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Ciencia-e-Religiao-Fundamentos-para-o-Dialogo-Alister-McGrath
DADOS DE ODINRIGHT
Sobre a obra:
A presente obra é disponibilizada pela equipe eLivros e seus diversos parceiros,
com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim
exclusivo de compra futura.
É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou
quaisquer uso comercial do presente conteúdo.
Sobre nós:
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lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim
evoluir a um novo nível."
eLivros
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Converted by ePubtoPDF
Título original: Science & Religion: A New Introduction
Copyright © 2020 por Aliester E. McGrath Edição original por Wiley-Blackwell. Todos os direitos
reservados. Copyright de tradução © Vida Melhor Editora Ltda., 2020.
Os pontos de vista desta obra são de responsabilidade de seus autores e colaboradores diretos, não
re etindo necessariamente a posição da omas Nelson Brasil, da HarperCollins Christian Publishing
ou de sua equipe editorial.
PUBLISHER
EDITORES
TRADUÇÃO
PRODUÇÃO EDITORIAL
PREPARAÇÃO
REVISÃO
DIAGRAMAÇÃO
CAPA
PRODUÇÃO DO E-BOOK
Samuel Coto
André Lodos Tangerino e Bruna Gomes
Roberto Covolan
Marcelo Cabral
Marcelo Cabral
Lucas Domingues e Eliana Moura
Rafael Alt
Rafael Brum
Ranna Studio
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
M112c
McGrath, Alister
1.ed. Ciência e religião : fundamentos para o diálogo / Alister McGrath; tradução de
Roberto Covolan. – 1.ed. – Rio de Janeiro: omas Nelson Brasil, 2020. 352 p.; 15,5 x 25
cm.
352 p.; 15,5 x 25 cm.
Título original : Science & Religion
Inclui bibliogra a.
ISBN : 9786556891200
1. Ciência. 2. Cristianismo. 3. Cultura. 4. Fé. I. Covolan, Roberto. II. Título.
10/2020-01
Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129
omas Nelson Brasil é uma marca licenciada à Vida Melhor Editora LTDA..
Todos os direitos reservados à Vida Melhor Editora LTDA.
Rua da Quitanda, 86, sala 218 – Centro
Rio de Janeiro – RJ – CEP 20091-005
Tel: (21) 3175-1030
www.thomasnelson.com.br
CDD: 215
CDU: 2-9
SUMÁRIO
Apresentação da coleção
Prefácio à terceira edição original
Prefácio à edição brasileira
1 Ciência e Religião: explorando uma relação
Por que estudar ciência e religião?
O tabuleiro de xadrez: a diversidade da ciência e da religião
Os quatro modelos de Ian Barbour da relação entre ciência e religião
Con ito
Independência
Diálogo
Integração
Quatro maneiras de imaginar a relação entre ciência e religião
Ciência e religião oferecem perspectivas distintas sobre a realidade
Ciência e religião envolvem níveis distintos de realidade
Ciência e religião oferecem mapas distintos da realidade
Os Dois Livros: duas abordagens complementares da realidade
2 Começando: alguns marcos históricos
Por que estudar história?
Inventando a “guerra” entre ciência e religião
A “falácia essencialista” sobre ciência e religião
Dissipando mitos sobre ciência e religião
A importância da interpretação bíblica
A emergência da síntese medieval
Copérnico, Galileu e o Sistema Solar
Newton, o universo mecânico e o deísmo
Darwin e as origens biológicas da humanidade
O “Big Bang”: novos insights sobre as origens do universo
3 Religião e a loso a da ciência
Fato e cção: Realismo e Instrumentalismo
Realismo
Idealismo
Instrumentalismo
Teologia e debates sobre realismo
Explicação, ontologia e epistemologia: métodos de pesquisa e investigação da realidade
Um estudo de caso sobre explicação: Nancey Murphy sobre o “ sicalismo não redutivo”
O que signi ca explicar algo?
Abordagens ônticas e epistêmicas da explicação
Religião e explicação
Philip Clayton sobre explicação em religião
Como decidimos qual é a melhor explicação?
“Lógica da descoberta” e “Lógica da justi cação”
Inferência à melhor explicação
Um estudo de caso: Darwin e a seleção natural
Escolha de teoria e religião
Veri cação: positivismo lógico
Falsi cação: Karl Popper
Mudança de teoria em ciência: omas S. Kuhn
4 Ciência e a loso a da religião
Ciência, religião e provas da existência de Deus
Argumentos losó cos tradicionais para a existência de Deus
As cinco vias de Tomás de Aquino
O argumento Kalam
Um estudo de caso: o argumento biológico de William Paley a partir do design
A ambiguidade da “prova”: justi cação na ciência e na teologia
A ação de Deus no mundo
Deísmo: Deus age através das leis da natureza
Tomismo: Deus age por causas secundárias
Teologia do Processo: Deus age através da persuasão
Teoria Quântica: Deus age através da indeterminação
Milagres e leis da natureza
Crítica dos milagres por David Hume
Keith Ward sobre milagres
Wolart Pannenberg sobre milagres
Ateologia natural? Argumentos evolutivos de desmisti cação contra Deus
Teologia natural: é Deus a “melhor explicação” do nosso universo?
Uma metaquestão: criação e uniformidade da natureza
5 Modelos e analogias em ciência e religião
O uso de modelos nas ciências naturais
O modelo cinético dos gases
Complementaridade: luz enquanto onda e partícula
Raciocínio analógico: Galileu e as montanhas da Lua
Usando modelos cientí cos de forma crítica: o princípio da seleção natural de Darwin
O uso de modelos e metáforas na teologia cristã
Tomás de Aquino sobre a Analogia Entis (“Analogia do Ser”)/
Ian T. Ramsey sobre o modelo da economia divina
Arthur Peacocke sobre a aplicação teológica de modelos e analogias
Sallie McFague sobre metáforas na teologia
Usando modelos religiosos de forma crítica: criação
Usando modelos religiosos de forma crítica: teorias da expiação
Modelos e mistério: os limites da representação da realidade
Ian Barbour sobre modelos em ciência e religião
6 Ciência e religião: alguns dos principais debates contemporâneos
Filoso a moral: as ciências naturais podem estabelecer valores morais?
Evolução e ética: o debate sobre darwinismo e moralidade
Neurociência e ética: Sam Harris sobre a paisagem moral
Filoso a da ciência: a realidade está limitada ao que as ciências podem revelar?
Filoso a da religião: teodiceia em um mundo darwiniano
Teologia: transumanismo, “imagem de Deus” e identidade humana
Matemática: a ciência e a linguagem de Deus
Física: o “princípio antrópico” tem signi cado religioso?
Biologia evolutiva: podemos falar em “design” na natureza?
Psicologia da religião: o que é religião, a nal?
Ciência cognitiva da religião: a religião é “natural”?
Conclusão
Índice
COLEÇÃO
FÉ, CIÊNCIA E CULTURA
Há pouco mais de sessenta anos, o cientista e romancista britânico C. P.
Snow pronunciava na Senate House, em Cambridge, sua célebre conferência
sobre “As Duas Culturas” – mais tarde publicada como “As Duas Culturas e a
Revolução Cientí ca” –, em que, não só apresentava uma severa crítica ao
sistema educacional britânico, mas ia muito além. Na sua visão, a vida
intelectual de toda a sociedade ocidental estava dividida em duas culturas, a
das ciências naturais e a das humanidades,1 separadas por “um abismo de
incompreensão mútua” para enorme prejuízo de toda a sociedade. Por um
lado, os cientistas eram tidos como néscios no trato com a literatura e a
cultura clássica, enquanto os literatos e humanistas – que furtivamente
haviam passado a se autodenominar intelectuais – revelavam-se completos
desconhecedores dos mais basilares princípios cientí cos. Esse conceito de
duas culturas ganhou ampla notoriedade, tendo desencadeado intensa
controvérsia nas décadas seguintes.
O próprio Snow retornou ao assunto alguns anos mais tarde no
opúsculo traduzido para o português como “As Duas Culturas e Uma
Segunda Leitura”, em que buscou responder às críticas e questionamentos
dirigidos à obra original. Nesta segunda abordagem, Snow amplia o escopo
de sua análise ao reconhecer a emergência de uma terceira cultura, na qual
envolveu um apanhado de disciplinas – história social, sociologia,
demogra a, ciência política, economia, governança, psicologia, medicina e
arquitetura –, que, à exceção de uma ou outra, incluiríamos hoje nas
chamadas ciências humanas.
O debate quanto ao distanciamento entre essas diferentes culturas e
formas de saber é certamente relevante, mas nota-se nessa discussão a
“presença de uma ausência”. Em nenhum momento são mencionadas áreas
tais como teologia ou ciências da religião. É bem verdade que a discussão
passa ao largo desses assuntos, sobretudo por se dar em ambiente em que
laicidade é dado de partida. Por outro lado, se a ideia de fundo é diminuir
distâncias entre diferentes formas de cultivar o saber e conhecer a realidade,
faz sentido ignorar algo tão presente na história da humanidade – por
arraigado no coração humano – quanto a busca por Deus e pelo
transcendente?
Ao longo da história, testemunhamos a existência quase inacreditável de
polímatas, pessoas com capacidade de dominar em profundidade várias
ciências e saberes. Leonardo da Vinci talvez tenha sido o mais célebre dentre
elas. Como esta não é a norma entre nós, a especialização do conhecimento
tornou-se uma estratégia indispensável para o seu avanço. Se por um lado,
isso é positivo do ponto de vista da e cácia na busca por conhecimento
novo, é também algo que destoa profundamente da unicidade da realidade
em que existimos.
Disciplinas, áreas de conhecimento e as culturas aqui referidas são
especializações necessárias em uma era em que já não é mais possível – nem
necessário – deter um repertório enciclopédico de todo o saber. Mas, como
a realidade não é formada de compartimentos estanques, precisamos de
autores com capacidade de traduzir e sintetizar diferentes áreas de
conhecimento especializado, sobretudo nas regiões de interface em que essas
se sobrepõem. Um exemplo disso é o que têm feito respeitados historiadores
da ciência ao resgatar a in uência da teologia cristã da criação no
surgimento da ciência moderna. Há muitos outros.
Assim, é com grande satisfação que apresentamos a coleção Fé, Ciência e
Cultura, através da qual a editora omas Nelson Brasil disponibilizará ao
público leitor brasileiro um rico acervo de obras que cruzam os abismos
entre as diferentes culturas e modos de saber, e que certamente permitirá
um debate informado sobre grandes temas da atualidade, examinados a
partir da perspectiva cristã.
Marcelo Cabral e Roberto Covolan
Editores
Nota
1 Entenda-se “humanidades” aqui como o campo dos estudos clássicos, literários e losó cos.
PREFÁCIO
À TERCEIRA EDIÇÃO ORIGINAL
O estudo integrado de ciência e religião reúne duas das forças mais
signi cativas – e diferentes – da cultura humana. O notável aumento de
livros e documentários de televisão que tratam de Deus e física,
espiritualidade e ciência, e dos grandes mistérios da natureza e destino
humanos é um sinal claro do crescente interesse nessa área. Muitas
faculdades, seminários e universidades oferecem agora cursos que tratam da
área de ciência e religião, geralmente atraindo audiências amplas e
grati cadas. Este livro apresenta um estudo desse campo, oferecendo uma
janela para alguns de seus temas e debates mais interessantes.
Com base em palestras ministradas a estudantes da Universidade de
Oxford durante o período de 2014 a 2019, este livro pretende ser acessível e
envolvente, encorajando seus leitores a aprofundar seus temas. Ele se propõe
a introduzir esse fascinante campo mediante a suposição de que seus leitores
não têm conhecimento detalhado sobre ciências naturais ou teologia. Os
principais temas e questões do estudo de religião e das ciências naturais são
cuidadosamente explorados e explicados sem fazer suposições irrealistas
sobre o que os leitores provavelmente já devem saber.
Meu próprio interesse no campo de ciência e religião remonta ao início
dos anos de 1970. Comecei meus estudos na Universidade de Oxford
estudando química, com especialização em teoria quântica, antes de obter
um doutorado em biofísica molecular. Depois disso, estudei teologia em
Oxford e Cambridge, concentrando-me particularmente na interação
histórica entre ciência e religião, especialmente durante os séculos 16 e 19.
Espero que minha própria experiência de relacionar essas duas áreas de
estudo seja de valor para outras pessoas que procuram fazer o mesmo.
Este livro representa uma revisão signi cativa da primeira e da segunda
edições desta obra, respondendo aos comentários de muitos leitores. Essa
revisão se apresenta na forma de alterações feitas tanto na estrutura quanto
no conteúdo, com o objetivo de tornar o livro útil e proveitoso ao abordar
questões consideradas importantes e representativas no campo. Tanto o
autor quanto a editora terão prazer em receber mais comentários e críticas, o
que será útil para o desenvolvimento de edições futuras deste trabalho.
Alister E. McGrath
Universidade de Oxford
Setembro 2019
PREFÁCIO
À EDIÇÃO BRASILEIRA
Muito do que ocorre ao nosso redor ou que, de uma forma ou de outra,
determina nossas circunstâncias está presente em nossas casas, trabalhos e
lazer, sem que disso tenhamos consciência. Nem sempre imediatamente
identi cável, a ciência contemporânea impacta nossa vida cotidiana de
modo direto e inevitável, sobretudo através de inovações tecnológicas e da
miríade de novos dispositivos eletrônicos que utilizamos habitualmente.
Poucos suspeitam, mas seus smartphones fazem uso intensivo da mecânica
quântica através de bilhões de transistores e outros elementos
semicondutores. Poderíamos lembrar também a eletrônica e a ótica
avançadas embutidas nas câmeras digitais desses mesmos smartphones,
assim como o uso da Teoria da Relatividade, de Einstein, na determinação
de sua localização precisa via GPS, ou ainda considerar a complexa ciência
por trás das diferentes técnicas de touch screen. Na palma de nossas mãos,
temos acesso a séculos de esforços e desenvolvimentos cientí cos, que agora
in uenciam nossas vidas de forma determinante.
Da mesma forma, em outros setores da vida ‒ na área médica, por
exemplo ‒ estamos em contato com aspectos avançados da ciência dos quais
não nos damos conta. Quem imagina que os exames de PET Scan envolvem
uma partícula de antimatéria, o pósitron, ou que a tomogra a por
ressonância magnética envolve métodos de física quântica nuclear?
Inocentemente, continuamos levando a vida como se a ciência fosse algo
distante, que acontece apenas em laboratórios de grandes instituições de
pesquisa.
Se essa in uência marcante da ciência se dá de forma tão sutil em
aspectos como esses, que são extremamente práticos e concretos, como seria
em relação àqueles mais impalpáveis, como as nossas crenças losó cas e
religiosas? Ademais, como nossas diversas perspectivas e cosmovisões
impactam nosso modo de fazer ciência e enxergar o mundo natural? O que
a visão particular do cristianismo tem a oferecer às ciências hoje, em pleno
século 21?
O trabalho magistral que Alister McGrath, professor de Oxford e diretor
do Ian Ramsey Centre – uma das instituições mais importantes do mundo
no tratamento acadêmico à relação entre ciência e religião, executa neste
livro é o de ir tecendo diante de nossos olhos a complexa rede de relações
que se estabeleceram entre ciência e religião desde que a loso a natural
começou, incipientemente, a ser conduzida em direção ao que hoje
chamamos “método cientí co”.
Não obstante a di culdade que muitos têm hoje de encontrar conexões
relevantes entre ciência e religião – isso quando não declaram que estão em
uma guerra interminável –, McGrath descreve como a ciência foi gestada
dentro de uma forte imaginação teológica e como muito de seus métodos,
modelos e analogias continuam carregando suas antigas raízes.
Desde o lançamento de sua trilogia Uma Teologia Cientí ca, McGrath
tem sido um dos mais importantes autores em todo o mundo a pautar o
diálogo entre ciência e religião. Reconhecendo que cada ciência particular,
por um lado, e a teologia, por outro, são de nidas por sua própria
linguagem, métodos e normas, ele propõe, com convicção, que existem
profundas conexões entre essas duas forças. A nal de contas, se o Deus
Trino é o criador de todas as coisas, inclusive daquelas estudadas pelas
ciências naturais, deve existir uma série de relações frutíferas entre a boa
ciência e a boa teologia.
A presente tradução é baseada na terceira edição da obra, totalmente
revista e ampliada, que apresenta o resultado maduro do trabalho de toda a
vida de McGrath. Com uma habilidade ímpar de navegar temas tão diversos,
como loso a da ciência, ciências cognitivas, cosmologia, teoria evolutiva,
doutrina da criação, trindade, cristologia, entre outros, o autor nos oferece
um verdadeiro banquete sobre o campo de ciência e religião.
Esta obra é o lugar de nitivo para professores, estudantes universitários,
padres, pastores, seminaristas e público leigo interessado ingressarem no
rico, multifacetado e profundo diálogo intelectual entre ciência e religião. A
Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2), em parceria com a
omas Nelson Brasil, celebra a publicação desta obra seminal, que
certamente servirá de texto-base aos interessados nessa área nos anos porvir.
Marcelo Cabral e Roberto Covolan
Editores
R
eligião e ciência são duas das forças culturais e intelectuais mais
signi cativas e interessantes no mundo de hoje. O campo da relação
entre ciência e religião, que este livro pretende apresentar, propõe-se
a explorar o que esses dois parceiros de conversação podem aprender
um com o outro e onde divergem. Muitos pensadores importantes da época
do Renascimento usavam a metáfora dos “Dois Livros de Deus” como uma
maneira de visualizar esse processo de permitir que a ciência e a fé religiosa
iluminassem a realidade. Muitos acreditavam que era possível e importante
ler o “Livro da Natureza” e o “Livro das Escrituras” lado a lado e permitir
que eles se informassem e se enriquecessem mutuamente. Embora a
invenção da ideia de uma guerra permanente entre ciência e religião no nal
do século 19 tenha levado muitos a questionar essa abordagem, o descrédito
acadêmico dessa metanarrativa de “guerra”, que já estava bem-estabelecido
no início do século 21, suscitou um novo interesse em encontrar formas de
recuperar e reformular esse diálogo. Como disse Albert Einstein em sua
famosa observação: “A ciência sem religião é manca, a religião sem ciência é
cega”.
POR QUE ESTUDAR CIÊNCIA E RELIGIÃO?
Muitas pessoas são atraídas a estudar a relação entre ciência e religião
porque é uma área interdisciplinar – em outras palavras, ela oferece uma
visão mais rica e grandiosa do nosso mundo e da nossa humanidade do que
seria possível a qualquer um desses parceiros de diálogo por conta própria.
Nem a ciência nem a religião podem fornecer uma descrição total da
realidade. A ciência não responde a todas as perguntas que possamos fazer
sobre o mundo. Nem a religião. No entanto, juntas elas podem nos oferecer
uma visão estereoscópica da realidade negada àqueles que se limitam à
perspectiva de apenas uma disciplina.
O lósofo espanhol José Ortega y Gasset é um dos muitos a argumentar
que, para levar uma vida realizada, os seres humanos precisam mais do que
a descrição parcial da realidade que a ciência oferece. Precisamos de um
“panorama geral”, uma “ideia integral do universo”. Qualquer loso a de
vida, qualquer maneira de pensar sobre as questões que realmente
importam, de acordo com Ortega, acabará indo além da ciência – não
porque haja algo de errado com a ciência, mas justamente porque ela é tão
focada e especí ca em seus métodos:
A verdade cientí ca é caracterizada pela precisão e certeza de suas previsões. Mas a ciência
alcança essas qualidades admiráveis à custa de permanecer no nível das preocupações
secundárias, deixando intocadas as questões últimas e decisivas.1
Albert Einstein fez uma observação semelhante sobre os pontos fortes e
os limites das ciências naturais, abrindo a possibilidade de alguma forma de
diálogo ou sinergia intelectual para permitir a travessia das fronteiras
intelectuais em busca de novos entendimentos:
O método cientí co não pode nos ensinar nada além de como os fatos estão relacionados e
condicionados um ao outro. [...] No entanto, é igualmente claro que o conhecimento daquilo que
é não abre a porta diretamente para o que deveria ser. Pode-se ter o conhecimento mais claro e
completo do que é, e ainda assim não ser capaz de deduzir disso qual deve ser o objetivo de
nossas aspirações humanas.2
O estudo da interação entre religião e ciências naturais continua a ser
in uenciado pelo modelo de “con ito”, o que leva alguns cientistas e pessoas
religiosas a necessariamente vê-las como travando um combate mortal.
Ciência e religião estariam, assim, em guerra entre si, e essa guerra
continuaria até que um deles fosse eliminado. Embora essa visão tenda a ser
associada particularmente a cientistas ateus dogmáticos, como Peter Atkins
(nascido em 1940) ou Richard Dawkins (nascido em 1941), também é
encontrada entre os religiosos. Alguns cristãos e muçulmanos
fundamentalistas, por exemplo, veem a ciência como uma ameaça à sua fé.
Um bom exemplo disso pode ser encontrado nas críticas à evolução feitas
por protestantes conservadores, que a veem minando a sua interpretação
particular dos relatos bíblicos da criação.
Exploraremos as origens desse modelo de “con ito” na interação entre
ciência e religião mais adiante nesta obra. No entanto, embora permaneça
in uente na cultura, ele não é visto pelos historiadores da ciência como
con ável ou defensável, e não é mais levado a sério pelos estudos históricos.
Certamente, é verdade que existem tensões entre a ciência e a religião;
porém o relacionamento entre elas é muito mais complexo do que isso. De
qualquer forma, a ciência agora parece estar se abrindo a questões religiosas,
ao invés de fechar-se a elas ou declará-las sem sentido. Cada vez mais se
reconhece que as ciências naturais têm levantado questões que apontam
para além de si e transcendem sua capacidade de respondê-las.
Comentando sobre a busca cientí ca pelas origens do universo, o
astrônomo Robert Jastrow observa como a ciência moderna parece acabar
fazendo exatamente as mesmas perguntas que as colocadas nas gerações
anteriores pelos pensadores religiosos:
Não se trata de mais um ano, outra década de trabalho, uma outra medida ou outra teoria; neste
momento, parece que a ciência jamais será capaz de levantar a cortina do mistério da criação.
Para o cientista que viveu pela sua fé no poder da razão, a história termina como um pesadelo.
Ele escalou as montanhas da ignorância; está prestes a conquistar os picos mais altos; quando ele
se alça sobre a última rocha, é recebido por um bando de teólogos que estão sentados lá há
séculos.3
Conforme este livro irá sugerir, ciência e religião são capazes de interagir
em um diálogo signi cativo sobre algumas das grandes questões da vida. No
entanto, o termo “diálogo” é facilmente entendido como uma conversa
acolhedora e não crítica, muitas vezes tendendo a uma agradável, mas
injusti cada assimilação de ideias. Essa não é a visão defendida nesta obra.
Esse tipo de diálogo precisa ser robusto e desa ador, investigando questões
profundas e potencialmente ameaçadoras sobre a autoridade e os limites de
cada participante e de cada disciplina. Um diálogo é caracterizado pelo que
muitos chamam agora de “virtude epistêmica”, exigindo que cada
participante leve o outro a sério, tentando identi car seus pontos fortes e
fracos, ao mesmo tempo que deseja aprender com o outro e enfrentar seus
próprios limites e vulnerabilidades.
O diálogo entre ciência e religião começa por perguntar se, de que
maneira e até que ponto essas duas parceiras de conversa podem aprender
uma com a outra. Dada a importância cultural, tanto da ciência quanto da
religião, a exploração de como elas se relacionam tem potencial tanto de
con ito quanto de enriquecimento mútuo. Apesar dos riscos para os dois
lados, continua valendo a pena. Por quê? Três razões são frequentemente
apresentadas para esse julgamento.
1. Nem a ciência nem a religião podem reivindicar uma descrição total da realidade. Certamente
é verdade que alguns de um lado, outros do outro, propuseram visões grandiosas de sua
disciplina, entendendo-se capazes de responder a todas as perguntas sobre a natureza do
universo e o signi cado da vida – como, por exemplo, na noção de Richard Dawkins de
“darwinismo universal”. Esses, no entanto, não são considerados representativos pelos seus pares.
Nem a noção de “magistérios não interferentes”, desenvolvida por autores como Stephen Jay
Gould, propondo que ciência e religião ocupam domínios ou áreas de competência bemde nidos, que não se sobrepõem ou se cruzam. Dessa forma, nenhuma conversa seria necessária
– nem mesmo possível.
Talvez seja melhor considerar ciência e religião como operando em seus próprios níveis
distintos, frequentemente re etindo sobre questões semelhantes, mas respondendo a elas de
maneiras diferentes. De fato, alguns cientistas declaram ter dispensado a religião (caso evidente
do recente “ateísmo cientí co”), assim como há ativistas religiosos que a rmam ter dispensado a
ciência (caso evidente do moderno “criacionismo” americano). No entanto, essas são apenas
posições extremas dentro de um espectro de possibilidades. A maioria sugeriria que a ciência
não responde – e não tem como responder – a todas as perguntas que possamos fazer sobre o
mundo. Nem a religião. No entanto, juntas, elas podem oferecer uma visão estereoscópica da
realidade, negada àqueles que se limitam à perspectiva de uma só disciplina. O diálogo entre
ciência e religião nos permite apreciar identidades, forças e limites distintos de cada parceiro da
conversa. Também nos oferece uma compreensão mais profunda das coisas do que a religião ou
a ciência poderiam oferecer por si só.
2. Tanto a ciência quanto a religião estão preocupadas em encontrar o sentido das coisas.
Embora muitas religiões, incluindo o cristianismo, almejem a transformação da situação
humana, a maioria também associa isso a oferecer uma explicação do mundo e dos seres
humanos. Por que as coisas são do jeito que são? Que explicações podem ser oferecidas para o
que observamos? Qual seria a “visão mais ampla” que nos ajuda a entender nossas observações e
experiências? As explicações cientí cas e religiosas geralmente assumem formas diferentes,
mesmo quando re etem sobre as mesmas observações. Embora exista um risco óbvio nessa
simpli cação, é útil pensar na ciência fazendo perguntas sobre o “como”, enquanto a religião faz
perguntas sobre “por que”. A ciência procura esclarecer mecanismos; as religiões procuram
explorar questões de signi cado.
Essas abordagens não precisam ser vistas como concorrentes ou mutuamente
incompatíveis. Elas operam em diferentes níveis. Enquanto alguns cientistas a rmam que não
podemos ir além de entender como as coisas acontecem, outros argumentam que precisamos
responder ao que o lósofo da ciência Karl Popper chamou de “questões últimas” – como o
signi cado da vida. Uma das discussões mais in uentes sobre esse ponto é encontrada na obra
clássica do psicólogo social Roy Baumeister, Meanings of Life [Signi cados da vida] (1993). Para
Baumeister, a busca humana por signi cado concentra-se em uma série de necessidades
humanas básicas, como propósito, e cácia e valor próprio. Por que estou aqui? Posso fazer
diferença? Eu realmente importo? A ciência pode informar as respostas dadas a essas perguntas,
mas não as determina.
3. Nos últimos anos, houve um aumento signi cativo na conscientização da comunidade
cientí ca sobre os problemas mais amplos levantados por sua pesquisa e os limites impostos à
capacidade dessa comunidade de respondê-los. Um exemplo óbvio diz respeito a questões éticas.
A ciência é capaz de determinar o que é certo e o que é errado? Muitos cientistas a rmam que
sua disciplina é fundamentalmente amoral – isto é, que o método cientí co não se estende a
questões morais.
Isso não signi ca que os cientistas não tenham interesse em questões
morais; a questão é que a maioria dos cientistas reconhece que suas
disciplinas não podem criar ou sustentar valores morais – um ponto ao qual
retornaremos mais adiante neste volume. Por exemplo, considere o
argumento de Stephen Jay Gould em seu importante ensaio “Nonmoral
Nature”:
Nosso fracasso em discernir um bem universal não registra falta de discernimento ou
criatividade, mas apenas demonstra que a natureza não contém mensagens morais enquadradas
em termos humanos. A moralidade é um assunto para lósofos, teólogos, estudantes de
humanidades, de fato para todas as pessoas que pensam. As respostas não serão lidas
passivamente da natureza; elas não surgem e não podem surgir dos dados da ciência. O estado
factual do mundo não nos ensina como nós, com nossas capacidades para o bem e o mal,
devemos alterá-lo ou preservá-lo da maneira mais ética possível.4
Isso levou a um crescente interesse em abordagens dialogais para tais
questões. Os cientistas naturais parecem cada vez mais dispostos a
complementar os entendimentos cientí cos do mundo com perspectivas
adicionais que permitam ou incentivem o aprimoramento ético, estético e
espiritual de suas abordagens. A religião está sendo vista cada vez mais
como um importante parceiro de diálogo, permitindo que as ciências
naturais se envolvam com questões levantadas por pesquisas cientí cas, mas
não respondidas através delas. Os debates sobre a ética da biotecnologia, por
exemplo, geralmente levantam questões importantes que a ciência não pode
responder – como quando é que uma “pessoa” humana vem à existência ou
o que constitui uma qualidade de vida aceitável.
O TABULEIRO DE XADREZ: A DIVERSIDADE DA CIÊNCIA E DA RELIGIÃO
Muitos expressam, com razão, uma preocupação com a coerência do
campo de interação entre ciência e religião. Acaso ele é conceitualmente
integrado, ou é apenas uma massa crescente de debates e discussões
desconectadas, reunidas por uma questão de conveniência sob a estrutura
frouxa de “ciência e religião”? É razoável levantar essa questão, dada a
diversidade de ciências e religiões individuais e a multiplicidade de suas
possíveis interações.
O termo “ciência” é frequentemente usado para designar o
empreendimento empírico e teórico global que está por trás ou está
envolvido nas várias disciplinas cientí cas – como química, biologia e
psicologia. No entanto, essas são ciências individuais, que têm seus próprios
métodos de pesquisa, histórias e comunidades pro ssionais de interpretação
e aplicação. O uso acrítico do termo mais geral “ciência” nivela o cenário das
ciências naturais, deixando de fazer justiça à especi cidade de cada ciência
individual.
“Religião” não é uma categoria bem-de nida, e, portanto, resiste a uma
de nição rigorosa. Estudiosos que trabalham no campo da psicologia da
religião e de outras abordagens empíricas do pensamento e comportamento
religiosos se acham constantemente frustrados com a falta de uma de nição
empírica consensual de religião. Para citar um problema óbvio: se religião é
de nida em termos de crença em um deus ou deuses, isso exclui uma das
principais religiões – o budismo. Religião não é um conceito empírico, mas
uma noção socialmente construída. Podemos concordar que existem
“religiões” individuais – como o islamismo, o judaísmo e o budismo, mas
isso não signi ca que exista alguma categoria essencial universal da
“religião” que cada uma delas apresenta à sua própria maneira.
Há agora um consenso geral de que é seriamente equivocado considerar
as várias tradições religiosas do mundo como variações do mesmo tema. No
início dos anos de 1960, por exemplo, o estudioso islâmico canadense
Wilfred Cantwell Smith argumentava que as religiões não têm nenhuma
característica de nitória comum que seja capturada e expressa pelo termo
ou categoria subjacente de “religião”. Em vez disso, dizia Smith, o conceito
de “religião” foi concebido por estudiosos ocidentais modernos e superposto
a uma variedade de fenômenos, criando assim a impressão enganosa de
algum conceito universal subjacente de “religião”.
Também é importante compreender que, além de diferenças claras entre
as religiões do mundo, também existem variações signi cativas nas
tradições religiosas individuais, como o cristianismo. Protestantes
conservadores e católicos liberais provavelmente têm visões muito diferentes
da teoria da seleção natural de Charles Darwin. Assim, pode um deles
sozinho ser identi cado como “a visão cristã”, que seja vista, de alguma
forma, como normativa dentro de uma religião? Ou devemos aprender a
reconhecer uma diversidade de pontos de vista dentro de uma única
tradição religiosa? Talvez a abordagem mais sensata seja simplesmente
respeitar a integridade das tradições e movimentos religiosos dentro dessas
tradições, em vez de tentar homogeneizar suas ideias ou forçá-las a adotar
algum molde comum arti cial. A complexidade do budismo moderno, do
cristianismo, do islamismo e do judaísmo é tal, que seria intelectualmente
precário generalizá-los sem reconhecer o debate e a diversidade dentro
deles.
Entretanto, talvez a di culdade mais óbvia no campo de ciência e
religião seja que ele designa um escopo tão amplo, que corre o risco de se
tornar sem sentido e inútil. Qual ciência? Qual religião? Se o campo de
“ciência e religião” pretende representar todas as ciências e todas as religiões,
torna-se incontrolável e incoerente, dada a diversidade e complexidade de
disciplinas cientí cas especí cas e tradições religiosas especí cas.
Ao discutir esse ponto com os estudantes de Oxford, achei a analogia de
um tabuleiro de xadrez útil. Um tabuleiro de xadrez tem vários espaços
(mais precisamente, 64), mas nem todos estão ocupados. O campo de
ciência e religião, pelo menos em teoria, oferece uma vasta gama de
possibilidades intelectuais – como a relação entre budismo e psicologia ou
islamismo e biologia. No entanto, nem todas essas possibilidades atraíram
atenção intelectual. Alguns espaços estão cheios de pesquisadores,
acadêmicos e leitores interessados; outros estão praticamente vazios.
Exemplos de áreas de interesse altamente povoadas nesse campo incluem:
• As ciências naturais e argumentos para a existência de Deus.
• O signi cado do darwinismo para a crença religiosa.
Ainda assim, outras áreas, apesar de claramente serem de interesse
intelectual, permanecem pouco estudadas. O cristianismo continua sendo a
tradição religiosa cujos engajamentos com a ciência foram mais amplamente
discutidos na comunidade de “ciência e religião”, e muitos espaços altamente
povoados no tabuleiro de xadrez envolvem especi camente essa tradição
religiosa, particularmente em relação a questões históricas, como a relação
do cristianismo e as origens da revolução cientí ca na Europa Ocidental.
O modelo do tabuleiro de xadrez nos ajuda a visualizar o extenso campo
da interação entre ciência e religião e a identi car os espaços que têm
dominado a discussão dentro do campo – e que, portanto, precisam ser
incluídos neste livro. Dado que esta obra se destina a servir como livro
didático, é claramente importante mapear seu conteúdo tanto com relação
às atividades acadêmicas quanto às de interesse popular nesse campo.
Assim, esta obra envolve as posições mais povoadas do tabuleiro de xadrez,
embora reconheça que há outras áreas de legítimo interesse intelectual que
ainda não conseguiram a atenção que merecem.
OS QUATRO MODELOS DE IAN BARBOUR DA RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO
Então, como entendemos o relacionamento geral entre ciência e religião?
Quais modelos estão disponíveis quando tentamos imaginar seus possíveis
relacionamentos? Uma das descrições mais in uentes das abordagens da
relação entre ciência e religião deve-se a Ian G. Barbour (1923–2013),
pioneiro de estudos no campo de ciência e religião. Muitos argumentam que
o surgimento do campo “ciência e religião” como uma área própria de
estudo data de 1966, quando foi publicada a obra histórica de Barbour, Issues
in Science and Religion [Questões em ciência e religião]. Barbour nasceu em
5 de outubro de 1923 em Pequim, China, e inicialmente concentrou seus
estudos no campo da física, obtendo seu doutorado na Universidade de
Chicago, em 1950. Sua primeira nomeação acadêmica foi no Kalamazoo
College, Michigan, como professor de física. No entanto, ele tinha um forte
interesse em religião, que conseguiu seguir através de estudos na
Universidade de Yale, concluindo o bacharelado em divindade em 1956. Ele
atuou por muitos anos em vários cargos, incluindo chefe do departamento
de religião e professor de física no Carleton College, North eld, Minnesota
(1955–1981). Finalmente, assumiu a cátedra Winifred e Atherton Bean
como professor de ciências, tecnologia e sociedade nessa faculdade (1981–
1986). Ele veio a falecer em 2013.
A preocupação característica de Barbour em relacionar ciência e
religião, desenvolvida durante a década de 1960, levou à publicação do livro
pelo qual ele é mais conhecido – Issues in Science and Religion (1966)
[Questões em ciência e religião]. Esse livro re etiu sua experiência de ensino
nas áreas de ciência e religião – interesses de ensino que ele foi capaz de
manter durante a maior parte de sua carreira acadêmica. Nos anos de 1970,
Barbour desenvolveu ainda mais seus interesses através de um programa
sobre ética, políticas públicas e tecnologia, que identi cou e discutiu uma
série de questões religiosas. Issues in Science and Religion é amplamente
considerado como um livro dotado de autoridade, escrito com clareza e
erudição, que apresentou muitas pessoas às questões fascinantes associadas a
esse campo. Desde então, Barbour tornou-se autor ou editou uma série de
obras que tratam de questões sobre a interface entre ciência e religião
(principalmente Religion in an Age of Science [Religião na era da ciência],
que apareceu em 1990, com base nas Gifford Lectures [Palestras Gifford]
dadas por ele na Universidade de Aberdeen, em 1989). Ele é amplamente
considerado o decano do diálogo nesse campo e foi homenageado pela
Academia Americana de Religião em 1993. Barbour recebeu o Prêmio
Templeton para o Progresso da Religião em 1999, em reconhecimento aos
seus esforços para criar um diálogo entre os mundos da ciência e da religião.
Barbour desempenhou um papel enorme, catalisando o surgimento
desse campo especí co e tendo considerável in uência pessoal na
modelagem de sua dinâmica – incluindo aí a formulação de uma tipologia
in uente das possíveis relações entre ciência e religião. A tipologia de
Barbour quanto às “maneiras de relacionar ciência e religião” surgiu pela
primeira vez em 1988 e continua sendo amplamente usada, apesar de
algumas debilidades óbvias. Barbour lista quatro tipos amplos de relações:
con ito, independência, diálogo e integração. A seguir, de niremos e
ilustraremos o esquema quádruplo de Barbour, antes de observarmos
algumas questões que demandam exploração adicional.
Con ito
Historicamente, o entendimento mais signi cativo da relação entre
ciência e religião é o de “con ito” ou talvez até “guerra”. Esse modelo,
fortemente confrontativo, continua a ser profundamente in uente no nível
popular, mesmo que seu apelo tenha diminuído consideravelmente em um
nível mais acadêmico. “A guerra entre ciência e teologia na América
Colonial existe principalmente nas mentes dos historiadores dados a clichês”
(Ron Numbers). Esse modelo dominante foi exposto em duas obras
in uentes publicadas no nal do século 19: History of the Con ict between
Religion and Science [História do con ito entre religião e ciência], de John
William Draper (1874), e History of the Warfare of Science with eology in
Christendom [História da guerra da ciência com a teologia na cristandade],
de Andrew Dickson White (1896). O mais conhecido representante dessa
abordagem, no nal do século 20, é Richard Dawkins, segundo o qual “a fé é
um dos grandes males do mundo, comparável ao vírus da varíola, mas mais
difícil de erradicar”. Para Dawkins, ciência e religião são implacavelmente
opostas.
No entanto, esse modelo não se restringe a cientistas antirreligiosos. É
altamente difundido dentro de grupos religiosos conservadores no
cristianismo e no islamismo, que são muitas vezes virulentamente hostis à
ideia de evolução biológica. O criacionista Henry M. Morris (1918–2006)
publicou uma continuada crítica da moderna teoria evolutiva com o título
e Long War against God [A longa guerra contra Deus] (1989). Em um
prefácio elogioso ao livro, um pastor batista conservador declara que: “O
evolucionismo moderno é simplesmente a continuação da longa guerra de
Satanás contra Deus”. Morris até mesmo nos convida a imaginar Satanás
concebendo a ideia de evolução como um meio de destronar Deus.
Ainda assim, muitos dos episódios históricos tradicionalmente
colocados nessa categoria ou tidos como representantes de sua manifestação,
podem ser interpretados de outras maneiras. A controvérsia de Galileu do
século 17, por exemplo, ainda é apresentada como um exemplo clássico de
“ciência contra a religião”, embora seja agora reconhecida como uma questão
muito mais complexa e cheia de nuanças. Da mesma forma, a teoria da
evolução de Darwin é frequentemente apresentada na mídia popular como
antirreligiosa em natureza e intenção, mesmo que o próprio Darwin tenha
sido in exível ao a rmar que não era. De fato, em 1889, o teólogo anglicano
Aubrey Moore observou que: “o darwinismo apareceu e, sob o disfarce de
um inimigo, fez o trabalho de um amigo”. A questão de saber se a ciência e a
religião estão em con ito, com demasiada frequência, parece repousar sobre
complexas questões de interpretação, muitas vezes deixadas de lado por
quem procura respostas simples e slogans capciosos.
Mais importante, o modelo de con ito está sendo cada vez mais visto
como um modo de pensar caracteristicamente ocidental, fundamentado nas
histórias especí cas e nas normas culturais implícitas das nações ocidentais,
particularmente os Estados Unidos. Os pesquisadores observaram que a
relação entre ciência e religião em culturas não ocidentais – como a Índia – é
entendida de uma maneira muito diferente (e muito mais positiva).
Pesquisas recentes indicam que a abordagem geral que Barbour designa
como “independência” (veja abaixo) é dominante entre cientistas na
América do Norte e Europa Ocidental, enquanto uma abordagem mais
colaborativa ou dialogal é dominante nas comunidades cientí cas da Ásia.
Embora alguns comentaristas culturais ocidentais considerem o modelo
de “con ito” normativo, não se trata disso. É simplesmente uma opção
dentro de um espectro de possibilidades, que se tornou in uente como
resultado de um conjunto de circunstâncias históricas, em vez de ser algo
que tenha a ver com a natureza essencial da ciência ou da religião. Além
disso, o modelo de “con ito” mantém sua credulidade em grande parte
devido a con itos decorrentes de questões muito especí cas –
principalmente o ensino de evolução nas escolas e questões de modi cação
terapêutica de genes.
