, como se ele ou ela | |
“tivesse sido apreendido e mantido por um poder superior”. | |
Apesar de James observar que as duas últimas características são “menos | |
marcantes” que as outras, ele as considera parte integrante de qualquer | |
fenomenologia da experiência religiosa. | |
Embora outros autores, como F. D. E. Schleiermacher (1768-1834), | |
tenham abordado a questão da experiência religiosa antes dele, James trouxe | |
para o seu trabalho uma maneira de pensar analítica e empírica mais | |
rigorosa. No entanto, James está ciente de que a experiência é um assunto | |
privado, que não é facilmente aberto à descrição pública. O esforço pioneiro | |
de James para construir um estudo empírico do fenômeno da experiência | |
religiosa ainda é amplamente considerado como um estudo competente, | |
equilibrado e primorosamente observado da experiência religiosa. | |
James deixa claro que seu principal interesse é a experiência religiosa | |
pessoal, e não o tipo de experiência religiosa associada às instituições. “Ao | |
julgar criticamente o valor dos fenômenos religiosos, é muito importante | |
insistir na distinção entre religião como uma função pessoal individual e | |
religião como um produto institucional, corporativo ou tribal.” Então, o que | |
há nessas “experiências” que determina se elas são religiosas ou não? James | |
responde a essa pergunta criticamente importante a rmando que a | |
experiência religiosa se distingue qualitativamente de outros modos de | |
experiência: “A essência das experiências religiosas, a coisa pela qual | |
nalmente devemos julgá-las, deve ser aquele elemento ou qualidade nelas | |
que não podemos encontrar em nenhum outro lugar”. James considera que a | |
experiência religiosa comunica uma nova qualidade de vida. Ele fala da | |
experiência religiosa como elevando “nosso centro de energia pessoal” e | |
dando origem a “efeitos regenerativos inatingíveis de outras maneiras”. Deus | |
deve ser concebido como “o poder mais profundo do universo” que pode ser | |
“concebido sob a forma de uma personalidade mental”. | |
Seu livro, e Varieties of Religious Experience [As variedades de | |
experiência religiosa], é frequentemente visto como tendo estabelecido a | |
ciência da psicologia da religião. Embora não tenha o rigor analítico que | |
alguns poderiam esperar hoje, a obra-prima de James é baseada em dois | |
princípios fundamentais. Primeiro, que uma experiência de “Deus” ou do | |
“divino” é existencialmente transformadora, levando à renovação ou | |
regeneração de indivíduos. Segundo, que qualquer tentativa de codi car ou | |
formular essas experiências deixará de fazer justiça a elas. Várias respostas | |
intelectuais são certamente possíveis; nenhuma delas, no entanto, é | |
adequada. | |
Desse modo, qual é o signi cado mais amplo de James para ciência e | |
religião? Um tema importante que emerge de seu estudo é que a religião | |
organizada tem relativamente pouco a oferecer aos interessados em | |
experiência religiosa. Ela opera na experiência de “segunda mão”, quando o | |
que precisa ser estudado é o novo e vital, frequentemente percebido como | |
uma ameaça às formas estabelecidas da religião organizada: | |
Uma genuína experiência religiosa em primeira mão [...] está fadada a ser uma heterodoxia para | |
suas testemunhas, o profeta parecendo um louco solitário. Se sua doutrina se mostra contagiosa | |
o su ciente para se espalhar para outras pessoas, torna-se uma heresia de nida e rotulada. Mas | |
se, entretanto, for contagiosa o su ciente para triunfar sobre a perseguição, ela se torna uma | |
ortodoxia; e quando a religião se tornou uma ortodoxia, seu dia de interioridade acabou; a | |
primavera está seca; os éis vivem exclusivamente de segunda mão e, por sua vez, apedrejam os | |
profetas. | |
Isso sugere que o estudo empírico da experiência religiosa é melhor | |
realizado fora da esfera da religião organizada – uma a rmação que teve um | |
impacto considerável no estudo cientí co do fenômeno da experiência | |
religiosa. Estudos empíricos subsequentes não forneceram fundamentação | |
para essa sugestão; no entanto, é importante entender que a abordagem de | |
James foi um estímulo importante para se trabalhar nessa área. | |
Um dos aspectos mais signi cativos do trabalho de James é que ele não | |
tenta reduzir a experiência religiosa a categorias sociais ou psicológicas, mas | |
tenta descrever os fenômenos de uma maneira que respeita sua integridade. | |
Isso aumenta o contraste entre James e Freud, a quem agora nos voltamos. | |
É amplamente aceito que a discussão de Sigmund Freud sobre religião é | |
uma de suas contribuições mais signi cativas ao debate sobre ciência e | |
religião. Como observamos anteriormente, Freud falou de três grandes | |
“feridas narcísicas” in igidas pelo avanço cientí co à autoestima humana. A | |
revolução copernicana demoliu a noção de que os seres humanos estavam | |
no centro do universo; Charles Darwin demonstrou que a humanidade nem | |
sequer tinha um lugar único no planeta Terra, sendo o resultado de um | |
processo natural; a terceira ferida, declarou Freud, foi sua própria | |
demonstração de que os seres humanos nem sequer eram senhores de seu | |
próprio destino, mas eram aprisionados e moldados por forças psicológicas | |
ocultas, localizadas no inconsciente humano. | |
Freud desenvolveu a ideia de a humanidade ser prisioneira de seus | |
próprios demônios internos, propondo que a religião poderia ser | |
considerada psicanaliticamente. A religião é uma criação humana, resultado | |
de uma obsessão pelo ritual e pela veneração de uma gura paterna. A | |
descrição de Freud sobre a “psicogênese da religião” tinha um tom | |
totalmente antipático, carecia de fundamentos probatórios empíricos | |
rigorosos e sua abordagem era fortemente reducionista. Em Totem e Tabu | |
(1913), ele considera como a religião tem suas origens na sociedade em | |
geral; em O Futuro de uma Ilusão (1927), ele lida com as origens | |
psicológicas (Freud costuma usar o termo “psicogênese”) da religião no | |
indivíduo. Para Freud, ideias religiosas são “ilusões, realizações dos desejos | |
mais antigos, mais fortes e mais urgentes da humanidade”. Ideias | |
semelhantes foram desenvolvidas em uma obra posterior, Moisés e o | |
Monoteísmo (1939), publicada no nal de sua vida. | |
Para entender Freud neste ponto, precisamos examinar sua teoria da | |
repressão. Essas perspectivas foram tornadas conhecidas pela primeira vez | |
em A Interpretação dos Sonhos (1900), um livro que foi ignorado pelos | |
críticos e pelo público em geral. A tese de Freud aqui é a de que os sonhos | |
são realizações de desejos, realizações disfarçadas de desejos que são | |
reprimidos pela consciência (o ego) e, assim, são deslocados para a | |
inconsciência. Em A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1904), Freud | |
argumentou que esses desejos reprimidos invadem a vida cotidiana em | |
vários pontos. Certos sintomas neuróticos, sonhos ou até pequenos deslizes | |
de língua – os chamados “atos falhos” – revelam processos inconscientes. | |
A tarefa do psicoterapeuta é expor essas repressões que têm um efeito | |
tão negativo na vida. A psicanálise (um termo cunhado por Freud) visa | |
expor as experiências traumáticas inconscientes e não tratadas, ajudando o | |
paciente a elevá-las à consciência. Através de questionamentos persistentes, | |
o analista pode identi car traumas reprimidos que têm um efeito muito | |
negativo sobre o paciente, e permitir que o paciente lide com eles, trazendoos à tona. | |
Como observamos anteriormente, as visões de Freud sobre a origem da | |
religião precisam ser consideradas em dois estágios: primeiro, suas origens | |
no desenvolvimento da história humana em geral, e segundo, suas origens | |
no caso de uma pessoa individual. Podemos começar tratando de sua | |
descrição para a psicogênese da religião na espécie humana em geral, como | |
é apresentado em Totem e Tabu. | |
Desenvolvendo sua observação anterior de que os ritos religiosos são | |
semelhantes às ações obsessivas de seus pacientes neuróticos, Freud | |