Independência
A controvérsia darwiniana fez com que muitos descon assem do
modelo de “guerra” ou “con ito”. Em primeiro lugar, isso foi visto como
historicamente questionável. No entanto, em segundo lugar, havia uma
preocupação crescente em impedir que qualquer alegado “con ito”
dani casse a ciência ou a religião. Isso levou muitos a insistir que os dois
campos deviam ser considerados completamente independentes um do
outro. Essa abordagem insiste em que a ciência e a religião devem ser vistas
como campos de estudo ou esferas da realidade independentes e autônomos,
com suas próprias regras e linguagens distintas. A ciência tem pouco a dizer
sobre crenças religiosas e a religião tem pouco a dizer sobre o estudo
cientí co.
Essa abordagem é encontrada na declaração de política da Academia
Nacional Americana de Ciências, de 1981, que estabelece: “Religião e ciência
são domínios do pensamento humano separados e mutuamente exclusivos,
cuja apresentação no mesmo contexto leva à má compreensão tanto da
teoria cientí ca quanto da crença religiosa”. Isso também é encontrado no
modelo de Stephen Jay Gould de “magistérios não interferentes” (ou
NOMA: Non-overlapping magisteria), que defende a a rmação do respeito
mútuo e o reconhecimento de diferentes metodologias e domínios de
interpretação entre ciência e religião:
Acredito, de todo o coração, em concordância respeitosa e até amorosa entre nossos magistérios
– na solução NOMA. NOMA representa uma posição baseada em princípios morais e
intelectuais, não em mera atitude diplomática. A solução NOMA serve também a ambos os
lados. Se a religião não pode mais fazer a rmações cabais sobre a natureza de conclusões factuais
sob o magistério da ciência, os cientistas não podem reivindicar uma percepção mais elevada da
verdade moral a partir de qualquer conhecimento superior da constituição empírica do mundo.
Essa humildade mútua tem importantes consequências práticas em um mundo de paixões tão
variadas.5
Uma variante dessa abordagem é dada pelo teólogo americano Langdon
Gilkey (1919–2004). Em sua obra de 1959, Maker of Heaven and Earth
[Criador do céu e da terra], Gilkey argumenta que a teologia e as ciências
naturais representam maneiras independentes e diferentes de abordar a
realidade. As ciências naturais estão preocupadas em fazer perguntas sobre o
“como”, enquanto a teologia faz perguntas relacionadas ao “por que”. As
primeiras lidam com causas secundárias (ou seja, interações dentro da esfera
da natureza), enquanto esta última lida com causas primárias (ou seja,
origem e propósitos fundamentais da natureza).
Esse modelo de independência atrai muitos cientistas e teólogos porque
lhes dá liberdade de acreditar e pensar no que eles prezam em seus próprios
campos (“magistérios”, para usar a expressão de Gould), sem forçá-los a
relacionar esses magistérios entre si. Entretanto, como Ian Barbour aponta,
isso inevitavelmente compartimenta a realidade. “Não experienciamos a
vida tão nitidamente dividida em compartimentos separados; nós a
experienciamos em sua totalidade e interconectividade antes de
desenvolvermos disciplinas especí cas para estudar seus diferentes
aspectos”. Em outras palavras, esses círculos não podem evitar algum grau
de sobreposição e interação; eles não são completamente separados.
Diálogo
Uma terceira maneira de entender a relação entre ciência e religião é vêlas engajadas em um diálogo, levando a uma melhor compreensão mútua.
Como comentou o falecido papa João Paulo II em 1998: “A Igreja e a
comunidade cientí ca irão inevitavelmente interagir; as suas opções não
incluem o isolamento”. Então, que forma a interação entre elas pode
assumir? Como elas podem se complementar? Para João Paulo II, a resposta
era clara: “A ciência pode puri car a religião do erro e da superstição; a
religião pode puri car a ciência da idolatria e dos falsos absolutos. Cada
uma delas pode introduzir a outra num mundo mais vasto, num mundo em
que ambas podem orescer”.
Esse ponto foi desenvolvido pelo “Grupo do Diálogo” de cientistas e
bispos católicos nos Estados Unidos, ao declarar que: “Ciência e religião
podem oferecer insights complementares sobre tópicos complexos como as
biotecnologias emergentes”. Vemos aqui um reconhecimento de que as
limitações morais impostas às ciências naturais em virtude do caráter
amoral do método cientí co levam a uma compreensão da necessidade de
suplementar a discussão cientí ca com outras fontes. Voltaremos a essa
discussão mais adiante nesta obra.
Esse diálogo respeita a identidade distinta de seus participantes,
enquanto explora pressupostos e suposições compartilhadas. Ian Barbour
considera esse modelo provavelmente o mais satisfatório do possível leque
de abordagens. Também é encontrado nos escritos recentes de John
Polkinghorne, que aponta uma série de paralelos signi cativos entre os dois
magistérios. Por exemplo, tanto a ciência quanto a religião envolvem pelo
menos algum grau de julgamento pessoal, na medida em que ambas lidam
com dados que são “impregnados de teoria”. Da mesma forma, ambas
envolvem uma série do que pode ser chamado suposições “ duciárias” – por
exemplo, que o universo é racional, coerente, ordenado e um todo. Uma
preocupação semelhante está na base de Enriching Our Vision of Reality
[Enriquecendo nossa visão da realidade] (2016), de Alister E. McGrath, que
visa aprimorar o rigor intelectual da teologia cristã por meio de um extenso
diálogo com as ciências naturais, especialmente em relação a questões de
métodos de investigação e representação da realidade.
Integração
Uma quarta compreensão da maneira pela qual a ciência e a religião
interagem pode ser encontrada nos escritos do teólogo britânico Charles
Raven (1885–1964). Em Natural Religion and Christian eology [Religião
natural e teologia cristã] (1953), Raven argumenta que os mesmos métodos
básicos tinham que ser usados em todos os aspectos da busca humana por
conhecimento, seja religioso ou cientí co. “O principal processo é o mesmo,
se estamos investigando a estrutura de um átomo ou um problema na
evolução animal, um período da história ou a experiência religiosa de um
santo”. Raven resiste vigorosamente a qualquer tentativa de dividir o
universo em componentes “espirituais” e “físicos”, e insiste em que devemos
“contar uma única história que trate todo o universo como uno e indivisível”.
Barbour é muito simpático a essa abordagem e vê a loso a do processo
como um catalisador para esse processo de integração. Uma perspectiva
semelhante é encontrada nos escritos mais tardios de Arthur Peacocke, que
interpreta a evolução como o modo preferido de criação de Deus.
É importante notar que Barbour tende a apresentar essas quatro opções
como estágios em uma jornada intelectual de descoberta, talvez análoga ao
clássico de John Bunyan, e Pilgrim’s Progress [O progresso do peregrino].
O viajante intelectual pode começar com Con ito, seguido por um breve e
insatisfatório erte com a Independência, e nalmente encontrar um local
de descanso satisfatório no Diálogo ou em alguma forma de Integração. Os
modelos de Con ito e Independência estão errados, argumenta Barbour,
enquanto as abordagens de Diálogo e Integração estão corretas.
Inevitavelmente, aqueles que estão interessados em tentar encontrar uma
descrição con ável e imparcial das possibilidades acharão as pressuposições
de Barbour um pouco inquietantes nesse ponto e se perguntarão se
abordagens menos prescritivas podem estar disponíveis.
Então, que di culdades são levantadas por essa taxonomia simples? O
mais óbvio é que ela é inadequada para fazer justiça à complexidade da
história. Como Geoffrey Cantor e Chris Kenny apontam em uma crítica
ponderada à abordagem de Barbour, a história testemunha uma série de
complicações que não podem ser incorporadas em taxonomias simplistas. É
difícil refutar esse ponto. O esquema quádruplo de Barbour é útil
precisamente porque é muito simples. No entanto, sua simplicidade pode ser
uma fraqueza, tanto quanto uma força.
Mais seriamente, o modelo é puramente intelectual em sua abordagem,
dizendo respeito sobretudo a como as ideias são sustentadas. E os aspectos
sociais e culturais da questão, que desempenham um papel tão importante
em qualquer tentativa de entender como a interação entre ciência e religião
funciona na prática, seja no passado ou no presente? Tem havido uma
tendência crescente em estudos recentes de desviar a análise de uma
abordagem puramente intelectual à interação entre ciência e religião, a m
de considerar suas dimensões simbólicas e sociais, nas quais a interação é
muito mais diversi cada.
Além disso, o contexto histórico geralmente precisa ser examinado de
perto. Tensões e con itos presumidos entre ciência e religião, como a
controvérsia de Galileu, costumam ter mais a ver com políticas papais, lutas
pelo poder eclesiástico e questões de personalidade do que com tensões
fundamentais entre fé e ciência. Os historiadores da ciência deixaram claro
que a interação entre ciência e religião é determinada principalmente pelas
especi cidades de suas circunstâncias históricas e apenas secundariamente
pelas respectivas temáticas. Não existe paradigma universal para a relação
entre ciência e religião, seja teórica ou historicamente.
O caso das atitudes cristãs em relação à teoria da evolução no nal do
século 19 torna esse ponto particularmente evidente. Como o geógrafo e
pesquisador de história intelectual David Livingstone demonstrou em seu
estudo inovador sobre a recepção do darwinismo em dois contextos muito
diferentes – Belfast, na Irlanda do Norte, e Princeton, em Nova Jersey,
questões e personalidades locais foram frequentemente de importância
decisiva na determinação do resultado, em vez de quaisquer princípios
teológicos ou cientí cos fundamentais.
No entanto, apesar de suas limitações, o quadro estabelecido por
Barbour continua sendo útil como meio de abordar o campo dos estudos de
ciência e religião. Representa uma descrição útil de possíveis abordagens,
mas não pode se esperar muito dele em termos de uma análise rigorosa das
questões. Talvez possa ser pensado como um esboço útil do terreno, e não
como um mapa detalhado e preciso.
Esse esboço foi estendido por outros que trabalham no campo, como
Ted Peters, para quem dez abordagens podem ser discernidas, quatro das
quais se baseiam na suposição de con ito entre ciência e religião e seis
outras apresentando abordagens que pressupõem uma trégua ou mesmo
uma potencial parceria entre elas. Peters as descreve da seguinte maneira:
As quatro primeiras presumem con ito ou mesmo guerra: (1) cienti cismo; (2) imperialismo
cientí co; (3) autoritarismo teológico; e (4) controvérsia da evolução. Seis modelos adicionais
assumem uma trégua, ou até mais: eles buscam parceria: (5) os Dois Livros; (6) as Duas
Linguagens (separação; independência); (7) aliança ética; (8) diálogo levando à interação mútua
criativa; (9) naturalismo; e (10) teologia da natureza.6
QUATRO MANEIRAS DE IMAGINAR A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO
Relacionamentos complexos costumam ser melhor representados visual
ou imaginativamente. Analogias e metáforas são úteis na exploração de
limites disciplinares, no mapeamento de estruturas complexas e na
estruturação de possíveis relacionamentos. Nesta seção, consideraremos
quatro maneiras de imaginar a relação entre ciência e religião. As três
primeiras não fazem suposições religiosas; a quarta é baseada em algumas
suposições cristãs, tornando-a útil para aqueles que trabalham com esse
modo de pensar, embora talvez seja menos útil para aqueles que não
compartilham suas principais suposições teológicas. A seguir,
consideraremos quatro maneiras de visualizar ou imaginar a relação entre
ciência e religião. Elas não são “modelos”, como essa palavra é normalmente
usada, mas são lentes ou esquemas que nos permitem visualizar possíveis
relacionamentos.
Ciência e religião oferecem perspectivas distintas sobre a realidade
A primeira analogia nos convida a ver a ciência e a religião como
oferecendo perspectivas distintas sobre uma realidade complexa. Explorarei
essa abordagem, conforme apresentada nos escritos de Charles A. Coulson,7
um dos pioneiros no diálogo entre ciência e religião. Coulson foi professor
de química teórica na Universidade de Oxford e autor de Science and
Christian Belief [Ciência e fé cristã] (1955), uma narrativa in uente sobre a
relação entre as ciências naturais e o cristianismo.
Coulson era um alpinista entusiasmado e ilustrou sua abordagem com a
montanha escocesa Ben Nevis. Ele convidou seus leitores a se juntarem a ele
em um passeio imaginativo por essa montanha e a re etir sobre como a
montanha aparecia quando vista de diferentes ângulos de abordagem. Vista
do Sul, a montanha se apresenta como uma “enorme encosta gramada”; do
Norte, como “contrafortes rochosos”. Visitantes regulares da montanha estão
familiarizados com essas diferentes perspectivas. “Cada um olha para a
montanha; cada um vê certas coisas e cada um tenta descrever seu encontro
com a montanha em termos que fazem sentido. Cada um deles imagina uma
linguagem adequada para seu objetivo especí co”. A estrutura complexa de
Ben Nevis não pode ser entendida completamente a partir de um único
ângulo de abordagem. “Diferentes pontos de vista da mesma realidade
parecerão diferentes, mas ambos serão válidos”. Uma descrição completa
exige que essas diferentes perspectivas sejam reunidas e integradas em uma
única imagem coerente. O todo é a soma dessas múltiplas perspectivas.
Era uma analogia simples e facilmente aplicada à relação entre ciência e
fé. A principal visão de Coulson é que “pontos de vista diferentes produzem
descrições diferentes”. Um cientista, um poeta e um teólogo oferecem uma
perspectiva distinta da realidade complexa de nossa experiência. Cada um
descreve o que vê usando sua própria linguagem e imagens distintas. Para
Coulson, isso mostra a necessidade de uma imagem geral, cumulativa e
integrada da realidade, com a ciência e a religião oferecendo suas próprias
perspectivas, cada uma das quais válida, mas incompleta.
A experiência humana da realidade é complexa e há espaço para
abordagens cientí cas e religiosas para apreender essa realidade. “Os dois
mundos são um só, embora vistos e descritos em termos apropriados;
apenas o homem que não possa – ou não queira – olhar de mais de um
ponto de vista reivindica uma autoridade exclusiva para sua própria
descrição”. Coulson reconhecia que alguns cientistas e teólogos alegavam
que suas próprias ideias representavam um monopólio da verdade. Sua
opinião, no entanto, era de que os dois ofereciam ideias parciais, que
precisavam ser entrelaçadas em uma imagem mais completa e con ável.
Essa é uma abordagem útil. No entanto, ela oferece um relato um tanto
raso da realidade. Muitos argumentam que a realidade é algo com
multicamadas e que cada uma dessas camadas precisa ser explorada de
maneira distinta, adaptada às suas características. Isso nos leva diretamente
à segunda abordagem que precisamos considerar.
Ciência e religião envolvem níveis distintos de realidade
O físico teórico Werner Heisenberg é um dos muitos cientistas
in uentes a enfatizar que não é possível falar “do método cientí co”. Cada
disciplina cientí ca desenvolve seus próprios métodos de pesquisa,
apropriados às suas tarefas de pesquisa e ao campo de investigação.
“Precisamos lembrar que o que observamos não é a própria natureza, mas a
natureza conforme revelada por nossos métodos de investigação.”8 O
argumento de Heisenberg sugere que a necessidade cientí ca de usar uma
multiplicidade de métodos de pesquisa leva a uma pluralidade
correspondente de perspectivas ou insights sobre a realidade, que, portanto,
precisam ser entretecidas de alguma maneira para dar origem à melhor
representação integral possível da natureza.
Heisenberg reconhece tanto a complexidade do mundo natural quanto
da experiência humana, oferecendo uma descrição disso que reconhece uma
pluralidade de abordagens e resultados intelectuais. Heisenberg foi capaz de
acomodar arte e religião dentro de sua abordagem geral, distinguindo-as das
ciências naturais, embora a rmasse sua legitimidade cultural e distinção
intelectual. Arte, ciência e religião resultaram de diferentes métodos e
deveriam ser vistas como parte de um maior engajamento humano com a
realidade, o que requer múltiplos métodos de pesquisa.
Esse quadro referencial [de distintos níveis de realidade] oferece
algumas possibilidades importantes para identi car os “produtos do
conhecimento” distintos, tanto da ciência quanto da religião. Respeita a
diferença entre ciência e religião, evitando qualquer tentativa de confundilas ou misturá-las; no entanto, sustenta que é possível reunir os diferentes
níveis de conhecimento que elas produzem. Como consideraremos em
vários pontos desta obra, as ciências naturais estão preocupadas
principalmente com a compreensão de como as coisas funcionam, enquanto
a religião está mais preocupada com o que elas signi cam. Esses aspectos
representam diferentes níveis de envolvimento com a existência humana. No
entanto, eles podem ser reunidos para proporcionar uma compreensão mais
completa e rica da natureza distinta da humanidade.
Ciência e religião oferecem mapas distintos da realidade
Uma terceira abordagem é encontrada nos escritos da lósofa britânica
Mary Midgley, que frequentemente discorria sobre a relação entre as
ciências naturais e outras disciplinas. Midgley argumentava que o projeto de
analisar as questões mais importantes da vida exigia que várias ferramentas
conceituais diferentes tivessem que ser usadas em conjunto para revelar o
quadro completo da existência humana. Um único método de investigação
iluminará apenas alguns aspectos do nosso mundo. Limitar-nos aos
métodos das ciências naturais em geral, ou de uma ciência natural (como a
física) em particular, leva ao que Midgley chama de “visão bizarramente
restritiva de signi cado”.9
Midgley argumenta, portanto, que precisamos desenvolver “múltiplos
mapas” da realidade. Nenhuma abordagem única é adequada para fazer
justiça ao mundo natural. Precisamos de “muitas janelas” para uma
realidade complexa, se quisermos representá-la adequadamente, em vez de
reduzi-la a uma perspectiva privilegiada. Considere um atlas, que nos
fornece muitos mapas da mesma região – por exemplo, América do Norte
ou Europa. Mas por que precisamos de tantos mapas para representar uma
região? Um não seria su ciente? A resposta de Midgley é simples: porque
diferentes mapas fornecem informações diferentes sobre a mesma realidade.
Um mapa físico da Europa mostra as características da paisagem. Um
mapa político mostra as fronteiras de seus estados-nação. O ponto de
Midgley é que cada mapa é projetado para responder a um conjunto
especí co de perguntas. Que idioma é falado aqui? Quem governa esse
território? Cada mapa sonda a região, respondendo certas perguntas sobre
ela – e não outras. Se queremos obter uma compreensão abrangente do
nosso mundo, precisamos encontrar uma maneira de reuni-los todos.
Podemos sobrepô-los, para que suas informações possam ser totalmente
integradas. Um mapa por si só não pode nos dizer tudo o que queremos
saber. Ele pode nos ajudar a entender parte de uma imagem maior – mas,
para ver a imagem completa, precisamos de vários mapas. Cada mapa
responde a uma pergunta diferente – e cada uma dessas perguntas é
importante. A ciência mapeia nosso mundo em um nível, explicando como
ele funciona; a religião mapeia nosso mundo em outro nível, explicando o
que ele signi ca.
Os Dois Livros: duas abordagens complementares da realidade
Finalmente, nos voltamos para uma maneira de visualizar a relação entre
as ciências naturais e o cristianismo, que emergiu durante o Renascimento
Europeu e contribuiu muito para incentivar o surgimento da ciência,
mostrando como ela era consistente com um modo de pensar religioso. A
metáfora dos “Dois Livros de Deus” nos convida a imaginar a natureza e a
Bíblia cristã como textos originários do mesmo autor, os quais demandam
interpretação. A metáfora dos “Dois Livros de Deus” foi amplamente usada
para manter a distinção entre ciências naturais e teologia cristã, por um
lado, e para a rmar sua capacidade de interação positiva, por outro. Ambos,
argumentava-se, foram escritos por Deus; ambos revelam Deus, de maneiras
diferentes e em diferentes extensões. Esses dois livros podem ser lidos
individualmente; mas também podiam ser lidos lado a lado, cada um
iluminando o outro.
Essa metáfora desempenhou várias funções importantes durante o
surgimento das ciências naturais, entre 1500 e 1750. A obra Institutas da
Religião Cristã (1559), de João Calvino, foi elaborada para ajudar os cristãos
a discernir o “panorama geral” da fé cristã, que, segundo Calvino, encorajava
explicitamente um diálogo entre as ciências naturais e a teologia,
reconhecendo os paralelos e as divergências entre os Dois Livros. “O
conhecimento de Deus, que é claramente mostrado na ordem do mundo e
em todas as criaturas, é ainda mais claro e familiarmente explicado na
Palavra”.10 Mais tarde, as con ssões de fé reformadas – como a Con ssão
Belga – a rmaram que o universo é apresentado diante de nós como um
“belo livro”, projetado para nos encorajar a “re etir sobre as coisas invisíveis
de Deus”. Para Calvino, a Bíblia esclareceu e ampliou esse conhecimento de
Deus, estabelecendo-o em um fundamento mais con ável.
A metáfora dos “Dois Livros de Deus” baseia-se na crença fundamental
de que o Deus que criou o mundo é também o Deus que é revelado na e pela
Bíblia cristã. Sem esse pressuposto subjacente e informativo, os “Dois
Livros” não precisam ser vistos como conectados de forma alguma. O elo
entre eles está fundamentado na crença teológica cristã em um Deus criador
que é revelado na Bíblia. A metáfora cristã dos “Dois Livros” procurou
reunir os vários elementos do conhecimento humano, vendo isso como uma
virtude cultural e um dever espiritual. Como já foi observado muitas vezes,
uma das motivações para o estudo cientí co sério da natureza era a
profunda sensação de que isso enriqueceria a apreciação do cristão pela
beleza e sabedoria de Deus como criador.
A analogia dos “Dois Livros” de Deus enfatiza, portanto, que o mundo
natural e a fé cristã são distintos, e que eles não devem ser confundidos ou
assimilados. Cada um tem seus próprios tópicos e métodos distintos de
investigação, representação e sistematização. Ainda assim, esses dois livros
se relacionam, cada um enriquecendo o outro. A investigação do mundo
natural requer um método, a interpretação da Bíblia requer outro. No
entanto, essas duas disciplinas distintas são capazes de se iluminar
mutuamente e enriquecer a compreensão de seus leitores sobre o signi cado
da natureza. A metáfora cria uma expectativa de diálogo signi cativo,
mesmo que limitado, entre ciência e cristianismo, fundamentado em uma
visão teológica – isto é, que Deus é o autor de cada um desses dois livros.
Já neste capítulo, nos referimos a alguns marcos históricos na interação
entre ciência e religião. No próximo capítulo, exploraremos quatro desses
marcos em mais detalhes, preparando o cenário para algumas das discussões
nas seções posteriores.
SUGESTÕES DE LEITURA
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Notas
1 José Ortega y Gasset, ‘El origen deportivo del estado’. Citius, Altius, Fortius, 9, 1–4 (1967): 259–276;
pp. 259–260.
2 Albert Einstein, Ideas and Opinions. [Ideias e Opiniões] New York: Crown Publishers, 1954, pp. 41–
42.
3 Robert Jastrow, God and the Astronomers. [Deus e os astrônomos] New York: Norton, 1978, pp.
115–116.
4 Stephen Jay Gould, ‘Nonmoral Nature.’ [Natureza amoral] Natural History, 91 (1982): 19–26.
5 Stephen Jay Gould, ‘Nonmoral Nature.’ [Natureza amoral] Natural History, 91 (1982): 19–26.
6 Ted Peters, ‘Science and Religion: Ten Models of War, Truce, and Partnership.’ eology and Science,
16, n. 1 (2018): 11–53.
7 C. A. Coulson, Christianity in an Age of Science. [Cristianismo na era da ciência] London: Oxford
University Press, 1953, pp. 19–21.
8 Werner Heisenberg, Physik und Philosophie. [Física e Filoso a] Stuttgart: Hirzel, 2007, p. 85.
9 Mary Midgley, Wisdom, Information, and Wonder: What Is Knowledge For? [Sabedoria, Informação
e Maravilhamento: Para que serve o conhecimento?] London: Routledge, 1995, p. 199.
10 João Calvino, Institutas da Religião Cristã, I.x.1.
M
uitas pessoas são atraídas para estudar a relação entre ciência e
religião porque ela envolve muitas das “grandes questões” de
hoje – por exemplo, como viver uma vida boa e como habitar
esse universo intrigante de maneira que tenha signi cado. Parte
da empolgação desse campo é o fato de que ele estimula debates
atualíssimos, envolvendo questões de relevância imediata. No entanto,
muitos que estão explorando o campo de ciência e religião pela primeira vez
se veem intrigados com a ênfase que muitas obras colocam em discussões e
debates de épocas anteriores.
Por que estudar debates do passado, quando esses parecem irrelevantes
para as preocupações contemporâneas? Por que olhar para o passado
quando há tantas discussões importantes acontecendo no presente? Muitos
cientistas naturais ressaltam que suas disciplinas estão se desenvolvendo tão
rapidamente, que as ideias mais antigas cam desatualizadas com uma
velocidade alarmante, com artigos de pesquisa cando desatualizados em
menos de duas décadas. Estudar a história parece implicar em desengajar-se
do mundo real e entrar em um mundo muito diferente, que tem pouca
relação com o nosso. “O passado é um país estrangeiro: eles fazem as coisas
de maneira diferente por lá” (L. P. Hartley).
Qualquer pessoa que deseje entender a interação entre ciência e religião
precisa se familiarizar com, pelo menos, quatro grandes marcos históricos –
os debates astronômicos do século 16 e início do século 17, a ascensão da
cosmovisão newtoniana no nal do século 17 e durante o século 18, a
controvérsia darwiniana do século 19 e os desenvolvimentos cosmológicos
do século 20 relacionados às origens do universo. As questões levantadas
por esses desenvolvimentos são encontradas repetidas vezes nos debates
contemporâneos. Elas pairam sobre as discussões contemporâneas da
relação entre ciência e fé em geral, mas também levantam questões
especí cas, muitas vezes relacionadas à interpretação bíblica, que continuam
a ser debatidas até hoje. Memórias de debates anteriores constantemente
a oram nas discussões atuais.
Este capítulo visa apresentar esses marcos históricos, indicando os
principais pontos que levantam para discussão e sua importância para o
nosso tempo. Como essas quatro discussões são constantemente
mencionadas na literatura sobre o tema “ciência e religião” – assim como
estão também no presente texto –, os leitores precisam estar familiarizados
com as ideias e os desenvolvimentos básicos. Elas são, portanto, discutidas
nesta seção inicial, juntamente com o surgimento da “síntese medieval”, que
muitos estudiosos consideram ter fornecido o contexto intelectual essencial
para o advento das ciências naturais.
No entanto, muitos leitores desta obra, embora reconheçam a força
prática desse ponto, ainda hão de querer perguntar por que deveriam se
preocupar em estudar história. Antes de examinar esses quatro debates
especí cos, faremos uma pausa e re etiremos sobre o lugar da história na
interação entre ciência e religião.
POR QUE ESTUDAR HISTÓRIA?
Qual é o sentido de olhar para o passado quando pretendemos falar
sobre temas relativos à ciência e religião no século 21? Por que estudar
debates de séculos atrás quando há tanto que é intelectualmente importante
e interessante no presente? Essas são perguntas justas, que merecem
respostas cuidadosas.
Qualquer discussão sobre a relação entre ciência e religião hoje tornouse problemática pela in uência persistente de controvérsias passadas,
geralmente na forma de interpretações errôneas populares ou deturpações
de episódios históricos multifacetados. Por exemplo, as tensões entre Galileu
e a Igreja foram complicadas pela apologética institucional e pelo poder
político das abordagens aristotélicas da ciência, especialmente na
Universidade de Pádua. Estudos modernos desconstruíram com sucesso os
relatos históricos populares de muitas dessas controvérsias, expondo a
dinâmica de poder e as agendas culturais de muitos daqueles que procuram
retratar a ciência e o cristianismo como engal nhados em combates mortais.
Em uma série de estudos históricos importantes e in uentes sobre
ciência e religião, publicados na década de 1990 e nos anos seguintes, com
foco especial no século 19, o estudioso de Oxford John Hedley Brooke
a rmou que estudos sérios na história da ciência revelaram a “relação entre
ciência e religião no passado como tão extraordinariamente rica e complexa,
que teses gerais são difíceis de sustentar. A verdadeira lição acaba sendo a
complexidade”.11 A análise de Brooke encontrou amplo apoio na
comunidade acadêmica, mesmo que tenha demorado para ltrar as
discussões populares. Peter Harrison assinalou mais recentemente que “o
estudo das relações históricas entre ciência e religião não revela nenhum
padrão simples”,12 como o mito da narrativa de “con ito”, que
consideraremos abaixo. No entanto, ele revela uma tendência geral: na maior
parte do tempo, segundo Harrison, a religião facilitou a investigação
cientí ca.
Pesquisas históricas nas últimas três décadas deixaram claro que não há
uma maneira “certa” ou privilegiada de entender a relação entre ciência e
religião. Em vez disso, encontramos uma rica variedade de possibilidades,
algumas das quais declaradas normativas por aqueles com interesses
especiais no assunto. A tendência de essencializar a “ciência” e a “religião”
levou muitos a negligenciar a importância do contexto histórico e cultural
na formação de percepções sobre como o cristianismo e as ciências naturais
devem – ou podem – se relacionar.
A seguir, veremos como o estudo da história da interação entre ciência e
religião nos ajuda a entender seu relacionamento atual. Para explorar a
importância desse ponto, começaremos considerando as origens da crença
popular generalizada de que ciência e religião estão permanentemente em
desacordo – o chamado modelo do “con ito” da interação entre ciência e
religião. Isso ainda está profundamente enraizado no pensamento popular.
Inventando a “guerra” entre ciência e religião
A relação entre ciência e religião sempre foi complexa. Não há uma
“narrativa principal” que descreva o relacionamento entre elas – como a
narrativa notoriamente imprecisa do “con ito”, mencionada acima, o qual
postula que ciência e religião sempre estiveram envolvidas em uma luta de
morte. É bem sabido que a revolução cientí ca testemunhou tanto tensão
quanto colaboração entre pontos de vista religiosos tradicionais e teorias
cientí cas inovadoras.
Para ilustrar esse quadro complexo, consideremos a doutrina cristã da
criação, que moldou o mundo intelectual da Europa Moderna e encorajou as
pessoas a pensar em um universo regular e ordenado que re etisse a
sabedoria de seu criador. O estudo intenso da ordem criada foi visto por
muitos como um meio de obter uma apreciação maior da “mente de Deus”.
Havia, portanto, uma motivação religiosa positiva para a realização de
pesquisas cientí cas. Porém, essa mesma doutrina tradicional da criação
gerou tensões, especialmente quando a narrativa de Charles Darwin sobre as
origens humanas começou a ganhar ascendência no nal do século 19. A
teoria de Darwin parecia questionar a validade de uma leitura literal dos
capítulos iniciais do livro de Gênesis. Surgiram então tensões, que
permanecem até hoje.
É importante compreender também que ciência é, quase por de nição,
uma atividade subversiva, desa ando todos os tipos de interesses
estabelecidos e grupos de poder. O físico Freeman Dyson escreveu um
importante ensaio intitulado “O cientista como rebelde”, no qual destacou
que muitos cientistas se viram envolvidos em uma “rebelião contra as
restrições impostas pela cultura predominante local”.
Isso pode ser facilmente ilustrado a partir da história da interação entre
ciência e cultura. Para o matemático e astrônomo árabe Omar Khayyam
(1048-1122), a ciência era uma rebelião contra as restrições intelectuais do
Islã; para os cientistas japoneses do século 19, a ciência era uma rebelião
contra o feudalismo persistente de sua cultura; para os grandes físicos
indianos do século 20, sua disciplina era uma poderosa força intelectual
dirigida contra a ética fatalista do hinduísmo (sem mencionar o
imperialismo britânico, que era então dominante na região). Na Europa
Ocidental, o avanço cientí co inevitavelmente envolvia confronto com a
cultura da época – incluindo seus elementos políticos, sociais e religiosos.
Como o Ocidente foi dominado pelo cristianismo, não surpreende que a
tensão entre a ciência e a cultura ocidental tenha sido vista como um
confronto entre a ciência e o cristianismo. De fato, a verdadeira tensão está
entre inovação cientí ca e tradicionalismo cultural.
Entretanto, apesar dessa clara ausência de qualquer metanarrativa
normativa da relação entre religião e ciência, uma “estória” ganhou
ascendência e, apesar de sua óbvia subdeterminação evidencial, continua a
moldar as narrativas da mídia e as atitudes culturais – re ro-me ao modelo
do “con ito”. De acordo com o historiador da ciência omas Dixon,13 o
mito do “con ito” entre ciência e religião foi um mito interesseiro, inventado
pelos racionalistas do Iluminismo no nal dos anos de 1700, propagado
pelos pensadores vitorianos no nal dos anos de 1800, e hoje defendido por
ateus “cientí cos” e por muitas vozes in uentes que competem por
autoridade na cultura popular ocidental. A ideia de que a história da relação
entre ciência e religião é, em primeiro lugar, simples e, em segundo, marcada
por um con ito perpétuo e necessário de ideias e métodos, foi amplamente
refutada por historiadores da ciência, como Colin Russell:
A crença comum de que [...] as relações reais entre religião e ciência ao longo dos últimos
séculos foram marcadas por hostilidade profunda e duradoura [...] não é apenas historicamente
imprecisa, mas na verdade uma caricatura tão grotesca que o que precisa ser explicado é como
ela pôde ter alcançado algum grau de respeitabilidade.14
A pesquisa histórica mostrou tanto a falta de con abilidade factual desse
mito quanto os fatores sociais que o levaram a emergir e ganhar força
cultural. No século 18, uma sinergia notável se desenvolveu entre a religião e
as ciências na Inglaterra. A “mecânica celeste” de Newton foi amplamente
considerada como consistente com a – se não uma con rmação da – visão
cristã de Deus como criador de um universo harmonioso. Muitos membros
da Royal Society [Sociedade Real] de Londres – fundada para promover o
entendimento e a pesquisa cientí cos – eram fortemente religiosos em suas
perspectivas, e viam seus compromissos religiosos como enfatizando seu
comprometimento com o avanço cientí co. A Associação Britânica para o
Avanço da Ciência, fundada em 1831, foi igualmente positiva em suas
atitudes em relação à religião, embora estivesse convencida da importância
da liberdade de investigação e expressão cientí ca. Durante o período de
1831 a 1865, nada menos que 41 clérigos da Igreja da Inglaterra haviam
presidido as várias sessões da Associação Britânica. (Observe, no entanto,
que entre 1866 e 1900 esse número caiu para três quando um novo
pro ssionalismo emergiu na comunidade cientí ca.)
Contudo, tudo isso mudou nas últimas décadas do século 19. O tom
geral do encontro do nal do século 19 entre a religião (especialmente o
cristianismo) e as ciências naturais foi de nido por duas obras americanas –
History of the Con ict between Religion and Science [História do con ito
entre religião e ciência] (1874), de John William Draper, e Warfare of Science
with eology in Christendom [Guerra entre a ciência e a teologia na
cristandade] (1896), de Andrew Dickson White. Essas duas obras tiveram
um papel importante na gestação das “guerras culturais” entre ciência e
religião, que se tornaram uma característica tão distinta da cultura
americana. É importante notar que ambas as obras apareceram após a
publicação de Origem das Espécies de Charles Darwin, em 1859. O mito da
“guerra” se originou algum tempo após a publicação do trabalho de Darwin,
e não foi – como às vezes é sugerido – uma resposta direta a ele.
Como uma geração de historiadores já apontou, a noção de um con ito
endêmico entre ciência e religião, tão agressivamente defendido por White e
Draper, é ela própria socialmente determinada e criada nas amplas sombras
de hostilidade em relação a clérigos e instituições da igreja. A interação entre
ciência e religião foi in uenciada mais por circunstâncias sociais do que por
ideias especí cas. O próprio período vitoriano tardio deu origem às pressões
e tensões sociais que engendraram o mito do con ito permanente entre
ciência e religião.
Uma mudança social signi cativa pode ser percebida por trás do
surgimento desse modelo de “con ito”. De uma perspectiva sociológica, o
conhecimento cientí co era defendido por grupos sociais particulares com o
intuito de promover seus próprios objetivos e interesses especí cos. Havia
uma crescente concorrência entre dois grupos na sociedade inglesa no
século 19: o clero e os pro ssionais cientí cos. O clero era amplamente
considerado uma elite no início do século 19, sendo o “pároco cientí co” um
estereótipo social bem-estabelecido. Com o aparecimento do cientista
pro ssional, no entanto, começou uma disputa pela supremacia, para
determinar quem ganharia a ascendência cultural dentro da cultura
britânica na segunda metade do século 19. O modelo de “con ito” tem suas
origens nas condições especí cas da Era Vitoriana: um grupo intelectual
pro ssional emergente procurava remover o grupo que até então ocupava o
lugar de honra.
O modelo de “con ito” entre ciência e religião ganhou destaque no
momento em que cientistas pro ssionais desejavam se distanciar de seus
colegas amadores e quando os padrões de mudança na cultura acadêmica
exigiam demonstrar sua independência da igreja e de outros bastiões do
establishment. A liberdade acadêmica exigia uma ruptura com a igreja;
bastou então um pequeno passo para descrever a igreja como oponente do
aprendizado e do avanço cientí co no nal do século 19, e as ciências
naturais como seus defensores mais fortes. Isso naturalmente levou a que
incidentes anteriores – como o debate sobre Galileu – fossem lidos e
interpretados à luz desse paradigma controlador da guerra entre ciência e
religião.
A ideia de que ciência e religião estão em con ito permanente re ete
claramente as agendas e preocupações de um período especí co. No
entanto, esse momento já passou, e sua agenda pode ser deixada de lado,
permitindo uma avaliação mais informada e imparcial das coisas. O estudo
da história nos permite explicar as origens desse entendimento
profundamente problemático da relação entre ciência e religião e avaliar sua
con abilidade. Acima de tudo, nos permite ir além e construir abordagens
mais informadas e positivas da interação desses dois distintos domínios do
pensamento.
A “falácia essencialista” sobre ciência e religião
Alguns escritores consideram que a relação entre ciência e cristianismo
– ou qualquer outra religião – é de nida permanentemente, pelo menos em
seus aspectos fundamentais, pela natureza essencial das duas disciplinas. Em
outras palavras, ciência e religião são “rei cadas” – ou seja, a rmadas como
tendo alguma identidade essencial, em vez de serem moldadas por práticas.
Argumenta-se que, uma vez compreendida a natureza essencial das duas
disciplinas, seu relacionamento mútuo pode ser inferido logicamente. No
entanto, isso ignora o fato óbvio de que ambos os termos “ciência” e
“religião” têm um histórico de mudanças em seu uso. Ambos os termos têm
uma uidez conceitual que torna impróprio tentar de ni-los rigidamente.
Peter Harrison propôs de forma persuasiva que essa rei cação da ciência e
da religião é um desenvolvimento relativamente recente, e defendeu sua
desconstrução. Para Harrison,15 uma leitura histórica com mais nuanças é a
chave para nos ajudar a “recon gurar o relacionamento entre as entidades
que agora chamamos de ‘ciência’ e ‘religião’”, reconhecendo que uma análise
linguística nos ajuda a perceber que sua natureza problemática surge da
linguagem em que são moldadas.
Visões essencialistas ou rei cadas da ciência e da religião são
encontradas principalmente em autores hostis à religião, como o estridente
geneticista de Chicago, Jerry Coyne:
A religião e a ciência estão envolvidas em certo tipo de guerra, uma guerra de entendimento,
uma guerra sobre se deveríamos ter boas razões para o que aceitamos como verdadeiro. [...] Eu
vejo isso como apenas uma batalha em uma guerra mais ampla – uma guerra entre racionalidade
e superstição. Religião é apenas um certo tipo de superstição (outras incluem crenças em
astrologia, fenômenos paranormais, homeopatia e cura espiritual), mas ela é a forma mais
difundida e prejudicial de superstição.16
No entanto, a falácia essencialista não se limita àqueles que defendem o
modelo de “guerra”, sendo também encontrada nos escritos daqueles que
argumentam que ciência e religião são essencialmente colaborativas.
Subjacente a esses relatos “essencialistas” da interação entre ciência e
religião está o pressuposto de que cada um desses termos designa algo xo,
permanente e essencial. Isso signi ca que o relacionamento mútuo é
determinado por algo essencial para cada uma das disciplinas, não sendo
afetado pelas contingências da história da cultura. Porém, essa tendência de
atribuir qualidades de nidoras xas e imutáveis à ciência e à religião foi
contestada com sucesso por uma série de estudos históricos rigorosos. Eles
têm demonstrado a diversidade, inconsistência ocasional e evidente
complexidade de entendimentos no relacionamento mútuo entre ciência e
religião desde cerca de 1500. Nenhuma descrição única ou “metanarrativa”
pode ser oferecida para esse relacionamento, precisamente porque a
variedade de relacionamentos que existiu re ete fatores sociais, políticos,
econômicos e culturais predominantes.
Existem três di culdades principais com essa abordagem “essencialista”,
todas mostradas por estudos históricos.
1. Trata “ciência” e “religião” como entidades essencialmente xas e
imutáveis, cuja relação é de nida permanentemente pelas temáticas
próprias de cada uma.
2. Pressupõe que esse relacionamento possa ser de nido
universalmente em termos das imagens de retórica de “guerra”, que
se tornaram populares durante o século 19, por razões que
exploramos anteriormente. Isso é então usado como uma
metanarrativa controladora, um prisma através do qual todos os
engajamentos intelectuais relacionados ao longo da história devem
ser vistos como permanentemente antagônicos.
3. Não faz distinção entre a instituição da igreja cristã e as ideias da
teologia cristã, especialmente durante o nal da Idade Média, e não
reconhece que as decisões políticas da primeira se baseiam em
considerações que pouco têm a ver com a segunda. Criticar as ideias
principais da teologia cristã com base nas ações de certas guras
eclesiásticas medievais tardias é assumir uma conexão simples,
direta e linear entre essas entidades, que raramente existiam na
prática.
Dissipando mitos sobre ciência e religião
Certos estereótipos sobre ciência e religião continuam prevalecendo na
cultura ocidental, frequentemente se baseando em mal-entendidos ou
interpretações errôneas da história. O estudo da história ajuda a limpar o ar
para o diálogo entre ciência e religião, neutralizando as percepções
puramente negativas dessa relação, que muitas vezes são perpetuadas pela
mídia. Um exemplo óbvio é a controvérsia em torno das visões de Galileu
Galilei sobre o sistema solar. O caso Galileu é frequentemente retratado
como mais uma ilustração da guerra perene entre ciência e religião. No
entanto, as coisas eram muito mais complicadas.
Galileu e suas teorias heliocêntricas foram inicialmente bem-recebidas
dentro dos círculos papais. Concorda-se geralmente que a reputação
positiva que Galileu teve dentre os círculos eclesiásticos até uma data
surpreendentemente tardia estava ligada ao seu relacionamento próximo
com o favorito papal, Giovanni Ciampoli. Quando Ciampoli caiu da graça
na primavera de 1632, Galileu encontrou-se em posição seriamente
enfraquecida, talvez a ponto de ser fatalmente comprometido. Sem a
proteção de Ciampoli, Galileu se tornou vulnerável àqueles que desejavam
desacreditá-lo. Infelizmente, Galileu e suas teorias se entrelaçaram com a
política papal e com os con itos eclesiásticos mais amplos de sua época.
Um segundo exemplo de um relato estereotipado da relação entre
ciência e religião, que pode ser desmontado por estudos históricos sérios,
diz respeito ao famoso encontro da Associação Britânica em Oxford, em 30
de junho de 1860. O mito de que ciência e religião estão permanentemente
em guerra é justi cado através de um apelo a essa reunião da Associação
Britânica, que colocou Samuel Wilberforce, bispo de Oxford, contra omas
H. Huxley na questão da teoria da evolução de Darwin. Uma geração
depois, esse debate foi elevado ao status icônico como exemplo clássico da
“guerra da ciência e da religião”. Entretanto, na última geração, os
historiadores ofereceram um relato muito mais informado e equilibrado do
encontro, que agora é visto sob uma luz muito diferente.
A imagem popular da derrota incontestável imposta por Huxley a um
oponente religioso reacionário da evolução agora é geralmente vista como
um mito criado pelos oponentes da religião organizada na década de 1890.
Relatos revisionistas recentes da reunião põem em discussão narrativas
exageradas e imprecisas de seu signi cado e oferecem uma reconstrução
informada do debate, que explica melhor as evidências históricas à nossa
disposição.
A Associação Britânica para o Avanço da Ciência estava programada
para se reunir em Oxford em 1860. Como a Origem das Espécies de Charles
Darwin havia sido publicada no ano anterior, era natural que esse assunto
fosse discutido na reunião de 1860. O próprio Darwin não estava bem e não
pôde comparecer à reunião. Huxley – então jovem – foi convidado em seu
lugar. Samuel Wilberforce, bispo de Oxford, também foi convidado para
falar. Ele havia sido vice-presidente da Associação Britânica no passado e era
conhecido por estar familiarizado com as ideias e os escritos de Darwin.
Embora fosse bispo de Oxford na época, ele não estava presente nessa
reunião como representante da Igreja da Inglaterra.
Em seu discurso, Wilberforce expôs os principais temas do trabalho de
Darwin, enfatizando que a discussão da Associação Britânica era sobre
ciência, não religião. Em sua extensa revisão da Origem das Espécies de
Darwin, publicada na e Quarterly Review no mesmo mês da reunião da
Associação Britânica, Wilberforce deixou claro que não tinha “simpatia por
aqueles que se opõem a quaisquer fatos ou supostos fatos da natureza ou
qualquer inferência logicamente deduzida deles, porque eles acreditam que
contradizem o que lhes parece ser ensinado por revelação”.17
De acordo com uma lenda popular, que é reproduzida regular e
acriticamente em muitas biogra as mais antigas de Darwin, Wilberforce
tentou ridicularizar a teoria da evolução sugerindo que ela implicava que os
seres humanos haviam descendido recentemente de macacos. Huxley, ele
teria perguntado, preferiria pensar sobre si como descendente de um
macaco pelo lado de seu avô ou de sua avó? Ele teria sido devidamente
repreendido por Huxley, que virara a mesa, mostrando-o como um clérigo
ignorante e arrogante. Até a BBC perpetuou esse mito na década de 1970,
representando um “jovem, bonito e heroico Huxley” triunfando sobre o
mal-humorado vilão Wilberforce.
Essa demonização de Wilberforce repousa, em grande parte, na
memória autobiográ ca da senhora Isabella Sidgewick, publicada na
Macmillan’s Magazine em 1898. Esse relato idiossincrático é inconsistente
com a maioria dos relatos publicados ou em circulação mais perto da época
da reunião, quase quarenta anos antes, levantando algumas questões
embaraçosas sobre a con abilidade da memória da sra. Sidgewick. Uma
resenha, publicada logo após o evento no Athenaeum, expressou o consenso
de 1860 sobre Wilberforce e Huxley, que declarava: “cada um considerou os
soldados adversários dignos de seu combate, e zeram suas acusações e
contra-acusações muito para sua própria satisfação e deleite de seus
respectivos amigos”.
O fato de Wilberforce ser bispo de Oxford claramente levou muitos a
concluir que a religião estava na vanguarda do debate e que Wilberforce se
opunha a Darwin por motivos religiosos. A evidência não apoia essa
interpretação dos eventos. O debate foi principalmente sobre os méritos
cientí cos da teoria de Darwin, e Wilberforce – que, deve-se enfatizar, estava
presente na condição de ex-vice-presidente da Associação Britânica, e não
de bispo da Igreja da Inglaterra – estava claramente bem-informado sobre o
assunto. O próprio Darwin observou, depois de ler a resenha de Wilberforce
sobre seu trabalho, que a resenha era “incomumente inteligente; ela destaca
com habilidade todas as partes mais conjecturais e apresenta bem todas as
di culdades. Ela me questiona de maneira esplêndida”.18
De fato, Wilberforce levantou várias preocupações cientí cas razoáveis
sobre a teoria da seleção natural de Darwin em sua resenha. Wilberforce
observou que, para começar, o registro fóssil não parecia testemunhar a
existência passada de formas de transição. Outra preocupação mais
signi cativa era relacionada à analogia de Darwin entre a criação seletiva de
espécies domesticadas e o processo hipotético de “seleção natural”.
Certamente, era verdade, observou Wilberforce, que os criadores
domésticos podiam controlar o processo de criação para produzir pombos
com novas características. No entanto, as evidências sugeriam que, se esses
pombos fossem liberados na natureza, sua descendência logo retornaria ao
tipo original. Suas novas características não eram estáveis ou sustentáveis ao
longo do tempo (uma preocupação semelhante, deve-se notar, foi levantada
pelo geólogo escocês Charles Lyell ao avaliar uma teoria da evolução
anterior, de Jean-Baptiste Lamarck).
Fica bastante claro, na cuidadosa e perspicaz resenha publicada por
Wilberforce sobre a Origem das Espécies de Darwin, que questões religiosas
não apareciam com destaque em sua re exão; a questão era o caso cientí co
da evolução, não suas implicações ou complicações religiosas. Entretanto,
isso não quer dizer que ele não tivesse preocupações religiosas com as ideias
de Darwin. Muitas pessoas tinham di culdades com a noção de
continuidade que a teoria de Darwin parecia implicar entre os seres
humanos e seus ancestrais animais – algo que foi sugerido na Origem das
Espécies, mas que não foi declarado de forma mais explícita até sua obra e
Descent of Man [A descendência do homem] (1871). No entanto, essas
preocupações não equivalem a uma rejeição acrítica da teoria. Em vez disso,
representam um reconhecimento de que havia outras questões que
precisavam ser exploradas em relação à nova teoria de Darwin – algumas
cientí cas, outras religiosas e outras éticas.
O historiador de Yale, Frank Turner, fez a importante observação de que
o “con ito” vitoriano entre ciência e religião é melhor visto como um
epifenômeno, em vez de um fenômeno em si. Surgiu de uma transformação
social signi cativa no status, na organização e na prática das ciências
naturais. No início do século 19, o clero inglês estava na vanguarda do
estudo da história natural e das ciências da vida. No entanto sua abordagem
essencialmente amadora estava sendo ultrapassada por novos padrões de
pro ssionalismo. Aos olhos dessa crescente geração de cientistas
pro ssionais, os cientistas clericais de Oxbridge [expressão que designa
Oxford e Cambridge em conjunto] representavam o passado. O debate entre
Wilberforce e Huxley não foi, como é frequentemente sugerido em
descrições populares, um debate entre ateísmo e religião. Foi realmente um
debate entre dois indivíduos que representavam visões bastante diferentes
do lugar da ciência – um antigo amadorismo por parte do clero interessado
e um novo pro ssionalismo localizado fora da Igreja da Inglaterra.
A importância da interpretação bíblica
Finalmente, podemos observar uma questão que se repete ao longo da
história da interação entre ciência e religião: a importância da interpretação
bíblica. Peter Harrison recentemente destacou a importância da Bíblia como
catalisador para a revolução cientí ca do século 17 no protestantismo,
observando como as novas leituras da Bíblia que surgiram da Reforma
Protestante desempenharam um papel fundamental na promoção do
surgimento das ciências naturais.
A Bíblia – seu conteúdo, as controvérsias que gerou, seu papel cambiante enquanto autoridade e,
mais importante, a nova maneira pela qual foi lida pelos protestantes – desempenhou um papel
central no surgimento das ciências naturais no século 17.19
Harrison observa como certas passagens da Bíblia (como as narrativas
sobre a criação em Gênesis) passaram a ser lidas de uma maneira que
sancionava e motivava a investigação cientí ca.
O estudo de como os cristãos interpretaram a Bíblia nos últimos 2 mil
anos mostra que uma diversidade de esquemas e convenções interpretativas
foram empregadas e que variaram ao longo do tempo. A percepção de um
con ito entre ciência e religião muitas vezes surgia quando avanços
cientí cos eram vistos como con itantes com os modos predominantes de
interpretação bíblica – que muitas vezes precisavam ser questionados ou
corrigidos. Dois exemplos ajudarão a destacar a importância desse ponto.
O debate copernicano centrou-se na questão de a Terra girar em torno
do Sol (o modelo “heliocêntrico”) ou o Sol em torno da Terra (o modelo
“geocêntrico”). Uma ou duas passagens na Bíblia cristã pareciam apontar
para a Terra estacionária e o Sol girando – por exemplo, referências ao Sol
parado (Josué 10:13) ou aos fundamentos da Terra como “imóveis” (Salmos
93:1). Uma leitura de “senso comum” ou “literal” desses textos apontava para
uma visão geocêntrica do sistema solar. Mas era isso o que realmente era
pretendido pelos textos? Ou essa era simplesmente uma maneira
convencional de falar, que não pretendia ter implicações metafísicas?
Da mesma forma, a controvérsia darwiniana levantou algumas questões
importantes sobre como os relatos da criação de Gênesis deveriam ser
entendidos. Eram relatos literais das origens do universo e da humanidade,
que ensinavam que o universo se originou cerca de 6 mil anos atrás? Ou eles
deveriam ser interpretados em termos de uma visão mais ampla da criação?
Nesse caso, o darwinismo se viu confrontado com abordagens muito literais
à interpretação das narrativas da criação em Gênesis. Elas se desenvolveram
no protestantismo de língua inglesa desde o início do século 18 e foram
aceitas como formas normativas ou naturais de ler esses textos. O
darwinismo colocou isso em questão.
Entretanto, não se deve supor que o avanço da ciência desa e
constantemente a interpretação bíblica tradicional, como às vezes é sugerido.
As visões cristãs tradicionais da criação, por exemplo, falam do cosmos
surgindo do nada. No entanto, a tradição cientí ca ocidental, de Aristóteles
até a década de 1940, tendia a tratar o universo como algo permanente ou
eterno. A ideia de que ele tinha um começo cronológico era vista como
absurda. A ascensão do que agora é conhecido como o “modelo
cosmológico padrão”, nos últimos cinquenta anos, se baseia na noção de que
o universo não é eterno, mas que surgiu em um instante de nido. Aqui
temos uma situação em que uma interpretação cristã tradicional da Bíblia
está em ressonância com a cosmologia moderna.
Passaremos agora a considerar quatro marcos históricos na complexa
relação entre ciência e religião. Após uma breve consideração do surgimento
de um contexto intelectual favorável às ciências naturais na Europa
Ocidental durante a Idade Média, examinaremos em detalhes os
desenvolvimentos astronômicos dos séculos 16 e 17, associados a Copérnico
e Galileu; a ascensão da cosmovisão newtoniana durante o século 18; e a
teoria da seleção natural de Charles Darwin durante o século 19. Cada um
desses marcos é regularmente citado em discussões sobre ciência e religião.
A EMERGÊNCIA DA SÍNTESE MEDIEVAL
É frequentemente sugerido que a revolução cientí ca que surgiu nos
séculos 16 e 17 deve pouco de positivo à Idade Média, se é que deve alguma
coisa. Essa visão, amplamente encontrada em estudos mais antigos de
história da ciência, foi recentemente criticada por especialistas em história
intelectual medieval, como o historiador da ciência medieval americano
Edward Grant. Os estudos apontaram que as origens da revolução cientí ca
podem, na realidade, ser rastreadas até a Idade Média. Para Grant, o período
medieval criou um contexto intelectual no qual as ciências naturais
poderiam se desenvolver como disciplinas intelectuais sérias e forneceu
também ideias e métodos que provariam ser de grande importância para
esse desenvolvimento.
Três desenvolvimentos principais, que podem ser considerados como
estabelecendo um contexto no qual as ciências naturais poderiam surgir
durante a Idade Média, devem ser destacados. Primeiro, a Idade Média
testemunhou a tradução para o latim – a língua comum da comunidade
acadêmica da Europa Ocidental – de uma série de textos cientí cos que
tiveram suas origens na tradição greco-árabe. Comentadores árabes do texto
de Aristóteles, bem como os próprios textos aristotélicos originais,
tornaram-se disponíveis para os pensadores ocidentais. A redescoberta de
Aristóteles teve um grande impacto na teologia e na loso a medievais, com
escritores como Tomás de Aquino julgando-o um grande estímulo à re exão
losó ca e teológica. Esses textos – de maneira alguma limitados aos
escritos de Aristóteles – também provaram ser um grande estímulo na luta
para resolver as questões das ciências naturais. Embora seja possível
argumentar que as ciências naturais poderiam ter se desenvolvido sem esses
textos, esse desenvolvimento teria ocorrido inquestionavelmente mais tarde
do que ocorreu.
Aristóteles, entretanto, nem sempre teve uma in uência positiva no
desenvolvimento das ciências naturais. De acordo com Aristóteles, o
universo sempre existiu, de modo que não fazia sentido usar a linguagem
religiosa sobre a criação. Galileu se viu tendo que refutar algumas ideias
aristotélicas, que eram particularmente in uentes na Universidade de Pádua.
Por exemplo, Aristóteles sustentava que a Lua, como um corpo celeste, era
perfeitamente lisa e esférica, enquanto as observações telescópicas de Galileu
sugeriam que a Lua tinha uma superfície áspera, coberta de montanhas e
crateras. Os dogmas cientí cos de Aristóteles já haviam sido questionados
pelo surgimento de uma “nova estrela” – agora conhecida por ter sido uma
supernova – na constelação de Cassiopeia em 1572. Esse evento – muitas
vezes referido como “Supernova de Tycho”, por conta das observações
detalhadas de Tycho Brahe sobre sua posição e magnitude variável – foi
reconhecido como inconsistente com o dogma de Aristóteles sobre a
imutabilidade dos céus.
Segundo, a Idade Média viu a fundação das grandes universidades da
Europa Ocidental, que provariam ser de importância central no
desenvolvimento das ciências naturais. Cursos de lógica, loso a natural,
geometria, música, aritmética e astronomia eram prescritos para todos
aqueles que desejassem obter qualquer quali cação de uma universidade
medieval típica. A introdução da loso a natural no currículo da
universidade medieval garantia que um número signi cativo de questões
cientí cas fosse abordado como parte rotineira do ensino superior. Uma
universidade medieval típica teria quatro faculdades: a faculdade de artes
liberais e as três “faculdades superiores” de medicina, direito e teologia. A
faculdade de artes liberais era vista como a que lançava a fundação para
estudos mais avançados, e é importante observar quanta “ loso a natural”
era incluída nesse curso fundacional.
Terceiro, surgiu uma classe de “teólogos/ lósofos naturais”, geralmente
dentro de um contexto universitário, convencidos de que o estudo do
mundo natural era teologicamente legítimo. Embora Aristóteles fosse
amplamente considerado um lósofo pagão (e, portanto, de valor limitado
para os cristãos), ele era visto, contudo, como um recurso para permitir uma
maior compreensão do mundo natural e, portanto, para aprender mais sobre
Deus, que havia criado esse mundo. Muitos dos maiores nomes do mundo
da ciência natural medieval – como Robert Grosseteste, Nicolas Oresme e
Henry de Langenstein – eram todos teólogos ativos que não viam uma
contradição entre sua fé e a investigação da ordem natural. Essa ênfase
crescente na “ loso a natural” provou ser de grande importância para o
surgimento das ciências naturais na Europa Ocidental.
Passamos agora a considerar quatro episódios históricos signi cativos e
determinantes, que são amplamente citados nas discussões de ciência e
religião, e geralmente modelam o contexto em que esse relacionamento é
discutido. Começamos com as discussões astronômicas dos séculos 16 e 17,
centradas em Copérnico e Galileu.
COPÉRNICO, GALILEU E O SISTEMA SOLAR
O grande psicanalista austríaco Sigmund Freud sugeriu certa vez que a
humanidade havia sofrido com três “feridas narcísicas” na Era Moderna;
cada uma dani cou algum sentido humano de importância pessoal. A
primeira ferida, argumentou Freud, foi in igida pela revolução copernicana
ao mostrar que os seres humanos não estavam localizados no centro do
universo. A segunda foi a demonstração darwiniana de que a humanidade
nem sequer tinha um lugar único no planeta Terra. A terceira, sugeriu Freud
de maneira um tanto imodesta, foi sua própria demonstração de que a
humanidade não era nem o mestre de sua própria esfera limitada, sendo
prisioneira das forças ocultas do inconsciente humano. Segundo Freud, cada
uma dessas revoluções aumentou a dor e os ferimentos in igidos pela sua
precedente, forçando uma reavaliação radical do lugar e do signi cado da
humanidade. Consideraremos a importância religiosa das visões de Freud
mais adiante neste livro. No entanto, é altamente apropriado abrir esta
narrativa abordando a primeira dessas “feridas”: a revolução copernicana.
Toda época é caracterizada por um grupo de crenças estabelecidas que
sustentam sua visão de mundo. A Idade Média não é exceção. Um dos
elementos mais importantes na cosmovisão medieval era a crença de que o
Sol e outros corpos celestes – como a Lua e os planetas – giravam em torno
da Terra. Essa visão “geocêntrica” do universo foi tratada como
evidentemente verdadeira. A Bíblia foi interpretada à luz dessa crença, com
suposições geocêntricas sendo trazidas – e às vezes até impostas – à
interpretação de várias passagens. A maioria das línguas vivas ainda
testemunha essa visão de mundo geocêntrica. Por exemplo, mesmo no
português moderno, é perfeitamente aceitável a rmar que “o Sol nasceu às
6:33 da manhã”, apesar do fato de que isso re ete a crença cientí ca
descartada de que o Sol gira em torno da Terra. Como a verdade ou
falsidade do modelo geocêntrico do sistema solar fazia pouca diferença na
vida cotidiana, havia pouco interesse popular em questioná-lo.
O modelo do universo mais amplamente aceito no início da Idade Média
foi criado por Claudius Ptolomeu, um astrônomo que trabalhou na cidade
egípcia de Alexandria durante a primeira metade do século 2 d.C. Em seu
Almagesto, Ptolomeu reuniu ideias existentes sobre os movimentos da Lua e
dos planetas e argumentou que elas poderiam ser entendidas com base nas
seguintes suposições:
1 A Terra está no centro do universo.
2 Todos os corpos celestes giram em rotas circulares ao redor da Terra;
3 Essas rotações assumem a forma de movimento circular, cujo centro,
por sua vez, se move em outro círculo. Essa ideia central, que
originalmente era devida a Hiparco, é baseada na ideia de epiciclos –
isto é, um movimento circular superposto a outro movimento
circular.
A observação cada vez mais detalhada e precisa do movimento dos
planetas e estrelas fez com que alguns tivessem dúvidas sobre a
con abilidade dessa teoria. Inicialmente, as discrepâncias poderiam ser
acomodadas acrescentando epiciclos adicionais. No nal do século 15 o
modelo era tão complexo e desajeitado, que estava próximo do colapso. Mas
o que poderia substituí-lo?
Durante o século 16, o modelo geocêntrico do sistema solar foi
abandonado em favor de um modelo heliocêntrico, que representava o Sol
no centro, tendo a Terra como um dos vários planetas que orbitam em torno
dele. Embora essa mudança de pensamento seja geralmente descrita como “a
revolução copernicana”, é normalmente aceito que três indivíduos foram de
grande importância para promover a aceitação dessa mudança no norte
protestante da Europa: Nicolau Copérnico, Tycho Brahe e Johann Kepler.
A publicação do tratado de Nicolau Copérnico, On the Revolutions of the
Heavenly Bodies [Das revoluções dos corpos celestes], em maio de 1543,
causou um leve impacto, embora a aceitação nal do modelo tivesse que
esperar pelo trabalho detalhado de Kepler nas duas primeiras décadas do
século 17. Copérnico argumentava que os planetas se moviam em círculos
concêntricos em velocidades uniformes ao redor do Sol. A Terra, além de
girar em torno do Sol, também girava em seu próprio eixo. O movimento
aparente das estrelas e dos planetas devia-se, portanto, a uma combinação da
rotação da Terra em seu próprio eixo e à sua translação ao redor do Sol. O
modelo tinha simplicidade e elegância que o favoreciam quando comparado
ao modelo ptolomaico, cada vez mais desajeitado. Contudo, não se ajustava
aos dados observacionais conhecidos. Algo estava errado com a teoria. No
nal, veri cou-se que o problema não estava na ideia de Copérnico de que
os planetas giravam ao redor do Sol. Seu erro foi assumir que eles giravam
em torno do Sol em órbitas circulares em velocidade constante.
O pesquisador dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), que tinha como
base um observatório em uma ilha perto de Copenhague, realizou uma série
de observações precisas sobre os movimentos planetários no período de
1576 a 1592. Essas observações formariam a base do modelo modi cado de
Johann Kepler para o sistema solar (veja abaixo). Kepler atuou como
assistente de Tycho quando este foi forçado a se mudar para a Boêmia após a
morte de Frederico II da Dinamarca.
O astrônomo alemão Johann Kepler (1571-1630) concentrou sua
atenção na observação do movimento do planeta Marte. O modelo
copernicano supunha que os planetas orbitam em círculos ao redor do Sol,
mas era incapaz de explicar o movimento observado desse planeta. Em
1609, Kepler conseguiu anunciar ter descoberto duas leis gerais que
governavam o movimento de Marte. Primeiro, Marte girava em órbita
elíptica, com o Sol em um de seus dois focos. Segundo, a linha que une
Marte ao Sol cobre áreas iguais em períodos iguais de tempo. Em 1619, ele
estendeu essas duas leis aos planetas restantes e descobriu uma terceira lei: o
quadrado do tempo periódico de um planeta (ou seja, o tempo gasto pelo
planeta para completar uma órbita ao redor do Sol) é diretamente
proporcional ao cubo de sua distância média do Sol.
O modelo de Kepler representou uma modi cação signi cativa das
ideias de Copérnico. O novo modelo radical de Copérnico não foi capaz de
explicar satisfatoriamente os dados observacionais, apesar de sua elegância e
simplicidade conceitual, devido à sua hipótese falha de que as órbitas eram
necessariamente circulares e que os planetas se moviam a uma velocidade
constante. Curiosamente, essa hipótese parece ter derivado da geometria
euclidiana clássica. Copérnico nunca realmente se libertou por completo das
formas gregas clássicas de pensar. Círculos eram guras geométricas
perfeitas, enquanto elipses eram distorcidas. Por que a natureza deveria fazer
uso de uma geometria deformada?
Conforme observamos, o modelo mais antigo (muitas vezes referido
como teoria “geocêntrica”) era amplamente aceito pelos teólogos da Idade
Média, que tinham se familiarizado tanto com a leitura do texto da Bíblia
através de óculos geocêntricos, que tiveram alguma di culdade em lidar
com a nova abordagem. As primeiras defesas publicadas da teoria
copernicana (como Treatise on Holy Scripture and the Motion of the Earth
[Tratado sobre as Sagradas Escrituras e o movimento da Terra], de G. J.
Rheticus, que é amplamente considerado como o trabalho mais antigo
conhecido a lidar explicitamente com a relação entre a Bíblia e a teoria
copernicana), tiveram que enfrentar dois problemas.
Primeiro, tiveram que apresentar evidências observacionais que
levassem à conclusão de que a Terra e outros planetas giravam em torno do
Sol. Segundo, tiveram que demonstrar que esse ponto de vista era
consistente com a Bíblia, que há muito tempo era lida como endossando
uma visão geocêntrica da Terra. Como notamos acima, as evidências
observacionais foram nalmente explicadas à luz da modi cação de Kepler
no modelo de Copérnico. Mas e os aspectos teológicos desse modelo? O que
dizer do afastamento radical que ele propôs de um universo centrado na
Terra?
Não há dúvida de que o surgimento da teoria heliocêntrica do sistema
solar levou os teólogos a reexaminar a maneira como certas passagens
bíblicas eram interpretadas. Entretanto, nesta fase, podemos distinguir
dentro da tradição cristã três amplas abordagens de interpretação bíblica. Na
sequência, vamos mencioná-las e considerar sua importância para o diálogo
entre ciência e religião.
1. Uma abordagem literal, para a qual a passagem em questão deve ser
tomada pelo seu valor nominal. Por exemplo, uma interpretação
literal do primeiro capítulo de Gênesis argumentaria que a criação
ocorreu em seis períodos de vinte e quatro horas.
2. Uma abordagem não literal ou alegórica, enfatizando que certas
seções da Bíblia são escritas em um estilo que não é apropriado
considerar absolutamente literal. Como observamos anteriormente,
três sentidos não literais das Escrituras foram reconhecidos pelos
teólogos durante a Idade Média. Durante o Renascimento, surgiu
uma visão mais simples, que distinguia entre abordagens literais e
alegóricas. Os capítulos iniciais de Gênesis foram cada vez mais
vistos como relatos poéticos ou alegóricos da criação e não como
relatos históricos literais das origens da Terra.
3. Uma abordagem baseada na ideia de acomodação. Essa tem sido de
longe a abordagem mais importante em relação à interação da
interpretação bíblica com as ciências naturais. A abordagem
argumenta que a revelação ocorre de maneiras cultural e
antropologicamente condicionadas, com o resultado de que precisa
ser adequadamente interpretada. Essa abordagem tem uma longa
tradição de uso no judaísmo e posteriormente na teologia cristã, e
foi in uente no período patrístico. Contudo, seu desenvolvimento
maduro data do século 16. Essa abordagem argumenta que os
capítulos iniciais do Gênesis usam linguagem e imagens apropriadas
às condições culturais de seu público original. Não devem ser
tomadas “literalmente”, mas interpretadas para um leitor
contemporâneo, extraindo as ideias-chave que foram expressas em
formas e termos especi camente adaptados ou “acomodados” ao
público original.
A terceira abordagem provou ser de especial importância durante os
debates sobre a relação entre teologia e astronomia durante os séculos 16 e
17. O famoso teólogo protestante João Calvino (1509-1564) fez duas
contribuições importantes e positivas para a valorização e o
desenvolvimento das ciências naturais. Primeiro, encorajou positivamente o
estudo cientí co da natureza como uma maneira de aprofundar uma
apreciação pela sabedoria de Deus. Segundo, argumentou que seções da
Bíblia deveriam ser interpretadas em termos de “acomodação” divina (como
explicado acima). Sua primeira contribuição está especi camente ligada à
sua ênfase na ordem da criação; tanto o mundo físico quanto o corpo
humano testi cam a sabedoria e o caráter de Deus. Calvino assim elogia o
estudo da astronomia e da medicina. Elas são capazes de investigar mais
profundamente o mundo natural do que a teologia e, assim, descobrir mais
evidências da ordem da criação e da sabedoria de seu criador. Assim, podese argumentar que Calvino deu uma nova motivação religiosa à investigação
cientí ca da natureza.
A segunda grande contribuição de Calvino foi eliminar um obstáculo
signi cativo ao desenvolvimento das ciências naturais – o literalismo bíblico.
Calvino ressalta que a Bíblia se preocupa principalmente com o
conhecimento de Jesus Cristo. Não é um livro de astronomia, geogra a ou
biologia. E, quando a Bíblia é interpretada, deve-se ter em mente que Deus
“se ajusta” às capacidades da mente e do coração humanos. Deus tem que
descer ao nosso nível para que a revelação ocorra. A revelação, portanto,
apresenta uma versão de Deus em menor escala ou “acomodada” para nós, a
m de adequar-se às nossas habilidades limitadas. Assim como uma mãe
humana se abaixa para alcançar seu lho, Deus se abaixa para chegar ao
nosso nível. A revelação é um ato de condescendência divina.
O impacto de ambas as ideias na teorização cientí ca, especialmente
durante o século 17, foi considerável. Por exemplo, o escritor inglês Edward
Wright defendeu a teoria heliocêntrica do sistema solar de Copérnico contra
os literalistas bíblicos, argumentando, em primeiro lugar, que as Escrituras
não estavam preocupadas com a física e, em segundo, que seu modo de falar
era “acomodado à compreensão e à maneira de falar das pessoas comuns,
como fazem enfermeiras com crianças pequenas”. Ambos os argumentos
derivam diretamente de Calvino, sobre o qual se pode dizer ter feito uma
contribuição fundamental para o surgimento das ciências naturais.
Uma nova controvérsia eclodiu sobre o modelo heliocêntrico do sistema
solar na Itália católica durante as primeiras décadas do século 17. Nesse
caso, o debate se concentrou nas opiniões de Galileu Galilei (1564-1642).
Isso acabou levando a Igreja Católica a condenar Galileu Galilei, o que hoje
é amplamente considerado como um claro erro de julgamento por parte de
alguns burocratas eclesiásticos. Galileu montou uma grande defesa da teoria
copernicana do sistema solar. As opiniões de Galileu foram inicialmente
recebidas com simpatia dentro dos círculos mais importantes da Igreja, em
parte devido ao fato de que ele era tido em alta consideração por um
favorito papal, Giovanni Ciampoli. A queda de Ciampoli do poder levou
Galileu a perder apoio dentro dos círculos papais e isso é amplamente visto
como tendo aberto caminho para a condenação de Galileu por seus
inimigos.
Embora a controvérsia centralizada em Galileu seja frequentemente
retratada como ciência versus religião, ou libertarianismo versus
autoritarismo, a verdadeira questão dizia respeito à correta interpretação da
Bíblia. Acredita-se que a apreciação desse ponto tenha sido di cultada no
passado devido ao fracasso dos historiadores em se engajar com as questões
teológicas (e, mais precisamente, a hermenêutica) associadas ao debate. Em
parte, isso pode ser visto como um re exo do fato de que muitos dos
estudiosos interessados nessa controvérsia em particular eram cientistas ou
historiadores da ciência, que não estavam familiarizados com os meandros
dos debates sobre a interpretação bíblica desse período extraordinariamente
complexo. Contudo é claro que o ponto que dominou a discussão entre
Galileu e seus críticos foi como interpretar certas passagens bíblicas. A
questão da acomodação foi de grande importância para esse debate, como
veremos.
Para explorar esse ponto, podemos recorrer a uma obra importante
publicada em janeiro de 1615. Em sua Letter on the Opinion of the
Pythagoreans and Copernicus [Carta sobre as opiniões dos pitagóricos e de
Copérnico], o frade carmelita Paolo Antonio Foscarini argumentou que o
modelo heliocêntrico do sistema solar não era incompatível com a Bíblia.
Foscarini não introduziu novos princípios de interpretação bíblica em sua
análise; na realidade, ele estabelece e aplica regras tradicionais de
interpretação:
Quando a Escritura Sagrada atribui algo a Deus ou a qualquer outra criatura que, de outra
forma, seria imprópria e incomensurável, ela então deveria ser interpretada e explicada de uma
ou mais das seguintes maneiras. Primeiro, diz-se que se refere metaforicamente e
proporcionalmente, ou por semelhança. Segundo, diz-se [...] de acordo com nosso modo de
consideração, apreensão, compreensão, conhecimento etc. Terceiro, diz-se de acordo com a
opinião vulgar e com o modo comum de falar.20
A segunda e a terceira maneiras que Foscarini identi ca são geralmente
consideradas como tipos de “acomodação”, o terceiro modelo de
interpretação bíblica que observamos anteriormente. Como vimos, essa
abordagem da interpretação bíblica pode ser rastreada até os primeiros
séculos cristãos e não era considerada controversa.
A inovação de Foscarini não estava no método interpretativo que ele
adotou, mas nas passagens bíblicas às quais ele a aplicou. Em outras
palavras, Foscarini sugeriu que certas passagens, que muitos haviam
interpretado literalmente até esse ponto, deviam ser interpretadas na forma
de acomodação. As passagens às quais ele aplicou esta abordagem foram
aquelas que pareciam sugerir que a Terra permanecia estacionária e o Sol se
movia. Foscarini argumentou da seguinte forma:
As Escrituras falam de acordo com o nosso modo de entender, de acordo com as aparências e em
relação a nós. Pois assim é que esses corpos parecem estar relacionados a nós e são descritos pelo
modo comum e vulgar do pensamento humano, ou seja, a Terra parece estar parada e imóvel, e o
Sol parece girar em torno dela. E, portanto, as Escrituras nos servem falando da maneira vulgar e
comum; pois, do nosso ponto de vista, parece que a Terra está rmemente no centro e que o Sol
gira em torno dela, e não o contrário.21
O crescente compromisso de Galileu com a posição copernicana o levou
a adotar uma abordagem de interpretação bíblica semelhante à de Foscarini.
Os críticos de Galileu argumentavam que algumas passagens bíblicas o
contradiziam. Por exemplo, eles argumentavam que Josué 10.13 falava do
Sol parado sob o comando de Josué. Isso não prova, sem margem de dúvida,
que era o Sol que se movia ao redor da Terra? Em sua Letter to the Grand
Countess Christina [Carta à Grã-Duquesa Cristina], Galileu rebateu com um
argumento de que essa era simplesmente uma maneira comum de falar. Não
se poderia esperar que Josué conhecesse as complexidades da mecânica
celeste, portanto, ele usou uma maneira “acomodada” de falar.
Deve-se enfatizar que a questão de como interpretar a Bíblia não era
importante simplesmente para Galileu e seus críticos; ela também tinha se
tornado polêmica como resultado das grandes controvérsias teológicas do
nal do século 16, resultantes da Reforma Protestante. A condenação o cial
da interpretação bíblica de Galileu re etiu essa tensão e baseou-se em duas
considerações. Em primeiro lugar, as Escrituras deviam ser interpretadas de
acordo com “o signi cado apropriado das palavras”. A abordagem
acomodada adotada por Foscarini é, portanto, rejeitada em favor de uma
abordagem mais literal. Como enfatizamos, ambos os métodos de
interpretação foram aceitos como legítimos e tinham uma longa história de
uso na teologia cristã. O debate centrou-se na questão apropriada para as
passagens em questão.
Segundo, a Bíblia devia ser interpretada “de acordo com a interpretação
e o entendimento comuns dos Santos Padres e dos teólogos eruditos”. Em
outras palavras, estava sendo argumentado que ninguém de expressão
adotara a interpretação de Foscarini no passado; esta deveria, portanto, ser
descartada como uma inovação. Concluiu-se, portanto, que os pontos de
vista de Foscarini e Galileu deveriam ser rejeitados como inovações, sem
precedentes no pensamento cristão.
Esse segundo ponto é de grande importância e precisa ser examinado
com mais cuidado, pois deve ser colocado em face do prolongado e amargo
debate, alimentado durante o século 17 pela Guerra dos Trinta Anos (16181648), entre protestantes e o católicos, sobre se o protestantismo era uma
inovação ou uma recuperação do cristianismo autêntico. A ideia da
imutabilidade da tradição católica tornou-se um elemento integrante da
polêmica católica contra o protestantismo. Como Jacques‐Bénigne Bossuet
(1627–1704), um dos mais formidáveis apologistas do catolicismo, colocou
este ponto em 1688:
O ensino da igreja é sempre o mesmo [...] O evangelho nunca é diferente do que era antes.
Portanto, se a qualquer momento alguém diz que a fé inclui algo que ontem não foi dito ser da fé,
é sempre heterodoxia, que é qualquer doutrina diferente da ortodoxia. Não há di culdade em
reconhecer a falsa doutrina; não há argumento sobre isso. É reconhecida de uma só vez, sempre
que aparece, simplesmente porque é nova.22
Estes mesmos argumentos foram amplamente utilizados no início do
século 17 e são claramente re etidos e incorporados na crítica o cial a
Foscarini. A interpretação que ele ofereceu nunca havia sido oferecida antes
– e estava, apenas por esse motivo, errada.
Portanto, cará claro que esse debate crítico sobre a interpretação da
Bíblia deve ser colocado em um cenário complexo. A atmosfera altamente
carregada e politizada da época prejudicou seriamente o debate teológico,
por medo de que a concessão de qualquer nova abordagem pudesse ser vista
como uma concessão indireta da reivindicação protestante por legitimidade.
Permitir que o ensino católico sobre qualquer questão de signi cado
“mudasse” seria potencialmente abrir as comportas, o que inevitavelmente
levaria a demandas por reconhecimento da ortodoxia dos ensinamentos
protestantes centrais – ensinamentos que a igreja católica tinha sido capaz
de rejeitar até este ponto como “inovações”.
Era inevitável que as visões de Galileu encontrassem resistência. O fator
principal era que ele parecia ter introduzido inovações teológicas. Se a igreja
católica concedesse a validade da interpretação de Galileu sobre certas
passagens bíblicas, minaria seriamente uma crítica católica central ao
protestantismo – ou seja, que o protestantismo havia introduzido
interpretações novas (e, portanto, errôneas) de certas passagens bíblicas.
Infelizmente, era apenas uma questão de tempo até que suas opiniões
fossem rejeitadas. A partir dessa breve análise, cará claro que a controvérsia
de Galileu foi colocada em um contexto polêmico complexo, envolvendo
tensões entre protestantes e católicos sobre a interpretação das Escrituras e
da herança doutrinária. Galileu teve a infelicidade de ser pego no fogo
cruzado e nas tendências subjacentes a esse debate.
Nesta seção, consideramos a importância, para o pensamento cientí co
e religioso, do crescente entendimento de que a Terra não estava no centro
do universo. Na seção seguinte, consideraremos os aspectos cientí cos e
religiosos do crescente entendimento de que o universo conhecido pode ser
considerado como uma vasta, complexa e regular peça de maquinaria.
Passamos, portanto, a considerar as realizações de Isaac Newton e o
surgimento da cosmovisão mecânica.
NEWTON, O UNIVERSO MECÂNICO E O DEÍSMO
Os estudiosos costumam falar da “revolução cientí ca” que varreu a
Europa Ocidental durante o século 17. É difícil dizer exatamente quando
essa revolução começou. Alguns argumentam que suas origens estão na obra
de Copérnico e Galileu, que vimos na seção anterior. Outros argumentam
que ela começou muito antes, tendo suas raízes nos estudos das
universidades medievais tardias ou nas novas atitudes do Renascimento.
Outros sugerem que uma mudança losó ca fundamental está por trás
da revolução cientí ca. A obra de Francis Bacon (1561-1626) defendia que o
conhecimento começava com a experiência do mundo. O ponto de partida
adequado do conhecimento cientí co é a observação de fenômenos, seguida
pela tentativa de derivar alguns princípios gerais subjacentes que podem
explicar essas observações. A exigência de Aristóteles de que as teorias
“preservem os fenômenos” se incorporou à loso a natural emergente da
época. Apesar de algumas di culdades de de nição, existe um consenso
praticamente universal de que Sir Isaac Newton (1642-1727) desempenhou
um papel fundamental na consolidação da revolução cientí ca. Nesta seção,
consideraremos algumas de suas realizações e suas implicações religiosas.
Como vimos na seção anterior, o surgimento do modelo heliocêntrico
do sistema solar havia esclarecido alguns problemas da geometria celeste;
porém, certas questões da mecânica celeste permaneciam sem solução.
Kepler havia estabelecido que o quadrado do tempo periódico de um
planeta é diretamente proporcional ao cubo de sua distância média ao Sol.
Mas qual era a base dessa lei? Que signi cado mais profundo ela possuía?
Poderia o movimento da Terra, da Lua e dos planetas ser explicado com
base em alguns princípios mais fundamentais? Parte do gênio de Isaac
Newton estava em sua demonstração de que as leis de Kepler do movimento
planetário podiam ser explicadas com base nos princípios que governavam o
movimento dos corpos na Terra. A exploração da mecânica do sistema solar
realizada por Newton foi tão impressionante que o proeminente poeta inglês
Alexander Pope (1688-1744) escreveu as seguintes linhas em sua memória:
Ocultas em trevas estavam a Natureza e suas leis:
Deus disse: “Faça-se Newton!” E luz se fez.