declarou que a religião era basicamente uma forma distorcida de neurose | |
obsessiva. Seus estudos com pacientes obsessivos (como o “Homem-Lobo”) | |
o levaram a argumentar que esses distúrbios eram consequência de | |
problemas de desenvolvimento não resolvidos, como a associação de “culpa” | |
e “ser impuro”, que ele relacionava à fase “anal” do desenvolvimento infantil. | |
Ele sugeriu que aspectos do comportamento religioso (como as cerimônias | |
rituais de limpeza do judaísmo) poderiam surgir através de obsessões | |
semelhantes. | |
Freud argumentou que os elementos-chave em todas as religiões | |
incluíam a veneração de uma gura paterna e a preocupação com rituais | |
apropriados, e traçou as origens da religião ao complexo de Édipo. Em | |
algum momento da história da raça humana, Freud argumenta (sem | |
fundamentação), que a gura paterna tinha direitos sexuais exclusivos sobre | |
as mulheres de sua tribo. Os lhos, infelizes com esse estado de coisas, | |
derrubaram a gura paterna e o mataram. Desde então, eles são | |
assombrados pelo segredo do parricídio e pelo sentimento de culpa | |
associado. A religião, segundo Freud, tem suas origens nesse evento | |
parricida pré-histórico e, por esse motivo, tem a culpa como um dos | |
principais fatores motivadores. Essa culpa requer purgação ou expiação, | |
para as quais vários rituais foram concebidos. | |
A ênfase no cristianismo sobre a morte de Cristo e a veneração do Cristo | |
ressuscitado parecia para Freud uma excelente ilustração desse princípio | |
geral. “O cristianismo, tendo surgido de uma religião-pai, tornou-se uma | |
religião- lho. Não escapou ao destino de ter que se livrar do pai.” A “refeição | |
do totem”, dizia Freud, tinha sua contrapartida direta na celebração cristã da | |
comunhão. | |
A descrição de Freud sobre as origens sociais da religião não é encarada | |
com muita seriedade e é frequentemente considerada uma “peça de época”, | |
em testemunho às teorias altamente otimistas e um tanto simplistas que | |
surgiram na esteira da aceitação geral da teoria darwiniana da evolução. | |
Entretanto, sua explicação para as origens da religião no indivíduo é mais | |
signi cativa. Mais uma vez, o tema da veneração de uma “ gura paterna” | |
surge como signi cativo. Curiosamente, a explicação de Freud para o | |
desenvolvimento da religião nos indivíduos parece não se basear em um | |
estudo cuidadoso do desenvolvimento real de tais visões em crianças, mas | |
em uma observação de similaridades (muitas vezes super ciais, é preciso | |
dizer) entre algumas neuroses de adultos e algumas crenças e práticas | |
religiosas, particularmente as do judaísmo e do catolicismo romano. | |
Em um ensaio sobre a memória de infância de Leonardo da Vinci | |
(1910), Freud expõe sua explicação da religião individual: | |
A psicanálise nos familiarizou com a conexão íntima entre o complexo paterno e a crença em | |
Deus; nos mostrou que um Deus pessoal é, psicologicamente, nada mais que um pai exaltado, e | |
nos traz evidências todos os dias de como os jovens perdem suas crenças religiosas assim que a | |
autoridade de seu pai é rompida. Assim, reconhecemos que as raízes da necessidade de religião | |
estão no complexo parental. | |
A veneração da gura paterna tem origem na infância. Ao atravessar sua | |
fase edipiana, argumenta Freud, a criança precisa lidar com a ansiedade pela | |
possibilidade de ser punida pelo pai. A resposta da criança a essa ameaça é | |
venerar o pai, identi car-se com ele e projetar o que sabe da vontade do pai | |
na forma do superego. | |
Freud explorou as origens dessa projeção de uma gura paterna ideal em | |
O Futuro de uma Ilusão. A religião representa a perpetuação de um | |
comportamento infantil na vida adulta, e é simplesmente uma resposta | |
imatura à consciência do desamparo, pela volta às experiências de infância | |
de cuidados paternos: “meu pai vai me proteger; ele está no controle”. A | |
crença em um Deus pessoal é, portanto, pouco mais que uma ilusão infantil, | |
a projeção de uma gura paterna idealizada. | |
Contudo, a abordagem altamente negativa de Freud à religião não foi a | |
única visão sobre o assunto que emergiu dos primeiros círculos | |
psicanalíticos. Carl Gustav Jung (1875–1961) era lho de um pastor suíço e | |
esteve intimamente associado a Freud desde 1907. Em 1914, Jung renunciou | |
ao cargo de presidente da Sociedade Internacional de Psicanálise, uma ação | |
que sinalizava seu crescente distanciamento de Freud em vários assuntos, | |
particularmente em sua ênfase na libido. Como observamos anteriormente, | |
Freud é conhecido por uma abordagem hostil e reducionista da religião. | |
Jung é geralmente considerado mais simpático à religião do que Freud, e | |
claramente desejava se distanciar do reducionismo de Freud. Embora Jung | |
permanecesse simpatizante da crença de Freud de que a “imagem de Deus” é | |
essencialmente uma projeção humana, ele localizou suas origens cada vez | |
mais no “inconsciente coletivo”. Os seres humanos são naturalmente | |
religiosos; não é algo que eles “inventam”. Talvez de maneira mais | |
signi cativa, ele enfatizou os aspectos positivos da religião, particularmente | |
em relação ao progresso de um indivíduo em direção à plenitude e | |
realização. | |
Até este ponto, consideramos duas contribuições importantes para a | |
psicologia da religião. Mas e as tendências mais amplas dentro da disciplina? | |
Ralph W. Hood, amplamente considerado uma gura importante na | |
psicologia americana da religião, distingue seis escolas de pensamento | |
psicológico sobre religião. A seguir, vamos identi car cada uma delas e | |
oferecer alguns comentários. | |
1. As escolas psicanalíticas recorrem ao trabalho de Freud, observado | |
acima, e tentam revelar e identi car motivos inconscientes da | |
crença religiosa. Embora Freud tenha reduzido a crença religiosa a | |
uma tentativa natural, se em última instância, mal orientada, de | |
lidar com o estresse da vida, as interpretações psicanalíticas | |
contemporâneas não são necessariamente hostis à fé religiosa. Por | |
exemplo, é cada vez mais reconhecido que a observação de que | |
processos ilusórios podem estar envolvidos na crença religiosa não | |
sustenta a a rmação ontológica muito mais profunda de que a | |
religião seja uma ilusão. | |
2. As escolas analíticas estão enraizadas na descrição de Carl Jung sobre | |
a vida espiritual, mencionada acima. Embora as abordagens | |
analíticas geralmente careçam de apoio empírico rigoroso, elas | |
foram consideradas úteis por aqueles que se preocupam com o | |
aconselhamento pastoral. Essas abordagens tendem a ser | |
interpretativas, e não causais, com o objetivo de iluminar a situação | |
religiosa, em vez de explicar suas origens. | |
3. As escolas de relações objetais também se baseiam na psicanálise, mas | |
concentram seus esforços nas in uências maternas sobre a criança. | |
Como resultado, muitas autoras feministas acharam essa uma área | |
particularmente produtiva para explorar. Como as abordagens | |
psicanalíticas e analíticas, essa escola tende a con ar em estudos de | |
casos clínicos e outros métodos descritivos baseados em pequenas | |
amostras. | |
4. As escolas transpessoais tentam confrontar experiências espirituais ou | |
transcendentes de maneira não redutiva, usando uma variedade de | |
métodos, cientí cos e religiosos. A maioria trabalha no pressuposto | |
de que essas experiências re etem uma realidade ontológica. Alguns | |
estudiosos sugerem que essa abordagem talvez seja mais bemclassi cada como uma “psicologia religiosa” do que como | |
“psicologia da religião”. | |
5. As escolas fenomenológicas enfocam os pressupostos subjacentes à | |
experiência religiosa e os pontos em comum dessa experiência. Elas | |
enfatizam a descrição e a re exão crítica em relação à | |
experimentação e à medição. Isso contrasta com a abordagem mais | |
empírica das escolas de medição, para a qual nos voltamos agora. | |
6. As escolas de medição usam os métodos psicológicos usuais para | |
estudar a experiência religiosa. Áreas signi cativas de pesquisa | |