Newton é frequentemente apresentado como alguém que a rmava a
racionalidade e a ordem cósmica em face da crença religiosa, um farol de
ortodoxia cientí ca no meio de uma sociedade ainda supersticiosa. De fato,
a realidade é um pouco mais complicada. Trabalhos que permaneceram
desconhecidos até o século 20 oferecem uma imagem mais complexa de
Newton como alguém de solidão quase patológica, que chegou próximo à
loucura, era obcecado por alquimia e era fascinado por heresias teológicas.
Newton pode muito bem ter inaugurado o mundo moderno através de suas
descobertas, mas ele pertencia ao mundo que havia agora sido deixado para
trás. Contudo, apesar de suas fraquezas e excentricidades, Newton continua
sendo uma das guras mais signi cativas da história da ciência em geral e
sua relação com a religião em particular.
A maneira que mais ajuda a entender a demonstração que Newton fez
das leis do movimento planetário é pensar que ele estabeleceu os princípios
básicos que governam o comportamento dos objetos na Terra e,
posteriormente, extrapolou esses mesmos princípios ao movimento dos
planetas. Por exemplo, considere a famosa estória de Newton observando
uma maçã caindo no chão. A mesma força que atraiu a maçã para a Terra
poderia, na visão de Newton, operar entre o Sol e os planetas. A atração
gravitacional entre a Terra e uma maçã é precisamente a mesma força que
opera entre o Sol e um planeta, ou a Terra e a Lua.
Newton inicialmente concentrou sua atenção na descoberta das leis que
governavam o movimento dos corpos na Terra, levando-o à formulação de
suas três leis do movimento:
1. Todo objeto em um estado de movimento uniforme permanecerá
nesse estado de movimento, a menos que uma força externa atue
sobre ele.
2. Força é igual à massa de um corpo multiplicada por sua aceleração.
3. Para toda ação, há uma reação igual e oposta.
Essas três leis do movimento estabeleceram os princípios gerais
relacionados ao movimento terrestre. A importante descoberta de Newton
consistiu em perceber que essas mesmas leis poderiam ser aplicadas tanto à
mecânica celeste quanto à mecânica terrestre. Newton começou a trabalhar
em sua teoria planetária já em 1666. Tomando suas leis de movimento como
ponto de partida, ele abordou as três leis de movimento planetário de
Kepler. Era uma questão relativamente simples demonstrar que a segunda lei
de Kepler poderia ser entendida se existir uma força entre o planeta e o Sol,
direcionada para o Sol. A primeira lei poderia ser explicada se fosse
assumido que a força entre o planeta e o Sol fosse inversamente
proporcional ao quadrado da distância entre eles. Essa força pode ser
determinada matematicamente, com base no que mais tarde seria chamado
de “Lei da Gravitação Universal”:
quaisquer dois corpos materiais, P e P’, com massas m e m’, se atraem mutuamente com uma
força F, dada pela fórmula:
F = Gmm’/d2
onde d é a distância entre eles e G é a constante gravitacional.
(Newton não precisou determinar o valor preciso de G para explicar as
leis de Kepler.)
Newton aplicou as leis do movimento à órbita da Lua ao redor da Terra.
Com base no pressuposto de que a força que atraía uma maçã para cair no
chão também retinha a Lua em sua órbita ao redor da Terra, e que essa força
era inversamente proporcional ao quadrado da distância entre a Lua e a
Terra, Newton foi capaz de calcular o período da órbita da Lua. Ele se
mostrou incorreto por um fator de aproximadamente 10%. Esse erro
ocorreu apenas por causa de uma estimativa imprecisa da distância entre a
Terra e a Lua. Newton simplesmente usara a estimativa predominante dessa
distância; ao usar um valor mais preciso, determinado pelo astrônomo
francês Jean Picard em 1672, teoria e observação mostraram-se de acordo.
As teorias de Newton eram fundamentadas nos conceitos básicos de
massa, espaço e tempo. Cada um desses conceitos pode ser medido,
analisado e representado matematicamente. Embora a ênfase de Newton na
massa tenha agora sido substituída por um interesse em momentum (que é o
produto da massa pela velocidade), esses temas básicos continuam sendo de
grande importância em física clássica. Com base em seus três conceitos
fundamentais, ele foi capaz de desenvolver ideias precisas de aceleração,
força, momentum e velocidade.
Não há espaço su ciente para fornecer uma análise histórica completa
de como e quando Newton chegou às suas conclusões, nem para detalhá-las.
O ponto importante a ser apreciado é que Newton conseguiu demonstrar
que uma vasta gama de dados observacionais poderia ser explicada com
base em um conjunto de princípios universais. Os sucessos de Newton na
explicação da mecânica terrestre e celeste levaram ao rápido
desenvolvimento da ideia de que o universo poderia ser pensado como uma
grande máquina, agindo de acordo com leis xas. Isso geralmente é
chamado de “visão de mundo mecanicista”, na medida em que a operação da
natureza é explicada com o pressuposto de que é uma máquina operando de
acordo com regras xas.
As implicações religiosas disso serão claras. A concepção do mundo
como uma máquina sugeriu imediatamente a ideia de design. O próprio
Newton apoiou essa interpretação. Embora escritores posteriores tendessem
a sugerir que o mecanismo em questão era totalmente autônomo e
autossustentável – e, portanto, não exigia a existência de um Deus –, essa
visão não foi amplamente adotada nos anos de 1690. Talvez a aplicação mais
famosa da abordagem de Newton seja encontrada nos escritos de William
Paley (1743-1805), que comparou a complexidade do mundo natural com o
design de um relógio. Como ambas as coisas estariam implicadas, design e
propósito, elas apontavam para um criador. Assim, a obra de Newton foi
inicialmente vista como uma con rmação esplêndida da existência de Deus.
A ênfase de Newton na regularidade do mundo foi uma das razões por
trás de um desenvolvimento signi cativo nas maneiras pelas quais Deus foi
retratado e compreendido. Tradicionalmente, a teologia e a iconogra a
cristã se baseavam em imagens bíblicas de Deus, como um rei ou pastor. A
revolução cientí ca levou a uma nova imagem de Deus capturando a
imaginação de muitos durante o século 17 – ou seja, Deus como relojoeiro.
Um relógio em particular foi apontado como um digno análogo da máquina
celestial – o grande relógio da catedral de Estrasburgo. Esse relógio,
reconstruído em 1574, exibia dados sobre a hora, a localização dos planetas,
as fases da lua e outras informações astronômicas, exibidas usando uma
série de mostradores e outros efeitos visuais.
Não demorou muito para que um estranhamento entre a mecânica
celestial e a religião começasse a surgir. A mecânica celeste parecia sugerir
que o mundo era um mecanismo autossustentável, que não precisava de
governança divina ou apoio para sua operação cotidiana. A imagem de Deus
como um “relojoeiro” passou a ser vista como conducente a uma
compreensão puramente naturalista do universo, na qual Deus não tinha
nenhum papel contínuo a desempenhar. O cenário estava, então, montado
para a ascensão do importante movimento religioso geralmente conhecido
como “deísmo”.
A ênfase de Newton na regularidade da natureza é vista pela maioria dos
estudiosos como um dos fatores que incentivaram o surgimento do deísmo.
O termo “deísmo” (do latim, deus) refere-se a uma visão de Deus que o vê
como criador, mas nega seu envolvimento contínuo com a criação ou sua
presença especial dentro dela. Esse termo é, portanto, frequentemente
contrastado com “teísmo” (do grego, theos), que presume o envolvimento
contínuo de Deus no mundo. O termo “deísmo” é geralmente usado para se
referir às opiniões de um grupo de pensadores ingleses durante a “Era da
Razão”, no nal do século 17 e no início do século 18. Em seu in uente
estudo e Principal Deistic Writers [Os principais escritores deístas] (1757),
John Leland agrupou vários escritores – incluindo Lord Herbert de
Cherbury, omas Hobbes e David Hume – sob o amplo e recém-cunhado
termo “deísta”. Se esses autores teriam aprovado tal designação é algo
questionável. Um exame atento de suas visões religiosas mostra que elas têm
relativamente pouco em comum, a não ser um ceticismo geral quanto a
várias ideias cristãs tradicionais, como a necessidade da revelação divina. A
cosmovisão newtoniana ofereceu ao deísmo uma maneira altamente
so sticada de defender e desenvolver suas visões, permitindo que se
concentrassem na sabedoria de Deus ao criar um mundo elegante e
ordenado, governado pelas leis da natureza.
Embora estudos modernos tenham levantado questões signi cativas
sobre se o deísmo pode ser considerado um movimento intelectual coerente,
ele certamente pode ser apresentado como uma forma genérica e diluída de
cristianismo, que focou apenas em Deus como criador do mundo e,
portanto, destacou a regularidade da ordem natural. O Ensaio sobre o
Entendimento Humano (1690), de John Locke, desenvolveu uma ideia de
Deus que se tornou característica de um deísmo bem mais tardio. Locke
argumentava que “a razão nos leva ao conhecimento dessa verdade certa e
evidente, de que existe um Ser eterno, supremo em poder e conhecimento”.
Os atributos desse ser são aqueles que a razão humana reconhece como
apropriados a Deus. Tendo considerado quais qualidades morais e racionais
são adequadas à divindade, Locke argumenta que “ampliamos cada uma
delas com nossa ideia de in nito e, assim, reunindo-as, criamos nossa
complexa ideia de Deus”. Em outras palavras, a ideia “Deus” é composta de
qualidades racionais e morais humanas, projetadas ao in nito. Seus críticos,
porém, viam o deísmo como tendo reduzido Deus a um mero relojoeiro.
Deus deu corda no mundo, como um relógio, e depois deixou-o funcionar
sem se ocupar dele. Uma vez que Deus estabelecera um universo regular,
governado por leis xas, não haveria necessidade de uma ação divina
especial para mantê-lo.
Vemos aqui como a ascensão da cosmovisão mecânica deve ser vista
como cientí ca, mas com implicações religiosas. O modelo mecânico
newtoniano do universo parecia ressoar com uma maneira particular de
pensar sobre Deus. Mais importante, sugeriu que esse deus pudesse ser
conhecido e estudado sem a necessidade de quaisquer crenças
especi camente religiosas ou do estudo de textos religiosos, como a Bíblia.
Uma religião da natureza poderia ser desenvolvida, apelando desde a
regularidade do mecanismo do universo à sabedoria de seu construtor.
Essa linha de raciocínio pode ser encontrada em Christianity as Old as
Creation [Cristianismo tão antigo quanto a criação] (1730), de Matthew
Tindal, ao defender que o cristianismo não era outra coisa senão a
“republicação da religião da natureza”. Deus é entendido como a extensão
dos conceitos humanos aceitos sobre justiça, racionalidade e sabedoria. Essa
religião universal está disponível em todos os momentos e em todos os
lugares, enquanto o cristianismo tradicional repousava na ideia de uma
revelação divina, que não era acessível aos que viveram antes de Cristo.
As ideias do deísmo inglês percorreram o continente europeu através de
traduções (especialmente na Alemanha) e de escritos de indivíduos
familiarizados e solidários com eles, como as Cartas Filosó cas de Voltaire.
O racionalismo iluminista é frequentemente considerado o orescimento
nal que brotou do deísmo inglês. Para nossos propósitos, no entanto, é
especialmente importante observar a consonância óbvia entre o deísmo e a
cosmovisão newtoniana. Como observamos anteriormente, o deísmo deveu
sua crescente aceitação intelectual em parte aos sucessos da visão mecânica
newtoniana do mundo.
Se Deus estava sendo excluído da mecânica do mundo, muitos
sugeriram que o design e a atividade divina ainda seriam encontrados na
esfera biológica. Isso não mostrava evidência de design? Um dos escritores
mais in uentes a sugerir que esse era o caso foi John Ray (1627-1705). Em
sua obra Wisdom of God Manifested in the Works of Creation [Sabedoria de
Deus manifesta nas obras da criação] (1691), Ray argumenta que a beleza e a
regularidade da ordem criada, incluindo plantas e animais, apontam para a
sabedoria de seu criador. É preciso enfatizar que Ray trabalhou com uma
visão estática da criação. Ele entendia a expressão “Obras da Criação” com o
signi cado de “obras criadas por Deus no princípio, e por Ele conservadas
até os dias de hoje no mesmo estado e condição em que foram feitas
inicialmente”.
O apelo mais famoso a Deus como designer e criador do mundo natural,
especialmente no que se refere a seus aspectos biológicos, foi devido a
William Paley, arquidiácono de Carlisle, que comparou Deus a um dos
inventores mecânicos da Revolução Industrial. Deus, segundo ele, criou
diretamente o mundo em toda a sua complexidade. Paley aceitou o ponto de
vista de sua época – ou seja, que Deus havia construído (Paley prefere a
palavra “inventado”23) o mundo em sua forma nal, como a conhecemos
agora. Nenhum relojoeiro deixaria algo inacabado e não ajustado ao seu
propósito.
Paley argumentava que a atual organização do mundo, tanto física
quanto biológica, poderia ser vista como testemunha convincente da
sabedoria de um deus criador. A Teologia Natural de Paley, ou Evidences of
the Existence and Attributes of the Deity, Collected from the Appearances of
Nature [Evidências da existência e dos atributos da divindade, coletadas das
aparências da natureza] (1802), teve uma in uência profunda no
pensamento religioso inglês popular na primeira metade do século 19 e foi
lida por Darwin. Paley cou profundamente impressionado com a
descoberta realizada por Newton de regularidade da natureza, permitindo
que o universo fosse pensado como um mecanismo complexo, operando de
acordo com princípios regulares e compreensíveis. A natureza consiste em
uma série de estruturas biológicas que devem ser pensadas como
“inventadas” – isto é, construídas com um claro propósito em mente.
Paley usou sua famosa analogia do relógio encontrado em um matagal
para enfatizar que engenhosidade necessariamente pressupunha um designer
e construtor. “Toda indicação de engenhosidade, toda manifestação de
design, que existia no relógio, existe nas obras da natureza”. De fato, Paley
argumenta, a diferença é que a natureza mostra um grau ainda maior de
engenhosidade que o relógio. (Consideraremos a abordagem de Paley com
mais detalhes posteriormente:). Encontramos o melhor de Paley quando ele
lida com a descrição de sistemas mecânicos dentro da natureza, como a
estrutura imensamente complexa do olho e do coração humanos. No
entanto, o argumento de Paley (como o de John Ray antes dele) dependia de
uma cosmovisão estática e simplesmente não conseguia lidar com a
cosmovisão dinâmica que estava no coração do darwinismo.
É nesse ponto que precisamos voltar a considerar a controvérsia
darwiniana do século 19, que abriu uma nova área de debate cientí co com
implicações importantes para algumas crenças religiosas tradicionais.
DARWIN E AS ORIGENS BIOLÓGICAS DA HUMANIDADE
A publicação de Origem das Espécies (1859), de Charles Darwin, é
corretamente considerada um marco na ciência do século 19. Em 27 de
dezembro de 1831, o HMS Beagle partiu do porto de Plymouth, no Sul da
Inglaterra, para uma viagem que durou quase cinco anos. Sua missão era
concluir um levantamento das costas do Sul da América do Sul e,
posteriormente, circunavegar o globo. O naturalista do pequeno navio foi
Charles Darwin (1809-1882). Durante a longa viagem, Darwin observou
alguns aspectos da vida vegetal e animal da América do Sul, particularmente
nas Ilhas Galápagos e na Terra do Fogo, que lhe pareciam exigir explicações,
mas que não eram satisfatoriamente explicados pelas teorias existentes. As
palavras iniciais de Origem das Espécies expuseram o enigma que ele estava
determinado a resolver:
Quando a bordo do HMS Beagle, como naturalista, quei muito impressionado com certos fatos
na distribuição dos seres orgânicos que habitam a América do Sul e nas relações geológicas do
presente com os habitantes passados daquele continente. Esses fatos, como veremos nos últimos
capítulos deste volume, pareciam lançar alguma luz sobre a origem das espécies – esse mistério
dos mistérios, como foi chamado por um de nossos maiores lósofos.24
Uma descrição popular da origem das espécies, amplamente apoiada
pelo establishment religioso e acadêmico do início do século 19, sustentava
que Deus tinha, de alguma forma, criado tudo mais ou menos como vemos
agora. O sucesso dessa visão deveu-se muito à in uência de William Paley,
cuja abordagem consideramos na seção anterior. Deus era o relojoeiro
divino, responsável pelo design e pela construção de estruturas
fabulosamente complexas, como o olho humano.
Darwin conhecia as opiniões de Paley e inicialmente as achou
persuasivas. Entretanto, suas observações no Beagle levantaram algumas
questões. Em seu retorno, Darwin decidiu desenvolver uma explicação mais
satisfatória para suas próprias observações e para as dos outros. Embora
pareça que Darwin tenha chegado à ideia básica de evolução através da
seleção natural em 1842, ele não estava pronto para publicar. Uma teoria tão
radical exigiria que evidências observacionais massivas fossem reunidas em
seu apoio.
Para Darwin, quatro aspectos do mundo natural pareciam exigir
particular atenção, à luz de problemas e de ciências das explicações
existentes.
1. As formas de certas criaturas vivas pareciam se adaptar às suas
necessidades especí cas. A teoria de Paley propôs que essas
criaturas foram projetadas individualmente por Deus com essas
necessidades em mente. Darwin cada vez mais considerava essa
uma explicação grosseira.
2. Sabe-se que algumas espécies desapareceram por completo –
tornaram-se extintas. Esse fato já era conhecido antes de Darwin e
era frequentemente explicado com base nas teorias de “catástrofe”,
como um “dilúvio universal”, conforme sugerido pelo relato bíblico
de Noé.
3 A viagem de pesquisa de Darwin no Beagle o convenceu da
distribuição geográ ca desigual das formas de vida em todo o
mundo. Em particular, Darwin cou impressionado com as
peculiaridades das populações das ilhas.
4. Muitas criaturas têm “estruturas rudimentares” (às vezes também
chamadas de “estruturas vestigiais”), que não têm função aparente
ou previsível. Exemplos dessas estruturas incluem os mamilos de
mamíferos machos, os rudimentos de uma pélvis e membros
traseiros em cobras, além de asas em muitos pássaros que não
voam. Como isso poderia ser explicado com base na teoria de Paley,
que enfatizava a importância do design individual das espécies? Por
que Deus deveria projetar redundâncias?
Esses aspectos da ordem natural poderiam ser explicados com base na
teoria de Paley. No entanto, as explicações oferecidas pareciam forçadas e
grosseiras. O que era originalmente uma teoria relativamente clara e
elegante começou a desmoronar sob o peso das di culdades e tensões
acumuladas. Tinha que haver uma explicação melhor. Darwin ofereceu uma
riqueza de evidências em apoio à ideia de evolução biológica e propôs um
mecanismo pelo qual ela poderia funcionar – a seleção natural.
A teoria radical da seleção natural de Darwin pode ser vista como o
culminar de um longo processo de re exão sobre as origens das espécies.
Entre os estudos que prepararam o caminho para a teoria de Darwin,
atenção especial deve ser dada aos Principles of Geology [Princípios de
Geologia] (1830), de Charles Lyell. A compreensão popular predominante
da história da Terra era de que sua formação se devia, desde a sua criação, a
uma série de mudanças catastró cas. Lyell defendeu o “uniformitarismo”
(um termo cunhado por James Hutton em 1795), pelo qual se supõe que as
mesmas forças que estão agora em ação no mundo natural também
estiveram ativas em grandes extensões de tempo no passado. A teoria da
evolução de Darwin opera em uma suposição relacionada: a de que as forças
que levam ao desenvolvimento de novas espécies de plantas ou animais no
presente atuaram por longos períodos de tempo no passado.
A principal rival da teoria de Darwin era devida ao naturalista sueco do
século 18 Carl von Linné (1707–1778), mais conhecido pela forma
latinizada de seu nome “Linnaeus” [em português, Lineu]. Lineu defendia a
“ xidez das espécies”. Em outras palavras, a atual variedade de espécies que
pode ser observada no mundo natural representa a maneira como as coisas
foram no passado e é a forma como elas permanecerão. A classi cação
detalhada das espécies proposta por Lineu transmitia a impressão, para
muitos de seus leitores, de que a natureza era xa desde o momento de sua
origem. Isso parecia se encaixar consideravelmente bem com uma leitura
tradicional e popular dos relatos de criação de Gênesis, e sugeria que o
mundo botânico de hoje correspondia mais ou menos ao estabelecido na
criação. Cada espécie poderia ser considerada como tendo sido criada
separadamente e distintamente por Deus, e dotada de suas características
xas.
A principal di culdade aqui, apontada por Georges Buffon e outros, era
que as evidências fósseis sugeriam que certas espécies haviam sido extintas.
Em outras palavras, foram encontrados fósseis que continham restos
preservados de plantas (e animais) que agora não tinham contrapartida
conhecida na Terra. Isso não parece contradizer a suposição da xidez das
espécies? E se espécies antigas desapareceram, não poderiam surgir novas
para substituí-las? Outras questões pareciam causar alguma di culdade para
a teoria da criação especial – por exemplo, a distribuição geográ ca irregular
das espécies.
Em sua Origem das Espécies, Darwin estabeleceu com muito cuidado
por que a ideia de “seleção natural” deve ser considerada o melhor
mecanismo para explicar como a evolução das espécies ocorreu e como deve
ser entendida. Darwin argumenta que um processo pode ser discernido
dentro da natureza – “seleção natural” –, análogo ao processo de “seleção
arti cial” usado pelos criadores de gado. O primeiro capítulo de Origem das
Espécies, portanto, considera “variação sob domesticação” – isto é, a maneira
como plantas e animais domésticos são criados por agricultores. Darwin
observa como a criação seletiva permite que os agricultores criem animais
ou plantas com características particularmente desejáveis. Variações se
desenvolvem em gerações sucessivas através desse processo de criação e elas
podem ser exploradas para produzir características herdadas que são
consideradas de particular valor pelo criador. Esse processo familiar de
“seleção doméstica” ou “seleção arti cial” sugere que um mecanismo
semelhante parece operar na própria natureza. A “variação sob
domesticação” é apresentada como um análogo da “variação sob a natureza”.
A teoria da seleção natural de Darwin sugeria que se podia falar de
direcionalidade dentro da natureza, sem sugerir que houvesse progressão ou
propósito. A escolha da expressão “seleção natural” mostrou-se controversa,
pois, para alguns dos críticos de Darwin, parecia implícito que a natureza de
alguma forma ativa ou intencionalmente escolhia quais resultados evolutivos
seriam os preferidos. Não era isso o que Darwin pretendia. Ele estava
simplesmente a rmando que algum processo semelhante à “seleção
arti cial” parecia operar dentro da própria natureza. Darwin ofereceu um
mecanismo completamente naturalista para a evolução, que não dependia
de a natureza escolher ativamente seus próprios resultados. De fato, uma das
implicações mais signi cativas da teoria de Darwin é que qualquer noção de
teleologia ou propósito dentro da natureza se torna muito difícil de sustentar
– um ponto enfatizado por omas H. Huxley, ao sugerir que a de nição de
Darwin sobre a seleção natural havia questionado as noções tradicionais de
teleologia (embora não a noção de teleologia em si).
Ao nal, a teoria de Darwin apresentava muitas debilidades e pontas
soltas. Por exemplo, exigia que a especiação ocorresse; no entanto, a
evidência para isso era visivelmente ausente à época. O próprio Darwin
dedicou uma grande seção da Origem das Espécies para listar essas
di culdades com sua teoria, observando em particular a “imperfeição do
registro geológico”, que dava pouca indicação da existência de espécies
intermediárias e a “perfeição e complicação extremas” de certos órgãos
individuais, como o olho. Contudo, estava convencido de que eram
di culdades que podiam ser toleradas devido à clara superioridade
explicativa de sua abordagem. Ainda assim, embora Darwin não acreditasse
ter tratado adequadamente todos os problemas que exigiam solução, ele
estava con ante de que sua explicação era a melhor disponível:
Uma multidão de di culdades terá ocorrido ao leitor. Algumas delas são tão graves que até hoje
não consigo re etir sobre elas sem car desconcertado; mas, segundo o meu melhor julgamento,
a maioria é apenas aparente, e aquelas que são reais não são, penso eu, fatais para a minha
teoria.25
As teorias de Darwin, conforme expostas em Origem das Espécies (1859)
e A Descendência do Homem (1871), sustentam que todas as espécies –
incluindo a humanidade – são o resultado de um longo e complexo processo
de evolução biológica. As implicações religiosas disso serão evidentes. O
pensamento cristão tradicional considerava a humanidade separada do resto
da natureza, criada como o auge da criação de Deus, e apenas ela dotada da
“imagem de Deus”. A teoria de Darwin sugeria que a natureza humana
emergiu gradualmente, através de um longo período de tempo, e que
nenhuma distinção biológica fundamental poderia ser feita entre seres
humanos e animais em termos de origem e desenvolvimento.
Então, quais questões religiosas foram levantadas pela teoria de Darwin?
Ficará evidente a partir do relato histórico que acabamos de apresentar que a
explicação de Darwin para a origem das espécies levanta sérios problemas
para uma compreensão estática da ordem biológica. Como observamos na
seção anterior, isso está subjacente aos argumentos de William Paley sobre a
existência de Deus, com base em um apelo às complexidades da esfera
biológica. O crítico mais notável de Paley nos últimos anos é o zoólogo de
Oxford Richard Dawkins, cujo argumento é que a abordagem de Darwin
elimina qualquer noção de Deus criando ou projetando o mundo. Tudo
pode ser explicado, a rma ele, pelas forças cegas da seleção natural. Em seu
Blind Watchmaker [Relojoeiro cego] (1987), Dawkins aponta
implacavelmente as falhas do ponto de vista de Paley e a superioridade
explicativa da abordagem de Darwin, especialmente com as modi cações
introduzidas pela síntese neodarwiniana. Dawkins argumenta que a
abordagem de Paley é baseada em uma visão estática do mundo, tornada
obsoleta pela teoria de Darwin.
O próprio Dawkins é eloquente e generoso em sua descrição26 das
realizações de Paley, observando com apreço suas “descrições bonitas e
reverentes da maquinaria dissecada da vida”. Sem, de maneira alguma,
menosprezar a maravilha dos “relógios” biológicos que tanto fascinaram e
impressionaram Paley, Dawkins argumentou que a defesa de Deus por Paley
– embora feita com “sinceridade apaixonada” e “informada pelos melhores
estudos biológicos de seus dias” – está “completa e gloriosamente errada”. O
“único relojoeiro na natureza são as forças cegas da física”. Para Dawkins,
Paley é típico de sua época; suas ideias são inteiramente compreensíveis,
dada a sua localização histórica antes de Darwin. Mas ninguém, argumenta
Dawkins, poderia compartilhar dessas ideias hoje. Paley é obsoleto.
Essa é, portanto, talvez uma das questões religiosas mais óbvias
levantadas pelo surgimento do darwinismo – o enfraquecimento de um
argumento pela existência de Deus, que havia desempenhado um papel
importante no pensamento religioso britânico, popular e acadêmico, por
mais de um século. Certamente, o argumento poderia ser facilmente
rea rmado de formas mais apropriadas – um desenvolvimento que ocorreu
durante a segunda metade do século 19, quando muitos autores cristãos
enfatizaram que a evolução poderia ser vista como o meio pelo qual Deus
providencialmente dirigiu o que agora era entendido como um processo
estendido, em vez de um único evento.
Outra questão religiosa dizia respeito à interpretação da Bíblia. Muitas
das controvérsias relativas à ciência e religião se concentraram na questão da
interpretação bíblica. A controvérsia copernicana, por exemplo, levantou a
questão de saber se a Bíblia promovia ativamente uma visão geocêntrica do
universo ou se ela simplesmente foi interpretada dessa maneira por tempo
su ciente para que essa impressão se espalhasse. Uma questão semelhante
surgiu com o debate sobre o darwinismo.
É importante notar que o darwinismo se tornou particularmente
preocupante para os cristãos in uenciados pelas leituras literais do livro de
Gênesis. Sabe-se que tais leituras foram difundidas no protestantismo
popular na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos na primeira metade do
século 19, embora esquemas interpretativos mais sutis tenham sido
propostos por acadêmicos protestantes nos dois países. A despeito dessas
interpretações mais so sticadas dos relatos da criação em Gênesis, tornou-se
amplamente aceito, no nível popular, que a leitura da Bíblia pelo “senso
comum” leva a um entendimento de que criação do mundo e da
humanidade ocorreu em seis dias. O darwinismo estabeleceu um desa o
signi cativo tanto para essa leitura especí ca do livro de Gênesis quanto
para os modelos existentes de interpretação bíblica em geral. Os seis dias da
criação do Gênesis deveriam ser considerados literalmente como períodos
de 24 horas? Ou como períodos de tempo inde nidos? Era legítimo sugerir
que vastos períodos de tempo poderiam separar os eventos dessa narrativa?
Ou a narrativa da criação de Gênesis deveria ser interpretada como uma
narrativa histórica e culturalmente condicionada, re etindo os antigos mitos
babilônicos, que não poderiam ser tomados como uma narrativa cientí ca
das origens da vida em geral e da humanidade em particular? Os debates são
muitos e continuam até hoje.
Um terceiro ponto em que as teorias de Darwin levantam di culdades
para a teologia cristã tradicional diz respeito ao status da humanidade. Para
a maioria dos cristãos, a humanidade foi o ápice da criação de Deus,
distinguida do restante da ordem criada por ter sido criada à imagem de
Deus. Nessa leitura tradicional das coisas, a humanidade se encontrava
dentro da ordem criada como um todo, mas permanecia acima dela, devido
ao seu relacionamento único com Deus. Entretanto, a Origem das Espécies
de Darwin apresentava um desa o implícito a essa visão, que A
Descendência do Homem tornou explícito. A humanidade teria emergido de
dentro da ordem natural ao longo de um vasto período de tempo.
Se existia um aspecto de sua própria teoria da evolução que deixava
Charles Darwin se sentindo inquieto, eram suas implicações quanto ao
status e à identidade da raça humana. Em todas as edições de Origem das
Espécies, Darwin a rmava consistentemente que o mecanismo de seleção
natural que ele havia proposto não implicava nenhuma lei xa ou universal
de desenvolvimento progressivo. Além disso, ele rejeitava explicitamente a
teoria de Lamarck de que a evolução demonstrava uma “tendência inata e
inevitável à perfeição”. A conclusão inevitável deve, portanto, ser que os seres
humanos (agora entendidos como participantes do processo evolutivo, e não
meramente observadores) não podem, em nenhum sentido, ser
considerados o “objetivo” ou o “ápice” da evolução.
Não era uma ideia fácil para Darwin aceitar, nem para a época dele. A
conclusão de A Descendência do Homem fala da humanidade em termos
exaltados, apesar de insistir em suas origens biológicas “humildes”: “O
homem com todas as suas nobres qualidades [...] ainda carrega em seu
corpo a marca indelével de sua origem humilde”.27
Muitos darwinistas insistiriam que, como corolário de uma visão de
mundo evolutiva, devemos reconhecer que somos animais, parte do
processo evolutivo. O darwinismo, portanto, critica os pressupostos
absolutistas relativos ao lugar da humanidade na natureza que estão por trás
do “especismo” – termo um tanto deselegante, introduzido por Richard
Ryder, que ganhou maior importância através do especialista em ética
australiano Peter Singer (nascido em 1946), atualmente na cátedra Ira W.
DeCamp, de Bioética, na Universidade de Princeton. Tal questão tem
levantado di culdades consideráveis para além da esfera da religião
tradicional, na medida em que muitas teorias políticas e éticas se baseiam na
suposição de status privilegiado da humanidade na natureza, seja isso
justi cado por motivos religiosos ou seculares.
Então, como os cristãos têm respondido aos desa os da teoria da seleção
natural de Darwin? Durante um século e meio desde a publicação da
Origem das Espécies de Darwin, surgiram pelo menos quatro respostas
gerais.28
1. Criacionismo da Terra Jovem: essa posição representa a continuação da “leitura comum” de
Gênesis, que foi amplamente encontrada nos escritos populares e, pelo menos em alguns
acadêmicos, antes de 1800. Por essa visão, a Terra foi criada em sua forma básica entre 6 mil e 10
mil anos atrás. Os criacionistas da Terra jovem geralmente leem os dois primeiros capítulos do
livro de Gênesis de uma maneira que não admite nenhum tipo de criatura viva antes do Éden,
nem morte antes da Queda. A maioria dos criacionistas da Terra jovem sustenta que todos os
seres vivos foram criados simultaneamente, dentro do prazo proposto pela narrativa da criação
de Gênesis, com a palavra hebraica yom (“dia”) signi cando um período de 24 horas. Os
registros fósseis, que apontam para uma escala de tempo muito maior e para a existência de
espécies extintas, costumam ser compreendidos como datando da época do dilúvio de Noé. Esse
ponto de vista é muitas vezes, mas não universalmente, declarado na forma de criação de 144
horas e inundação universal. Talvez o mais notável criacionista da Terra jovem tenha sido Henry
Madison Morris (1918–2006), fundador do Institute for Creation Research [Instituto para
Pesquisa da Criação], que desempenhou um importante papel ao defender a resistência ao
pensamento evolutivo nas igrejas e escolas americanas.
2. Criacionismo da Terra Antiga: essa visão tem uma longa história e é provavelmente a opinião
da maioria dentro dos círculos protestantes conservadores. Ela não tem nenhuma di culdade
particular com a idade antiga do mundo e argumenta que a abordagem da “Terra jovem” exige
modi cações em pelo menos dois aspectos. Primeiro, que a palavra hebraica yom precisaria ser
interpretada como um “particípio de tempo inde nido” (não muito diferente da palavra em
inglês “while”), signi cando um período indeterminado de tempo, que recebe especi cidade por
seu contexto. Em outras palavras, a palavra “dia” na narrativa da criação de Gênesis deve ser
interpretada como um longo período de tempo, não um período especí co de 24 horas.
Segundo, que pode haver uma grande lacuna entre Gênesis 1.1 e Gênesis 1.2. Em outras palavras,
a narrativa não é entendida como contínua, mas abrindo caminho para a intervenção de um
período substancial de tempo entre o ato primordial de criação do universo e o surgimento de
vida na Terra. Esse ponto de vista é defendido pela famosa Bíblia de Estudo Sco eld, publicada
pela primeira vez em 1909, embora essas ideias possam ser rastreadas até escritores anteriores,
como o grande escocês omas Chalmers (1780–1847), do século 19.
3. Design Inteligente: esse movimento, que ganhou considerável in uência nos Estados Unidos
nos últimos anos, argumenta que a biosfera tem uma “complexidade irredutível” que torna
impossível explicar suas origens e desenvolvimento por qualquer outro método que não seja o de
design. O design inteligente não nega a evolução biológica; sua crítica mais fundamental ao
darwinismo é teleológica – que a evolução não tem objetivo. O movimento do Design Inteligente
argumenta que o darwinismo padrão enfrenta di culdades explicativas signi cativas, que só
podem ser resolvidas adequadamente através da criação intencional de espécies individuais. Seus
críticos argumentam que essas di culdades são exageradas ou que serão oportunamente
resolvidas por futuros avanços teóricos. Embora o movimento evite a identi cação direta de
Deus como esse designer inteligente (presumivelmente por razões políticas), é claro que essa
suposição é intrínseca aos seus métodos de trabalho. O movimento está particularmente
associado a Michael Behe (nascido em 1952), autor de A Caixa Preta de Darwin, e William A.
Dembski (nascido em 1960), autor de Intelligent Design: e Bridge between Science and eology
[Design inteligente: a ponte entre ciência e teologia]. Dembski e Behe são colegas no Discovery
Institute, com sede em Seattle.
4. Teísmo evolutivo [ou Criação Evolutiva]: uma abordagem nal sustenta que a evolução deve
ser entendida como o método escolhido por Deus para trazer a vida à existência a partir de
materiais inorgânicos e criar complexidade dentro da vida. Enquanto o darwinismo dá espaço
signi cativo a eventos aleatórios no processo evolutivo, o teísmo evolucionário vê o processo
como guiado divinamente. Alguns teístas evolutivos propõem que cada nível de complexidade
seja explicado com base em “Deus operando dentro do sistema”, possivelmente no nível
quântico. Outros, como Howard van Till, adotam uma perspectiva de “criação totalmente
dotada”, argumentando que Deus incorporou o potencial para o surgimento e a complexidade da
vida no ato inicial da criação, de modo que não são necessários outros atos de intervenção
divina. Van Till argumenta que o caráter da ação criativa divina não é melhor expresso em
termos de “referência a intervenções ocasionais em que uma nova forma é imposta a matériasprimas que são incapazes de atingir essa forma com suas próprias capacidades”, mas sim por
referência a “Deus conferindo ser a uma criação totalmente equipada com as capacidades
criativas de se organizar e/ou se transformar em uma diversidade de estruturas físicas e formas
de vida”. Variações sobre essas abordagens são encontradas em outros lugares, como nos escritos
de Arthur Peacocke (1924–2006).
Esses termos são, é claro, abertos a críticas. Autores, como o lósofo da
biologia Francisco Ayala (nascido em 1934), por exemplo, têm ressaltado o
fato de que o “criacionismo” e o “design inteligente” podem ser interpretados
de formas completamente convencionais, abertas à evolução biológica.
Outros têm destacado que o termo “teísmo evolutivo” pode ser usado para
sugerir que seus adeptos não acreditam na criação divina de todas as coisas.
De fato, o teísmo evolutivo sustenta que a criação deve ser entendida como
evento e processo, e não como um evento simples no passado.
O “BIG BANG”: NOVOS INSIGHTS SOBRE AS ORIGENS DO UNIVERSO
A questão da origem do universo é, sem dúvida, uma das áreas mais
fascinantes de análise e debate cientí cos modernos. Que existem dimensões
religiosas neste debate cará claro. Sir Bernard Lovell (1913–2012), o notável
pioneiro britânico da radioastronomia, é um dos muitos a observar que a
discussão sobre as origens do universo inevitavelmente levanta questões
fundamentalmente religiosas. Mais recentemente, o físico Paul Davies
chamou a atenção para as implicações da “nova física” para pensar sobre
Deus, especialmente em seu livro amplamente lido Deus e a Nova Física.
É importante compreender que o consenso cientí co antes da Primeira
Guerra Mundial considerava que o universo era eterno. Essa era a opinião
do grande lósofo grego clássico Aristóteles, que exerceu considerável
in uência sobre o desenvolvimento das ciências naturais na Europa
Medieval. A ênfase de Aristóteles em certos aspectos do método empírico –
como a necessidade de “preservar os fenômenos” – foi inquestionavelmente
útil para o surgimento das ciências naturais. Entretanto, é frequentemente
esquecido que Aristóteles estava comprometido com uma série de visões
estabelecidas não empíricas, que sem dúvida di cultaram o
desenvolvimento cientí co. Um exemplo é sua visão sobre a natureza
perfeita dos corpos celestes – como o Sol e a Lua – que foi posta em questão
pela descoberta de manchas solares e crateras lunares no início do século 17,
principalmente como resultado das observações telescópicas de Galileu.
As visões de Aristóteles sobre a eternidade do universo dominaram o
universo imaginativo da Antiguidade Clássica tardia e da Idade Média. Os
primeiros autores cristãos contestaram Aristóteles nesse ponto. Agostinho
de Hipona, por exemplo, argumentava no início do século 5 que Deus
trouxe tudo à existência em um único momento da criação. No entanto, essa
ordem criada não era estática, mas dotada da capacidade de se desenvolver.
Assim, em vez de ter sido criado em sua forma de nitiva nal, o universo foi
mudando ao longo do tempo, tornando-se o que Deus pretendia que viesse a
ser. Tomás de Aquino assumiu uma posição semelhante, deixando claro seu
desacordo com Aristóteles sobre esse ponto. Tomás de Aquino se apropriou
dos métodos de Aristóteles de maneira apreciativa em muitos pontos – mas
não nessa questão.
No nal do século 19, o consenso cientí co continuou sendo uma versão
reconhecível da noção de permanência do universo de Aristóteles. Em seu
best-seller Worlds in the Making [Mundos em construção] (1908), o físico
sueco e Prêmio Nobel Svante August Arrhenius declarou que a ciência
moderna revelava um universo in nito e autoperpetuante, sem começo nem
m. “O universo em sua essência sempre foi o que é agora. Matéria, energia
e vida só variaram quanto à forma e posição no espaço.”29 Embora matéria e
energia pudessem estar sujeitas a realocação dentro do universo, o sistema
como um todo permanecia inalterado.
Essa visão manteve-se in uente, especialmente em círculos intelectuais
mais amplos, nos anos de 1950. Em 1948, por exemplo, o lósofo ateu
Bertrand Russell argumentava que o universo não exigia explicação – por
exemplo, por um apelo a Deus. Como o universo sempre existiu, o fato
bruto de sua existência não precisa ser explicado. Isso, é claro, foi
dramaticamente questionado pela crescente percepção de que o universo
parecia ter um começo – a ideia que agora conhecemos como o “Big Bang”.
Pode-se argumentar que as origens da teoria do “Big Bang” estão na
teoria geral da relatividade proposta por Albert Einstein (1879-1955). A
teoria de Einstein foi proposta em um momento em que o consenso
cientí co favorecia a noção de um universo estático. As equações que
Einstein derivou para descrever os efeitos da relatividade foram
interpretadas por ele em termos de equilíbrio gravitacional e levitacional.
No entanto, o meteorologista russo Alexander Friedmann (1888–1925)
notou que as soluções para as equações que ele próprio derivava indicavam
um modelo bastante diferente. Se o universo era perfeitamente homogêneo e
estava em expansão, então o universo deveria ter se expandido de um estado
inicial singular em algum ponto do passado caracterizado por raio zero e
densidade, temperatura e curvatura in nitos. Outras soluções para as
equações sugeriram um ciclo de expansão e contração. A análise foi
desconsiderada, provavelmente por não estar em conformidade com o
ponto de vista de consenso na comunidade cientí ca.