incluem o desenvolvimento de escalas apropriadas para permitir a | |
medição de fenômenos religiosos. Essa abordagem geralmente | |
envolve a correlação de fenômenos, e não sua explicação. | |
Essa discussão de possíveis explicações psicológicas para a crença | |
religiosa levanta algumas questões importantes, uma das quais é se os seres | |
humanos são naturalmente inclinados a acreditar em Deus. Essa questão | |
tem sido abordada em seus pormenores pela disciplina relativamente nova | |
da ciência cognitiva da religião, portanto vamos considerar essas discussões | |
de maneira mais detalhada na seção nal deste capítulo. | |
CIÊNCIA COGNITIVA DA RELIGIÃO: A RELIGIÃO É “NATURAL”? | |
A disciplina da ciência cognitiva da religião desenvolve abordagens | |
cientí cas para o estudo da religião que combinam métodos e teoria | |
extraídos das psicologias cognitiva, desenvolvimental e evolutiva para | |
explorar explicações causais dos fenômenos religiosos entre povos e | |
populações. Essa abordagem traz teorias das ciências cognitivas para a | |
questão de por que o pensamento e a ação religiosos são tão comuns nos | |
seres humanos e por que os fenômenos religiosos assumem as formas | |
observadas. Deixando as a rmações metafísicas da religião de lado, o que é | |
observado como “religião” pode ser considerado como um amálgama | |
complexo de fenômenos essencialmente humanos, que são comunicados e | |
regulados pela percepção e cognição humanas naturais. | |
Esse importante campo de pesquisa enfoca o papel de processos | |
cognitivos humanos na crença e na ação religiosas. Para seus críticos, isso | |
corre o risco de ignorar ou subestimar a importância de outros fatores. | |
Armin Geertz, por exemplo, tem argumentado que essa abordagem deixa de | |
tratar adequadamente os problemas que surgem da incorporação física e da | |
localização cultural. Geertz defende “uma visão ampliada da cognição, | |
ancorada no cérebro e no corpo (encerebrada e incorporada), | |
profundamente dependente da cultura (inculturada) e estendida e | |
distribuída além das fronteiras dos cérebros individuais”.47 | |
A ciência cognitiva da religião trata a religião como um fenômeno | |
essencialmente natural, que surge através – não a despeito – dos modos | |
humanos naturais de pensar. Isso representa um desa o signi cativo para | |
algumas maneiras de avaliar a religião, muitas vezes inspiradas na agenda do | |
racionalismo iluminista, segundo a qual a religião surgiu através do “sono da | |
razão” – em outras palavras, através da suspensão das faculdades críticas e | |
racionais humanas normais. Atualmente, a discussão dessa tese da | |
“naturalidade da religião” concentra-se em três questões principais: | |
1. Como os seres humanos representam conceitos de agentes | |
sobrenaturais. | |
2. Como as pessoas adquirem esses conceitos religiosos e | |
3. Como elas respondem a esses conceitos religiosos por meio de ações | |
religiosas, como rituais religiosos. | |
A ciência cognitiva da religião não depende de uma de nição rigorosa | |
de “religião” para ir adiante. De fato, alguns argumentariam que o | |
surgimento dessa nova abordagem foi motivado pela insatisfação com a | |
imprecisão das teorias anteriores da religião e por sua incapacidade de | |
serem empiricamente testadas. Como Justin Barrett observa: | |
Em vez de especi car o que é a religião e tentar explicá-la por inteiro, os estudiosos desse campo | |
geralmente optam por abordar a “religião” de maneira incremental, parcelada, identi cando o | |
pensamento humano ou padrões de comportamento que podem ser considerados “religiosos” e | |
tentando então explicar por que esses padrões são interculturalmente recorrentes. Se as | |
explicações acabam fazendo parte de uma explicação maior sobre “religião”, que assim seja. Caso | |
contrário, fenômenos humanos signi cativos foram, entretanto, rigorosamente abordados.48 | |
Ann Taves e outros têm defendido essa abordagem, que é sensível às | |
críticas de que a religião não é uma “espécie natural”. A religião é um | |
construto social, não um conceito empírico. A religião pode ser um conceito | |
socialmente construído; ela é, contudo, composta de uma ampla gama de | |
fenômenos constituintes abertos ao estudo empírico. O método de | |
“fracionamento” é proposto como um meio de “engenharia reversa” da | |
construção social da religião, decompondo-a em fenômenos distintos ou | |
“blocos de construção” que estão abertos à investigação empírica. Jonathan | |
Jong tem salientado como a estratégia cognitiva de fracionar a crença | |
permite que ela seja resolvida em fenômenos distintos, cada um com seus | |
conjuntos distintos de causas e efeitos, abertos à avaliação cientí ca. | |
Outro elemento de importância é o reconhecimento de que a religião | |
não é primordialmente sobre o que pode ser chamado de noções | |
“teológicas” – como a onipotência de Deus ou a doutrina da Trindade. As | |
percepções religiosas tendem a ser muito mais simples e mais “naturais” do | |
que suas contrapartes teológicas. Enquanto alguns argumentam que as | |
crenças religiosas são imposições sobre os seres humanos, a ciência | |
cognitiva da religião sugere que existem predisposições naturais para crer | |
em Deus. Dois temas de particular importância no desenvolvimento dessa | |
perspectiva são a noção de “conceitos minimamente contraintuitivos” | |
[minimally counterintuitive concepts] e de “dispositivo hiperativo de detecção | |
de agência” [hyperactive agency detection device] (HADD),49 os quais | |
discutiremos mais adiante. | |
Pascal Boyer tem defendido que as crenças religiosas pertencem a uma | |
classe de ideias que poderia ser chamada de “conceitos minimamente | |
contraintuitivos”. Com isso, ele quer dizer que, por um lado, eles cumprem | |
certas suposições intuitivas sobre qualquer classe de objetos (como pessoas | |
ou objetos), mas, por outro lado, violam algumas dessas suposições de | |
maneiras que tornam os conceitos resultantes particularmente emocionantes | |
ou memoráveis. Em outras palavras, as noções religiosas são tanto plausíveis | |
quanto memoráveis. Ambas pertencem ao mundo cotidiano, embora se | |
destaquem dele. Elas são facilmente representadas e altamente memoráveis. | |
Não é claro, porém, se Boyer está argumentando que a contraintuição é uma | |
característica universal de toda religião ou se é simplesmente um critério | |
adequado para uma crença “religiosa”. | |
Vários autores que trabalham no campo da ciência cognitiva da religião | |
propuseram que a humanidade geralmente é caracterizada por ter um | |
“dispositivo hiperativo de detecção de agência” (HADD). Uma exposição | |
inicial dessa ideia pode ser encontrada em Faces in the Clouds [Rostos nas | |
nuvens] (1993), de Stewart Guthrie, que estabeleceu a ideia de “detecção de | |
agência” como uma função perceptiva humana. A ideia, no entanto, é | |
desenvolvida em termos mais cognitivos por autores como Justin Barrett: | |
Parte da razão pela qual as pessoas acreditam em deuses, fantasmas e duendes também vem da | |
maneira como nossas mentes, particularmente nosso dispositivo de detecção de agências (DDA), | |
funciona. Nosso DDA sofre de alguma hiperatividade, tornando-se mais propenso a encontrar | |
agentes à nossa volta, incluindo os sobrenaturais, dadas evidências bastante modestas de sua | |
presença. Essa tendência incentiva a geração e a disseminação dos conceitos de deus.50 | |
O argumento aqui, derivado da psicologia evolutiva, é que os seres | |
humanos têm um sistema de detecção de agência naturalmente selecionado, | |
que é preparado para responder a informações fragmentadas no ambiente, | |
que podem apontar para a ameaça iminente de um agente – como um | |
mamífero predador ou um ser humano hostil. A função evolutiva original | |
do dispositivo hiperativo de detecção de agência era, portanto, detectar e | |
escapar de predadores; o subproduto evolutivo é uma suscetibilidade de | |
inferir seres sobre-humanos a partir de ruídos e movimentos no ambiente. | |
No entanto, alguns questionaram sobretudo a base empírica de tal | |