Durante o período entre 1900 e 1931, os astrônomos testemunharam
três mudanças dramáticas em sua visão do universo. Primeiro, o valor aceito
do tamanho do sistema estelar aumentou por um fator de dez; segundo, o
trabalho de Edwin Hubble (1883-1953) levou à percepção de que existem
outros sistemas estelares além de nossa própria galáxia; e terceiro, o
comportamento dessas galáxias situadas além da nossa indicava que o
universo estava se expandindo. A expansão do universo era uma ideia difícil
de aceitar na época, pois implicava claramente que o universo havia
evoluído de um estado inicial muito denso – em outras palavras, que o
universo teve um começo.
Alguns astrônomos resistiam a qualquer sugestão desse tipo, às vezes
temendo as implicações religiosas em potencial da ideia das origens do
universo. Em 1948, Fred Hoyle e outros desenvolveram uma teoria do
“estado estacionário” do universo, a rmando que não se podia dizer que o
universo, embora em expansão, tivesse tido um começo. Matéria era criada
continuamente para preencher os vazios decorrentes da expansão cósmica.
Não havia necessidade de propor um “big bang” – termo pejorativo
inventado por Hoyle com a intenção de desacreditar a noção das origens do
universo.
A opinião começou a mudar decisivamente na década de 1960,
principalmente devido à descoberta da radiação cósmica de fundo. Em
1965, Arno Penzias e Robert Wilson estavam trabalhando em uma antena
experimental de micro-ondas nos Laboratórios Bell, em Nova Jersey. Eles
estavam passando por algumas di culdades. Independentemente da direção
em que apontavam a antena de rádio, captavam um ruído de fundo
inoportuno e indesejado, que simplesmente não conseguiam eliminar. A
explicação inicial desse fenômeno era de que pombos empoleirados na
antena estavam interferindo nela. No entanto, mesmo após a partida forçada
desses pássaros agressores, o chiado permaneceu.
Foi apenas uma questão de tempo até que o signi cado completo desse
irritante chiado de fundo fosse compreendido. Poderia ser entendido como
o “resplendor” de um “big bang” – uma explosão cósmica primordial, cuja
existência havia sido proposta em 1948 por Ralph Alpher e Robert Herman.
Quando vista ao lado de outras evidências, essa radiação de fundo forneceu
um apoio signi cativo à ideia de que o universo tivera um começo, o que
causou di culdades signi cativas à teoria rival do “estado estacionário”, de
Hoyle.
Desde então, os elementos básicos do modelo cosmológico padrão
tornaram-se esclarecidos e têm garantido amplo apoio na comunidade
cientí ca. Embora ainda existam signi cativas áreas de debate, esse modelo
– desenvolvido na década de 1990 e anos seguintes para chegar ao “LambdaCDM” ou “modelo cosmológico padrão” – é amplamente aceito por oferecer
a melhor ressonância com evidências observacionais, apesar das
preocupações de que alguns dos seus pressupostos estão além da veri cação
empírica.
Esse “modelo padrão” sugere que o universo se originou cerca de 13,8
bilhões de anos atrás e que vem se expandindo e esfriando desde então.
(Entretanto, esse número está sujeito a alterações à luz do aperfeiçoamento
contínuo do modelo “Lambda-CDM”.) As duas evidências mais
signi cativas em apoio a essa teoria são a radiação cósmica de fundo em
micro-ondas e a abundância relativa de núcleos leves (como hidrogênio,
deutério e hélio) sintetizados no rescaldo imediato do “Big Bang”. Isso
implica a constatação de que a origem do universo deve ser reconhecida
como uma singularidade – um evento único, algo que nunca pode ser
repetido e, portanto, nunca sujeito à análise experimental precisa que alguns
consideram característica do método cientí co.
Foi um desenvolvimento dramático, que causou uma mudança radical
no pensar com respeito à linguagem religiosa sobre a “criação”. Costuma ser
dito por apologistas ateus que a ciência corroeu a plausibilidade da fé ao
longo do último século. E talvez isso possa ser verdade em alguns aspectos.
No entanto, em outros, é comprovadamente falso. O “modelo cosmológico
padrão” ressoa fortemente com uma narrativa cristã da criação.
O modelo de “estado estacionário” do universo, proposto por Hoyle, era
a cosmologia preferida dos ateus no início dos anos de 1960, pois parecia
eliminar qualquer possibilidade de “criação”. Falando no Instituto de
Tecnologia de Massachusetts, em 1967, Steven Weinberg observou30 que “a
teoria do estado estacionário é loso camente a teoria mais atraente, porque
é a que menos se assemelha à descrição dada em Gênesis”. Infelizmente, ele
admitiu, a teoria de Hoyle parecia agora estar errada. “É uma pena que a
teoria do estado estacionário seja contradita pelo experimento.”
Como veremos mais adiante nesta obra, o reconhecimento de que o
universo teve uma origem reacendeu o interesse pela narrativa cristã da
criação do mundo e por como ela se correlaciona com uma narrativa
cientí ca de origem. A ideia de que o progresso cientí co exige
constantemente recuo teológico é claramente uma simpli cação grosseira!
Esse diálogo potencialmente produtivo e construtivo teria sido inconcebível
antes da Primeira Guerra Mundial. Entretanto, o diálogo é ainda mais rico e
cheio de nuanças do que isso, devido ao reconhecimento do “ajuste no” das
constantes fundamentais da natureza para o surgimento da vida. Como
veremos mais adiante nesta obra, o argumento sobre fenômenos
“antrópicos” é fascinante e potencialmente insolúvel. O debate continua.
Este capítulo forneceu um contexto histórico importante para a
discussão da relação entre ciência e religião, concentrando-se em quatro
debates e discussões dos séculos 16, 18, 19 e 20, que continuam a informar e
estimular discussões mais recentes sobre a relação entre ciência e fé em
geral, bem como sobre certos aspectos especí cos desse relacionamento. Há,
é claro, muitas outras discussões que merecem atenção – algumas das quais
serão consideradas mais adiante no capítulo 6. Nossa atenção agora, no
entanto, passa para alguns dos grandes debates na loso a da ciência que
claramente têm signi cado teológico, o que será considerado no próximo
capítulo.
SUGESTÕES DE LEITURA
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Notas
11 John Hedley Brooke, Science and Religion: Some Historical Perspectives [Ciência e religião: algumas
perspectivas históricas]. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 6.
12 Peter Harrison, ‘Introdução,’ em e Cambridge Companion to Science and Religion [publicado no
Brasil como Ciência e Religião], editado por Peter Harrison. Cambridge: Cambridge University Press,
2010, pp. 1–18.
13 omas Dixon, Science and Religion: A Very Short Introduction [Ciência e Religião: Uma muito
breve introdução]. Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 9.
14 Colin A. Russell, ‘e Con ict Metaphor and its Social Origins’ [A metáfora do con ito e suas
origens sociais]. Science and Christian Belief, 1 (1989): 3–26.
15 Peter Harrison, Os Territórios da Ciência e da Religião. Viçosa, MG: Ultimato, 2017.
16 Jerry A. Coyne, Faith vs. Fact: Why Science and Religion are Incompatible [Fé versus Fato: por que
ciência e religião são incompatíveis]. New York: Viking, 2015, p. xii.
17 Esse comentário foi tirado da crítica de Wilberforce a Origem das Espécies, publicada no e
Quarterly Review, 108 (Julho 1860): 225–264.
18 Charles Darwin to Joseph Hooker, 20(?) July 1860; Francis Darwin, ed. e Life and Letters of
Charles Darwin [A vida e as cartas de Charles Darwing] (3 vols). London: John Murray, 1887, vol. 2,
p. 234.
19 Peter Harrison, e Bible, Protestantism and the Rise of Natural Science [A Bíblia, protestantismo, e
o surgimento da ciência natural]. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, pp. 4–5.
20 Citado em Richard J. Blackwell, Galileo, Bellarmine and the Bible [Galileu, Belarmino e a Bíblia].
Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 1991, pp. 94–95.
21 Ibidem, p. 95.
22 Citado em Owen Chadwick, From Bossuet to Newman: e Idea of Doctrinal Development [De
Bossuet a Newman: a ideia do desenvolvimento doutrinal]. Cambridge: Cambridge University Press,
1957, p. 20.
23 No original, contrived. O substantivo correspondente, contrivance, no presente contexto, traria a
ideia de habilidade inventiva ou engenhosidade, tanto com o sentido de criatividade quanto de
referência a um aparelho, engenho ou máquina. [N.T.]
24 Charles Darwin, On the Origin of the Species by Means of Natural Selection [A Origem das espécies
por meio da seleção natural]. London: John Murray, 1859, p. 1.
25 Charles Darwin, On the Origin of the Species by Means of Natural Selection [A Origem das espécies
por meio da seleção natural]. London: John Murray, 1859, p. 171.
26 Richard Dawkins, e Blind Watchmaker: Why the Evidence of Evolution Reveals a Universe without
Design [O relojoeiro cego: por que a evidência da evolucão revela um universo sem design]. New
York: W. W. Norton, 1986, p. 5.
27 Charles Darwin, e Descent of Man [A descendência do homem]. London: John Murray, 1871, p.
405.
28 Para uma discussão detalhada destes quatro pontos, veja A origem: quatro visões sobre criação,
evolução e design inteligente, de Ken Ham, Hugh Ross, Deborah. B. Haarsma e Stephen C. Meyer,
publicado pela omas Nelson Brasil em 2019. [N.T.]
29 Svante Arrhenius, Worlds in the Making: e Evolution of the Universe. [Mundos em construção: a
evolução do universo] New York: Harper, 1908, p. xiv.
30 F. J. Tipler, C. J. S. Clarke, and G. F. R. Ellis, ‘Singularities and Horizons – A Review Article,’ in
General Relativity and Gravitation: One Hundred Years aer the Birth of Albert Einstein, editado por A.
Held. New York: Plenum Press, 1980, pp. 97–206; a citação de Weinberg se encontra na p. 110.
E
m termos muito gerais, a disciplina da loso a da ciência trata das
questões losó cas associadas ou decorrentes das ciências naturais.
Exemplos dessas questões incluem: O que é uma lei da natureza? Que
tipo de dados pode ser usado para distinguir entre causas reais e
regularidades acidentais? De que tipo de evidência precisamos antes de
aceitar hipóteses? Por que os cientistas usam modelos e teorias que eles
sabem que são, pelo menos parcialmente, imprecisos e sujeitos a revisão?
Algumas dessas indagações se sobrepõem aos temas tradicionais da
loso a, levantando a questão de até que ponto a loso a da ciência pode
ser considerada uma disciplina especí ca. Isso pode ser avaliado ao
considerar as “leis da natureza”, que tentam representar a regularidade ou
ordem que parece existir dentro da natureza. Essa “regularidade” está
realmente presente na própria natureza? Ou é algo imposto à natureza pela
mente humana? Esse “caráter de lei” é discernido dentro da natureza ou
projetado sobre ela? Esse debate sobre a tendência da mente humana de gerar
e impor padrões à observação, que recebeu um importante estímulo durante
o nal do século 18 pelo lósofo escocês David Hume, é de interesse
losó co geral; no entanto claramente tem um signi cado particular para as
ciências naturais.
Outras discussões losó cas têm uma relação mais especí ca com as
ciências naturais. Por exemplo, suponha que certo experimento, que sugere a
existência de um tipo de partícula, seja realizado. Essa partícula não pode
ser observada, mas sua existência parece estar implícita no comportamento
de outros aspectos do sistema. Então, qual é o status dessa partícula
hipotética e não observada? Pode-se dizer que realmente “existe”? Para
alguns autores, as únicas coisas que “realmente existem” são as próprias
observações experimentais. A partícula teórica é apenas uma “ cção útil”,
uma maneira útil de explicar os fenômenos. Outros, no entanto, sustentam
que a melhor explicação de por que as teorias cientí cas funcionam refere-se
ao fato de que elas representam uma descrição ou representação do modo
como as coisas são – em outras palavras, que alguma forma de realismo
representa a melhor explicação do sucesso das ciências naturais.
Muitas questões em loso a da ciência são relevantes para a re exão
religiosa ou teológica, além de oferecerem uma ponte conceitual e
metodológica entre ciência e teologia. Existem paralelos óbvios entre
discussões cientí cas e teológicas em vários pontos, como o que signi ca
explicar alguma coisa, se a realidade é uma construção livre da mente
humana e quais critérios podem ser usados para avaliar possíveis descrições
ou explicações da realidade.
O presente capítulo tem como objetivo abordar alguns dos principais
temas da loso a da ciência e explorar como eles têm um signi cado mais
amplo na re exão sobre questões religiosas. O capítulo 4 vai, então, explorar
como a loso a da religião se baseou nas ideias das ciências naturais.
Começamos nossa discussão considerando a questão de se as teorias
cientí cas nos oferecem representações da natureza do universo ou se são
simplesmente cções úteis para nos ajudar a prever o que acontece dentro
do universo.
FATO E FICÇÃO: REALISMO E INSTRUMENTALISMO
O termo “realismo” é geralmente usado para se referir a um grupo de
loso as que a rmam a existência de uma realidade externa e que a mente
humana é de alguma forma capaz de copiar ou representar isso. Assim, por
que o realismo tem sido tão in uente nas ciências naturais? Para muitos, a
melhor explicação para o sucesso das ciências naturais é a crença de que as
teorias cientí cas oferecem descrições reais do mundo. “Se o realismo
cientí co e as teorias em que se baseia não fossem corretos, não haveria
explicação de por que o mundo observado é como se elas fossem corretas;
esse fato seria absurdo, se não milagroso” (Michael Devitt).31
Nessa abordagem, a explicação mais simples e mais convincente do que
faz as teorias funcionarem é que elas oferecem uma explicação do modo
como as coisas realmente são. Se as a rmações teóricas das ciências naturais
não estivessem corretas, seu enorme sucesso empírico pareceria apenas
fruto de coincidência. Como observou o físico e teólogo John Polkinghorne:
A explicação naturalmente convincente do sucesso da ciência é que ela obtém uma compreensão
cada vez mais rigorosa da realidade existente. O verdadeiro objetivo do esforço cientí co é
entender a estrutura do mundo físico, um entendimento que nunca é completo, mas é passível de
aprimoramentos adicionais. Os termos desse entendimento são ditados pela maneira como as
coisas são.32
Por razões como essas, os cientistas naturais tendem a ser realistas, pelo
menos no sentido amplo desse termo. Parece para muitos que o sucesso das
ciências naturais mostra que, de alguma maneira, conseguiram descobrir
como as coisas realmente são ou apreenderam algo que é fundamental da
estrutura do universo. A importância desse ponto é considerável,
principalmente porque levanta a questão de saber se os teólogos que
desejam argumentar pela existência independente de Deus (e não como uma
construção da mente humana) podem aprender alguma coisa com as formas
de realismo associadas às ciências naturais. Esta seção tem como objetivo
explorar essa questão, começando com um exame da natureza do realismo,
antes de passar a considerar suas alternativas.
Realismo
O termo “realismo” denota uma família de posições losó cas que
adotam a visão geral de que existe um mundo real, externo à mente humana,
com o qual a mente humana pode entrar em contato, entendendo-o e
representando-o, mesmo que parcialmente. A credibilidade do realismo
deriva diretamente dos sucessos do método experimental ao revelar padrões
de comportamento observacional que parecem ser mais bem-explicados
com base em um ponto de vista realista. Como observa o lósofo da ciência
Michael Redhead:
Os físicos, em sua atitude não re exiva e intuitiva em relação ao seu trabalho, à maneira como
falam e pensam entre si, tendem a ser realistas sobre as entidades com as quais lidam e, apesar de
serem provisórios quanto ao que dizem sobre essas entidades, suas propriedades e inter-relações
exatas, eles geralmente sentem que o que estão tentando fazer, e até certo ponto com sucesso, é
aprender a “lidar com a realidade”.33
O realismo cientí co é, portanto, pelo menos em parte, uma tese
empírica. Sua plausibilidade e con rmação surgem do envolvimento direto
com o mundo real, através de repetidas observações e experimentos. Não
deve ser pensado primordialmente como uma a rmação metafísica sobre
como o mundo é ou deveria ser. Em vez disso, trata-se de uma a rmação
focada e limitada, que tenta explicar por que certos métodos cientí cos
funcionam tão bem na prática.
O realismo, como defendido pela lósofa Hilary Putnam e outros, é a
única explicação para as teorias e os conceitos cientí cos que não “tornam o
sucesso da ciência um milagre”. A menos que as entidades teóricas
empregadas pelas teorias cientí cas realmente existam e as próprias teorias
sejam, pelo menos, descrições aproximadamente verdadeiras do mundo em
geral, o sucesso evidente da ciência (em termos de suas aplicações e
previsões) certamente seria um milagre. O argumento para o realismo
baseado no sucesso cientí co pode ser apresentado assim:
1 Os sucessos das ciências naturais são muito maiores do que os que
podem ser explicados pelo acaso ou por milagres.
2 A melhor explicação para esse sucesso é que as teorias cientí cas
oferecem descrições verdadeiras, ou aproximadamente verdadeiras,
da realidade.
3 O realismo cientí co é, portanto, justi cado com base em seus
sucessos.
O realismo, como observado anteriormente, refere-se a uma família de
loso as. Uma forma de realismo que recebeu atenção especial no diálogo
entre ciência e religião é geralmente conhecida como “realismo crítico”.
Muitas vezes, se faz uma distinção entre um “realismo ingênuo”, que sustenta
que a realidade afeta diretamente a mente humana, sem nenhuma re exão
por parte do conhecedor, e um “realismo crítico”, que reconhece que a mente
humana tenta expressar e acomodar essa realidade da melhor maneira
possível, com as ferramentas à sua disposição – como fórmulas matemáticas
ou modelos mentais. Ambas as formas de realismo podem ser contrastadas
com várias formas de não realismo ou antirrealismo, favoráveis à visão de
que a mente humana constrói livremente suas ideias sem nenhuma
referência a um suposto mundo externo.
A principal característica de um “realismo crítico” é o reconhecimento
de que a mente humana está ativa no processo de percepção. Longe de ser
uma destinatária passiva do conhecimento do mundo externo, ela constrói
ativamente esse conhecimento usando “mapas mentais”, geralmente
conhecidos como esquemas. Esse argumento foi proposto pelo psicólogo da
religião William James (1842–1910) em 1878 e tem sido amplamente aceito
desde então.
O conhecedor é um ator, coprodutor da verdade, por um lado, enquanto, por outro, registra a
verdade que ajuda a criar. Interesses mentais, hipóteses, postulados, na medida em que são bases
para a ação humana – ação que em grande parte transforma o mundo –, ajudam a criar a
verdade que eles declaram.34
Mais recentemente, o estudioso do Novo Testamento N. T. Wright
(nascido em 1948) ofereceu uma apresentação útil dessa abordagem, que ele
descreve como:
[...] uma maneira de descrever o processo de “conhecer” que reconhece a realidade da coisa
conhecida, como algo outro que não o conhecedor (daí “realismo”), enquanto também reconhece
plenamente que o único acesso que temos a essa realidade encontra-se ao longo do caminho
espiralado do diálogo ou da conversa apropriada entre o conhecedor e a coisa conhecida (daí
“crítico”).35
Essa compreensão não coloca em questão a noção de que existe um
mundo independente do observador. Trata-se de reconhecer que o
conhecedor está envolvido no processo de conhecimento e que esse
envolvimento deve, de alguma forma, ser expresso dentro de uma
perspectiva realista do mundo.
Mas e as alternativas ao realismo? As duas frequentemente consideradas
mais signi cativas são o idealismo e o instrumentalismo, os quais
consideramos agora.
Idealismo
O idealismo é uma abordagem ao nosso conhecimento do mundo que
admite que os objetos físicos existem no mundo, embora sustentando que
podemos conhecer apenas como as coisas nos aparecem, ou são
experimentadas por nós, não as coisas como são em si mesmas. A versão
mais familiar dessa abordagem é a associada ao grande lósofo idealista
alemão Immanuel Kant (1724–1804), que argumentou que devemos lidar
com aparências ou representações, e não com coisas em si mesmas. Kant,
assim, faz uma distinção entre o mundo da observação (os “fenômenos”) e
as “coisas em si”, sustentando que essas últimas nunca podem ser conhecidas
diretamente. O idealista sustentará, assim, que podemos ter conhecimento
da maneira pela qual as coisas nos aparecem através da atividade
ordenadora da mente humana. No entanto, não podemos ter conhecimento
de realidades independentes da mente.
Essa visão é expressa com muita força na abordagem geralmente
conhecida como “fenomenalismo”, que sustenta que não podemos conhecer
realidades extramentais diretamente, mas apenas através de suas
“aparências” ou “representações”. Embora essa visão seja relativamente
incomum nas ciências naturais, ela foi defendida por um número
signi cativo de guras, incluindo o físico Ernst Mach. Para Mach, as
ciências naturais dizem respeito ao que é dado imediatamente pelos
sentidos. A ciência diz respeito apenas à investigação da aparente
“dependência de fenômenos uns dos outros”. Isso levou Mach a ter uma
visão fortemente negativa da hipótese atômica, argumentando que os
átomos eram meramente cções úteis ou construções teóricas que não
podem ser observadas. Os átomos não eram, portanto, “reais”; eram
simplesmente noções ctícias úteis que ajudavam os observadores a
entender a relação entre vários fenômenos observados. A preocupação
central é “preservar os fenômenos” – uma expressão usada pela primeira vez
por Aristóteles – que enfatiza a prioridade da observação experimental
sobre a re exão teórica. No nal, uma teoria será julgada pela medida em
que é capaz de acomodar as observações existentes, seja ou não capaz de
prever observações adicionais novas e inesperadas.
É útil observar aqui que duas das teorias cientí cas mais importantes
desenvolvidas nos últimos dois séculos – a teoria da evolução por seleção
natural, de Charles Darwin, e a teoria da relatividade geral de Albert
Einstein – foram altamente bem-sucedidas em explicar observações
conhecidas. Embora Darwin tenha deixado claro que sua teoria não previa e
não podia prever novas observações, Einstein identi cou novas observações
que seriam esperadas, se sua teoria estivesse correta. Isso incluía o fenômeno
das lentes gravitacionais, em que a distorção do espaço-tempo devido à
in uência gravitacional do Sol faz com que a [trajetória da] luz se curve em
uma extensão maior do que a prevista pela mecânica newtoniana.
Mach, no entanto, aparentemente in uenciado por uma estrutura
losó ca kantiana, argumentou que era impossível passar do mundo dos
fenômenos para o mundo das “coisas em si”. Portanto, não podemos ir além
do mundo da experiência. Apesar disso, Mach estava preparado para
permitir o uso de “conceitos auxiliares”, que servem como pontes que ligam
uma observação à outra, desde que se entenda que elas não têm existência
real. São “produtos do pensamento” que “existem apenas em nossa
imaginação e entendimento”.
O ponto em questão na discussão de Mach é de considerável
importância e é frequentemente discutido em termos das expressões
técnicas “entidades hipotéticas”, “termos teóricos” ou “inobserváveis”. A
questão básica é se algo precisa ser visto antes que se possa a rmar que esse
algo existe. Mach, que defendia que as ciências naturais estavam interessadas
apenas em reportar observações experimentais, sustentava que a ciência não
estava comprometida em defender a existência real e independente de
entidades “inobservadas” ou “teóricas”, que tais observações poderiam
sugerir – como átomos.
As opiniões de Mach foram contestadas e, nalmente, refutadas por
Albert Einstein. Em um de seus notáveis trabalhos cientí cos de 1905,
Einstein ofereceu uma explicação do enigmático fenômeno conhecido como
“movimento browniano” – a observação de que partículas muito pequenas
de matéria, quando suspensas em um líquido, não permanecem
estacionárias, mas se movem aleatoriamente. Einstein considerou que essas
partículas se moviam em padrões irregulares por causa do movimento
molecular do líquido no qual estão suspensas. A análise teórica de Einstein
deixou claro que, embora não fosse possível ver átomos ou moléculas, sua
existência real poderia, contudo, ser inferida a partir das propriedades das
partículas suspensas no líquido. Há importantes paralelos aqui com a
proposta de gravidade de Isaac Newton. Para Newton, a gravidade era uma
inferência cientí ca legítima de um fenômeno observável à entidade não
observável que melhor o explica. Da mesma forma, átomos não foram
observados; sua existência foi inferida. Ainda assim, esse processo de
inferência era robusto e gerava novas hipóteses abertas à con rmação
empírica.
Instrumentalismo
O instrumentalismo sustenta que conceitos e teorias cientí cas são
meramente instrumentos úteis, cujo valor é medido não pelo fato de os
conceitos e as teorias serem verdadeiros ou falsos, ou pelo quão
corretamente descrevem a realidade, mas por quão e cazes são em
correlacionar e prever os fenômenos. Não são descrições verdadeiras de uma
realidade inobservável, mas apenas maneiras úteis de organizar observações.
Uma teoria cientí ca é melhor entendida como uma regra, princípio ou
dispositivo de cálculo para derivar previsões a partir de conjuntos de dados
observacionais.
As características típicas do instrumentalismo podem ser estudadas a
partir dos comentários de Ernest Nagel sobre o modelo cinético dos gases.
Esse modelo propõe que as moléculas de um gás podem ser consideradas
análogas a objetos esféricos inelásticos, como bolas de bilhar. Nagel
argumenta que essa abordagem nada mais é do que um instrumento útil
para entender as observações.
A teoria de que um gás é um sistema de moléculas que se movem rapidamente não é uma
descrição de algo que tenha sido ou possa ser observado. A teoria é antes uma regra que
prescreve uma maneira de representar simbolicamente, para certos ns, entes tais como a
pressão e a temperatura observáveis de um gás; e a teoria mostra, entre outras coisas, como,
quando certos dados empíricos sobre um gás são fornecidos e incorporados a esta representação,
podemos calcular a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura do gás de um
determinado número de graus (ou seja, podemos calcular o calor especí co do gás).36
Os conceitos cientí cos, embora estejam claramente fundamentados nas
observações do mundo natural, não devem, portanto, ser identi cados ou
reduzidos a essas observações. Da mesma forma, Stephen Toulmin
argumenta que, em vez de falar sobre a “existência” ou “realidade” de
entidades como elétrons, os cientistas deveriam reconhecer que tal
linguagem não é usada para se referir a uma entidade real. A questão tem a
ver com a forma como as observações são organizadas, com o objetivo de
estimular novas pesquisas ou prever o comportamento dos sistemas no
futuro.
Mais recentemente, o lósofo da ciência Bas van Fraassen desenvolveu o
“empirismo construtivo”, que incorpora alguns temas instrumentalistas. Ele
faz uma distinção entre um realista, que sustenta que a ciência visa dar uma
descrição literalmente verdadeira de como é o mundo, e o que ele chama de
“empirista construtivo”, para o qual a aceitação de uma teoria não envolve
comprometimento com a verdade dessa teoria, mas com a crença de que ela
preserva adequadamente os fenômenos aos quais se relaciona:
Ser um empirista é suspender a crença em qualquer coisa que vá além dos fenômenos atuais
observáveis e não reconhecer nenhuma modalidade objetiva na natureza. Desenvolver uma
descrição empirista da ciência é descrevê-la como envolvendo uma busca pela verdade apenas
sobre o mundo empírico, sobre o que é atual e observável [...] ela deve invocar, do princípio ao
m, uma rejeição resoluta da demanda por uma explicação das regularidades no curso
observável da natureza, por meio de verdades concernentes a uma realidade além do que é atual
e observável, como uma demanda que não desempenha nenhum papel no empreendimento
cientí co.37
Falar em “leis da natureza” ou entidades teóricas como elétrons é,
portanto, introduzir um elemento metafísico injusti cado e desnecessário
no discurso cientí co.
Entretanto, historicamente, a maioria dos entendimentos
instrumentalistas da ciência tem se transformado em entendimentos
realistas com o passar do tempo. A teoria copernicana (e, posteriormente, a
kepleriana) do Sistema Solar é um exemplo disso. Inicialmente, muitos
cientistas e não cientistas interpretaram a teoria heliocêntrica copernicana
como um modelo matemático, acreditando que havia muitos problemas
com a abordagem de Copérnico para permitir que ela fosse vista como
“real”. Andreas Osiander, em seu famoso prefácio da obra de Copérnico, On
the Revolutions of the Heavenly Bodies [Das revoluções dos corpos celestes]
(1543), sugeriu que essa teoria era uma hipótese frutífera, útil para cálculos
astronômicos, mas não necessariamente correspondia à maneira como as
coisas eram. Copérnico oferecia um modelo matemático útil que era
consistente com as observações. No entanto, embora a teoria “salvasse os
fenômenos”, ela não necessariamente comprometia seus leitores com um
modelo heliocêntrico do Sistema Solar.
É dever de um astrônomo estabelecer a história dos movimentos celestes através de observação
cuidadosa e hábil, e depois conceber e elaborar causas desses movimentos ou hipóteses sobre
eles. Agora, como ele não pode, de forma alguma, alcançar as causas verdadeiras, essas hipóteses
assumidas permitem que esses movimentos sejam calculados corretamente a partir dos
princípios da geometria, tanto para o futuro quanto para o passado. O presente autor
desempenhou ambos os deveres de forma excelente. Pois essas hipóteses não precisam ser
verdadeiras nem mesmo prováveis. É su ciente que elas forneçam apenas um cálculo consistente
com essas observações.38
Entretanto, com as evidências observacionais crescentes em favor do
modelo heliocêntrico do Sistema Solar, a abordagem instrumentalista
sutilmente converteu-se em sua contraparte realista. Com o
desenvolvimento da física galileana e newtoniana e os novos dados
observacionais que se tornaram disponíveis através da invenção do
telescópio, a teoria heliocêntrica começou a ser interpretada de maneira
realista, em vez de instrumental. Não era apenas uma forma conveniente de
pensar sobre o Sistema Solar ou uma convenção que permitia a realização de
certos cálculos matemáticos úteis. Era assim que as coisas eram. O Sistema
Solar era realmente heliocêntrico.
Teologia e debates sobre realismo
Então, qual é a relevância desses debates para a teologia? Talvez o ponto
mais importante a ser observado é que cada uma dessas posições na loso a
da ciência tem sua contrapartida teológica. O antirrealismo é bemrepresentado pelo radical lósofo da religião Don Cupitt ao argumentar que
devemos “abandonar ideias de verdade objetiva e eterna, e ao invés disso ver
toda verdade como uma improvisação humana”. Em vez de responder à
realidade, criamos o que escolhemos considerar real. A realidade é algo que
construímos, não algo a que respondemos. “Construímos todas as visões de
mundo, criamos todas as teorias [...] Elas dependem de nós, não nós delas.”39
No geral, porém, os teólogos que se envolveram com as ciências naturais
tendem a ser persuadidos pelos méritos de abordagens mais realistas da
teologia. Por exemplo, o teólogo escocês omas F. Torrance desenvolveu
uma forma rigorosa de realismo teológico, insistindo que a teologia fornece
uma explicação da realidade das coisas. Ian Barbour, Arthur Peacocke e
John Polkinghorne adotam formas de realismo crítico, em última análise
baseadas na ênfase de William James no papel ativo do conhecedor no
processo de conhecimento.
Polkinghorne expôs seu entendimento do “realismo crítico” com mais
detalhes em suas Terry Lectures de 1996, na Universidade de Yale,
esclarecendo por que ele não era simplesmente um realista em geral, mas
um realista crítico em particular:
Creio que o avanço da ciência não se preocupa apenas com nossa capacidade de manipular o
mundo físico, mas com o conhecimento de sua natureza real. Em uma palavra, eu sou um
realista. Certamente, esse conhecimento é, em certa medida, parcial e corrigível. Nosso alcance é
a verossimilhança, não a verdade absoluta. Nosso método é a interpretação criativa da
experiência, não a dedução rigorosa a partir dela. Portanto, sou um realista crítico.40
O ponto importante a ser observado aqui é o reconhecimento de
Polkinghorne de que o empreendimento cientí co envolve a interpretação
ativa do nosso mundo, não apenas a observação passiva. Polkinghorne,
portanto, destaca a importância da percepção de que “teoria e prática estão
inexplicavelmente entrelaçadas no pensamento cientí co”, resultando em
que “fatos” cientí cos devem ser entendidos como já tendo sido
interpretados, conscientemente ou não. “Há uma circularidade
autossustentável inescapável na relação mútua entre teoria e experimento.”41
Alister McGrath (nascido em 1953) desenvolve uma forma um pouco
diferente de realismo crítico, baseando-se nas ideias do cientista social Roy
Bhaskar sobre a estrati cação da realidade, que enfatiza que todas as
disciplinas ou ciências intelectuais têm uma obrigação intrínseca de fornecer
uma descrição da realidade de acordo com sua distinta natureza. Em sua
obra Territories of Human Reason [Territórios da Razão Humana], McGrath
explora como diversas disciplinas cientí cas e outras disciplinas intelectuais
– como a teologia – elaboram seus próprios métodos de pesquisa distintos,
desenvolvidos com seu objeto de pesquisa especí co em mente.
Esse ponto é tão importante, que precisa de mais re exão. Existe um
único “método cientí co”? Ou as ciências naturais individuais desenvolvem
suas próprias abordagens distintas com base em seus campos especí cos de
investigação? E, se sim, quais são as implicações para a teologia?
EXPLICAÇÃO, ONTOLOGIA E EPISTEMOLOGIA: MÉTODOS DE PESQUISA E
INVESTIGAÇÃO DA REALIDADE
Toda disciplina intelectual usa essencialmente o mesmo método de
investigação da realidade? Ou esses métodos foram desenvolvidos e
adaptados para lidar com áreas especí cas de investigação? Alguns autores
falam do “método cientí co” – observe o uso do singular –, de modo que as
ciências naturais são todas caracterizadas essencialmente pelos mesmos
métodos de trabalho. Essa abordagem é encontrada nos escritos do físico e
popularizador cientí co de Oxford, Peter Atkins, para o qual o “método
cientí co” distintivo é capaz de iluminar tudo de uma maneira
exclusivamente con ável. No entanto, sua abordagem falha em levar em
consideração as características e os objetivos distintos das ciências
individuais, reduzindo-as todas a uma única “monociência”, ao negligenciar
suas identidades, histórias e objetos de investigação distintos. Essa visão de
um “método cientí co” único tem sido abalada por estudos acadêmicos da
história e prática das ciências naturais, que apontam para uma ampla gama
de métodos sendo desenvolvidos e implantados, dependendo do objeto
especí co da investigação. Embora astronomia, bioquímica e psicologia
sejam todas ciências naturais, eles usam ferramentas de pesquisa diferentes
para realizar essas investigações.
No início desta obra, destacamos uma observação de Werner
Heisenberg: “Precisamos lembrar que o que observamos não é a própria
natureza, mas a natureza conforme revelada por nossos métodos de
investigação.”42 Não existe um método cientí co generalizado que possa ser
aplicado a todas as ciências sem alguma modi cação. Embora se possa
argumentar que certos princípios gerais estão por trás das abordagens
especí cas encontradas em qualquer ciência natural, a natureza do campo a
ser investigado molda a abordagem a ser adotada. Como cada ciência lida
com um objeto diferente, cada ciência tem a obrigação de responder a esse
objeto de acordo com sua natureza distinta. Os métodos que são
apropriados para o estudo de um objeto não podem ser abstraídos e
aplicados de forma acrítica e universal. Cada ciência desenvolve
procedimentos que considera adequados à natureza de seu próprio campo
de pesquisa. Porém, cada método de pesquisa envolve e ilumina apenas
parte de uma imagem maior. Seus resultados podem ser con áveis e precisos
– mas são incompletos.
A sugestão de que as próprias ciências naturais adotem uma pluralidade
de métodos e critérios de racionalidade encontra amplo apoio na prática
cientí ca. O biólogo Steven Rose, re etindo sobre a tarefa cientí ca de
dedicar-se a explicar o mundo em seu próprio campo, observou que era
necessária uma pluralidade de métodos para envolver-se com o mundo.
“Sendo materialista, como todos os biólogos devem ser, estou
comprometido com a visão de que vivemos em um mundo que é uma
unidade ontológica, mas também devo aceitar um pluralismo
epistemológico.”43 Não podemos reduzir toda atividade cognitiva a “um
único método fundamental”, mas devemos fazer uso de uma variedade de
ferramentas conceituais, adaptadas a tarefas e situações especí cas, para
fornecer uma descrição tão completa quanto possível do nosso mundo.
Rose explica seu argumento com uma parábola de cinco biólogos,
representando diferentes subdivisões dessa disciplina, que notam um sapo
pular em um lago. Cada um oferece uma explicação dessa observação a
partir da perspectiva especí ca de sua própria subdisciplina biológica. O
siologista explica que os músculos das pernas do sapo foram estimulados
por impulsos do cérebro. O bioquímico complementa isso, salientando que
o sapo salta por causa das propriedades das proteínas brosas. O biólogo do
desenvolvimento localiza, em primeiro lugar, a capacidade do sapo de saltar
no processo biológico que deu origem ao sistema nervoso e aos músculos. O
comportamentalista animal lembra que o sapo pulou para escapar de uma
cobra predatória à espreita. O biólogo evolutivo acrescenta que o processo
de seleção natural garante que apenas os ancestrais dos sapos que puderam
detectar e escapar de cobras foram capazes de sobreviver e se reproduzir. O
argumento de Rose é simples: todas as cinco explicações fazem parte de uma
descrição maior. Todos elas estão certas; elas usam diferentes métodos de
pesquisa para iluminar aspectos de um todo maior, que nenhuma delas pode
revelar completamente com base em seus próprios métodos.
A parábola de Rose nos ajuda a identi car os problemas que precisam
ser considerados ao passar do reconhecimento de várias perspectivas para o
desenvolvimento de uma descrição teórica uni cada. Cada uma das cinco
abordagens pode ser tratada como uma perspectiva especí ca sobre o pulo
do sapo. Essas perspectivas re etem seus próprios métodos e ênfases
disciplinares distintos e não precisam ser tratadas como “ cções”, ou mesmo
como descrições instrumentalistas do fenômeno.
Uma ampla variedade de metodologias está dispersa em todo o espectro
dessas disciplinas. Física, biologia evolutiva e psicologia têm cada uma seus
próprios vocabulários, métodos e procedimentos, e se engajam com a
natureza pelos seus próprios modos característicos. Cada ciência natural
desenvolve um vocabulário e um método de trabalho que é apropriado ou
adaptado ao seu objeto. Quanto mais complexo esse objeto, mais níveis de
explicação são necessários. Um exemplo clássico é o corpo humano, que
pode ser investigado em uma série de níveis – anatômico, siológico e
psicológico: cada um ilumina um aspecto do todo maior, mas nenhum deles
é adequado por si só para dar uma explicação completa.
Então, quais são as implicações, para a teologia, desse entendimento do
método cientí co como “especí co de cada disciplina”? Durante a década de
1930, o teólogo protestante suíço Karl Barth argumentou vigorosamente
pelo reconhecimento de fontes, normas e métodos distintos da teologia
cristã. Como outras disciplinas, ela tinha suas próprias fontes e normas. O
lósofo alemão Heinrich Scholz, entretanto, havia sugerido que a teologia
deveria ser julgada pelos mesmos critérios de todas as outras disciplinas.
Scholz foi in uenciado aqui pela ideia do Iluminismo de que havia um
único método racional, que se aplicava a todos os campos de estudo. Na
visão de Barth, a teologia cristã era “cientí ca” não porque estivesse em
conformidade com algum método supostamente universal, mas porque
usava um método que era apropriado ao objeto sob investigação.
omas F. Torrance é um bom exemplo de um teólogo que se engajou
extensivamente com as ciências naturais ao desenvolver suas próprias
posições teológicas, e que a rmou a singularidade do método teológico.
Provavelmente, se vê isso melhor na obra de Torrance, eological Science
[Ciência Teológica] (1969), que a rmava a peculiaridade da teologia cristã,
tanto em termos de seu objeto de investigação quanto de seu método de
pesquisa:
A teologia é a única ciência dedicada ao conhecimento de Deus, diferindo de outras ciências pela
singularidade de seu objeto, que só pode ser apreendido em seus próprios termos e dentro da
situação real que ele criou em nossa existência ao se dar a conhecer.44
Para Torrance, tanto a teologia cristã quanto as ciências naturais são
respostas a uma realidade que está além delas e são moldadas pela realidade
que deve ser apreendida. Todas as disciplinas ou ciências intelectuais têm
uma obrigação intrínseca de fornecer uma descrição da realidade “de acordo
com sua natureza distinta”.45 Um argumento semelhante é apresentado por
John Polkinghorne ao a rmar que “não existe epistemologia universal, mas
as entidades são passíveis de serem conhecidas apenas através de maneiras
que se ajustam à sua natureza idiossincrática”.46
Para Torrance, isso signi ca que tanto cientistas quanto teólogos têm
ambos a obrigação de “pensar apenas de acordo com a natureza do dado”. O
objeto a ser investigado deve receber voz nesse processo de investigação. A
característica peculiar de uma ciência é fornecer uma descrição precisa e
objetiva das coisas, de maneira apropriada à realidade que está sendo
investigada. Tanto a teologia quanto as ciências naturais devem, portanto,
ser entendidas como atividades a posteriori que respondem ao “dado”, e não
como especulação a priori baseada em primeiros princípios losó cos. No
caso das ciências naturais, esse “dado” é o mundo da natureza; no caso da
ciência teológica, é a autorrevelação de Deus em Cristo.
Um estudo de caso sobre explicação: Nancey Murphy sobre o “ sicalismo
não redutivo”
Como os cristãos entendem a natureza humana? Quais são as
características essenciais de uma antropologia cristã? A lósofa americana
Nancey Murphy contribuiu signi cativamente para o que ela chama de
“debate sobre os ‘constituintes ontológicos’ dos seres humanos”. A resposta
cristã tradicional a essa pergunta, que recebeu suas declarações de nitivas
na Idade Média, é fazer distinção entre “corpo” e “alma” (latim: anima).
Argumentava-se que os seres humanos se distinguiam de todos os outros
animais e objetos inanimados pela posse dessa entidade espiritual. Essa
abordagem foi considerada justi cada em bases bíblicas, pois o Novo
Testamento geralmente fala de “corpo e alma” e, ocasionalmente, de “corpo,
alma e espírito”. Referências ao “corpo” foram geralmente entendidas pelos
autores medievais como referências às partes físicas e materiais da
humanidade, enquanto a “alma” foi entendida como uma entidade espiritual
imaterial e eterna, que apenas residia no corpo humano.
Há duas questões aqui que demandam mais discussão. Primeira, é
realmente assim que devemos interpretar as a rmações antropológicas
bíblicas? Muitos estudiosos do século 20 assinalaram que a noção de alma
imaterial era um conceito grego secular, e não uma noção bíblica. A visão
hebraica de humanidade era aquela de uma única entidade, uma unidade
psicossomática inseparável, com muitas facetas ou aspectos. O Antigo
Testamento concebe humanidade “como um corpo animado, e não como
uma alma encarnada” (H. Wheeler Robinson).47 Segunda, que desa os são
colocados nessa visão tradicional pelas neurociências modernas, que não
oferecem lugar para noções como “alma”? Como devemos conceber a
natureza humana à luz das tendências recentes da interpretação bíblica e dos
desenvolvimentos em neurociência?
O trabalho de Murphy envolve essas duas questões, especialmente a
segunda. Ela segue o estudioso do Novo Testamento britânico, James D. G.
Dunn, sustentando que os autores bíblicos não estavam preocupados em
catalogar os componentes metafísicos dos seres humanos, como corpo,
alma, espírito ou mente. O interesse deles era principalmente nos
relacionamentos, e especialmente no relacionamento de uma pessoa com
Deus. Murphy insiste na necessidade de uma descrição sicalista da
humanidade, que não invoque ou pressuponha componentes espirituais ou
imateriais. Ela observa corretamente, por exemplo, que termos bíblicos para
aspectos da existência humana passaram a ser traduzidos por termos
losó cos gregos e, eventualmente, incorporados à loso a grega, passando
a ser entendidos como referindo-se a constituintes de humanidade. Murphy
considera essas questões no contexto de uma discussão mais ampla do
“ sicalismo” na loso a convencional, que muitas vezes apresenta, como
posição padrão, uma abordagem sicalista para a causação mental e os
eventos mentais.
Isso leva a uma descrição reducionista da natureza humana? Murphy
ressalta, com razão, que essa questão precisa de uma resposta cuidadosa,
uma vez que muitos relutam em aceitar descrições puramente sicalistas da
pessoa humana, pois essas muitas vezes parecem negar a existência,
signi cado ou valor daqueles aspectos da vida humana que são vistos como
particularmente signi cativos. As descrições reducionistas da natureza
humana parecem colocar em questão muitas preocupações e crenças
tradicionais sobre a dignidade e a posição teológica da pessoa humana.
Murphy pertinentemente distingue vários sentidos com os quais a palavra
“reducionista” é empregada:
1. Reducionismo metodológico é uma estratégia de pesquisa que analisa
o objeto a ser estudado em suas partes.
2. Reducionismo ontológico é a visão de que nenhum novo tipo de
“ingrediente” metafísico precisa ser adicionado para produzir
entidades de nível superior a partir de entidades de nível inferior.
Isso rejeita, por exemplo, as opiniões de Henri Bergson (1859–1941)
e Hans Driesch (1867–1941), que sustentavam, respectivamente,
que era necessária uma “força vital” ou “enteléquia” adicional para
produzir seres vivos a partir de materiais não vivos.
3. Reducionismo causal é a visão de que o comportamento das partes de
um sistema (em última análise, as partes estudadas pela física
subatômica) é determinante do comportamento de todas as
entidades de nível superior. Se esta tese – de que toda a causa na
hierarquia é ascendente – é verdadeira, segue-se que as leis
referentes às ciências superiores na hierarquia devem ser redutíveis
às leis da física.
Murphy usa a expressão “ sicalismo não redutivo” para designar a
aceitação do reducionismo ontológico, enquanto rejeita o reducionismo
causal e o materialismo redutivo. A posição de Murphy envolve, portanto,
recuperar a ideia bíblica de humanidade como uma unidade psicossomática
inseparável, que é claramente consistente com o consenso neurocientí co
moderno. Entretanto, sua realização mais signi cativa é mostrar como esse
“ sicalismo não redutivo” pode evitar as armadilhas reducionistas que seus
críticos poderiam antecipar. Isso envolve o desenvolvimento de duas ideias:
superveniência e “causação descendente” (também conhecida como
“causação de cima para baixo” [top-down causation] ou “causação todoparte” [whole-part causation]).
A noção de superveniência foi introduzida em 1970 por Donald
Davidson (1917–2003) para descrever a relação entre características mentais
e físicas. Como é amplamente considerado implausível que ideias, mentes e
assim por diante simplesmente não existam, os sicalistas costumam a rmar
que as ideias e mentes “sobrevêm” a objetos materiais. Murphy adota essa
ideia para mostrar como o comportamento de qualquer sistema de ordem
superior pode ser in uenciado fortemente, mas não completamente
determinado, pelo comportamento de seus componentes de ordem inferior.
Nem a liberdade da mente humana nem a vontade humana são abolidas por
suas naturezas e contextos físicos.
Murphy também recorre à noção de “causação descendente” para bater
no reducionismo. A importância dessa abordagem foi observada por outros
autores no campo de ciência e religião, incluindo Arthur Peacocke e John
Polkinghorne. Essa abordagem envolve contestar o modelo mecânico de
causalidade, que sustenta que os níveis inferiores de um sistema determinam
suas propriedades de nível superior, de modo que o comportamento em
níveis superiores é, em certo sentido, “explicado” pelos sistemas de nível
inferior. Nessa abordagem, a consciência é explicada pela física. Porém, isso
pode ser facilmente contestado. Mesmo que os níveis mais baixos de um
sistema sejam determinísticos, o comportamento do sistema como um todo é
moldado pela con guração de seus componentes individuais. O caso da
evolução biológica é um excelente exemplo: a relação dos organismos com
seus ambientes desempenha um papel signi cativo na seleção natural, que
não pode ser prevista com base em um modelo mecânico de “causação
ascendente”.
O que signi ca explicar algo?
Os seres humanos desejam entender as coisas – identi car padrões no
rico tecido da natureza, oferecer explicações para o que acontece ao seu
redor e re etir sobre o signi cado de suas vidas. Saber que algo aconteceu,
ou que algo existe, não é o mesmo que entender por que aconteceu ou por
que existe. Há uma lacuna signi cativa entre saber que e saber o porquê.
Tanto a comunidade cientí ca quanto a religiosa buscam entender o que é
observado. Elas se aplicam em lutar com as ambiguidades da experiência, a
m de oferecer as “melhores explicações” para o que é observado. Isso não
quer dizer que a ciência ou a religião possam ser reduzidas a tais
interpretações, mas trata-se simplesmente de notar que ambas têm uma
dimensão explanatória.
Os seres humanos claramente consideram importante ser capazes de
explicar nosso mundo – oferecer uma descrição, ainda que incompleta, das
interconexões de eventos e forças em nosso mundo que nos permitem
entender por que certas coisas acontecem ou por que elas acontecem de
certa maneira. A crença de que existe alguma explicação razoável para o que
observamos em nosso mundo e experimentamos em nós mesmos parece ser
uma intuição humana universal. A tarefa de encontrar essas explicações –
para dar sentido às coisas – é um aspecto integrante do engajamento
humano com a realidade.
É amplamente aceito que as ciências naturais ofereçam explicações
baseadas em evidências para o que observamos em nosso universo. Ciência
tem a ver com descobrir a inteligibilidade básica da natureza, com o objetivo
de identi car as estruturas mais profundas e os padrões mais amplos que
estão por trás de eventos e entidades do mundo natural. A síntese desse
ponto, do lósofo da ciência Peter Dear, exigiria amplo consentimento
dentro da comunidade cientí ca:
A marca registrada da loso a natural é sua ênfase na inteligibilidade: ela toma os fenômenos
naturais e tenta explicá-los de maneiras que não apenas se mantêm unidas logicamente, mas
também repousam em ideias e suposições que parecem certas e que fazem sentido; ideias que
parecem naturais.48
Alguns argumentariam que a própria inteligibilidade da natureza requer
explicação. Por que a mente humana é capaz de discernir a profunda
racionalidade do nosso universo, quando parece não haver uma boa razão
para ser capaz de fazê-lo? O grande físico alemão Max Planck, por exemplo,
observou que “a ciência não pode resolver o mistério nal da natureza”, pois
“nós mesmos somos parte da natureza e, portanto, parte do mistério que
estamos tentando resolver”.49
John Polkinghorne desenvolveu esse ponto ainda mais, argumentando
que o cristianismo fornece uma estrutura intelectual que dá sentido à nossa
capacidade de entender nosso universo. “A teologia pode tornar essa
descoberta inteligível, pelo entendimento de que a Mente do Criador é a
fonte da maravilhosa ordem do mundo.”50 Assim, a teologia posiciona as
descobertas cientí cas em um contexto mais amplo e profundo de
inteligibilidade, fornecendo uma estrutura conceitual que sustenta
conjuntamente as descrições objetiva e subjetiva da realidade. A ciência
“precisa ser considerada no contexto mais amplo e profundo de
inteligibilidade que a crença em Deus proporciona”.
O interesse no que signi ca oferecer uma explicação cientí ca das
observações remonta ao Renascimento. Entretanto, tornou-se uma questão
losó ca séria no início do século 19, especialmente através do trabalho do
lósofo inglês William Whewell (1794-1866). Em sua obra Philosophy of the
Inductive Sciences [Filoso a das ciências indutivas], Whewell expôs uma
descrição do que um cientista faz ao tentar entender um conjunto de
observações. Para Whewell, a observação envolve o que ele chama de
“inferência inconsciente”, através da qual interpretamos inconscientemente
ou automaticamente o que observamos em termos de um conjunto de
ideias. Ao fazer isso, Whewell sugere que acrescentamos algo a esse processo
de observação – isto é, algum tipo de princípio organizador que
“sobrepomos” às observações empíricas, para que possam ser vistas como
interconectadas. Uma boa teoria é capaz de “coligar” observações, assim
como um o mantém um grupo de pérolas em um colar, pois, de outra
forma, essas poderiam ser vistas como desconectadas. Para Whewell, uma
teoria identi ca e ilumina o “verdadeiro vínculo de Unidade, pelo qual os
fenômenos são mantidos juntos”.51 A teoria explica as observações empíricas
“superinduzindo” uma maneira de pensar que permite que sua interconexão
seja compreendida.
Abordagens ônticas e epistêmicas da explicação
No nal do século 20 surgiram duas abordagens principais para a
explicação cientí ca, que agora são geralmente designadas como “ônticas” e
“epistêmicas”. Essa distinção é devida ao lósofo da ciência Wesley Salmon,
que propôs que as descrições ônticas sobre explicação sustentam que as
explicações envolvem identi car estruturas e processos dentro do mundo
responsáveis pela produção dos fenômenos a serem explicados. As
descrições epistêmicas sustentam que a explicação está relacionada ao fato
de tornarmos os fenômenos compreensíveis, previsíveis ou inteligíveis,
colocando-os em um contexto informativo. Com efeito, criamos ou geramos
um esquema mental que organiza observações empíricas e as encaixa em
um padrão coerente. Assim, Salmon contrasta explicações ônticas, que são
fundamentadas externamente ao observador e localizadas na estrutura do
mundo, com abordagens epistêmicas que veem a explicação como uma
realização cognitiva humana, com base em estruturas conceituais geradas
pela mente humana. Embora muitos pontos de vista sobre explicação
realmente misturem elementos ônticos e epistêmicos, é útil distinguir dentre
essas duas amplas abordagens.
As explicações ônticas mais simples são causais. Se A causa B, então A
explica B. Salmon ressalta que essa abordagem da explicação cientí ca se
baseia na suposição de que “os mecanismos causais subjacentes são a chave
para a nossa compreensão do mundo”.52 Processos causais e leis causais
fornecem os mecanismos pelos quais o mundo opera. Para entender por que
certas coisas acontecem, precisamos ver como elas são produzidas por esses
mecanismos. Explicar um evento pode, portanto, signi car fornecer
informações sobre sua história causal. É importante observar aqui que um
evento pode ter múltiplas causas. A complexa cadeia causal de uma maçã
que cai por terra pode incluir, por exemplo, a força da gravidade, um galho
em decomposição na macieira ou um pássaro desajeitado que por acaso
pousou na maçã naquele momento. Sequências causais geralmente
envolvem múltiplos fatores, di cultando a atribuição de uma causa única a
um evento.
As abordagens epistêmicas da explicação, entretanto, baseiam-se na
crença de que a ciência alcança a explicação oferecendo uma imagem
uni cada do mundo. Uma explicação cientí ca fornece um relato uni cado
de uma variedade de fenômenos diferentes. Compreender qualquer
fenômeno é ver como ele se encaixa com outros fenômenos dentro de um
todo uni cado, discernindo a unidade fundamental subjacente à aparente
diversidade dos próprios fenômenos. Philip Kitcher é um dos muitos
lósofos da ciência a enfatizar a importância de discernir padrões comuns
na natureza como base da explicação:
Compreender o fenômeno não é simplesmente uma questão de reduzir as
“incompreensibilidades fundamentais”, mas de ver conexões, padrões comuns, naquilo que
inicialmente pareciam ser situações diferentes.53
Muitos localizam a fonte fundamental do poder explicativo na ontologia
– uma compreensão da ordem fundamental das coisas. A explicação
epistêmica funciona melhor quando se considera que suas estruturas
conceituais correspondem ou se baseiam nas estruturas do mundo. Por esse
motivo, muitos lósofos da ciência sustentam que há um elemento ôntico
irredutível no processo de explicação. O lósofo da ciência francês Pierre
Duhem (1861-1916) argumentava que explicar algo “é despir a realidade das
aparências que a cobrem como véus, a m de ver essa realidade nua face a
face”.54 É descobrindo o “quadro geral” que seus elementos individuais
podem ser conhecidos e entendidos; a explicação trata de localizar um
evento ou observação dentro desse contexto mais profundo.
Então, como decidimos qual teoria cientí ca fornece a melhor
explicação para o que observamos? Há muito se reconhece que um grupo
qualquer de observações pode ser explicado de várias maneiras. Isso
naturalmente levanta a questão de quais critérios podemos usar para decidir,
de um grupo de explicações possíveis, qual é a mais dedigna. Na próxima
seção examinaremos a complexa questão da escolha de teorias em ciência.
Mas, antes de nos voltarmos para isso, precisamos perguntar se a religião
tem algum papel explanatório.
Religião e explicação
A religião explica alguma coisa? Alvin Plantinga é um dos vários
lósofos da religião a sugerir que seu potencial explicativo não é de
importância primordial para o cristianismo.
Suponha que a crença teísta seja explicativamente ociosa: por que isso deveria comprometê-la ou
sugerir que ela tenha baixo status epistêmico? Se, antes de mais nada, a crença teísta não é
proposta como uma hipótese explicativa, por que o fato de ela ser explicativamente ociosa, se é
que ela é, deveria ser considerado um demérito dela?55
Da mesma forma, o lósofo da religião Dewi Z. Phillips (1934–2006)
também marginaliza os aspectos explicativos da crença em Deus. A religião
não requer explicações nem oferece explicações. Aqui, Phillips segue o
lósofo Ludwig Wittgenstein ao minimizar qualquer papel explicativo da fé.
Outros, porém, argumentam que a religião possui sim um papel
explanatório ou gerador de sentido, e que isso é essencial para entender
tanto seu apelo quanto sua função. O lósofo Keith Yandell é um
representante dessa abordagem:
Uma religião é um sistema conceitual que fornece uma interpretação do mundo e do lugar dos
seres humanos nele, fundamenta uma explicação de como a vida deve ser vivida dada essa
interpretação, e expressa essa interpretação e estilo de vida em um conjunto de rituais,
instituições e práticas.56
De maneira semelhante, Richard Swinburne propôs que Deus é a melhor
explicação para os complexos padrões de fenômenos que observamos no
mundo natural. “Estou postulando um Deus para explicar o que a ciência
explica; não nego que a ciência explique, mas postulo Deus para explicar por
que a ciência explica.”57 A existência de Deus pode, ele argumenta, ser
deduzida do que é observado no mundo. Uma vez que essa ideia de Deus
seja aceita, encontra-se uma explicação para o que experienciamos ao nosso
redor.
O físico e teólogo John Polkinghorne sustenta que a religião tem um
papel particularmente importante em lidar com as “metaquestões”
levantadas pela ciência, mas que nos apontam para além do que a ciência
por si só pode presumir falar a respeito. Por que o universo físico é
racionalmente transparente para nós, tal que podemos discernir seu padrão
e estrutura? Por que alguns dos mais belos padrões propostos por
matemáticos puros são realmente encontrados na estrutura do mundo
físico? Como devemos explicar a capacidade da matemática de modelar com
tanta precisão as estruturas fundamentais do universo? A ciência explora de
bom grado a transparência racional do universo, mas é incapaz de explicar
por que o universo é assim. O cristianismo fornece uma estrutura teísta que
explica o que de outra forma deveria ser considerado como milagre ou feliz
acidente.
O grande teólogo medieval Tomás de Aquino propôs que havia uma
conexão explícita entre a existência de Deus e a capacidade humana de dar
sentido ao nosso mundo. Deus pode ser considerado um agente explicativo,
cuja existência e natureza fornecem uma explicação retrospectiva de vários
aspectos de nossa experiência do mundo – como a ordem do mundo, ou
nosso senso de bondade ou beleza. Em um famoso debate de 1948 entre
Bertrand Russell e Frederick Copleston, Russell descartou a necessidade de
qualquer explicação para o universo. O universo está aí e nada pode ser
adicionado ao fato bruto de sua existência. Tomás de Aquino, ao contrário,
considera que é razoável procurar uma explicação de por que o mundo
existe e por que tem suas características distintas. O universo exige uma
explicação em termos de um relacionamento com algo que não seja ele
próprio – isto é, Deus. Um argumento semelhante é apresentado pelo
lósofo omas Nagel ao sustentar que a existência de nosso universo
requer um contexto explicativo maior que as leis cientí cas, pois tal
explicação limitada “ainda teria que se referir a características de alguma
realidade maior que o incluía ou que deu origem a ele”.58
A abordagem de Tomás de Aquino para explicação na segunda de suas
“Cinco Vias” é basicamente causal. Esse argumento pode ser apresentado em
quatro etapas:
1. Observamos uma ordem de causas e cientes nas coisas que vemos
ao nosso redor.
2. No entanto, não observamos, e não podemos esperar observar, nada
que seja a causa e ciente de si mesmo.
3. Não é possível que deva existir uma série in nita de causas
e cientes.
4. Portanto, devemos supor que exista alguma causa e ciente
primordial (prima causa efficiens), que é o que todos chamam de
“Deus”.
Tomás de Aquino vê esse argumento como uma explicação causal do
que é observado e experimentado no mundo. Embora a abordagem de
Tomás de Aquino seja ôntica, e não epistêmica, o contexto em que é de nida
pressupõe alguma forma de integração conceitual dos modos de explicação
ôntico e epistêmico, mesmo que isso não seja desenvolvido nesse ponto na
Suma Teológica.
Essa abordagem foi desenvolvida ainda mais por muitos lósofos
modernos, que argumentaram pela existência de um ser necessário
transcendente que é o fundamento de uma explicação de nitiva do porquê
de certos seres contingentes existirem e passarem por eventos particulares.
Argumenta-se que o teísmo em geral (e o cristianismo em particular)
articula uma estrutura teórica que possibilita uma explicação de nitiva da
realidade. Alguns propuseram desenvolver uma defesa para a existência de
um ser tão transcendente com base em sua capacidade de explicar a
existência e o caráter do mundo, e depois procuraram correlacionar isso
com o Deus cristão; outros desenvolveram abordagens que buscam
demonstrar a capacidade explicativa do entendimento cristão de Deus,
vendo essa capacidade como um indicador da existência de tal Deus. Ainda
mais, essa perspectiva especí ca de explicação inclui também um elemento
crítico, na medida em que coloca a questão de como uma interpretação
puramente naturalista ou materialista do nosso mundo pode explicar o
aparecimento, através da operação das leis da física e da química, de seres
conscientes como nós, que provamos ser capazes de descobrir essas leis e
entender o universo que elas governam.
Até aqui, consideramos abordagens teístas gerais da explicação. Mas e as
abordagens especi camente cristãs? Observou-se frequentemente que
muitos cientistas renomados do Renascimento viam a teologia como um
modelo imaginativo que lhes permitia entender o mundo. Muitos teólogos
consideraram que a noção de humanidade portadora da “imagem de Deus”
deveria ter resultados epistêmicos importantes, incluindo uma propensão ou
capacidade de discernir Deus dentro da criação. O método cientí co
indutivo de William Whewell re etia sua crença de que as “Ideias
Fundamentais” que usamos para organizar nossas ciências se assemelham às
ideias usadas por Deus na criação do universo físico. Deus criou nossas
mentes para que elas contenham essas ideias (ou seus “germes”), tal que “elas
possam e devam concordar com o mundo”.59
Uma ideia bem parecida havia sido apresentada muito antes, de forma
mais matemática, pelo astrônomo Johann Kepler. Em sua obra Harmonies of
the World [Harmonias do mundo] (1619), Kepler propôs que o “dado”
teológico de que os seres humanos foram constituídos segundo a forma da
“imagem de Deus” os predispunha a pensar matematicamente e, assim,
compreender a estrutura da ordem criada:
Na medida em que a geometria é parte da mente divina desde as origens do tempo, mesmo antes
das origens do tempo (pois o que há em Deus que também não é de Deus?), ela forneceu a Deus
os padrões para a criação do mundo, e foi transferida para a humanidade com a imagem de
Deus.60
O trabalho de Kepler é de interesse por muitas razões, inclusive pelo fato
de que geralmente é considerado o último grande trabalho cientí co a usar a
noção musical de harmonia na re exão cientí ca sobre a natureza do
mundo.
Philip Clayton sobre explicação em religião
O norte-americano, lósofo da religião e lósofo da ciência Philip
Clayton, atualmente professor de teologia na Faculdade de Teologia de
Claremont e professor de loso a e religião na Universidade de Claremont,
Califórnia, analisou cuidadosamente a relação de práticas e convenções
explicativas em ciência e religião. O primeiro grande trabalho de Clayton
publicado foi um estudo sobre explicação em ciência e religião. A obra
Explanation from Physics to eology: An Essay in Rationality and Religion
[Explicação da física à teologia: um ensaio sobre racionalidade e religião]
(1986) é amplamente considerada como uma defesa poderosa visando
manter a noção de “explicação” como signi cativa do ponto de vista
religioso.
Clayton rebateu a tendência de tratar a religião como desprovida de
qualquer potencial explicativo, então predominante na loso a da religião.
Essa visão é encontrada nos escritos de Ludwig Wittgenstein (1889–1951),
especialmente em suas observações cáusticas sobre e Golden Bough [O
ramo de ouro] de Sir James Frazer, e teve um impacto signi cativo na
loso a da religião. Como observado acima, um excelente exemplo dessa
abordagem de “religião sem explicação” é encontrado nos escritos de Dewi
Z. Phillips.
Respondendo a essa objeção, Clayton assinalou que, na verdade, se
poderia dizer que sistemas de crenças religiosas oferecem “explicações”,
quando esse termo era apropriadamente de nido. Nesse estágio, a
explicação ainda era entendida principalmente em termos causais. Por
exemplo, o lósofo da ciência Wesley Salmon argumentou que “dar uma
explicação cientí ca é mostrar como os eventos e as regularidades
estatísticas se encaixam na rede causal do mundo”. Entretanto, Clayton
corretamente apontou que noções causais de explicação estavam sendo
substituídas por suas contrapartes coerentistas. Em outras palavras, uma
“explicação” poderia ser entendida em termos da provisão de uma estrutura
intelectual que se mostrasse capaz da acomodação máxima de observações.
A abordagem de Clayton para “explicação” se re ete em sua ênfase na
importância teológica da noção de “inferência à melhor explicação”, que não
necessariamente depende de uma descrição causal de explicação. A questão
crítica é, de um grupo de potenciais explicações para determinado conjunto
de observações, qual parece se “encaixar” melhor.
Ao notar que as explicações religiosas com frequência se concentram
principalmente na maneira como os indivíduos dão sentido à sua
experiência, Clayton ressaltou que as intuições religiosas não se limitam ao
domínio do que se poderia chamar de “experiência especi camente
religiosa”. Na verdade, as explicações religiosas têm a capacidade de dar
sentido à experiência como um todo. Assim, o crente ou o místico sente (ou
“vê”) que as coisas se encaixam, que existe uma coerência subjacente ao
nosso mundo.
Como decidimos qual é a melhor explicação?
Nos últimos anos, tem havido um interesse crescente, dentro da loso a
da ciência, pela ideia de “inferência à melhor explicação”. Isso representa um
afastamento decisivo de entendimentos positivistas mais antigos quanto ao
método cientí co, ainda ocasionalmente encontrados em descrições
populares da relação entre ciência e religião, que presumem que a ciência é
capaz – e, portanto, tem a obrigação de – oferecer evidências claras e
inferencialmente infalíveis para suas teorias. Essa abordagem positivista,
encontrada em muitos pontos nos escritos de Richard Dawkins, é entendida
agora como profundamente problemática. É particularmente importante
notar que dados cientí cos podem ser interpretados de várias maneiras,
cada uma com algum suporte probatório. Em contrapartida, o positivismo
tendia a argumentar que havia uma única interpretação inequívoca da
evidência, que qualquer observador bem-pensante descobriria. Como
existem muitas explicações, a questão de como identi car a melhor
explicação se torna de extrema importância.
Outro problema que precisa ser observado aqui é o entrelaçamento entre
observação e teoria. Por exemplo, a estimativa atual da idade do universo é
de aproximadamente 13,8 bilhões de anos. Mas como sabemos mediante a
ausência de qualquer monitoramento cronológico contínuo dessa história?
Em 1919, a maioria dos cientistas pensava que o universo era de idade
inde nida ou in nita; em 1929, com base em uma determinação precoce da
constante de Hubble, acreditava-se que ele tivesse 2 bilhões de anos; agora
acredita-se ter 13,8 bilhões de anos. As estimativas atuais da idade do
universo são baseadas em observações que são interpretadas dentro das
premissas e dos parâmetros do que é conhecido como “modelo LambdaCDM”. As próprias observações não nos dizem nada diretamente sobre a
idade do universo; é necessário um arcabouço teórico para interpretá-las.
O ponto aqui é que a ciência não lê diretamente a idade do universo; ela
interpreta certas observações dentro da estrutura do modelo Lambda-CDM
para produzir a idade do universo. As velocidades e distâncias das galáxias
em recessão não são observadas diretamente, mas são inferidas com base
nas premissas e parâmetros de teorias físicas adicionais – como a correlação
entre velocidade e o red-shi (deslocamento Doppler dos espectros das
estrelas para o vermelho). Como todos os modelos cientí cos, o modelo
Lambda‐CDM é provisório e pode sofrer alterações e modi cações ao longo
do tempo. No entanto, não podemos prever quais serão essas mudanças,
nem qual será seu impacto nas estimativas da idade do universo.
Para começar nossas re exões sobre essas questões, vamos considerar a
distinção entre gerar novas teorias e testar essas novas teorias. Essa distinção
é frequentemente expressa em termos de um contraste entre uma “lógica da
descoberta” e uma “lógica da justi cação”.
“Lógica da descoberta” e “Lógica da justi cação”
Como surgem novas teorias? Como, por exemplo, Charles Darwin
surgiu com a ideia de evolução através da seleção natural? Ou, para dar um
exemplo famoso do campo da química, como o químico orgânico alemão
August Kekulé percebeu que as moléculas de benzeno tinham uma estrutura
cíclica? Kekulé respondeu a essa pergunta em 1890, contando como a ideia
veio a ele enquanto estava cochilando em frente à lareira em sua casa. Ele
teve a visão de uma cobra perseguindo sua própria cauda, o que sugeriu a ele
que o benzeno tinha uma estrutura em anel. Ao propor uma estrutura desse
tipo para o benzeno, Kekulé comparou-a com as evidências experimentais e
descobriu que ela parecia dar conta dessas evidências satisfatoriamente.
A maneira como Kekulé teve a ideia de que o benzeno tinha uma
estrutura cíclica é agora vista como um exemplo clássico de uma “lógica da
descoberta”, o processo de desenvolvimento de novas hipóteses a serem
consideradas, que se distingue da subsequente “lógica da justi cação” na
medida em que essas hipóteses são comparadas com as evidências
disponíveis e com qualquer previsão que elas façam. Agora, é amplamente
aceito que a “lógica da descoberta” é essencialmente imaginativa ou criativa,
envolvendo conexões que outros não conseguiram ver. A “lógica da
justi cação”, entretanto, é fundamentalmente racional e crítica, com o
objetivo de sujeitar essa nova teoria a um exame crítico rigoroso. A maneira
como uma teoria é derivada não é de extrema importância para determinar
se está certa; o que realmente importa é quão bem essa teoria pode explicar
as evidências existentes e talvez prever descobertas novas e desconhecidas.
Uma antecipação preliminar dessa perspectiva de uma “lógica da
descoberta” pode ser encontrada no lósofo pragmatista americano Charles
Peirce (1839-1914), lho de um renomado astrônomo de Harvard e ele
próprio um pro ssional da ciência. Para Peirce, o pensamento cientí co
pode ser descrito como uma forma especí ca de “inferência abdutiva”,
de nida da seguinte forma:
1. O fato surpreendente, C, é observado.
2. Mas, se A fosse verdadeiro, C seria um fato natural.
3. Portanto, há razões para suspeitar que A é verdadeiro.
Então, como chegamos à hipótese A, que explica C? Peirce argumenta
que observar como os cientistas realmente trabalham mostra que novas
teorias e hipóteses são geradas de várias maneiras, incluindo processos que
Peirce descreve como “inspiração” e “imaginação”. A maneira comoKekulé
imaginou o benzeno como tendo uma estrutura em anel se encaixa
facilmente na descrição de Peirce dessa lógica da descoberta.
Uma abordagem relacionada é encontrada nas re exões do lósofo da
ciência americano N. R. Hanson sobre o avanço do conhecimento cientí co.
Hanson (1924-1967) propôs que havia três características comuns ao que ele
chamou de “a lógica da descoberta cientí ca”:
1. A observação de alguns “fenômenos espantosos” ou
“surpreendentes”, que representam anomalias nas formas de pensar
existentes. Esse “espanto” pode surgir porque as observações estão
em con ito com as descrições teóricas existentes.
2. A compreensão de que esses fenômenos não pareceriam
surpreendentes se certa hipótese H fosse verdadeira. Essas
observações seriam esperadas com base em H, o que serviria de
explicação para elas.
3. Portanto, há boas razões para propor que H seja considerada correta.
Assim como Peirce, Hanson identi ca observações surpreendentes ou
espantosas como uma motivação fundamental no empreendimento da
descoberta cientí ca. Existe um ponto de vista teórico a partir do qual essas
observações não seriam surpreendentes, mas seriam esperadas?
Um bom exemplo disso está na explicação de Albert Einstein para uma
observação intrigante relacionada ao planeta Mercúrio, que não podia ser
explicada pelas teorias existentes – como a mecânica newtoniana.
Descobriu-se que o periélio de Mercúrio (o ponto em que ele estava mais
próximo do Sol) se movia numa quantidade pequena – mas observável – a
cada ano. Não havia razão óbvia para tal, embora o matemático francês
Urbain Le Verrier argumentasse, em 1859, que isso poderia ser explicado se
houvesse um planeta até então desconhecido, de aproximadamente metade
da massa de Mercúrio, posicionado mais perto do Sol. Le Verrier nomeou
esse planeta hipotético de “Vulcano”. Ele nunca foi encontrado, apesar de
vários relatos falsos de observações desse planeta ao longo da década de
1860.
Em novembro de 1915, Einstein anunciou que o avanço do periélio de
Mercúrio era explicado de forma precisa e persuasiva por sua nova teoria
geral da relatividade. Isso acontecia devido ao movimento do planeta através
de um campo gravitacional que era deformado pela enorme massa do Sol.
Embora esse efeito possa ser observado em todos os planetas, seria mais
perceptível no caso de Mercúrio, pois Mercúrio é o planeta mais próximo do
Sol.
A teoria geral da relatividade de Einstein forneceu uma nova estrutura
teórica que foi capaz de acomodar uma observação conhecida e
desconcertante. Além disso, Einstein também previu que o mesmo padrão
básico poderia ser observado em todos os planetas restantes, mesmo que
fosse virtualmente impossível detectá-lo usando a instrumentação
disponível na década de 1910. Sua teoria também fez algumas novas
previsões – principalmente o fenômeno agora conhecido como “lente
gravitacional”, em que a distorção do espaço-tempo devido à in uência
gravitacional do Sol faz com que a [trajetória da] luz se curve. Embora a
mecânica newtoniana tenha predito certo grau de curvatura da luz pela
gravidade, a teoria de Einstein deixou claro que isso era complementado
pela distorção do espaço-tempo. No nal, essa curvatura ampliada da luz
pela gravidade foi observada durante um eclipse solar em 1919, fornecendo
uma con rmação espetacular da teoria de Einstein.
Inferência à melhor explicação
A abordagem, agora geralmente conhecida como “inferência à melhor
explicação”, reconhece que várias explicações podem ser oferecidas para
qualquer conjunto de observações e se propõe a identi car critérios pelos
quais a melhor explicação pode ser identi cada e justi cada. Entretanto, a
melhor teoria pode não ser uma teoria verdadeira – pode ser simplesmente
a melhor abordagem disponível nesse momento especí co da história.
Então, quais são esses critérios? Várias formas de avaliar teorias ou
explicações foram apresentadas por lósofos da ciência. A seguir,
consideraremos três critérios amplamente usados.
1. Simplicidade. Na Idade Média, o lósofo Guilherme de Ockham recomendou evitar hipóteses
desnecessárias. Esse princípio – frequentemente conhecido como “Navalha de Ockham” ou
“Princípio da Parcimônia” – é útil. As teorias mais simples são geralmente as melhores – mas
nem sempre. O modelo do Sistema Solar de Copérnico era elegantemente simples, prevendo os
planetas girando em torno do Sol em órbitas circulares à velocidade constante. No entanto, como
o astrônomo Johann Kepler demonstrou mais tarde, os planetas não orbitavam ao redor do Sol
em círculos matematicamente simples, mas segundo as trajetórias mais complexas das elipses,
exigindo uma representação matemática mais complexa. Além disso, os planetas se moviam em
velocidades variáveis ao girar em torno do Sol. A simplicidade pode ser um indicador de
verdade, mas não é um garantidor de verdade. Há também um debate não resolvido sobre se
simplicidade signi ca algo matematicamente descomplicado, fácil de entender, ou signi ca
explicar uma ampla variedade de fenômenos com base em um conjunto mínimo de leis.
2. Elegância e beleza. Muitos observaram que teorias bem-sucedidas são frequentemente
elegantes. Em 1955, o físico Paul Dirac foi convidado a estabelecer sua loso a da física. Dirac
respondeu escrevendo esta declaração no quadro-negro: “As leis da física deveriam ter beleza
matemática”. Dirac destacou que a mecânica clássica de Newton era simples; a mecânica
relativística de Einstein era complexa – mas matematicamente elegante. O que torna a teoria da
relatividade tão aceitável para os físicos, apesar de contrariar o princípio da simplicidade,
observou Dirac, é a sua “grande beleza matemática”. No entanto, está longe de ser óbvio por que
um critério subjetivo como elegância ou beleza deveria ser um indicador de verdade!
3. Capacidade de prever. Muitos cientistas defendem que é essencial que uma teoria
cientí ca tenha capacidade de prever. Existem alguns exemplos excelentes de teorias inovadoras
– como a teoria da relatividade geral de Einstein, mencionada acima – que zeram previsões
inesperadas, que foram posteriormente con rmadas. Ainda não está claro por que a capacidade
de prever deve ser tão importante, além do impacto psicológico da con rmação de uma nova
previsão. A questão crítica é se a evidência apoia uma dada teoria e se há rigor no procedimento
de seleção usado para gerar a evidência. Darwin estava convencido de que sua teoria da seleção
natural não podia ser provada verdadeira e que não fazia previsões testáveis – mas, ainda assim,
ele acreditava que estava certo pelas razões que exploraremos abaixo. A teoria das cordas não faz
previsões e é empiricamente inveri cável ou infalsi cável. No entanto, ambas as teorias são
consideradas cientí cas, apesar de não atenderem a esse critério.
Outra questão de debate diz respeito à classi cação desses critérios. Qual
é o mais importante? E qual é a base cientí ca dessa escolha? Na prática,
esses critérios e outros como eles são vistos como sinais, não como provas,
de con abilidade teórica. Há, no entanto, outra questão que precisa ser
observada. O método de “inferência à melhor explicação” pode nos ajudar a
descobrir qual, de um grupo de explicações possíveis, é a “melhor” – mas
isso não signi ca que a “melhor” dessas explicações seja realmente
verdadeira. Ela é simplesmente melhor que suas rivais. O lósofo Gilbert
Harman, que é amplamente creditado por ter introduzido a ideia de
“inferência à melhor explicação”, considerou, contudo, que havia boas razões
para acreditar que a melhor explicação provavelmente seria verdadeira:
Ao fazer essa inferência, procede-se do seguinte modo: partimos do fato de que dada hipótese
poderia explicar a evidência, e a partir disso inferimos a verdade dessa hipótese. Normalmente,
haverá diversas hipóteses capazes de explicar a evidência, e, portanto, é preciso ser capaz de
descartar todas as hipóteses alternativas antes de estar autorizado a fazer essa inferência. Assim,
da premissa de que uma dada hipótese provê uma melhor explicação para evidência do que
todas outras hipóteses, inferimos a conclusão de que a dada hipótese é a verdadeira..61
Essa discussão sobre escolha de teoria é um tanto abstrata. A seguir,
examinaremos um estudo de caso que ajuda a esclarecer alguns dos
problemas. Como Charles Darwin chegou à conclusão de que sua teoria da
evolução por seleção natural era preferível às hipóteses alternativas de sua
época?
Um estudo de caso: Darwin e a seleção natural
O apelo de Charles Darwin ao novo conceito de seleção natural como a
“melhor explicação” de um corpo acumulado de observações sobre a
história natural é amplamente citado como uma aplicação bem-sucedida do
processo indutivo agora conhecido como “inferência à melhor explicação”.
Para Darwin, como observamos anteriormente, quatro características do
mundo natural pareciam demandar atenção particularmente especial à luz
de problemas e de ciências das explicações existentes, especialmente a ideia
de “criação especial” oferecida anteriormente por apologistas religiosos
como William Paley (1743-1805). Paley defendia que a complexidade do
domínio biológico era mais bem-explicada pela ideia de criação divina
especial. Essa complexidade, argumentava ele, não poderia ter acontecido
acidentalmente e deveria ser vista como evidência de design.
Embora a teoria de Paley oferecesse explicações para estas quatro
observações [a seguir], elas pareciam complicadas e forçadas. Darwin
acreditava que deveria haver uma explicação melhor do que a oferecida por
Paley para estas quatro observações, que são:
1. Muitas criaturas têm “estruturas rudimentares”, que não têm função aparente ou
previsível – como os mamilos de mamíferos machos, os rudimentos de uma pélvis e os membros
traseiros em cobras, e as asas em muitos pássaros que não voam. Como isso poderia ser
explicado com base na teoria de Paley, que enfatizava a importância do design individual das
espécies? Por que Deus teria criado redundâncias? A teoria de Darwin explicava isso com
facilidade e elegância.
2. Sabia-se que algumas espécies haviam sido completamente extintas. O fenômeno da
extinção havia sido reconhecido antes de Darwin e era frequentemente explicado com base nas
teorias de “catástrofe”, como uma “inundação universal”, conforme sugerido pelo relato bíblico de
Noé. A teoria de Darwin ofereceu uma explicação mais clara do fenômeno.
3. A viagem de pesquisa de Darwin no Beagle o convenceu da distribuição geográ ca
desigual das formas de vida em todo o mundo. Em particular, Darwin cou impressionado com
as peculiaridades das populações das ilhas, como os tentilhões das Ilhas Galápagos. Mais uma
vez, a doutrina da criação especial de Paley poderia explicar isso, mas de uma maneira que
parecia forçada e não persuasiva. A teoria de Darwin ofereceu uma descrição muito mais
plausível para o surgimento dessas populações especí cas.
4. Várias formas de certas criaturas vivas pareciam se adaptar às suas necessidades
especí cas. Darwin a rmou que isso poderia ser mais bem-explicado por sua emergência e
seleção em resposta a pressões evolutivas. A teoria da criação especial de Paley propôs que essas
criaturas foram projetadas individualmente por Deus com essas necessidades especí cas em
mente.
Como já foi observado, todos esses aspectos da ordem natural poderiam
ser explicados com base na teoria de William Paley. No entanto, as
explicações que Paley e seus seguidores ofereceram pareciam deselegantes e
inventadas. O que era originalmente uma teoria relativamente clara e
elegante começou a desmoronar sob o peso das di culdades e tensões
acumuladas. Darwin acreditava que deveria haver uma explicação melhor,
que descreveria essas observações de maneira mais satisfatória do que as
alternativas que estavam disponíveis.