dispositivo hiperativo de detecção de agência. Neil van Leeuwen e Michiel | |
van Elk chamaram a atenção para sua carência de evidências e propuseram, | |
em seu lugar, uma descrição alternativa do processo de formação de crenças | |
religiosas. Seu “modelo interativo de experiência religiosa” defende que as | |
intuições de agência não são a principal causa da crença religiosa; ao | |
contrário, uma crença geral em agentes sobrenaturais leva as pessoas a | |
procurar situações que despertam intuições de agência e experiências | |
relacionadas. | |
Assim, para onde essas re exões nos levam? Uma pergunta óbvia diz | |
respeito à questão de saber se a abordagem de “contraintuição mínima” das | |
crenças religiosas implica ou acarreta a inexistência dos referentes desses | |
conceitos e crenças. Embora a maioria dos cientistas cognitivos da religião | |
a rme que isso não deve ser considerado uma implicação da teoria, é claro | |
que alguns estudiosos da área (como Scott Atran e Pascal Boyer) tendem a | |
sugerir que essa teoria da “contraintuição mínima” exclui ou impede uma | |
interpretação sobrenatural dos dados, enquanto outros (como Justin Barrett) | |
sustentam que não. Isso levanta uma questão que remonta a Sigmund Freud, | |
cujo pré-compromisso com o ateísmo notoriamente levou a suas | |
“explicações” da religião: os cientistas cognitivos da religião estão | |
permitindo que suas visões de mundo moldem sua interpretação dos dados? | |
Desse modo, como a teologia cristã pode responder à sugestão de que | |
estamos predispostos a acreditar em Deus? Para muitos teólogos, isso é | |
simplesmente uma descrição cientí ca do que há muito se considera | |
teologicamente verdadeiro. A ideia de que a humanidade está inclinada a | |
buscar a Deus está profundamente enraizada em muitas tradições | |
teológicas. A máxima bíblica de que “Ele [Deus] pôs a eternidade em nossos | |
corações” (Eclesiastes 3:11) é uma maneira de expressar isso. Outros podem | |
apontar para a famosa oração de Agostinho de Hipona: “Tu nos criaste para | |
ti, e o nosso coração vive inquieto até que encontre repouso em ti”. Existem | |
claramente algumas possibilidades intrigantes para uma exploração mais | |
aprofundada aqui. | |
Entretanto, há também questões embaraçosas que precisam ser | |
consideradas. Muitos autores religiosos parecem assumir que a ciência | |
cognitiva da religião oferece pelo menos algum apoio implícito à crença | |
teísta. Contudo, outros questionaram isso. Jonathan Jong, Christopher | |
Kavanagh e Aku Visala tem ressaltado que os processos cognitivos em | |
questão indiscutivelmente levam tanto à idolatria quanto ao teísmo, | |
legitimando a dei cação de entidades no mundo: | |
A tragédia do teólogo clássico é precisamente que a idolatria é mais fácil para a mente do que a | |
ortodoxia. Figuras humanoides poderosas que podem ser aplacadas ou evocadas por essa ou | |
aquela razão prática – deuses – fazem muito mais sentido para a maioria das pessoas do que o | |
Deus das tradições teológicas teístas clássicas, judaicas, cristãs e muçulmanas.51 | |
O argumento apresentado aqui é que existe um caminho longo e um | |
tanto problemático da ciência cognitiva da religião para o teísmo clássico – e | |
que o caminho para o politeísmo ou a idolatria é intelectualmente mais | |
simples e mais intuitivo. Esse argumento foi defendido pelo teólogo João | |
Calvino no século 16, para quem os instintos naturais humanos precisavam | |
ser informados e redirecionados pelas estruturas básicas da fé cristã – caso | |
contrário, sua trajetória terminava na adoração da ordem natural, e não do | |
Deus que está por trás dela. | |
Então, a ciência cognitiva da religião lança alguma luz sobre o diálogo | |
entre ciência e religião? Existem boas razões para pensar que essa nova | |
disciplina pode ajudar a esclarecer esse relacionamento. Em um importante | |
estudo recente, Robert N. McCauley (Universidade de Emory, Atlanta) | |
defendeu que a crença religiosa é natural. McCauley argumenta que uma | |
crença ou ação deve ser pensada como “natural” quando é “familiar, óbvia, | |
autoevidente, intuitiva, realizada ou feita sem re exão” – em outras palavras, | |
quando “parece parte do curso normal dos eventos”. | |
Portanto, a crença em Deus ou em agentes sobrenaturais parece, | |
argumenta McCauley, inteiramente natural. No entanto, enfatiza que, | |
quando se trata de propor explicações detalhadas sobre o que se acredita | |
sobre esses agentes sobrenaturais, emergem rapidamente modos de pensar | |
que parecem muito antinaturais. Embora McCauley não o expresse | |
exatamente dessa maneira, fundamentalmente seu argumento é que uma | |
crença básica em Deus ou agência divina é muito mais natural do que as | |
descrições teológicas que surgem dessa crença. Em outras palavras, o | |
empreendimento tradicionalmente conhecido como “teologia sistemática” | |
parece relativamente não natural, pois envolve uma série de etapas | |
aparentemente contraintuitivas. A doutrina da Trindade seria um bom | |
exemplo de uma crença contraintuitiva ou “antinatural”, que contrasta com | |
uma crença muito natural na agência divina. | |
O que dizer, então, das ciências naturais? McCauley argumenta que, de | |
certa maneira, as ciências naturais são experienciadas como não naturais, na | |
medida em que envolvem métodos, suposições e resultados que muitas | |
vezes – embora de maneira alguma invariavelmente – não parecem naturais, | |
no sentido daquilo que é “familiar, óbvio, autoevidente, intuitivo, realizado | |
ou feito sem re exão”. McCauley ilustra esse ponto de várias maneiras, | |
principalmente observando o caráter contraintuitivo das teorias cientí cas | |
inovadoras: | |
A ciência desa a nossas intuições e bom senso repetidamente. Com o triunfo de novas teorias, | |
cientistas e às vezes até o público amplo, precisam reajustar seu pensamento. Quando avançamos | |
pela primeira vez, as sugestões de que a Terra se move, de que organismos microscópicos podem | |
matar seres humanos e de que objetos sólidos são em grande parte espaços vazios não eram | |
menos contrárias à intuição e ao senso comum do que as consequências mais contraintuitivas da | |
mecânica quântica se mostraram para nós no século 20.52 | |
Como McCauley sugere, o argumento será familiar para qualquer um | |
que tenha lutado com as noções profundamente contraintuitivas da | |
mecânica quântica. No entanto, mesmo as noções físicas clássicas – como a | |
ideia de “ação a distância”, que tanto incomodava Isaac Newton – parecem | |
contradizer o senso comum. | |
Há ainda outro nível em que a ciência parece não natural. McCauley | |
argumenta que o empreendimento cientí co exige treinamento e preparação | |
extensivos, envolvendo geralmente hábitos de pensamento e prática, que | |
parecem distantes do mundo comum: | |
O conhecimento cientí co não é apenas algo que os seres humanos não adquirem naturalmente; | |
o domínio dele nem mesmo garante que alguém saberá fazer ciência. Após quatro séculos de | |
realizações surpreendentes, a ciência continua sendo predominantemente uma atividade | |
desconhecida, mesmo para a maioria do público instruído e mesmo naquelas culturas em que sua | |
in uência é substancial.53 | |
Ao sugerir que, em alguns aspectos, as ciências naturais são “não | |
naturais”, McCauley não está sugerindo que elas estejam erradas. Ele está | |
simplesmente a rmando que elas exigem o desenvolvimento de certas | |
maneiras de pensar que não são autoevidentemente verdadeiras e, muitas | |
vezes, parecem ir contra a experiência cotidiana ou o senso comum. | |
Quais são as implicações dessas ideias para o diálogo entre ciência e | |
religião? A análise de McCauley sugere que o diálogo não é realmente entre | |
ciência e religião, mas entre ciência e teologia. Tanto a ciência quanto a | |
teologia representam modos de pensar que estão, pelo menos, um passo | |
afastados dos hábitos de pensamento cotidianos e naturais, típicos da | |
religião. Esse ponto também foi defendido, embora em bases ligeiramente | |
diferentes, por omas F. Torrance, que desejava enfatizar a especi cidade | |
da visão cristã de realidade, sublinhando suas raízes trinitárias e | |
encarnacionais, em vez do caráter “religioso” da fé cristã. | |
CONCLUSÃO | |
Este livro teve como objetivo apresentar o vasto campo de ciência e | |
religião, oferecendo uma visão geral de alguns de seus principais temas e | |
concentrando-se em uma série limitada de tópicos de interesse particular. | |
Inevitavelmente, isso signi ca que muito foi deixado de fora. No capítulo | |
inicial, apresentei a analogia do tabuleiro de xadrez, a rmando que teríamos | |
espaço su ciente para examinar apenas algumas de suas posições. Espera-se, | |
no entanto, que as questões discutidas nesta obra ajudem você a se orientar | |
nesse amplo campo. Esta obra concentrou-se em questões gerais, | |
particularmente aquelas decorrentes da loso a da religião e da loso a da | |
ciência, e tendeu a discutir questões religiosas principalmente de uma | |
perspectiva cristã. Entretanto, os limites deste volume seriam facilmente | |
ultrapassados se ele envolvesse outras tradições religiosas – como o | |
islamismo e o judaísmo – e uma gama maior de questões das ciências | |
naturais do que as discutidas aqui. | |
SUGESTÕES DE LEITURA | |
Filoso a Moral: ciência e moralidade | |
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Notas | |
1 Albert Einstein, Ideas and Opinions [Ideias e opiniões]. Nova York: Crown Publishers, 1954, p. 152. | |
2 Ibidem, pp. 41-42. | |
3 omas H. Huxley, Evolution and Ethics and Other Essays [Evolução e ética e outros ensaios]. | |
Londres: Macmillan, 1905, pp. 46–116. | |
4 Ibidem, p. 53. | |
5 Ibidem, p. 81-82. | |
6 E. O. Wilson, Sociobiology: e New Synthesis [Sociobiologia: a nova síntese]. Cambridge, MA: | |
Harvard University Press, 2000, p. 562. | |
7 Richard D. Alexander, Darwinism and Human Affairs [Darwinismo e questões humanas]. Seattle: | |
University of Washington Press, 1979, p. 20. | |
8 Sam Harris, e Moral Landscape: How Science Can Determine Human Values [A paisagem moral: | |
como a ciência pode determinar os valores humanos]. Nova York: Free Press, 2010, p. 19. | |
9 http://rationallyspeaking.blogspot.com/2010/04/about‐sam‐harris‐claim‐that‐science‐can.html | |
10 Ibidem. | |
11 George Ellis, “Can Science Bridge the Is–Ought Gap? A Response to Michael Shermer.” eology | |
and Science, 16, n. 1 (2018): 1–5, especialmente pp. 3–4. | |
12 Acrônimo formado pelas iniciais dos adjetivos western, educated, industrialized, rich e democratic. | |
[N.T.] | |
13 Whitley R. P. Kaufman, “Can Science Determine Moral Values? A Reply to Sam Harris.” | |
Neuroethics, 5 (2012): 55–65; citação na p. 59. | |
14 Ibidem. | |
15 Massimo Pigliucci, “New Atheism and the Scientistic Turn in the Atheism Movement.” Midwest | |
Studies in Philosophy, 37, n. 1 (2013): 142–153; citação na p. 144. | |
16 Richard Lewontin, resenha de “e Demon–Haunted World”, de Carl Sagan, na New York Review | |
of Books, 9 de Janeiro de 1997. | |
17 Alexander Rosenberg, e Atheist’s Guide to Reality: Enjoying Life without Illusions [Guia do ateu | |
para a realidade: aproveitando a vida sem ilusões]. Nova York: W.W. Norton, 2011, pp. 7–8. | |
18 Ibidem, p. 92. | |
19 Eugenie C. Scott, “Darwin Prosecuted: Review of Johnson’s Darwin on Trial.” Creation/Evolution | |
Journal, 13, n. 2 (1993): 36–47; citação na p. 43 (ênfase no original). | |
20 Ernan McMullin, “Plantinga’s Defense of Special Creation,” Christian Scholar’s Review, 21, n. 1 | |
(1991): 168. | |
21 Ernan McMullin, “Varieties of Methodological Naturalism [Variedade de naturalismo | |
medotológico],” in e Nature of Nature: Examining the Role of Naturalism in Science, editado por | |
Bruce L. Gordon e William A. Dembski. Wilmington, DE: ISI Books, 2011, p. 83. | |
22 Ian James Kidd, “Doing Science an Injustice: Midgley on Scientism” [Fazendo à ciência uma | |
injustiça: Midgly sobre o cienti cismo] In Science and the Self: Animals, Evolution, and Ethics: Essays | |
in Honour of Mary Midgley, editado por Ian James Kidd e Liz McKinnell. Nova York: Routledge, | |
Taylor & Francis Group, 2016, pp. 151–167. | |
23 Edward H. Feser, Scholastic Metaphysics: A Contemporary Introduction [Metafísica escolástica: uma | |
introdução contemporânea]. Heusenstamm: Editiones Scholasticae, 2014, pp. 10–11. | |
24 Timothy Williamson, “What Is Naturalism?” New York Times, 4 de Setembro de 2011. | |
25 Ibidem. | |
26 Mary Midgley, Are You an Illusion? [Você é uma ilusão?] Durham: Acumen, 2014, p. 5. | |
27 Mary Midgley, Wisdom, Information, and Wonder: What Is Knowledge For? [Sabedoria, informação | |
e admiração: para que serve o conhecimento?] Londres: Routledge, 1995, p. 199. | |
28 Francis Darwin, ed., e Life and Letters of Charles Darwin [A vida e as cartas de Charles Darwin] | |
(3 vols.). Londres: John Murray, 1887, vol. 2, p. 49. | |
29 Bethany Sollereder, God, Evolution, and Animal Suffering [Deus, evolução e sofrimento animal]. | |
Londres: Routledge, 2018, pp. 116–117. | |
30 William Paley, Natural eology: Or, Evidences of the Existence and Attributes of the Deity, 12th ed. | |
[Teologia Natural: ou evidências da existência da divindade e seus atributos, 12ª ed.] Londres: Faulder, | |
1809, p. 467. | |
31 Holmes Rolston III, “Perpetual Perishing, Perpetual Renewal.” Northern Review, n. 28 (2008), 111– | |
123; citação na p. 111. | |
32 Bethany Sollereder, God, Evolution, and Animal Suffering [Deus, evolução e sofrimento animal]. | |
Londres: Routledge, 2018, p. 117. | |
33 Ibidem, p. 185 | |
34 Ibidem. | |
35 Christopher Southgate, eology in a Suffering World: Glory and Longing [Teologia em um mundo | |
sofredor: glória e anseio]. Cambridge: Cambridge University Press, 2018, pp. 14–15. | |
36 http://www.nickbostrom.com/ethics/values.html | |
37 http://www.nickbostrom.com/papers/future.pdf | |
38 Victor C. Ferkiss, Technological Man: e Myth and the Reality [Homem Tecnológico: o mito e a | |
realidade]. Nova York: New American Library, 1970, p. 34. | |
39 Deve-se pensar aqui em um neologismo formado a partir da expressão grega arkhé (começo, | |
origem, o que vem no começo), que está presente como pre xo, por exemplo, em arcaico, arqueologia | |
e arquivo. [N.T.] | |
40 Roger Scruton, e Face of God [A face de Deus]. Londres: Bloomsbury, 2014, p. 8. | |
41 John Polkinghorne, Science and Creation: e Search for Understanding [Ciência e criação: a busca | |
pelo entendimento]. London: SPCK, 1988, p. 20. | |
42 Eugene Wigner, “e Unreasonable Effectiveness of Mathematics.” Communications on Pure and | |
Applied Mathematics, 13 (1960): 1–14. | |
43 Albert Einstein, “Physics and Reality” (1936) [Física e a realidade] In Ideas and Opinions. Nova | |
York: Crown Publishers, 1954, p. 292. | |
44 Johann Kepler, Gesammelte Werke [Obras Coletadas] (22 vols). Munique: C. H. Beck, 1937–83, vol. | |
6, p. 233. | |
45 Galileo Galilei, Opere [Obras] (20 vols). Florença: G. Barbèra, 1929, vol. 6, p. 232. | |
46 William Whewell, On the Philosophy of Discovery: Chapters Historical and Critical [Sobre a loso a | |
da descoberta: capítulos históricos e críticos]. Londres: John W. Parker, 1860, p. 359. | |
47 Armin W. Geertz, “Brain, Body and Culture: A Biocultural eory of Religion.” Method & eory | |
in the Study of Religion, 22, n. 4 (2010): 304–321; citação na p. 304. | |
48 Justin Barrett, “Cognitive Science of Religion: What Is It and Why Is It?” Religion Compass, 1 | |
(2007): 1–19; citação na p. 1. | |
49 Acrônimo da expressão em inglês hyperactive agency detection device. | |
50 Justin L. Barrett, Why Would Anyone Believe in God? [Por que alguém acreditaria em Deus?] | |
Lanham, MD: AltaMira Press, 2004, p. 31. | |
51 Jonathan Jong, Christopher Kavanagh e Aku Visala, “Born Idolaters: e Limits of the | |
Philosophical Implications of the Cognitive Science of Religion.” Neue Zeitschri für systematische | |
eologie und Religionsphilosophie, 57, n. 2 (2015): 244–266. | |
52 Robert N. McCauley, “e Naturalness of Religion and the Unnaturalness of Science [A | |
naturalidade da religião e a não naturalidade da ciência]”, in Explanation and Cognition, editado por F. | |