Darwin deixou bem claro que sua teoria de seleção natural não era a
única explicação possível dos dados biológicos. Ele acreditava, porém, que
ela tinha maior poder explicativo que suas rivais, como a doutrina de atos
independentes de criação especial. “Tem sido mostrada clareza em vários
fatos, que na crença de atos independentes de criação são totalmente
obscuros.” A teoria de Darwin tinha muitas fraquezas e pontas soltas.
Contudo, ele estava convencido de que eram di culdades que podiam ser
toleradas devido à clara superioridade explicativa de sua abordagem.
Entretanto, embora Darwin não acreditasse ter lidado adequadamente com
todos os problemas que exigiam solução, ele estava con ante de que sua
explicação era a melhor disponível. Na sexta edição da Origem das Espécies,
ele respondeu a algumas objeções teóricas à sua abordagem da seguinte
maneira:
Di cilmente pode-se supor que uma teoria falsa explique, de maneira tão satisfatória quanto a
teoria da seleção natural, as várias grandes classes de fatos acima especi cadas. Recentemente, foi
contestado que este é um método inseguro de argumentar; mas é um método usado para julgar
os eventos comuns da vida, e tem sido frequentemente usado pelos maiores lósofos naturais.62
Embora reconhecesse que sua teoria da seleção natural carecia de provas
rigorosas, Darwin acreditava claramente que ela poderia ser defendida com
base em critérios de aceitação e justi cativa já amplamente utilizados nas
ciências naturais, e que sua capacidade explicativa era, por si só, um guia
con ável para sua verdade.
Escolha de teoria e religião
Existem, assim, paralelos dentro da religião para essas questões sobre
escolha de teoria? Nos últimos anos, lósofos e apologistas cristãos
tornaram-se cada vez mais interessados em abordagens indutivas da
racionalidade da fé, especialmente em relação à questão da existência de
Deus. O lósofo Richard Swinburne, por exemplo, argumentou que a
existência de Deus deve ser vista como a melhor explicação do que é
observado no mundo, quando visto como parte de um caso cumulativo
maior. Para Swinburne, a existência do universo pode ser tornada
compreensível se supusermos que ele é criado por Deus.
Swinburne de ne sua abordagem a partir de um esquema mais amplo,
fundamentado na crença central de que a existência de um universo precisa
ser explicada, em vez de apenas ser aceita como um “fato bruto” (Bertrand
Russell). Para Russell, não há outra explicação para sua existência ou de seus
recursos fundamentais além da a rmação de que “está aí”. Então, quais são
as possíveis explicações e qual delas é a melhor? Swinburne sugere que
existem basicamente duas teorias rivais principais que precisam ser
consideradas como possíveis explicações: a visão de que a ciência pode
fornecer uma explicação natural para a existência desse universo, ou a visão
teísta de que o universo e seus fenômenos existem por causa da atividade
causal intencional de um ser pessoal, conhecido como “Deus”.
Assim, Swinburne se propõe a identi car possíveis explicações para o
universo e determinar qual delas é “melhor”. Ao tomar essa decisão,
Swinburne não se vê como tendo que provar a existência de Deus. Em vez
disso, sua tarefa é mostrar que a existência de Deus, por mais improvável
que possa parecer enquanto hipótese independente, é melhor para explicar
nossa conexão com observações e experiências do que suas alternativas –
como o naturalismo materialista. A priori, o teísmo talvez pareça muito
improvável; contudo, argumenta Swinburne, é muito mais provável que seus
rivais explanatórios.
Então, que critérios Swinburne usa para avaliar explicações rivais quanto
à existência do universo? Ao desenvolver esse tipo de argumento
cosmológico indutivo, Swinburne apela para o critério da simplicidade ao
decidir entre hipóteses concorrentes sobre a existência do universo,
argumentando que “a ciência exige que postulemos a explicação mais
simples dos dados”.63 Quanto mais simples uma teoria, maior a
probabilidade de ela estar certa. Seu argumento está aberto a contestações. A
abordagem de Swinburne à racionalidade do teísmo é uma importante
indicação da maneira pela qual os critérios cientí cos de escolha de teoria
chegaram às discussões religiosas.
Vamos agora nos redirecionar para a questão de como as crenças –
sejam teorias cientí cas ou ideias religiosas – podem ser veri cadas. A
seguir, examinaremos as questões que surgem com qualquer tentativa de
desenvolver a rmações verdadeiras sobre o nosso mundo. De que maneira
podemos avaliar isso? Duas abordagens particularmente signi cativas para
essa questão surgiram durante o século 20: o veri cacionismo, sustentando
que as ciências naturais eram capazes de expor suas ideias em formas
adequadas para serem con rmadas a partir da experiência, e o
falsi cacionismo, defendendo que as ciências naturais eram capazes de
a rmar suas ideias de maneira que abordagens defeituosas pudessem
facilmente ser demonstradas como falsas, ainda que acabasse por ser bem
mais difícil con rmar teorias válidas do que os veri cacionistas haviam
pensado.
O pano de fundo desse importante debate encontra-se no Círculo de
Viena, um dos movimentos losó cos mais signi cativos surgidos no século
20, originário na capital austríaca. Começamos considerando esse
movimento altamente in uente e seu impacto no “Positivismo Lógico”.
VERIFICAÇÃO: POSITIVISMO LÓGICO
O “Círculo de Viena” é geralmente considerado como o grupo de
lósofos, físicos, matemáticos, sociólogos e economistas que se reuniram em
torno do lósofo Moritz Schlick (1882-1936) durante o período de 1924 a
1936. Uma das a rmações centrais do grupo era a de que as crenças devem
ser justi cadas com base na experiência. Essa crença está fundamentada nos
escritos de David Hume e é claramente empírica. Por esse motivo, os
membros do grupo tendiam a fazer uma avaliação particularmente elevada
dos métodos e das normas das ciências naturais (que eram vistas como as
mais empíricas das disciplinas humanas) e uma avaliação
correspondentemente baixa da metafísica (que era vista como uma tentativa
de se afastar da experiência). De fato, uma das realizações mais signi cativas
do Círculo de Viena foi fazer com que a palavra “metafísica” ganhasse
conotações fortemente negativas.
Para o Círculo de Viena, declarações que não se relacionassem
diretamente com o mundo real não tinham valor. Toda proposição deve ser
capaz de ser declarada de maneira que se relacione diretamente com o
mundo real da experiência. O programa geral proposto pelo Círculo de
Viena tinha duas partes básicas, como a seguir:
1. Todas as declarações signi cativas podem ser reduzidas a, ou são
explicitamente de nidas por, declarações que contêm apenas
termos observacionais.
2. Todas essas declarações redutivas devem poder ser declaradas em
termos lógicos.
A tentativa mais signi cativa de levar adiante esse programa pode ser
vista nas obras de Rudolph Carnap (1891-1970), particularmente em sua
obra de 1928, e Logical Construction of the World [A construção lógica do
mundo]. Nessa obra, Carnap procurou mostrar como o mundo poderia ser
derivado da experiência pela construção lógica. Foi, como ele disse, uma
tentativa de “redução da ‘realidade’ ao ‘dado’”, aplicando os métodos da
lógica a declarações derivadas da experiência. As duas únicas fontes de
conhecimento são, portanto, a percepção sensorial e os princípios analíticos
da lógica. As declarações são derivadas e justi cadas com base na percepção
dos sentidos e relacionadas entre si e seus termos constituintes pela lógica.
Carnap estabeleceu o que agora é conhecido como “princípio da
veri cação”. Somente declarações que podem ser veri cadas podem ser
consideradas signi cativas. As ciências naturais devem, portanto, ser vistas
como privilegiadas em qualquer teoria do conhecimento. A loso a é
melhor vista como uma ferramenta para esclarecer o que foi estabelecido
com base na percepção sensorial. A loso a, segundo Carnap, consiste na
“análise lógica das a rmações e conceitos da ciência empírica”. Carnap
a rmava, assim, que declarações religiosas não eram cientí cas. Frases que
fazem a rmações sobre “Deus” ou “o transcendente” são sem signi cado,
pois não há nada que seja dado na experiência humana que possa veri cálas.
Essas visões foram popularizadas no mundo de língua inglesa por A. J.
Ayer (1910–1989), especialmente em seu famoso livro Language, Truth and
Logic [Linguagem, Verdade e Lógica] (1936). Embora a Segunda Guerra
Mundial tenha interferido no seu processo de recepção e avaliação, essa obra
sozinha é amplamente considerada como tendo de nido a agenda losó ca
para as duas décadas seguintes ao nal da guerra. Ao aplicar vigorosa e
radicalmente o princípio de veri cação, Ayer sustentava que as declarações
metafísicas (que incluíam crenças religiosas) eram “sem sentido”. Ayer
concedia que as declarações religiosas pudessem fornecer informações
indiretas sobre o estado de espírito da pessoa que as fez. Elas não poderiam,
no entanto, ser consideradas como declarações signi cativas a respeito do
mundo externo.
Então, como os teólogos reagiram a esse desa o? Uma abordagem
popular foi a noção de “veri cação escatológica”, amplamente discutida no
período entre 1955 e 1965. Ela pode ser considerada uma resposta direta às
questões levantadas pela demanda por veri cação como uma condição para
a signi cância. (O termo “escatológico” deriva da expressão grega ta eschata,
“as últimas coisas”, e refere-se a temas como a esperança e o céu, como vistos
pelos cristãos.) O lósofo de Oxford Ian M. Crombie observou que a
experiência com base na qual as declarações religiosas poderiam ser
veri cadas simplesmente não estava acessível no presente – mas que estaria
disponível após a morte.
No entanto, esta questão retrocedeu em importância a partir da década
de 1960, principalmente devido à consciência das severas limitações
impostas ao princípio de veri cação proposto pelo positivismo lógico. Para
ilustrar algumas dessas di culdades, podemos considerar a seguinte
a rmação: “Havia seis gansos sentados no gramado à frente do Palácio de
Buckingham às 17h15 em 18 de junho de 1865”. Essa a rmação é claramente
signi cativa, na medida em que declara algo que poderia ter sido veri cado.
Mas não estamos em posição de con rmar essa a rmação agora. Uma
di culdade semelhante surge em relação a outras declarações sobre o
passado. Para alguém como Ayer, essas a rmações não devem ser
consideradas nem verdadeiras nem falsas, pois não se relacionam com o
mundo externo. No entanto, isso claramente contraria nossa intuição básica
de que tais declarações fazem sim a rmações signi cativas (e
potencialmente veri cáveis).
Uma questão adicional dizia respeito ao status de entidades teóricas não
observáveis – como partículas subatômicas – cuja existência é inferida, em
vez de observada. Em um artigo de 1938, intitulado “Procedures of
Empirical Science” [Procedimentos da ciência empírica], o físico americano
Victor F. Lenzen (1890-1975) argumentou que certas entidades tinham que
ser inferidas a partir de observação experimental, mesmo que elas não
pudessem ser observadas. Por exemplo, o comportamento de gotículas de
óleo em um campo elétrico leva a inferir a existência de elétrons como
partículas carregadas negativamente de uma determinada massa. Esses
elétrons não podem ser vistos (e, portanto, não podem ser “veri cados”) –
mas, sua existência deve ser vista como uma inferência razoável a partir das
evidências observacionais. Os comentários de Lenzen destacaram um
problema com o veri cacionismo, pelo menos nas formas originais do
princípio de veri cação.
O veri cacionismo, assim, tem sérios limites. Portanto, é instrutivo
observar uma abordagem rival que se desenvolveu em resposta a algumas
das di culdades percebidas com o veri cacionismo. Essa abordagem rival é
geralmente conhecida como “falsi cacionismo”, e será considerada na seção
a seguir.
FALSIFICAÇÃO: KARL POPPER
O lósofo austríaco Karl Popper (1902-1994) argumentava que o
desenvolvimento do conhecimento cientí co era um processo evolutivo no
qual várias conjecturas concorrentes, ou teorias provisórias, são
sistematicamente sujeitas aos esforços mais rigorosos possíveis de
falsi cação. Esse processo de eliminação de erros, sugeria ele, era análogo ao
processo de seleção natural na biologia evolutiva. Para Popper, o
conhecimento cientí co avança através da interação entre teorias provisórias
(conjecturas) e eliminação de erros (refutação).
Popper achava que o princípio de veri cação associado ao Círculo de
Viena era muito rígido e acabava excluindo muitas declarações cientí cas
válidas. “Minha crítica ao critério de veri cabilidade sempre foi esta: contra
a intenção de seus defensores, ele não excluiu declarações metafísicas óbvias;
mas excluiu a mais importante e interessante de todas as a rmações
cientí cas, ou seja, as teorias cientí cas, as leis universais da natureza.”
Popper também estava convencido de que o veri cacionismo estava aberto a
críticas por outro motivo. Acabava permitindo que várias “pseudociências”,
como psicanálise e astrologia, passassem a ser consideradas “cientí cas”,
quando não eram nada disso.
Mas o que havia de errado com a psicanálise? As críticas de Popper à
psicanálise foram dirigidas principalmente às ideias de Alfred Adler, que
eram in uentes em Viena naquele tempo. O adlerianismo parecia capaz de
explicar quase tudo. Por que alguém é honesto? A resposta está em eventos
da primeira infância. Por que alguém é desonesto? A resposta está em
eventos da primeira infância. Os adlerianos nunca estavam errados; de fato,
parecia impossível que eles estivessem errados sobre o que quer que fosse, já
que eram capazes de fazer com que qualquer observação se ajustasse
perfeitamente às suas teorias. Tudo no mundo para eles era evidência a favor
de sua teoria; nada parecia contar como evidência contra ela.
Popper propôs o critério da falseabilidade como uma maneira de
distinguir a ciência real da pseudociência – agora geralmente conhecido
como o “problema da demarcação”. Em algum momento, por volta de 1920,
Popper se lembra de ter lido uma descrição cientí ca popular da teoria da
relatividade geral de Einstein. Ele cou particularmente impressionado com
as declarações precisas de Einstein sobre o que seria necessário para
demonstrar que sua teoria estava incorreta. Einstein declarou que “se o
deslocamento para o vermelho das linhas espectrais devido ao potencial
gravitacional não existir, a teoria geral da relatividade será insustentável”.
Einstein procurava algo que pudesse falsear sua teoria. Para Popper, isso
representava uma atitude e uma perspectiva totalmente diferentes daquelas
que ele associava a pseudociências como a astrologia. Os comprometidos
com essas ideologias simplesmente procuravam evidências que pudessem
con rmar suas ideias.
Embora seguisse o Círculo de Viena em insistir que um sistema teórico
deveria ser capaz de ser testado contra a observação do mundo, Popper
argumentou que as teorias cientí cas tinham que ser formuladas de tal
maneira que pudessem ser demonstradas como erradas. Havia a necessidade
de um “critério de demarcação” entre as ciências naturais genuínas e aquelas
que reivindicavam um status cientí co para o que era essencialmente uma
pseudociência.
Certamente admitirei um sistema como empírico ou cientí co apenas se ele for capaz de ser
testado pela experiência. Essas considerações sugerem que não a veri cabilidade, mas a
falseabilidade de um sistema é que deve ser tomada como critério de demarcação. [...] Deve ser
possível que um sistema cientí co empírico seja refutado pela experiência.64
Onde o positivismo lógico enfatizava a necessidade de declarar as
condições sob as quais uma a rmação teórica poderia ser veri cada, Popper
sustentou que a ênfase deve recair sobre a capacidade de indicar as
condições sob as quais o sistema poderia ser falsi cado.
A abordagem de Popper teve uma in uência considerável na loso a da
religião nas décadas de 1950 e 1960, e está especialmente ligada ao que cou
conhecido como o “debate da falsi cação”. Em seu in uente ensaio de 1950,
“Teologia e Falsi cação”, o lósofo Anthony Flew argumentou que as
a rmações religiosas não podem ser consideradas signi cativas, pois nada
extraído da experiência pode falseá-las. Entretanto, esse debate debilitou-se
à medida que as di culdades associadas à abordagem de Popper foram se
tornando mais claras. A tentativa de Popper de estabelecer um critério
signi cativo de falsi cação acabou sendo muito mais difícil do que ele havia
esperado.
Popper defendia que os experimentos poderiam falsear uma teoria.
Entretanto, o lósofo da ciência francês Pierre Duhem havia argumentado
anteriormente que era de fato impossível conceber um “experimento crítico”,
pois sempre haveria um grau signi cativo de incerteza quanto ao fato de o
experimento exigir que uma teoria fosse abandonada em sua totalidade, ou
se a di culdade estaria em apenas uma de suas hipóteses, ou mesmo em
uma hipótese auxiliar, que não fosse de fundamental importância para a
própria teoria. A abordagem de Popper parecia ignorar que a natureza da
observação experimental é tal que ela própria é fortemente carregada de
teoria, o que tornava sua crítica consideravelmente menos potente do que
ele poderia ter esperado.
Então, o que se quer dizer com a a rmação de que a observação é
“carregada de teoria”? A ideia básica é que vemos e interpretamos o mundo
através de mapas mentais preexistentes que são colocados em jogo quando
observamos o mundo. Pensamos que estamos vendo o mundo como ele
realmente é, sem perceber que estamos realmente olhando para ele – e
dando sentido a ele – através de um tipo de mapa mental que nos diz o que
estamos vendo. O processo de observação é ao mesmo tempo um processo
de interpretação. O grande lósofo da ciência do século 19, William
Whewell, a rmou esse ponto quando declarou que “há uma máscara de
teoria sobre a face da natureza”. Observação e interpretação estão
interconectadas em uma circularidade inevitável. “Um fato sob um aspecto é
uma teoria sob outro”.65 Por essa razão, a distinção entre o “factual” e o
“teórico” era problemática, pois repousava em pré-compromissos
epistemológicos não reconhecidos por parte do observador.
A ideia de Whewell sobre natureza da observação ser “carregada de
teoria” foi desenvolvida mais recentemente por N. R. Hanson, que insistia
em que não apenas “vemos” a natureza; nós a entendemos de certa maneira,
vendo-a como algo. O processo de observação supostamente “objetivo” não é
neutro e imparcial, mas é, na realidade, um processo carregado de teoria,
pois envolve o observador usar esquemas conceituais implícitos, mesmo que
estejam abertos a contestações e mudanças. Quando observamos a natureza,
estamos usando um conjunto de “lentes” teóricas, um conjunto implícito de
suposições ou expectativas que criam certo grau de viés perceptivo e,
portanto, tendemos a ignorar ou desconsiderar evidências que não se
encaixam em nossos esquemas mentais existentes.
Por exemplo, agora se sabe que muitas observações do planeta Urano
foram feitas antes de sua “descoberta” por William Herschel, em 1781.
Embora Urano tenha sido realmente “visto” por observadores anteriores, seu
verdadeiro status de planeta não foi reconhecido. Não era visto como um
novo planeta, mas simplesmente como mais uma estrela. Sua baixa
magnitude (Urano é escassamente visível a olho nu) e seu lento período de
rotação ao redor do Sol zeram com que nunca fosse reconhecido como um
planeta, até que Herschel notou seu distinto disco planetário usando um
novo telescópio com considerável poder de captação de luz.
Isso nos leva de volta a Duhem, pois este percebeu que qualquer teoria
proposta para dar sentido às observações será composta de várias hipóteses,
algumas das quais podem ser de importância central, enquanto outras
seriam subsidiárias. O argumento de Duhem é que uma teoria consiste em
uma complexa rede de hipóteses interligadas, algumas centrais e outras
periféricas. Então, se algo previsto pela teoria não corresponde à
experimentação, qual das suposições está errada? Uma hipótese central? Se
for o caso, a teoria teria que ser abandonada. Ou uma das suposições
periféricas? Nesse outro caso, a teoria simplesmente precisa de modi cação.
Segundo Duhem, o físico simplesmente não está em condições de
submeter uma hipótese isolada ao teste experimental. Um experimento em
física nunca pode condenar uma hipótese isolada, mas apenas indica que há
um problema com um grupo de hipóteses. O físico não pode submeter uma
hipótese individual dentro desse grupo a um teste experimental, pois o
experimento pode indicar apenas que uma hipótese dentro de um grupo
maior de hipóteses requer revisão. O experimento testa um grupo de
hipóteses e, por si só, não indica qual das hipóteses requer modi cação.
Duhem argumentou que a noção de “experimento crucial” precisava ser
tratada com considerável cuidado.
Considere um estudo de caso histórico bem conhecido. Após a
descoberta do planeta Urano em março de 1781, veri cou-se que o
movimento observado do novo planeta não correspondia ao que era
previsto pela mecânica newtoniana. Popper concluiu, portanto, que isso
tinha que ter sido visto como um caso claro de falsi cação da teoria
gravitacional de Newton por observação. Porém, outros na época
sustentaram que essa observação pedia a modi cação, não a rejeição, da
teoria de Newton. Supunha-se que não havia planetas depois de Urano. Mas
e se houvesse um planeta para além de Urano, tal que a perturbação orbital
observada de Urano pudesse re etir a in uência gravitacional desse
hipotético planeta transurânico? Os cálculos da localização desse possível
planeta por matemáticos na Inglaterra e na França levaram à descoberta do
planeta transurânico Netuno, em 1846. A abordagem de Popper não seria
capaz de explicar a prática cientí ca bem conhecida e amplamente aceita de
modi cação da teoria em resposta a observações.
Isso, contudo, levanta outra questão, de considerável interesse em si
mesma e no campo geral de ciência e religião. Como a comunidade
cientí ca decide que uma teoria existente é inadequada e precisa de
modi cação – ou possivelmente rejeição – em favor de uma alternativa? Na
próxima seção, consideraremos a relevância dos pontos de vista do lósofo
da ciência americano omas S. Kuhn para essas questões importantes.
MUDANÇA DE TEORIA EM CIÊNCIA: THOMAS S. KUHN
Em sua obra e Structure of Scienti c Revolutions [A estrutura das
revoluções cientí cas] (1962), omas S. Kuhn (1922–1996) alega que a
visão predominante da natureza do progresso cientí co era que teorias
radicalmente novas surgem gradualmente por meio de veri cação ou
falsi cação. Esse modelo de “progresso gradual” é encontrado em muitos
trabalhos, incluindo A Lógica da Pesquisa Cientí ca, de Karl Popper. Kuhn
discordava, argumentando que as evidências históricas sugeriam que a
transição de um “paradigma” cientí co para outro não é gradual, mas
assume a forma de períodos de relativa estabilidade teórica, com ocasionais
mudanças radicais no entendimento, que ele denominou “mudança de
paradigma”.
Com base em seus estudos históricos sobre o desenvolvimento das
ciências naturais, Kuhn argumentou que determinado paradigma passa a ser
aceito como normativo por conta de seu sucesso explicativo passado. Uma
vez que determinado paradigma é aceito, segue-se um período referente ao
que Kuhn chama de “ciência normal”. Durante esse período, o paradigma
que resultou desse sucesso anterior é tratado como não problemático e
geralmente não é contestado. A evidência empírica que parece inconsistente
com esse paradigma é tratada como uma anomalia ou vista como algo que
pode ser acomodado dentro dessa abordagem existente. Essa evidência pode
representar di culdades para o paradigma predominante, mas não é vista
como exigência de que o paradigma seja abandonado. A anomalia é
considerada como algo para o qual uma solução é esperada dentro do
contexto desse paradigma, mesmo que, no momento, a natureza exata dessa
solução permaneça incerta. Modi cações ad hoc são propostas ao
paradigma existente – como no caso da astronomia ptolomaica, na qual a
disparidade entre teoria e observação pôde ser explicada pela adição de
epiciclos adicionais ao sistema.
Mas o que acontece se uma série de anomalias se acumular e atingir uma
força cumulativa que coloque o paradigma em questão? Ou se uma única
anomalia é reconhecida como sendo de tal importância, que o problema que
ela apresenta não possa mais ser desconsiderado? Kuhn argumenta que, em
tais situações, uma crise surge dentro do paradigma. Seções da comunidade
cientí ca percebem que o paradigma está em um ponto de ruptura e que
algo novo e mais satisfatório precisa ser encontrado. Uma “revolução
cientí ca” ocorre quando a comunidade cientí ca percebe que um ponto de
in exão foi atingido e que o modelo antigo deve ser abandonado em favor
de algo novo.
Kuhn contrasta essa abordagem revolucionária com um modelo
essencialmente evolutivo,que vê uma progressão constante no entendimento
cientí co por meio de um acúmulo gradual de dados e entendimento.
Quando outros historiadores da ciência falavam de “progresso cientí co”,
Kuhn preferia as imagens de uma revolução, na qual uma grande mudança
nas suposições ocorria em um curto período de tempo. Kuhn argumentou
que uma complexa rede de questões está por trás da decisão de abandonar
um paradigma e aceitar outro, e que isso não pode ser explicado apenas com
base em considerações cientí cas. Questões altamente subjetivas estão
envolvidas. Kuhn compara uma “mudança de paradigma” a uma
“conversão”. A adoção de um novo paradigma é acompanhada por uma
alteração repentina e intuitiva da percepção, como uma “troca de gestalt” –
uma imagem psicológica popular do nal da década de 1950. Kuhn observa
que “nenhum senso comum do termo ‘interpretação’ se encaixa nesses
lampejos de intuição através dos quais nasce um novo paradigma”.66
Nesse ponto, devemos observar que o uso que Kuhn faz do termo
“paradigma” não é totalmente consistente, usando-o em dois sentidos
amplos. Geralmente, refere-se ao amplo grupo de suposições comuns que
une um grupo particular de cientistas. Ainda assim, às vezes ele pode ser
usado em um sentido mais especí co e restrito para se referir a um sucesso
explicativo cientí co passado, que parece oferecer uma estrutura que pode
ser tratada como normativa e, portanto, é tratada como exemplar ou
normativa a partir de então – até que algo nalmente faça o paradigma ser
abandonado.
A ênfase de Kuhn nas razões subjetivas das mudanças de paradigma
levou alguns de seus críticos a sugerir que sua descrição do desenvolvimento
cientí co se apoia em algo pouco superior ao “comportamento de manada”.
Provavelmente isso é injusto. Kuhn simplesmente observou os aspectos
sociológicos da mudança de opinião nas comunidades cientí cas.
A transição entre paradigmas concorrentes não pode ser feita na base de um passo por vez,
forçada pela lógica e pela experiência neutra. [...] Deve ocorrer ou de uma só vez (embora não
necessariamente em um instante), ou não ocorrer de maneira alguma. [...] Nessas questões, nem
prova nem erro estão em foco. A transferência de lealdade de um paradigma a outro paradigma é
uma experiência de conversão que não pode ser forçada.67
Uma nova teoria nos permite observar as coisas de uma nova maneira,
substituindo uma forma mais antiga de interpretar e visualizar o mundo.
Kuhn destaca, assim, a natureza da observação “carregada de teoria” e
aponta suas implicações para a transição das teorias ptolemaica para
copernicana, do Sistema Solar.
Antes de ocorrer, o Sol e a Lua eram planetas, a Terra não. Depois disso, a Terra era um planeta,
como Marte e Júpiter; o Sol era uma estrela; e a Lua era um novo tipo de corpo, um satélite.68
O argumento de Kuhn é que os fenômenos não foram alterados; eles
foram, no entanto, interpretados de uma nova maneira, na medida em que o
Sol agora era visto como uma estrela. A observação não é, portanto, um
processo neutro, mas é moldada por suposições, explícitas ou implícitas,
sobre o que está sendo observado. A observação refere-se a ver como, não
apenas ver. Um observador poderia ver o Sol nascer e se pôr; outro poderia
ver a Terra girando em seu eixo, levando ao movimento aparente do Sol
através dos céus. Ambos, no entanto, estão olhando para o mesmo
fenômeno natural.
A análise de Kuhn tem importância para a crença religiosa e dois de seus
temas centrais podem ser explorados para ilustrar sua relevância. Primeiro,
o conceito de Kuhn de “mudanças de paradigma” é útil para tentar entender
as principais mudanças intelectuais que ocorreram na história do
pensamento religioso. Como observamos, o pensamento religioso é
in uenciado, pelo menos até certo ponto, pelos pressupostos culturais e
losó cos da época. Mudanças radicais nessas suposições básicas podem,
portanto, ser de grande importância, como demonstrou o desenvolvimento
da teologia cristã. A Reforma e o Iluminismo são épocas no pensamento
cristão que podem ser vistas como representando “mudanças de paradigma”
na compreensão de como a teologia deve ser feita. Os entendimentos
existentes quanto a pressupostos, normas e métodos de fundo são, com
frequência, radicalmente alterados – e ocasionalmente abandonados por
completo – na transição de um paradigma para outro.
Um bom exemplo de tal mudança radical em um paradigma teológico
pode ser visto na discussão do nal do século 20 sobre a questão de se Deus
sofre. Durante o início da Era Cristã e na Idade Média, foi assumido em
geral que Deus não poderia sofrer. Existem exemplos de autores que falam
do sofrimento de Deus; estes, porém, são poucos e distantes entre si. Jesus
Cristo sofreu na cruz; no entanto esse sofrimento era considerado como algo
relacionado à natureza humana de Cristo, mas não à sua natureza divina.
Deus sabia que os seres humanos estavam sofrendo e era solidário à dor
deles. Ainda assim, Deus era visto como estando acima do sofrimento. As
razões para esse consenso teológico permanecem incertas. Alguns
estudiosos veem isso como uma expressão de uma visão losó ca da
perfeição de Deus. Fílon de Alexandria defendia vigorosamente a
impassibilidade de Deus: “Que impiedade maior poderia haver do que supor
que o Imutável muda?”.
Esse consenso foi quebrado na década de 1970, aparentemente em
resposta a uma crescente crença de que os níveis de sofrimento no século 20
tornavam apologeticamente impossível tratar Deus como estando acima ou
além do sofrimento. Em A eology of the Pain of God [Uma teologia da dor
de Deus] (1946), o autor japonês Kazoh Kitamori argumentou que o amor
de Deus estava enraizado na dor do mundo. Em sua obra Cruci ed God [O
Deus cruci cado] (1972), Jürgen Moltmann propôs que um Deus que não
pode sofrer é um Deus de ciente, não perfeito. Salientando que Deus não
pode ser forçado a mudar ou sofrer, Moltmann declara que Deus quis sofrer.
O sofrimento de Deus é consequência direta da decisão de Deus de sofrer e
sua vontade de sofrer. A natureza do amor é tal, que envolve o amante
participar dos sofrimentos do amado. Tal foi a in uência de Moltmann que
um ponto de in exão foi atingido no protestantismo ocidental. Uma “nova
ortodoxia” surgiu, sustentando que Deus sofria. Outros, no entanto, foram
resistentes à ideia de um Deus sofredor, vendo isso como desnecessário e
impróprio.
Um último ponto deve ser frisado ao avaliar a abordagem de Kuhn às
“revoluções cientí cas”. Que explicação pode ser oferecida para o progresso
na teorização cientí ca, em oposição à mudança na teorização cientí ca? O
termo “progresso” implica claramente um julgamento – que essas mudanças
são para melhor. Então, uma revolução cientí ca necessariamente leva a
uma melhor compreensão da verdade sobre a natureza? Kuhn rejeita o
realismo como uma explicação dos sucessos da pesquisa cientí ca e,
portanto, não vê uma convergência crescente entre “teoria” e “realidade”
como uma explicação do progresso cientí co. Kuhn argumenta que nada se
perde em rejeitar uma descrição realista do desenvolvimento cientí co.
Então, como podemos falar de maneira signi cativa sobre o “progresso”
cientí co, a menos que haja algum meio de saber que a ciência está seguindo
na direção certa, em vez de dar uma guinada falsa que precisará ser
corrigida no futuro? Parece claro que há necessidade de mais discussões
sobre este ponto.
Este capítulo considerou algumas áreas de potencial envolvimento e
interação entre a religião e a loso a da ciência. E o trânsito na outra
direção? No capítulo 4, passaremos a considerar algumas áreas de potencial
envolvimento e interação entre as ciências naturais e a loso a da religião.
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40 John Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science [Crença em Deus em uma era cientí ca].
New Haven, CT: Yale University Press, 1998, p. 104.
41 Ibidem pp. 105–106.
42 Werner Heisenberg, Physik und Philosophie [Fisica e Filoso a]. Stuttgart: Hirzel, 2007, p. 85.
43 Steven Rose, ‘e Biology of the Future and the Future of Biology’ [A biologia do futuro e o futuro
da biologia] em Explanations: Styles of Explanation in Science, editado por John Cornwell. Oxford:
Oxford University Press, 2004, pp. 125–142.
44 omas F. Torrance, eological Science [Ciência teológica]. London: Oxford University Press,
1969, p. 281.
45 omas F. Torrance, eology in Reconstruction [Teologia em reconstrução]. London: SCM Press,
1965, p. 9.
46 John Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science [Crença em Deus em uma era cientí ca].
New Haven, CT: Yale University Press, 1998, pp. 105–106.
47 H. Wheeler Robinson, ‘Hebrew Psychology’ [Psicologia hebraica] A. S. Peake, ed., e People and
the Book [O povo e o livro]. Oxford: Clarendon Press, 1925, p. 362.
48 Peter R. Dear, e Intelligibility of Nature: How Science Makes Sense of the World [A inteligibilidade
da natureza: como a ciênca faz sentido do mundo]. Chicago: University of Chicago Press, 2006, p. 173.
49 Max Planck, Where Is Science Going? [Para onde a ciência está indo?] New York: W.W. Norton,
1932, p. 173.
50 John Polkinghorne, eology in the Context of Science [Teologia no contexto da ciência]. London:
SPCK, 2008, p. xx.
51 William Whewell, Philosophy of the Inductive Sciences [Filoso a das ciências indutivas] (2 vols).
London: John W. Parker, 1847, vol. 2, p. 46.
52 Wesley C. Salmon, Scienti c Explanation and the Causal Structure of the World [Explicação
cientí ca e a estrutura causal do mundo]. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1984, p. 260.
53 Philip Kitcher, ‘Explanatory Uni cation and the Causal Structure of the World’ [Uni cação
explanatória e a estrutura causal do mundo], em Scienti c Explanation, editado por P. Kitcher e W.
Salmon. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1989, pp. 410–505; citação na p. 432.
54 Pierre Duhem, La théorie physique: son object, sa structure [A teoria física: seu objeto e sua
estrutura], 2. ed. Paris: Rivière, 1914, pp. 3–4.
55 Alvin Plantinga, Warranted Christian Belief. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 370.
[Disponível em português: Crença Cristã Avalizada. São Paulo: Vida Nova, 2018].
56 Keith E. Yandell, Philosophy of Religion: A Contemporary Introduction [Filoso a da religião: uma
introdução contemporânea]. New York: Routledge, 1999, p. 16.
57 Richard Swinburne, Is ere a God? [Existe um Deus?] Oxford: Oxford University Press, 1996, p.
68.
58 omas Nagel, ‘Why Is ere Anything?’ In Secular Philosophy and the Religious Temperament:
Essays, 2002–2008. Oxford: Oxford University Press, 2009, pp. 27–32; citado na p. 28.
59 William Whewell, On the Philosophy of Discovery [Sobre a loso a da descoberta]. London: Parker,
1860, p. 359.
60 Johann Kepler, Gesammelte Werke [Harmonias do mundo] (22 vols). Munich: C. H. Beck, 1937–
1983, vol. 6, p. 233.
61 Gilbert Harman, ‘e Inference to the Best Explanation [A Inferencia à melhor explicação].’
Philosophical Review, 74 (1965): 88–95; citação na p. 89.
62 Charles Darwin, Origin of Species [A origem das espécies] 6a ed. London: John Murray, 1872, p.
421.
63 Richard Swinburne, e Existence of God [A existência de Deus], 2a ed. Oxford: Clarendon Press,
2004, p. 165.
64 Karl R. Popper, e Logic of Scienti c Discovery [A lógica da pesquisa cientí ca]. New York:
Routledge, 2002, p. 18.
65 William Whewell, Philosophy of the Inductive Sciences [Filoso a da ciência indutiva] (2 vols).
London: John W. Parker, 1847, vol. 1, p. 42.
66 omas S. Kuhn, e Structure of Scienti c Revolutions [A estrutura das revoluções cientí cas].
Chicago: University of Chicago Press, 1962, p. 149.
67 Ibidem, p. 122.
68 omas S. Kuhn, e Road since Structure: Philosophical Essays, 1970–1993 [O caminho desde a
Estrutura: ensaios losó cos]. Chicago: University of Chicago Press, 2000, p. 15.
N
o capítulo anterior, exploramos alguns dos principais temas da
loso a da ciência e consideramos sua relevância para a discussão
de questões religiosas. O presente capítulo desenvolve ainda mais
essa abordagem, examinando como as ideias das ciências naturais
podem ter implicações para a loso a da religião – ou, pelo menos, qual seu
potencial para contribuir em discussões nessa área.
Entende-se geralmente que o campo da “ loso a da religião” se refere ao
exame losó co dos temas e conceitos básicos associados às tradições
religiosas, como o cristianismo, incluindo também a tarefa losó ca mais
ampla de re etir sobre questões de importância religiosa, como a relação
entre Deus e o mal, a natureza da linguagem religiosa, o uso de analogias na
religião e a avaliação de alternativas à religião, como o naturalismo secular.
A loso a da religião é uma área muita rica e, para nossos propósitos neste
capítulo, focalizaremos um de seus temas mais importantes: os argumentos
losó cos para a existência de Deus. De que maneira as ideias das ciências
naturais afetam esses argumentos? Como a literatura nessa área deixa claro,
discussões recentes de argumentos sobre a existência de Deus fazem ampla
referência a entendimentos cientí cos do mundo.
No capítulo 5, vamos considerar uma segunda área ampla que mescla
temas característicos da loso a da ciência e da loso a da religião – o uso
de modelos ou analogias para visualizar ou interpretar entidades complexas
ou não observáveis na ciência e na religião.
Neste capítulo, consideraremos algumas das linhas de argumentação
relacionadas à existência de Deus que foram desenvolvidas dentro da
loso a da religião e, em seguida, focalizaremos especi camente os
argumentos que são particularmente afetados pelas ciências naturais.
Começaremos nossa análise abordando alguns dos argumentos clássicos da
existência de Deus, para permitir que o leitor obtenha uma compreensão
dos tipos de abordagem amplamente discutidos nesse campo de estudo.
CIÊNCIA, RELIGIÃO E PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS
Uma das questões mais interessantes da ciência e da religião diz respeito
à natureza das “provas” de teorias – seja a teoria em questão a teoria da
relatividade de Einstein ou a a rmação cristã da existência de Deus.
Quando, na adolescência, comecei a estudar ciências, nos anos de 1960, fui
encorajado a pensar que a ciência provava suas descobertas com total
convicção. A composição química da água, por exemplo, pode ser
comprovada como sendo H2O. É lugar comum para os que têm
compromisso com o desatualizado modelo de “con ito” para a relação entre
ciência e religião compará-las nesse ponto. No que diz respeito às
evidências, ciência e religião são frequentemente colocadas em extremos
opostos da escala.
Richard Dawkins, um vigoroso defensor dessa abordagem – embora não
se deva dizê-lo particularmente bem-informado –, argumenta que a ciência
prova suas principais convicções recorrendo a evidências experimentais ou
observacionais, enquanto a religião se recusa a oferecer qualquer suporte
racional ou evidencial para suas crenças. Cientistas mais bem-informados
loso camente, no entanto, têm uma visão muito diferente. Max Planck, o
pai da teoria quântica, deixava bem claro que a fé desempenha um papel
crítico nas ciências naturais, argumentando que uma crença não
comprovada na unidade fundamental dos fenômenos fornece motivação e
justi cativa para o empreendimento cientí co. Não é algo que possa ser
provado, mas que, no entanto, parece fornecer uma base de trabalho para o
projeto cientí co. Para Planck, o cientista acredita em uma ordem invisível
das coisas e acha isso justi cado e re etido no sucesso das ciências:
Qualquer um que se dedique seriamente a trabalhos cientí cos de qualquer natureza percebe
que, sobre a entrada do portal do templo da ciência, estão escritas as palavras: “Você deve ter fé”.
Essa é uma qualidade que os cientistas não podem dispensar.1
Um raciocínio semelhante foi apresentado por omas H. Huxley,
amplamente conhecido como “Buldogue de Darwin”, devido à sua defesa
obstinada das ideias de Darwin. Em 1885, Huxley declarou que “a ciência ...
comete suicídio quando adota um credo”. A ciência, na sua melhor e mais
autêntica forma, não tem credo ou ideologia, seja religiosa ou antirreligiosa.
Sua posição pública seria comprometida se fosse contaminada por agendas
religiosas ou antirreligiosas. Embora a ciência possa não ter um credo,
Huxley insistiu que ela tem uma e apenas uma regra de fé:
O único ato de fé no convertido à ciência é a con ssão da universalidade da ordem e da validade
absoluta, em todos os tempos e sob todas as circunstâncias, da lei da causalidade. Essa con ssão
é um ato de fé, porque, pela natureza do caso, a verdade de tais proposições não é suscetível de
prova.2
Huxley percebeu claramente que a prática da ciência se apoia em uma
crença não comprovada (e não apta a ser provada). É uma crença que pode
ser reforçada com os resultados do processo cientí co – mas continua sendo
o que o psicólogo William James chamou de “hipótese de trabalho” não
comprovada.
No início deste livro, consideramos o lugar da explicação nas ciências
naturais e na teologia cristã. No caso das ciências naturais, a questão é como
dar sentido a um conjunto de observações do mundo natural. Qual “cenário”
faz mais sentido com essas observações? Como vimos no capítulo 3, isso
geralmente envolve o processo de “inferência à melhor explicação”. No
entanto, isso sempre é entendido como uma avaliação provisória, aberta à
revisão e correção à medida que as evidências se acumulam e a re exão
prossegue. Com base nas evidências disponíveis hoje, podemos aceitar essa
teoria cientí ca; com base em novas evidências ou interpretações revisadas
das antigas evidências que vamos obter amanhã, poderemos aceitar uma
teoria cientí ca bem diferente.