Keil e R. Wilson. Cambridge, MA: MIT Press, 2000, pp. 61–85; citação nas pp. 69–70. | |
53 Ibidem. | |
ÍNDICE | |
Academia Nacional Americana de Ciências | |
ação divina, conceito de | |
através das leis da natureza | |
e o “motor imóvel” | |
e o problema do mal | |
indeterminação | |
newtoniano | |
processo, ver loso a do processo | |
relatos bíblicos | |
tomista | |
Addison, Joseph, “Ode” | |
Adler, Alfred | |
Agostinho de Hipona | |
desa o para Aristóteles | |
De Trinitate | |
sobre a criação divina | |
al-Ghazali, Abu Hamid | |
Alexander, Richard | |
alma, conceito de | |
Alpher, Ralph | |
analogia do ser | |
analogias, uso de | |
cientí cas | |
e a doutrina da criação | |
escolha | |
interpretação | |
limitações | |
religiosas | |
soteriológicas | |
ver também analogia do ser | |
Anselmo de Cantuária | |
Proslógio | |
Anthropic Cosmological Principle, e (Barrow e Tipler) | |
Aquino, ver Tomás de Aquino | |
árabes, intelectuais medievais | |
argumento do movimento | |
argumento ontológico | |
argumento teleológico | |
e Newton | |
e Paley | |
argumentos evolutivos de desmisti cação | |
críticas de | |
Aristóteles | |
críticas cristãs de | |
in uência nas ciências naturais | |
redescoberta de | |
Arrhenius, August, Worlds in the Making | |
Ásia | |
Associação Britânica para o Progresso da Ciência | |
debate de Oxford (1860) | |
astronomia, | |
e a teoria do ‘big bang’ | |
e mecânica celeste | |
ver também telescópios | |
Atanásio de Alexandria | |
ateísmo | |
apologistas | |
cientí co | |
crenças não racionais | |
Atkins, Peter | |
Atran, Scott | |
Ayala, Francisco | |
Ayer, Alfred J., Language, Truth and Logic | |
Bacon, Francis | |
Bailer-Jones, Daniela | |
Barbour, Ian G. | |
e loso a do processo | |
obras | |
Issues in Science and Religion | |
Myths, Models and Paradigms | |
Religion in an Age of Science | |
realismo crítico | |
sobre modelos | |
Barrett, Justin | |
Barth, Karl | |
Baumeister, Roy, Meanings of Life | |
Behe, Michael, A Caixa Preta de Darwin | |
Bento XIV, papa | |
Bergson, Henri | |
Bhaskar, Roy | |
biologia evolutiva | |
e teleologia | |
metodologia | |
biotecnologia, ética da | |
ver também transumanismo | |
Bohm, David | |
Bohr, Niels | |
Bonjour, Laurence | |
Bossuet, Jacques-Bénigne | |
Bostrom, Nick | |
Boyer, Pascal | |
Boyle, Robert | |
Brahe, Tycho | |
BBC | |
Broglie, Louis de | |
Brooke, John Hedley | |
Brower, Jeffrey | |
Brunner, Emil | |
Budismo | |
Buffon, Georges | |
buracos negros | |
Calvino, João | |
contribuição para as ciências naturais | |
Institutas da Religião Cristã | |
Cantor, Geoffrey | |
Cantwell Smith, Wilfred | |
Carnap, Rudolph, e Logical Construction of the World | |
Carr, Bernard J. | |
causação | |
divina, ver causalidade divina | |
de cima para baixo | |
e ciente, ver causalidade e ciente | |
primária e secundária | |
causação todo-parte, ver causação de cima para baixo | |
causalidade descendente | |
causalidade divina | |
causalidade e ciente | |
Chalmers, omas | |
Charles, Jacques | |
Chesterton, G. K. | |
Ciampoli, Giovanni | |
ciência cognitiva da religião | |
modelos | |
ciência medieval | |
visão de mundo geocêntrica | |
ver também loso a natural | |
ciência-religião, abordagens à interface | |
analogias/metáforas | |
criacionismo, ver criacionismo | |
e interpretação bíblica | |
estereótipos | |
falácia essencialista | |
histórico | |
modelo de con ito | |
modelo de diálogo | |
modelo de independência | |
modelo de integração | |
ver também metáfora dos Dois Livros de Deus | |
realismo crítico | |
teologia natural | |
ver também loso a da religião; loso a da ciência; e cientistas e teólogos individuais | |
ciência, de nição de | |
ciências naturais | |
biologia, ver biologia evolutiva | |
e explicação, ver explicação cientí ca | |
física, ver física | |
metodologia, ver método cientí co, natureza do | |
revoluções nas, ver revoluções cientí cas | |
ver também ciência, natureza da | |
cienti cismo | |
enquanto loso a | |
racionalismo excessivo | |
uso do termo | |
“Cinco Vias” de Tomás de Aquino | |
críticas das | |
Círculo de Viena | |
Clayton, Philip | |
Explanation from Physics to eology | |
complementaridade, princípio da | |
complexidade, como argumento para a existência de Deus | |
ver também Design Inteligente, movimento do; argumento teleológico | |
complexo edipiano | |
Conway Morris, Simon, Life’s Solution | |
Copérnico, Nicolau | |
On the Revolutions of the Heavenly Bodies | |
Copleston, Frederick | |
cosmologia | |
abordagem indutiva para | |
ateística | |
e argumentos para a existência de Deus | |
e diálogo ciência-religião | |
e visão cristã tradicional da criação | |
multiverso, ver multiverso, conceito de | |
ver também sistema solar, modelos de | |
Coulson, Charles A. | |
Science and Christian Belief | |
Coyne, Jerry | |
Craig, William Lane | |
criação bíblica, relatos da | |
conceito de imagem de Deus | |
e Darwinismo | |
criação, doutrina cristã da | |
como causação | |
como ordenação da natureza | |
e narrativa | |
em contraste com o pensamento grego | |
ex nihilo | |
in uência nas ciências naturais | |
modelos de | |
papel humano na | |
trinitária | |
ver também relatos bíblicos da criação | |
criacionismo | |
con ito com a ciência | |
criacionismo da Terra antiga | |
cristianismo católico | |
analogia do ser | |
doutrina da imutabilidade | |
nos Estados Unidos | |
cristianismo protestante | |
interpretação bíblica | |
ver também Reforma Protestante | |
cristianismo, divisões internas | |
Crombie, Ian M. | |
Cupitt, Don | |
Davidson, Donald | |
Darwin, Charles | |
crítica de Paley | |
obras | |
Descent of Man, A Descendência do Homem | |
Origem das Espécies, ver Origem das Espécies (Darwin) | |
preocupações acerca do sofrimento evolutivo | |
sobre a raça humana | |
sobre mistério | |
uso de analogia | |
viagem no HMS Beagle | |
Darwin, Erasmus, Zoönomia | |
darwinismo | |
controvérsia do século | |
e relatos bíblicos da criação | |
metafísico | |
darwinismo universal | |
Davies, Paul | |
Deus e a Nova Física | |
Dawkins, Richard | |
cienti cismo | |
crítica de Paley | |
e darwinismo | |
obras, | |
Blind Watchmaker, e | |
Sel sh Gene, e | |
oposição entre ciência e religião | |
positivismo | |
sobre mistério | |
sobre sofrimento | |
Dear, Peter | |
deísmo | |
cosmovisão estática | |
e a mecânica newtoniana | |
noção de ação divina | |
propagação do | |
demarcação, critérios de | |
Dembski, William A., Intelligent Design | |
Dennett, Daniel | |
Design Inteligente, movimento do | |
design, argumento do, ver argumento teleológico | |
determinismo | |
ver também reducionismo | |
Devitt, Michael | |
dilúvio de Noé, história bíblica do | |
Dirac, Paul | |
Dise, Nancy | |
Dixon, omas | |
Dois Livros de Deus, metáfora dos | |
Draper, John William, History of the Con ict between Religion and Science | |
Driesch, Hans | |
Duhem, Pierre | |
Dunn, James D. G. | |
Dyson, Freeman, “O cientista como rebelde” | |
economia divina, conceito de | |
Edwards, Jonathan | |
efeito fotoelétrico | |
Einstein, Albert | |
crença religiosa | |
e a teoria quântica | |
ética | |
modelo de efeito fotoelétrico | |
sobre mistério | |
teoria da relatividade, ver relatividade geral, teoria da | |
teorias gravitacionais | |
elétrons, comportamento dos | |
e luz | |
inferência de | |
Ellis, George | |
empirismo construtivo | |
epistemologia | |
e ontologia | |
e suposições | |
pluralismo | |
universal | |
Era da Razão | |
escatologia | |
especismo | |
Estados Unidos da América | |
movimento de Design Inteligente | |
normas culturais | |
protestantismo do século | |
Estrasburgo, relógio da catedral de | |
ética | |
biotecnologia | |
e especismo | |
fatores culturais | |
neurociência da | |
Everett, Hugh | |
evidência, natureza de | |
evolução convergente | |
evolução, teoria da | |
como base para a ética | |
desenvolvimento por Darwin | |
e loso a do processo | |
e sofrimento | |
fraquezas | |
Lamarck sobre a | |
previsibilidade | |
resposta cristã a ver também teísmo evolucionário | |
visão da humanidade | |
ver também biologia evolutiva; argumentos evolutivos de desmisti cação; seleção natural, teoria da | |
evolucionismo | |
ver também darwinismo | |
existência de Deus, argumentos para a | |
como melhor explicação | |
complexidade | |
e darwinismo | |
e teologia natural | |
ontológico | |
tradicional | |
experiência religiosa, fenômeno de | |
e religião organizada | |
medição | |
expiação, doutrina cristã da | |
explicação cientí ca | |
abordagens epistêmicas | |
abordagens ônticas | |
e causalidade | |
ver também ontologia; realismo; método cientí co, natureza de | |
explicação religiosa | |
e experiência religiosa | |
tomista | |
explicação, teorias de | |
cientí cas, ver explicação cientí ca | |
religiosas, ver explicação religiosa | |
extinções | |
evidência fóssil para | |
signi cância para a seleção natural | |
falsi cacionismo | |
Farrer, Austin | |
fé, racionalidade da | |
e o numinoso | |
ver também teologia natural; teísmo | |
fenomenalismo | |
Ferkiss, Victor | |
Feser, Edward G. | |
Fílon de Alexandria | |
loso a da ciência | |
e realidade | |
temas de | |
loso a da religião | |
ação divina, ver ação divina, conceito de | |
de nição | |
existência de Deus, ver a existência de Deus, argumentos para | |
ver também deísmo; teodicéia; tomismo; e lósofos individuais | |
loso a do processo | |
loso a natural | |
medieval | |
Fish, Stanley | |
física | |
clássica | |
e matemática | |
e mistério | |
experimental | |
loso as da | |
leis da | |
princípio antrópico, ver princípio antrópico | |
reducionismo | |
subatômica | |
teórica | |
sicalismo não redutivo | |
sico-teologia | |
Flew, Anthony, “Teologia e Falsi cação” | |
Foscarini, Paolo Antonio, Letter on the Opinion of the Pythagoreans and Copernicus | |
fósseis | |
Foster, Michael, e Christian Doctrine of Creation and the Rise of Modern Science | |
França, ateísmo cientí co na | |
Frazer, Sir James, e Golden Bough | |
Freud, Sigmund | |
ateísmo | |
e psicogênese | |
estudo da obsessão | |
obras | |
A Interpretação dos Sonhos | |
Moisés e o Monoteísmo | |
O Futuro de uma Ilusão | |
Psicopatologia da Vida Cotidiana | |
Totem e Tabu | |
teoria da repressão | |
Friedman, Alexander | |
fundamentalismo | |
ver também criacionismo | |
Galileu Galilei | |
e ideias aristotélicas | |
sobre matemática | |
e montanhas da Lua | |
obras, | |
Letter to the Grand Countess Christina, 66 | |
Mensageiro Sideral | |
controvérsia com o papado | |
Geertz, Armin | |
Geiger, Hans | |
generalizações indutivas | |
Gilkey, Langdon, Maker of Heaven and Earth | |
gnosticismo | |
Godfrey-Smith, Peter | |
Gore, Charles | |
Gould, Stephen Jay | |
‘Nonmoral Nature’ | |
Grant, Edward | |
Gregório Magno | |
Griffiths, Paul | |
Guerra dos Trinta Anos | |
Guth, Alan | |
Guthrie, Stewart, Faces in the Clouds | |
Haidt, Jonathan, e Righteous Mind | |
Hanson, N. R. | |
Harman, Gilbert | |
Harris, Sam, e Moral Landscape | |
Harrison, Peter | |
Hartshorne, Charles | |
Hefner, Philip | |
e Human Factor | |
Heisenberg, Werner | |
Herman, Robert | |
hermenêutica | |
ver também interpretação bíblica, desenvolvimentos em | |
Herschel, John | |
Herschel, William | |
Hertz, Heinrich | |
Hinshelwood, Cyril | |
Hobbes, omas | |
Hood, Ralph W. | |
Hoyle, Fred | |
Hubble, Edwin | |
Hume, David | |
crítica de milagres | |
in uência de | |
raciocínio indutivo | |
sobre causalidade | |
sobre Paley | |
Treatise of Human Nature | |
Hutton, James | |
Huxley, Julian | |
Huxley, omas H. | |
palestra “Evolução e Ética” | |
Huygens, Christiaan | |
Ian Ramsey Centre, Oxford | |
idade moderna, início da | |
ciência | |
conceito de leis da natureza | |
matemática | |
visão de milagres | |
idealismo | |
idolatria | |
Ilha de Páscoa | |
Ilhas Galápagos | |
Iluminismo | |
aversão a metáforas | |
como mudança de paradigma | |
racionalismo | |
inferência | |
a posteriori | |
abdutiva | |
da existência de Deus | |
de entidades teóricas | |
e complexidade | |
e veri cacionismo | |
inconsciente | |
moral | |
ver também inferência à melhor explicação | |
inferência à melhor explicação | |
e a teoria da seleção natural | |
e religião | |
teleológica | |
Institute for Creation Research | |
instrumentalismo | |
interpretação bíblica, desenvolvimentos na | |
acomodação | |
alegórica | |
criação, ver relatos bíblicos da criação | |
dilúvio de Noé | |
e a controvérsia copernicana | |
e a controvérsia de Galileu | |
literal | |
modelos teóricos | |
protestante, ver sob cristianismo protestante | |
Terra jovem | |
Jaki, Stanley L. | |
James, William | |
Varieties of Religious Experience, e | |
Jastrow, Robert | |
João Paulo II, papa | |
Jong, Jonathan | |
judaísmo | |
Jung, Carl Gustav | |
Kalam, argumento | |
Kant, Immanuel | |
Kaufmann, Whitley | |
Kavanagh, Christopher | |
Keats, John, “Lamia” | |
Kekulé, August | |
Kelvin, ver omson, William, 1º Barão Kelvin | |
Kenny, Chris | |
Kepler, Johann | |
descoberta das órbitas elípticas | |
Harmonies of the World | |
Khayyam, Omar | |
Kidd, Ian | |
Kingsley, Charles | |
Kitamori, Kazoh, A eology of the Pain of God | |
Kitcher, Philip | |
Koperski, Jeffrey | |
Kuhn, omas S., Structure of Scienti c Revolutions | |
Laplace, Pierre-Simon | |
Le Verrier, Urbain | |
leis da natureza | |
e evolução | |
e milagres | |
entendimentos históricos | |
Leland, John, e Principal Deistic Writers | |
Lenard, Philipp | |
lente gravitacional | |
Lenzen Victor F., “Procedures of Empirical Science” | |
Leonardo da Vinci | |
Lewontin, Richard | |
linguagem | |
antropomór ca | |
aspectos culturais | |
limitações da | |
metafórica | |
religiosa | |
ver também metáfora, uso de | |
Linnaeus, Carl | |
Linné, Carl von, ver Linnaeus, Carl | |
Livingstone, David | |
Locke, John, Ensaio sobre o Entendimento Humano | |
Lonergan, Bernard | |
Lovell, Bernard | |
luz, natureza da | |
analogia com som | |
como onda | |
como partícula | |
fótons | |
Lyell, Charles | |
Principles of Geology | |
Mach, Ernst | |
mal natural, problema do | |
mal, problema do | |
defesa do livre arbítrio | |
e escatologia | |
natural | |
ver também teodiceia | |
Marcel, Gabriel | |
Marsden, Ernst | |
matemática | |
como linguagem | |
geometria | |
prova | |
ver também princípio antrópico | |
materialismo | |
ver também naturalismo losó co | |
Máximo, o Confessor | |
Mayr, Ernst | |
McCauley, Robert N. | |
McFague, Sallie | |
McGrath, Alister E. | |
Enriching Our Vision of Reality | |
Territories of Human Reason | |
McMullin, Ernan | |
Mendel, Gregor | |
metáforas, uso de | |
cristãs | |
interface ciência-religião | |
ver também analogias, uso de | |
método cientí co, natureza do | |
avaliação/modi cação de teoria | |
contraintuitividade | |
e mistério | |
e teleologia | |
e valores morais | |
geração de hipótese | |
inferência, ver sob inferência | |
lógica da descoberta | |
lógica da justi cação | |
modelos, ver modelos cientí cos, uso de | |
mudanças de paradigma | |
observação, objetividade da | |
pressupostos | |
raciocínio indutivo | |
realismo, ver realismo cientí co | |
ver também prova, ambiguidade da | |
Michelson-Morley, experimento de | |
Midgley, Mary | |
milagres | |
e as leis da natureza | |
Hume sobre | |
Pannenberg sobre | |
visão moderna de | |
Ward sobre | |
mistério, resposta humana ao | |
misticismo | |
ver também a experiência religiosa, fenômeno de | |
Mitchell, John | |
modelo cinético dos gases | |
modelo cosmológico padrão | |
modelo de guerra da ciência e religião | |
e positivismo | |
invenção do | |
na Inglaterra vitoriana | |
nos Estados Unidos | |
questões | |
modelo de magistérios não interferentes (NOMA) | |
modelos cientí cos, uso de | |
como simpli cação | |
comparação com modelos religiosos | |
escolha | |
limitações | |
risco de mal-entendido | |
ver também modelos cientí cos individuais | |
modelos, uso de | |
cientí cos, ver modelos cientí cos, uso de | |
distintos de metáforas | |
escolha | |
teológicos | |
ver também analogias, uso de | |
Moltmann, Jürgen, Cruci ed God | |
Monod, Jacques, Chance and Necessity | |
Moore, Aubrey | |
mal moral, problema do | |
Morris, Henry Madison | |
e Long War against God | |
movimento browniano | |
multiverso, conceito de | |
Murphy, Nancey | |
Nagel, Ernest | |
naturalismo losó co | |
naturalismo metodológico | |
natureza humana, visões sobre | |
“caída” | |
como cocriador | |
cristã | |
darwiniana | |
humanista | |
transumanista | |
natureza, teologia da, ver teologia da natureza | |
Netuno | |
neurociência | |
Newman, John Henry | |
Newton, Isaac | |
e o argumento do design | |
determinismo | |
teorias gravitacionais | |
e as leis da natureza | |
teologia | |
obras | |
Óptica | |
Principia | |
mecânica celeste | |
Niebuhr, Reinhold | |
Nola, Robert | |
ocasionalismo | |
Ockham, Guilherme de | |
ontologia | |
da luz | |
e epistemologia | |
materialista | |
Origem das Espécies (Darwin) | |
críticas | |
debate em Oxford | |
edições posteriores | |
resposta cristã a | |
seleção natural | |
uso de analogia | |
ver também seleção natural, teoria da | |
Orígenes | |
Ortega y Gasset, José | |
Osiander, Andreas | |
Otto, Rudolf, Idea of the Holy | |
Paley, William | |
analogia do relojoeiro | |
crítica de Darwin a | |
crítica de Dawkins a | |
in uência de | |
Teologia Natural | |
sobre astronomia | |
sobre dor e sofrimento | |
panenteísmo | |
Pannenberg, Wolart | |
paradigma, mudanças de | |
cientí co | |
teológico | |
partículas subatômicas | |
elétrons, ver elétrons, comportamento de | |
ver também teoria atômica | |
Peacocke, Arthur | |
realismo crítico | |
sobre ação divina | |
sobre causalidade descendente | |
sobre evolução | |
sobre modelos | |
Peirce, Charles | |
Penrose, Roger | |
Penzias, Arno | |
Peters, Ted | |
Phillips, Dewi Z. | |
Picard, Jean | |
Pico della Mirandola, Giovanni, Oração à Dignidade do Homem | |
Pigliucci, Massimo | |
Pittendrigh, Colin S. | |
Planck, Max | |
Plantinga, Alvin | |
Platão, Timeu | |
Platonismo | |
interface com o cristianismo | |
Polanyi, Michael | |
politeísmo | |
Polkinghorne, John | |
epistemologia | |
metaquestões cientí cas | |
realismo crítico | |
sobre ação divina | |
sobre modelos teológicos | |
teologia natural | |
Pope, Alexandre | |
Popper, Karl | |
A Lógica da Pesquisa Cientí ca | |
positivismo | |
ver também positivismo lógico | |
positivismo lógico | |
ver também veri cismo | |
princípio antrópico | |
exemplos | |
fenômenos | |
prova, ambiguidade da | |
Przywara, Erich | |
pseudociências | |
psicanálise | |
dos sonhos | |
ver também Freud, Sigmund | |
psicologia da religião | |
escolas de pensamento | |
feminista | |
freudiana, ver Freud, Sigmund | |
junguiana, ver Carl Gustav Jung | |
Ptolomeu, Claudius | |
Almagesto | |
Putnam, Hilary | |
Radcliffe-Richards, Janet | |
radioatividade, descoberta da | |
Ramsey, Ian T. | |
Christian Discourse | |
Models and Mystery | |
Religious Language | |
Raven, Charles, Natural Religion and Christian eology | |
Ray, John, Wisdom of God Manifested in the Works of Creation | |
Rea, Michael | |
realismo | |
alternativas ao | |
e o sucesso da ciência | |
e teologia | |
ver também realismo crítico; realismo cientí co | |
realismo cientí co | |
realismo crítico | |
ver também realismo cientí co | |
Redhead, Michael | |
reducionismo | |
causal | |
explicativo | |
metodológico | |
ontológico | |
psicológico | |
Rees, Martin J. | |
Reforma Protestante | |
como paradigma | |
controvérsias teológicas | |
e ciências naturais | |
relatividade geral, teoria da | |
capacidade preditiva | |
e falsi cacionismo | |
religião, de nição de | |
como construção social | |
ver também argumentos desmisti cadores evolutivos | |
relojoeiro, Deus como | |
e deísmo | |
Renascimento | |
e a revolução cientí ca | |
interpretação bíblica | |
teologia | |
ver também o início da idade moderna | |
revolução copernicana | |
revoluções cientí cas | |
início da era moderna | |
ver também teoria quântica; relatividade geral, teoria geral da | |
Rheticus, G. J., Treatise on Holy Scripture and the Motion of the Earth | |
Rolston, Holmes | |
Rose, Steven | |
Rosenberg, Alex | |
An Atheist’s Guide to Reality | |
Royal Society de Londres | |
Ru no de Aquileia | |
Russell, Bertrand | |
Problems of Philosophy, e | |
Russell, Colin | |
Russell, Robert John | |
Rutherford, Ernest | |
Ryder, Richard | |
Salmon, Wesley | |
Sayers, Dorothy L., e Mind of the Maker | |
Schleiermacher, Friedrich D. E. | |
Schlick, Moritz | |
Scholz, Heinrich | |
Sco eld, Bíblia de Estudo | |
Scott, Eugenie | |
Scruton, Roger | |
Sebonde, Raimundo de | |
Liber Creaturarum | |
seleção natural, teoria da | |
críticas | |
desenvolvimento da | |
e seleção arti cial | |
e teleologia | |
inferência à melhor explicação | |
in uências ambientais | |
respostas cristãs a | |
Sidgewick, Isabella | |
Singer, Peter | |
sistema solar, modelos de | |
adaptação à teoria atômica | |
geocêntrico | |
heliocêntrico | |
Smith, Christian | |
Sollereder, Bethany | |
Soskice, Janet Martin | |
Southgate, Christopher, Groaning of Creation | |
Spinoza, Baruch, Tractatus eologico-Politicus | |
Spranzi, Marta | |
superveniência | |
Swinburne, Richard | |
Concept of Miracle | |
tecnologia, função de | |
ver também biotecnologia | |
Teilhard de Chardin, Pierre | |
teísmo clássico | |
capacidade explicativa | |
teísmo evolutivo | |
teísmo islâmico | |
medieval | |
teleologia | |
argumento da, ver argumento teleológico | |
e seleção natural | |
em biologia | |
teleonomia | |
telescópios | |
em comparação com o olho humano | |
importância dos | |
limitações | |
observações da Lua | |
Tennant, F. R., | |
Miracle and Its Philosophical Presuppositions | |
Philosophical eology | |
teodiceia | |
teologia, cristã | |
enquanto estrutura intelectual | |
epistemologia | |
linguagem da | |
medieval | |
métodos de pesquisa | |
natural, ver teologia natural | |
papel explanatório | |
sistemática | |
teologia medieval | |
ver também teólogos individuais | |
teologia natural | |
abordagens | |
e transcendência | |
uso do termo | |
teoria atômica | |
e realismo | |
modelos | |
teoria da relatividade geral, ver relatividade geral, teoria da | |
teoria das cordas | |
Teoria do “Big Bang” | |
desenvolvimento da | |
e narrativas cristãs da criação | |
e o argumento kalam | |
e o multiverso | |
teoria do “estado estacionário” | |
teoria quântica | |
abordagens deterministas | |
e complexidade | |
modelo de Copenhague | |
teorias de “catástrofe” | |
omson, J. J. | |
omson, William, 1º Barão Kelvin | |
Tindal, Matthew, Christianity as Old as Creation | |
Tolkein, J. R. R. | |
Tomás de Aquino | |
analogia do ser | |
“Cinco Vias”, ver “Cinco Vias” de Tomás de Aquino | |
in uência de, ver tomismo | |
sobre milagres | |
obras | |
Suma Contra os Gentios | |
Suma Teológica | |
tomismo | |
Torrance, omas F. | |
eological Science | |
Toulmin, Stephen | |
transumanismo | |
Trindade, doutrina da | |
Turner, Frank | |
Tycho, supernova de | |
uniformidade da natureza | |
uniformitarismo | |
Universidade de Pádua | |
universidades, medievais | |
universo, idade do | |
Modelo Lambda-CDM | |
Urano | |
utilitarismo | |
van Elk, Michiel | |
van Fraassen, Bas | |
van Leeuwen, Neil | |
van Till, Howard | |
veri cacionismo | |
escatológico | |
Visala, Aku | |
visão de mundo mecanicista, ascenção da | |
von Rad, Gerhard | |
von Soldner, Johann Georg | |
Wallace, Alfred Russell | |
Ward, Keith, Divine Action | |
Watts, Fraser | |
Webb, C. C. J. | |
Weinandy, omas | |
Weinberg, Steven | |
Whewell, William | |
Philosophy of the Inductive Sciences | |
White, Andrew Dickson, History of the Warfare of Science with eology in Christendom | |
Whitehead, Alfred North, Process and Reality | |
in uência de | |
Wigner, Eugene, e Unreasonable Effectiveness of Mathematics | |
Wilberforce, Samuel | |
demonização de | |
resenha de Origem das Espécies | |
Wilkins, John | |
Williamson, Timothy | |
Wilson, Edward O., Sociobiology | |
Wilson, Robert | |
Wittgenstein, Ludwig | |
Wood, William | |
Wright, Edward | |
Wright, N. T. | |
Yandell, Keith | |
Young, omas | |
ALISTER MCGRATH, | |
um ex-ateu, é fascinado pela interação entre fé, ciência e | |
ateísmo. Possui doutorados em biofísica molecular e em teologia pela | |
Universidade de Oxford, é professor da cadeira Andreas Ideos de Ciência e | |
Religião e diretor do Centro Ian Ramsey para Ciência e Religião, em Oxford. | |
Autor consagrado de muitos livros importantes, incluindo A Ciência de Deus, | |
O Ajuste fino do Universo, e Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica. | |
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