Como apontou Michael Polanyi, químico e notável lósofo da ciência, os
cientistas naturais precisam acreditar em algumas coisas que sabem que,
mais tarde, se mostrarão erradas – mas não sabendo ao certo quais de suas
crenças atuais se revelarão errôneas.
A teorização cientí ca oferece o que se acredita ser a melhor descrição
das observações experimentais atualmente disponíveis. A mudança radical
da teoria ocorre quando se acredita que exista uma explicação melhor do
que já é conhecido ou quando novas informações surgem, o que nos obriga
a ver o que é atualmente conhecido sob uma nova luz. A menos que
conheçamos o futuro, é impossível tomar uma posição absoluta sobre a
questão de saber se alguma teoria é “certa”. Não sabemos – e não temos
como saber – quais das teorias de hoje serão descartadas como fracassos
curiosos pelas gerações futuras. Entretanto, isso não impede os cientistas de
se comprometerem com uma dada teoria, acreditando que ela está certa
(embora saibam que ela pode ser inadequada ou errada em longo prazo).
Essa ênfase no caráter provisório das teorias cientí cas abala severamente
o positivismo ultrapassado, que frequentemente acompanha o modelo de
“con ito” da relação entre ciência e religião. Onde o positivista declara que
“a ciência provou que isso é verdade”, cientistas mais sábios e re exivos
preferem a rmar que: “existe um amplo consenso na comunidade cientí ca
de que isso está correto, o que provavelmente mudará à medida que mais
evidências forem acumuladas”. Isso não é, de forma alguma, uma crítica às
ciências naturais. É simplesmente um reconhecimento de como o método
cientí co funciona. Historiadores da ciência apontam regularmente para um
grupo de teorias que representavam a ortodoxia cientí ca em sua época e
agora são consideradas claramente incorretas.
Para explorar a importância desse ponto, vamos fazer uma pergunta: a
teoria da evolução de Darwin está correta? A melhor resposta para essa
pergunta seria que a teoria de Darwin, conforme modi cada por seus
sucessores, é considerada atualmente a melhor explicação de um vasto corpo
de dados biológicos. No entanto, à medida que mais e mais dados se
acumulam, pode ocorrer o que omas Kuhn chamou de “mudança de
paradigma”, envolvendo uma mudança radical da teoria do darwinismo para
uma nova teoria, atualmente desconhecida. Richard Dawkins, um defensor
entusiástico do darwinismo, é bastante claro sobre esse ponto:
Darwin pode ser [considerado] triunfante no nal do século 20, mas devemos reconhecer a
possibilidade de que novos fatos venham à tona, o que forçará nossos sucessores do século 21 a
abandonar o darwinismo ou modi cá-lo a ponto de se tornar irreconhecível.3
E as crenças religiosas? Há três questões interessantes que devem ser
observadas aqui:
1. Se a crença em Deus pode ser demonstrada verdadeira, de modo
semelhante a como uma teoria cientí ca pode ser con rmada.
2. Que papel as ciências naturais desempenham na discussão da
racionalidade da crença religiosa em geral e da crença em Deus em
particular.
3. Que papel as ciências naturais desempenham nos argumentos
ateístas contra a existência de Deus – como os que agora são
geralmente conhecidos como “argumentos evolutivos de
desmisti cação”.
Consideraremos essas questões neste capítulo, começando com os
argumentos clássicos de Tomás de Aquino para a existência de Deus,
geralmente conhecidos como as “Cinco Vias”.
ARGUMENTOS FILOSÓFICOS TRADICIONAIS PARA A EXISTÊNCIA DE DEUS
Os argumentos losó cos para a existência de Deus mais amplamente
discutidos foram desenvolvidos por Anselmo de Cantuária e Tomás de
Aquino durante a Idade Média. O “argumento ontológico” de Anselmo é de
considerável interesse para os lósofos da religião, mas seu caráter não
empírico signi ca que ele tem pouco lugar em qualquer discussão sobre as
ciências naturais. Em contraste marcante, as “Cinco Vias” de Tomás de
Aquino estão diretamente fundamentadas em um engajamento com a
realidade empírica e, portanto, se conectam bem à investigação cientí ca.
Vamos considerar esses argumentos a seguir.
Em alguns livros didáticos, as “Cinco Vias” são descritas como “provas”
da existência de Deus. Isso é um exagero. Por várias razões, esses
argumentos tradicionais são mais bem-vistos como uma demonstração da
racionalidade interna da crença religiosa. A abordagem de Tomás de Aquino
é de especial interesse devido à conexão explícita que ele propõe entre a
existência de Deus e a capacidade humana de compreender o nosso mundo.
As declarações mais recentes desses argumentos geralmente assumem três
formas:
1. Argumentar que é mais racional acreditar que Deus existe do que
negar que Deus existe.
2. Argumentar que é mais racional acreditar que Deus existe do que ser
agnóstico quanto à existência de Deus.
3. Argumentar que é tão racional acreditar em Deus quanto acreditar
em muitas das coisas nas quais os lósofos ateus costumam
acreditar (como a existência de “outras mentes” ou na objetividade
de certo e errado do ponto de vista moral).
A seguir, consideraremos as formas clássicas desses argumentos e
algumas de suas formas mais recentes.
As Cinco Vias de Tomás de Aquino
Tomás de Aquino (c. 1225–1274) é provavelmente o teólogo mais
famoso e in uente da Idade Média. Nascido na Itália, alcançou fama através
do ensino e das obras escritas na Universidade de Paris e em outras
universidades do Norte. Sua fama repousa principalmente em sua Suma
Teológica, que foi composta no nal de sua vida e permaneceu inacabada no
momento de sua morte. Ele também escreveu muitas outras obras
importantes, particularmente a Suma Contra os Gentios, que representa uma
a rmação importante da racionalidade da fé cristã, e especialmente da
existência de Deus. Tomás de Aquino acreditava que era inteiramente
apropriado identi car indicadores da existência de Deus, extraídos da
experiência humana geral do mundo.
Para os propósitos de Tomás de Aquino em demonstrar a racionalidade
da crença teísta, Deus é tratado principalmente como um agente
explanatório cuja existência e natureza fornecem uma explicação
retrospectiva de vários aspectos de nossa experiência do mundo e de nós
mesmos como criaturas de Deus – como a ordem do mundo, ou nosso senso
de bondade ou beleza em resposta à natureza. Tomás de Aquino considera
inaceitável simplesmente a rmar a realidade crua da existência de nosso
mundo e suas características especí cas. Ele acredita claramente que é
razoável e apropriado procurar uma explicação, em primeiro lugar, de por
que esse mundo existe e, em segundo, por que tem as características
distintas que observamos em seus processos e estruturas. O universo precisa
ser explicado em termos de um relacionamento com algo diferente de si
mesmo – isto é, com Deus.
As “Cinco Vias” de Tomás de Aquino representam cinco linhas de
argumentação em apoio à existência de Deus; cada uma se baseia em algum
aspecto do mundo que “aponta” para a existência de seu criador. Então, que
tipo de indicadores Aquino identi ca? A linha básica de pensamento que
guia Aquino é que o mundo re ete Deus, como seu criador – uma ideia à
qual é dada uma expressão mais formal em sua doutrina da “analogia do
ser”. Assim como um artista pode assinar uma pintura para identi cá-la
como obra sua, também Deus estampou uma “assinatura” divina na criação.
O que observamos no mundo (por exemplo, os sinais de ordem) pode ser
melhor explicado com base na existência de Deus como seu criador. Deus
deve, portanto, ser visto como sua primeira causa e seu criador, ao trazer o
mundo à existência e imprimir nele algo da imagem e semelhança divinas.
Então, onde podemos procurar, na criação, evidências da existência de
Deus? Tomás de Aquino argumenta que a ordem do mundo é a evidência
mais convincente da existência e sabedoria de Deus. Essa suposição básica
está subjacente a cada uma das “Cinco Vias”, embora seja de particular
importância no caso do argumento frequentemente referido como o
“argumento do design” ou “argumento teleológico”. Vamos considerar cada
uma dessas “vias” individualmente, antes de focar em duas delas mais
adiante neste capítulo.
A primeira via começa com a observação de que as coisas no mundo
estão em movimento ou mudam. O mundo não é estático, mas é dinâmico.
Exemplos disso são fáceis de listar. A chuva cai do céu. Pedras rolam abaixo
pelos vales. A Terra gira em torno do Sol (um fato, aliás, desconhecido de
Aquino). O primeiro dos argumentos de Tomás de Aquino é normalmente
chamado de “argumento do movimento”. O termo em latim motus, muitas
vezes traduzido como “movimento”, tem um sentido mais amplo do que o
sugerido, de modo que a tradução “mudança” é mais apropriada em alguns
momentos.
Então, como a natureza entrou em movimento? Por que está mudando?
Por que não é estática? Tomás de Aquino argumenta que tudo o que se move
é movido por outra coisa. Para todo movimento, há uma causa. As coisas
não apenas se movem, elas são movidas por outra coisa. Agora, cada causa
de movimento deve ter ela mesma uma causa. E essa causa deve ter uma
causa também. Tomás de Aquino argumenta, portanto, que há toda uma
série de causas de movimento por trás do mundo como o conhecemos.
Agora, a menos que exista um número in nito dessas causas, argumenta
Tomás de Aquino, deve haver uma causa única bem na origem da série. A
partir dessa causa original do movimento, todos os outros movimentos são
derivados. Essa é a origem da grande cadeia de causalidade que vemos
re etida na maneira como o mundo se comporta. Pelo fato de as coisas
estarem em movimento, Tomás de Aquino defende a existência de uma
causa única original de todo esse movimento – e esta, ele conclui, é Deus.
Em tempos mais recentes, esse argumento foi rea rmado em termos
mais explicitamente cosmológicos. A declaração do argumento assume,
mais comumente, o seguinte formato:
1. Tudo dentro do universo depende de outra coisa para sua existência.
2. O que é verdade para suas partes individuais também é verdade para
o próprio universo.
3. O universo depende, portanto, de outra coisa para sua existência
desde que existe ou enquanto existir.
4. O universo, portanto, depende de Deus para sua existência.
O argumento pressupõe basicamente que a existência do universo é algo
que requer explicação. Ficará claro que esse tipo de argumento está
diretamente relacionado à pesquisa cosmológica moderna, particularmente
à teoria do “Big Bang” das origens do cosmos.
A segunda via começa com a ideia de causação e ciente. Tomás de
Aquino observa que observamos uma ordem de causas e cientes dentro do
que vemos ao nosso redor. Entretanto, não observamos, e não podemos
esperar observar, qualquer coisa que seja a causa e ciente de si mesma.
Como não é possível que exista uma série in nita de causas e cientes, é
razoável supor que exista alguma causa e ciente primordial (prima causa
efficiens), que é o que todos chamam de “Deus”.
A terceira via diz respeito à existência de seres contingentes. Em outras
palavras, o mundo contém seres (como os seres humanos) que não existem
por uma questão de necessidade. Tomás de Aquino contrasta esse tipo de ser
com um ser necessário (alguém que existe por necessidade). Ao passo que
Deus é um ser necessário, Tomás de Aquino argumenta que os seres
humanos são seres contingentes. O fato de estarmos aqui precisa de
explicação. Por que estamos aqui? O que aconteceu que nos trouxe à
existência? Tomás de Aquino argumenta que um ser passa a existir porque
algo já existente faz com que ele exista. Em outras palavras, nossa existência
é causada por outro ser. Nós somos o resultado de uma série causal.
Rastreando essa série de volta à sua origem, Tomás de Aquino declara que
essa causa original do ser só pode ser alguém cuja existência é necessária –
em outras palavras, Deus.
A quarta via começa com valores humanos, como verdade, bondade e
nobreza. De onde vêm esses valores? O que os causa? Tomás de Aquino
argumenta que deve haver algo que seja verdadeiro, bom e nobre, e que isso
faça surgir nossas ideias de verdade, bondade e nobreza. A origem dessas
ideias, sugere Tomás de Aquino, é Deus, que é sua causa original.
A quinta e última via é o próprio argumento teleológico ou “argumento
do design”. Esse é um dos argumentos losó cos pela existência de Deus
mais amplamente discutidos. Tomás de Aquino coloca o argumento em
termos de design aparente dentro da ordem natural. As coisas não existem
simplesmente; elas parecem ter sido projetadas com alguma forma de
propósito em mente. O termo “teleológico” (que signi ca “direcionado a um
objetivo”) é amplamente usado para indicar esse aspecto da natureza
aparentemente direcionado a uma meta. Isso leva Tomás de Aquino a
concluir que existe “um ser inteligente por meio do qual todas as coisas
naturais são direcionadas para o seu m” – em outras palavras, Deus.
Os cinco argumentos de Tomás de Aquino mostram uma estrutura
semelhante. Cada um depende de rastrear uma sequência causal de volta à
sua origem única e identi cá-la com Deus. Uma série de objeções às “Cinco
Vias” foram apresentadas pelos críticos de Tomás de Aquino durante a Idade
Média, como Duns Scotus e Guilherme de Ockham. As três críticas a seguir
são especialmente importantes.
1. Por que a ideia de uma regressão in nita de causas é impossível? Por
exemplo, o argumento do movimento só funciona realmente se for
possível mostrar que a sequência de causa e efeito para em algum
lugar. De acordo com Tomás de Aquino, deve haver um Primeiro
Motor Imóvel. Mas ele falha em demonstrar esse ponto, sustentando
que uma regressão in nita de causas é contraintuitiva.
2. Por que esses argumentos levam à crença em apenas um Deus? O
argumento do movimento, por exemplo, pode levar à crença em
vários Primeiros Motores Imóveis. Parece não haver nenhuma razão
especialmente premente para insistir que só pode haver uma dessas
causas, exceto a insistência cristã fundamental de que, de fato, existe
apenas um Deus.
3. Esses argumentos não demonstram que Deus continua a existir.
Tendo levado as coisas a acontecer, Deus poderia deixar de existir. A
existência continuada de eventos não implica necessariamente a
existência continuada de seu originador. Os argumentos de Tomás
de Aquino, sugere Ockham, podem levar à crença de que certa vez
Deus existiu – mas não necessariamente existe agora. Ockham
desenvolveu um argumento um tanto complexo para contornar essa
di culdade, com base na ideia de Deus continuar sustentando o
universo.
O argumento Kalam
O argumento que agora é geralmente conhecido como o “argumento
kalam” deriva seu nome de uma escola de loso a árabe que oresceu no
início da Idade Média. A estrutura básica do argumento pode ser de nida
como quatro proposições:
1. Tudo o que tem um começo deve ter uma causa.
2. O universo começou a existir.
3. Portanto, o início da existência do universo deve ter sido causado
por alguma coisa.
4. A única causa possível desse tipo é Deus.
Embora alguns estudiosos considerem esse argumento uma variante do
argumento cosmológico, já exposto acima, outros consideram que ele tem
certas características distintas, merecendo um tratamento próprio.
A estrutura do argumento é clara. Se pode ser dito que a existência de
algo teve um início, segue-se – é o que se argumenta – que deve ter uma
causa. Esse tipo de argumento é facilmente vinculado à ideia cientí ca
moderna de um “Big Bang”. A cosmologia moderna sugere fortemente que o
universo teve um começo. Se o universo começou a existir em determinado
momento, ele deve ter tido uma causa. E que causa poderia haver além de
Deus? Embora esse argumento tenha sido desenvolvido durante a Idade
Média, o consenso cientí co daquela época era que o universo não teve um
começo – em outras palavras, que a segunda premissa do argumento,
conforme exposto acima, é inválida. A mudança de paradigma cosmológico
que levou à aceitação cientí ca do “Big Bang” agora signi ca que a segunda
premissa do argumento coincide com o consenso cientí co predominante
do século 21, dando assim uma nova plausibilidade cientí ca a essa
abordagem.
Essa forma do argumento kalam tem sido amplamente debatida nos
últimos anos. Um de seus defensores de maior expressão tem sido William
Lane Craig, que apresenta suas principais características da seguinte
maneira:
Como tudo o que começa a existir tem uma causa para sua existência, e dado que o universo
começou a existir, concluímos, portanto, que o universo tem uma causa de sua existência [...].
Transcendendo o universo inteiramente, existe uma causa que trouxe o universo à existência.4
O debate sobre o argumento centrou-se em três questões, uma cientí ca
e as outras duas losó cas.
1. Alguma coisa pode ter um começo sem ser causada? Em um de seus
diálogos, o lósofo escocês David Hume argumentou que é possível
conceber algo que surge, sem necessariamente apontar para uma
causa de nida dessa existência. Contudo, essa sugestão acarreta
di culdades consideráveis e não está claro o quanto essa objeção é
realmente signi cativa.
2. Podemos falar de o universo ter um começo? É preciso lembrar que
o consenso cientí co da Idade Média, que prevaleceu até o início do
século 20, era o de que o universo sempre existiu. Ao a rmar que o
universo teve um começo, escritores religiosos medievais – cristãos,
judeus ou islâmicos – estavam remando contra o consenso
cientí co predominante de sua época. A situação, é claro, mudou
desde as transformações radicais na cosmologia cientí ca do nal
do século 20, que agora são entendidas como signi cando que o
universo tem um começo.
3. Se é possível considerar que o universo foi “causado”, essa causa deve
ser diretamente identi cada com Deus? Uma causa deve ser
anterior ao evento que causa. Falar de uma causa para o começo da
existência do universo é, portanto, falar de algo que existia antes do
universo. E se isso não for Deus, o que é?
Ficará claro que o argumento kalam tradicional recebeu um novo sopro
de vida, movendo-se da ideia de um universo eterno para a teoria mais
recente das origens do universo através do “Big Bang”. Entretanto, as
questões losó cas levantadas provavelmente continuarão sendo objeto de
intensa discussão crítica.
Um estudo de caso: o argumento biológico de William Paley a partir do
design
É amplamente aceito que a contribuição popular mais signi cativa para
o “argumento do design” é devida a William Paley. Sua obra Natural
eology: Or Evidences of the Existence and Attributes of the Deity, Collected
from the Appearances of Nature [Teologia Natural; ou as evidências da
existência e dos atributos da divindade, coletados das aparências da
natureza] (1802) teve uma profunda in uência no pensamento religioso
inglês popular na primeira metade do século 19 e se sabe ter sido lida por
Charles Darwin. Paley cou profundamente impressionado com a
descoberta de Newton sobre a regularidade da natureza, especialmente em
relação à área geralmente conhecida como “mecânica celeste”. Estava claro
que todo o universo poderia ser pensado como um mecanismo complexo,
operando de acordo com princípios regulares e compreensíveis.
Para alguns autores deístas, isso sugeria que Deus não era mais
necessário. Um mecanismo pode funcionar perfeitamente bem sem a
necessidade de seu criador estar presente o tempo todo. Uma das conquistas
signi cativas de Paley, que não era totalmente reconhecida na literatura
acadêmica, foi reabilitar a ideia de “mundo como um mecanismo” dentro de
uma perspectiva cristã. Paley conseguiu transformar a metáfora do “relógio”,
de uma imagem associada ao ceticismo e ao ateísmo para uma imagem
associada a uma a rmação clara da existência de Deus. Onde o progresso
cientí co parecia levar ao ateísmo na França, como indicavam as obras de
Laplace, Paley estabeleceu um contexto no qual o avanço cientí co era
acomodado dentro do amplo perímetro de uma teologia natural
adequadamente generosa. A visão de Paley para a teologia natural oferecia
um grau signi cativo de estabilidade religiosa e política em um momento
em que muitos temiam pela insegurança interna e externa. Sua visão
indicava que as leis xas da ciência tinham contrapartes nas leis xas da
sociedade, ambas baseadas na natureza divina.
Para Paley, a imagem newtoniana do mundo como um mecanismo
sugeriu imediatamente a metáfora de um relógio, levantando a questão de
quem construiu o intrincado mecanismo que era tão evidentemente exibido
no funcionamento do mundo. Um dos argumentos mais signi cativos de
Paley é que mecanismo implica “engenhosidade”. Escrevendo no contexto da
emergente Revolução Industrial na Inglaterra, datada de 1760 a 1840, Paley
procurou explorar o potencial apologético do crescente interesse em
máquinas – como “relógios, telescópios, moinhos e motores a vapor” – nas
classes letradas da Inglaterra.
As linhas gerais da abordagem de Paley são bem conhecidas. No início
do século 19, a Inglaterra estava atravessando a Revolução Industrial, na
qual as máquinas passaram a desempenhar um papel cada vez mais
importante. Paley argumenta que apenas um tolo sugeriria que essa
tecnologia mecânica complexa surgiu por acaso e sem propósito.
Mecanismo pressupõe engenhosidade – com o que Paley quer dizer que algo
foi projetado para um propósito e construído de maneira inteligente. Tanto
o corpo humano em particular, como o mundo em geral, podiam ser vistos
como mecanismos que haviam sido projetados e construídos de maneira a
alcançar harmonia de meios e ns. É preciso enfatizar que Paley não estava
sugerindo que existia simplesmente uma analogia entre os dispositivos
mecânicos humanos e o mundo natural – em outras palavras, que a natureza
seria como uma máquina. Em alguns pontos, a força de seu argumento
repousa mesmo na a rmação de que a natureza é um mecanismo e,
portanto, foi projetada de maneira inteligente e construída com habilidade.
O argumento de Paley gira em torno de um bordão: o mundo biológico
é análogo a um relógio. A estratégia apologética desenvolvida por ele
repousa sobre o estabelecimento dessa analogia vívida, que possui potencial
imaginativo su ciente para conduzir seus leitores e subverter a força
evidencial das objeções que podem ser levantadas contra sua abordagem. A
analogia do relógio, de Paley, pode não ter sido original, já que foi
empregada por autores holandeses em meados do século 18; entretanto, o
uso que ele faz dela mostra talento e criatividade que não podem ser
desprezados.
Os parágrafos iniciais da Teologia Natural de Paley são amplamente
conhecidos, com o bordão do relógio encontrado no meio de um habitat
natural isolado:
Suponha que, ao atravessar um matagal, eu tenha tropeçado em uma pedra e que me perguntem
como a pedra foi parar ali. Eu poderia talvez responder que, tanto quanto eu saiba, ela estava ali
desde sempre; e talvez não fosse muito fácil mostrar a validez dessa resposta. Mas suponha que
eu tenha encontrado um relógio no chão e que devesse procurar saber como aconteceu de o
relógio estar ali naquele lugar. Di cilmente eu pensaria na mesma resposta que dera antes, que,
tanto quanto eu soubesse, o relógio poderia ter estado ali desde sempre. Contudo, por que essa
resposta não deve servir tanto para o relógio quanto para a pedra? Por que ela não é admissível
tanto no segundo caso quanto no primeiro?5
O que distingue o relógio da pedra? O ponto principal da resposta de
Paley pode ser resumido na palavra invenção6 – um sistema de peças que
foram projetadas e montadas para trabalharem em conjunto para uma
nalidade especí ca, demonstrando design e nalidade. Paley usou o termo
“invenção” para transmitir a ideia de algo que é projetado e construído,
apelando para o interesse popular em máquinas, características da nova era
da industrialização que emergia na Inglaterra.
Paley oferece uma descrição detalhada do relógio, notando em
particular sua caixa, mola cilíndrica em espiral, muitas engrenagens e face
de vidro. Tudo isso mostra evidência de design para uma nalidade
especí ca identi cável. Tendo conduzido seus leitores nessa análise
cuidadosa, Paley se volta para tirar uma conclusão criticamente importante
sobre a complexidade e o propósito óbvio do mecanismo:
Tendo esse mecanismo sido observado (o que requer, de fato, um exame do instrumento, e talvez
algum conhecimento prévio do assunto, para percebê-lo e compreendê-lo; mas, como dissemos,
uma vez observado e compreendido), a inferência que pensamos inevitável é que o relógio deve
ter tido um criador: que deve ter existido, em algum momento e em algum lugar ou outro, um
artí ce ou artí ces que o construíram para o propósito que achamos a que ele realmente
responde, que conceberam sua construção e projetaram seu uso.7
A discussão prolongada de Paley sobre o relógio visa estabelecer uma
estrutura de interpretação, capaz de ser transferida para outros objetos que
parecem mostrar evidências de design. A análise detalhada de Paley do
mecanismo do relógio visa estabelecer que este é uma invenção, mostrando
evidências de que foi inicialmente projetado e posteriormente construído
para uma nalidade especí ca, indicando, portanto, a existência de um
designer. E, para Paley, esses mesmos padrões podem ser discernidos no
mundo biológico.
Muitos apologistas cristãos do início do século 18 apelaram à beleza e à
ordem do mundo físico como evidências para a existência de Deus. Paley
mudou de foco, voltando sua atenção para o mundo biológico. A astronomia
pode de fato apontar para a magni cência e maravilha de Deus para os
crentes; no entanto, não podia, antes de tudo, provar a existência de Deus.
Minha opinião sobre Astronomia sempre foi de que ela não é o melhor meio pelo qual provar a
atuação de um Criador inteligente; mas que, sendo isso provado, ela mostra, melhor que todas as
outras ciências, a magni cência de suas operações. Ela eleva a mente que já foi convencida a
visões mais sublimes da Deidade do que qualquer outro objeto o faz; mas ela não é tão bemadaptada, como alguns outros temas são, para esse tipo de argumento.8
Paley ressalta que a observação dos planetas e das estrelas aponta para
sua simplicidade. “Não vemos nada a não ser pontos brilhantes, círculos
luminosos ou as fases das esferas que re etem a luz incidente sobre elas.”9
Para Paley, no entanto, a inferência de design baseia-se na evidência de
complexidade. “Deduzimos o design da relação, adequação e
correspondência das partes. Portanto, é necessário um certo grau de
complexidade para tornar um objeto adequado a essa espécie de
argumento.”10 Paley descobriu essa complexidade nas estruturas do mundo
biológico – acima de tudo, no olho humano.
Quem, perguntava-se Paley, poderia observar as complexidades do olho
humano – que ele descreve detalhadamente – e não ver que ele também tem
um designer? O olho, sugere ele, é análogo a um telescópio:
Há precisamente a mesma prova de que o olho foi feito para a visão, como há para que o
telescópio foi feito para ajudá-lo. Eles são feitos com os mesmos princípios; ambos sendo
ajustados às leis pelas quais a transmissão e a refração dos raios de luz são reguladas. [...] O que
um fabricante de instrumentos de precisão poderia ter feito a mais para mostrar seu
conhecimento de seus princípios, sua aplicação desse conhecimento, a forma adequada de seus
meios a seu m [...] para testemunhar conselho, escolha, consideração, propósito?11
Tendo desenvolvido essa analogia, Paley enfatiza a superioridade do
olho sobre o telescópio. O olho é mais engenhosamente projetado que o
telescópio e é melhor adaptado para lidar com uma ampla variedade de
circunstâncias, como níveis diferentes de iluminação ou o intervalo de
distâncias dos objetos a serem vistos. Para Paley, isso exige que o olho e o
telescópio sejam considerados inventos. Como o olho é mais engenhoso e
funcional que o telescópio, o criador desse invento natural merece mais
admiração e louvor do que o criador do telescópio.
O ponto essencial de Paley é que a natureza testemunha uma série de
estruturas biológicas que são “inventadas” – ou seja, projetadas e
construídas com um objetivo claro em mente. “Toda indicação de invenção,
toda manifestação de design, que existia no relógio, existe nas obras da
natureza.”12 De fato, Paley argumenta, a diferença é que a natureza mostra
um grau ainda maior de invenção e engenhosidade que o relógio. Talvez seja
justo dizer que o melhor de Paley está em como ele lida com a descrição de
estruturas naturais imensamente complexas, como o olho humano ou o
coração, tratando ambos como máquinas projetadas com propósitos
especí cos em mente.
Tem sido dada tanta atenção à analogia inicial de Paley, que os estágios
posteriores de seu argumento são frequentemente ignorados,
particularmente alguns levantados pelo lósofo cético David Hume em
relação às formas anteriores de teologia natural. Hume destacou que esse
argumento do design pode levar a múltiplas divindades ou a nenhuma
divindade. O ato de criação não implicava a existência continuada de um
criador. “Um grande número de homens se une na construção de uma casa
ou navio, na criação de uma cidade, na fundação de uma comunidade: por
que várias divindades não poderiam combinar entre si de criar e estruturar
um mundo?”13 Não é necessário que o designer original ainda exista para o
relógio continuar a existir, independentemente do destino de seu inventor. E
o caráter moral do designer? Hume sugeriu que este mundo é “defeituoso e
imperfeito”. Ele poderia, Hume argumentou, ter sido a primeira tentativa
frustrada de criação por parte de “alguma divindade infantil”, ou o “produto
da velhice e decrepitude” de algum Deus criador que houvesse decaído em
uma senilidade incompetente.
Paley lida com essas preocupações através de um longo e cumulativo
argumento, cujos estágios posteriores são frequentemente ignorados por
seus intérpretes. Primeiro, ele aborda a questão de saber se existe apenas um
criador. Seu argumento, embora complexo, reduz-se à a rmação de que há
uma consistência de propósito e design dentro da natureza, indicando que
existe apenas uma mente por trás do que é observado. A constância e a
universalidade das leis da natureza, por exemplo, apontam claramente para
uma única racionalidade expressa dentro do mundo natural. Além disso,
sugere Paley, falar de design implica imediatamente que o designer é uma
pessoa e não uma força abstrata. Mas o designer é bom e sábio?
Paley usa aqui uma forma do argumento de perfeição, que foi
desenvolvido por vários autores anteriores, inclusive pelo avô paterno de
Charles Darwin, Erasmus Darwin, conhecido por sua obra Zoönomia; or the
Laws of Organic Life [Zoonomia; ou as leis da vida orgânica] (1794-1796).
Paley argumenta que o caráter de um designer seria revelado naquilo que é
projetado. Como os inventos naturais parecem ter surgido para o bem geral
das criaturas, é razoável inferir que o criador pretende o bem da criação – e
que Deus é, portanto, bom.
O argumento de Paley foi in uente, especialmente a nível popular. Sua
premissa fundamental é que a natureza contém estruturas biologicamente
complexas, que não podem ser atribuídas ao acaso. Seu apelo à ciência
popular – especialmente à história natural – deu uma nova motivação para o
estudo atento e apreciativo do mundo natural. Entretanto, Paley dependia do
consenso cientí co do início do século 18, segundo o qual o mundo era
essencialmente estático e não sujeito a mudanças radicais. A noção
essencialmente estática de criação, de Paley, re ete uma crença de que existe
uma ordem imutável e projetada para as coisas. A Origem das Espécies, de
Charles Darwin, veio propor uma descrição muito diferente da origem de
complexidade biológica, atribuindo-a ao fenômeno da seleção natural, não a
design e construção divinos.
Ainda assim, a abordagem de Paley não foi totalmente desacreditada por
Darwin. Muitos teólogos ingleses das décadas de 1860 e 1870 consideravam
que, na realidade, Darwin havia resgatado a abordagem de Paley à teologia
natural, colocando-a em uma base intelectual mais rme, reti cando uma
premissa defeituosa e, em última análise, fatal. Charles Kingsley ponderava
que a palavra “criação” implicava um processo, e não um mero evento, de
modo que a teoria de Darwin realmente esclareceu o mecanismo da criação.
“Sabíamos antigamente que Deus era tão sábio, que podia fazer todas as
coisas; mas eis que ele é ainda tão mais sábio, que pode fazer todas as coisas
se fazerem a si mesmas.”14 Onde Paley pensava em criação estática, na qual
Deus parecia desempenhar apenas um papel de uma gura nominal,
Kingsley defendia que Darwin tornara possível ver a criação como um
processo dinâmico, fundamentalmente teleológico, dirigido pela
providência divina. O deísmo, para Kingsley, oferecia apenas um “sonho
arrepiante de um universo morto, não governado, por um Deus ausente”; o
darwinismo, quando corretamente interpretado, oferecia a visão de um
universo vivo, que constantemente melhorava sob a direção sábia de seu
benevolente criador.
Richard Dawkins sustenta que a seleção natural – o “processo cego,
inconsciente e automático que Darwin descobriu”15 – remove todos os
motivos para falar de maneira signi cativa sobre a natureza como tendo
sido “projetada”. Dawkins concede que seja possível falar em “aparência de
design”, insistindo que essa aparência decorra de um processo natural sem
propósito. A seleção natural, portanto, subverte qualquer argumento de
design. A lógica do argumento de Dawkins é um pouco opaca nesse
momento. Não está claro por que aceitar a explicação de Darwin do
mecanismo de evolução exige que alguém abandone a crença em bondade
ou propósito. De fato, o máximo que Dawkins pode dizer com base em uma
abordagem empírica é que há uma aparente ausência de propósito. Como
aponta o lósofo Alvin Plantinga, a a rmação de que a evolução não tem
propósito é um “acréscimo metafísico ou teológico”16 a qualquer descrição
puramente cientí ca da evolução. Plantinga defende que há várias maneiras
pelas quais Deus poderia ter guiado a evolução da vida, compatíveis com a
teoria da evolução de Darwin.
A AMBIGUIDADE DA “PROVA”: JUSTIFICAÇÃO NA CIÊNCIA E NA TEOLOGIA
O conceito de “prova” desempenha um papel importante na ciência e na
teologia, sendo geralmente entendido como designando argumentos ou
observações que oferecem razões convincentes para acreditar que certa
teoria deve ser considerada correta. O biólogo ateu Richard Dawkins
fornece um bom exemplo dessa abordagem à evidência. Na segunda edição
de seu in uente livro e Sel sh Gene [O gene egoísta], Dawkins propõe
uma dicotomia absoluta entre “fé cega” e “evidência esmagadora, disponível
ao público”:
Mas, a nal, o que é fé? É um estado de espírito que leva as pessoas a acreditar em algo – não
importa o quê – na total ausência de evidências de apoio. Se houvesse boas evidências de apoio, a
fé seria supér ua, pois, de qualquer forma, as evidências nos obrigariam a acreditar.17
Essa visão da relação entre evidência e crença nas ciências naturais,
embora reconheça corretamente a importância de identi car e avaliar
evidências que possam ser aduzidas em apoio a uma crença, deixa de fazer
uma distinção criticamente importante entre “total ausência de evidências
de apoio” e “ausência de evidências de total apoio”.
Para apreciar a importância desse ponto, considere o debate atual na
cosmologia sobre se o “Big Bang” deu origem a um único universo ou a uma
série de universos (o chamado “multiverso”). Muitos cientistas ilustres
apoiam a primeira abordagem, da mesma forma que muitos cientistas
igualmente notáveis apoiam a segunda. No momento, a questão não pode
ser resolvida com um apelo à evidência disponível. Ambas são opções reais
para cientistas pensantes e informados, que tomam suas decisões com base
em seus julgamentos sobre a melhor forma de interpretar as evidências e
acreditar – embora não possam provar – que sua interpretação está correta.
Para colocar isso de forma mais técnica, eles acreditam que sua posição é
justi cada, mas sabem que não pode ser provada.
Uma questão semelhante surge em relação à teoria quântica. Qual
modelo está certo? A abordagem de Copenhague? Ou a abordagem rival de
Louis de Broglie e David Bohm, geralmente conhecida como teoria da onda
piloto? Ou a interpretação dos “muitos mundos”, proposta por Hugh
Everett? Como esses três modelos são empiricamente equivalentes, não se
pode realizar nenhum experimento para resolver a questão, que deve se
basear em julgamentos complexos e disputados sobre elegância conceitual,
simplicidade e se esses modelos parecem ter sido construídos para favorecer
alguma agenda metafísica. No entanto, essas di culdades não impedem que,
individualmente, os teóricos quânticos tomem decisões sobre sua escolha
preferida. Eles podem não ser capazes de provar que ela esteja certa, mas
podem oferecer bons motivos para essa escolha.
Em sentido estrito, “prova” só é possível nos campos da lógica e da
matemática. Assim, podemos provar que 2 + 2 = 4 ou que “o todo é maior
que a parte” – mas não que exista um multiverso ou que a abordagem de
Copenhague à teoria quântica esteja correta. John Polkinghorne – um físico
teórico que se tornou teólogo – insiste que o verdadeiro problema, tanto na
ciência quanto na religião, é se uma crença pode ser considerada avalizada
ou justi cada:
Nem a ciência nem a religião podem entreter a esperança de estabelecer provas logicamente
impositivas do tipo que apenas um tolo poderia negar. Ninguém pode evitar algum grau de
precariedade intelectual, e há uma consequente necessidade de um certo grau de ousadia
cautelosa na busca pela verdade. Experiência e interpretação se entrelaçam em uma circularidade
inevitável. Mesmo a ciência não pode escapar completamente desse dilema (a teoria interpreta
experimentos; os experimentos con rmam ou invalidam as teorias).18
Boas razões podem ser dadas para acreditar que uma teoria cientí ca
(ou crença religiosa) é justi cada, mesmo que quem aquém da prova
rigorosa que esperamos na lógica ou na matemática.
A “justi cação” pode ser entendida como o processo pelo qual uma
crença se torna uma crença justi cada – por exemplo, através da
enumeração das boas razões que alguém possa ter para defender uma crença
como provavelmente verdadeira. Como Laurence Bonjour coloca: “A
questão básica é se eu tenho boas razões para pensar que minhas crenças são
verdadeiras (e, se houver, quais são as formas que essas razões assumem)”.19
Para alguns lósofos, como Alvin Plantinga, a principal diferença entre uma
crença básica e uma crença propriamente básica está na con abilidade na
produção dessa crença. A ciência exige, com razão, que justi quemos nossas
crenças com base nos melhores conhecimentos e métodos à nossa
disposição. No entanto, como Stanley Fish apontou, esses métodos de
investigação e corpos de conhecimento mudam ao longo do tempo:
[A defesa da verdade objetiva] não procederá citando evidências não mediadas e
inquestionáveis, mas citando evidências que me parecem conclusivas, dadas as características do
mundo como eu o vejo e a força dos argumentos que a rmo de forma não problemática, pelo
menos por agora. Em resumo, con o no mundo que me foi entregue pelas tradições de
investigação e demonstração em que atualmente tenho fé. Acompanhando os melhores
argumentos e corpos de evidência que se tem no momento, é isso o que objetividade signi ca.20
O argumento de Fish merece uma consideração cuidadosa: métodos de
investigação e premissas normativas são incorporados em contextos sociais
e pro ssionais e, portanto, mudam com o tempo. A mesma “evidência” ou
observação está aberta a ser interpretada de diferentes maneiras em
diferentes locais socioculturais.
Na seção anterior, consideramos os argumentos de William Paley, em
1802, para a existência de Deus com base em um apelo à complexidade
biológica. Paley claramente considerava que estava oferecendo uma “prova”
da existência de Deus (ou pelo menos de um criador). Entretanto, um
estudo mais cuidadoso de suas a rmações deixa claro que Paley não quer
dizer que essas observações sejam uma prova lógica, mas uma demonstração
retórica, semelhante à encontrada em um tribunal de justiça inglês. No
entanto, em 1836, uma série de reformas legais no sistema jurídico inglês
pôs m à ideia simplista de que a “evidência” havia assumido a forma de
fatos falando por si. O conceito de evidência foi agora reconhecido como
uma noção teórica, não uma noção empírica. Evidência não é algo
observado dentro da natureza ou lido a partir dela. A evidência é moldada
por suposições, por hipóteses que criam uma estrutura na qual uma
observação desempenha um papel particularmente signi cativo. Uma
observação factual pode apoiar várias teorias possíveis. Portanto, é
importante identi car a teoria que traz o maior grau de “ordem e conexão a
uma massa de fatos”. As observações factuais, portanto, só se tornam
evidências quando colocadas dentro de um contexto apropriado de
interpretação.
Em contextos legais, cientí cos e teológicos, a questão de como uma
crença pode ser tida como “justi cada” é de considerável importância,
independentemente da diversidade de pontos de vista sobre que quantidade
de evidências pode-se dizer que justi ca uma crença ou precisamente quais
critérios – extrínsecos ou intrínsecos – devem ser usados para decidir entre
crenças. Como observamos no capítulo 3, o conceito de “inferência à melhor
explicação” reconhece as sérias di culdades em provar que determinada
crença é correta; em vez disso, visa determinar qual dentre várias opções
teóricas deve ser preferida, mesmo reconhecendo que isso não signi ca
declarar que ela é verdadeira.
A AÇÃO DE DEUS NO MUNDO
Uma das interseções mais interessantes entre o pensamento cientí co e o
religioso diz respeito à maneira pela qual se pode dizer que Deus age no
mundo. Por exemplo, Deus age dentro das leis da natureza? Ou essas leis
podem ser violadas ou transcendidas a m de servir a algum propósito
divino especial? Essas perguntas permanecem vivas e importantes. As
últimas duas décadas testemunharam uma onda de interesse na questão de
saber se, e em que medida, pode-se dizer que Deus age no mundo. Pode-se
entender que Deus age inteiramente dentro e através das estruturas e
capacidades regulares da natureza ou uma explanação robusta da ação
divina também exige que a rmemos que Deus age especialmente de forma a
redirecionar o curso dos eventos no mundo natural, providenciando assim
resultados que não teriam ocorrido se Deus não tivesse agido dessa
maneira?
Embora essa discussão às vezes seja moldada em termos de uma noção
genérica de divindade, os engajamentos recentes mais signi cativos com a
questão têm re etido concepções judaico-cristãs de Deus. A linguagem da
ação divina é parte integrante do Antigo e do Novo Testamento. O Deus de
Israel é frequentemente e de nitivamente retratado e descrito como um
Deus que atua na história. A identidade e o caráter de Deus são entendidos
como visíveis na esfera da ação e re exão humanas. Essa concentração em
ações de Deus na natureza e na história pode levar à negligência de temas
importantes (como formas mais sutis e discretas de atividade divina na
experiência cotidiana), além de criar uma noção essencialmente impessoal
de Deus como força espiritual. No entanto, apesar dessas importantes
quali cações, Israel entendeu e representou Deus como alguém que agia na
natureza e na história. O Novo Testamento mantém essa tradição e a
concentra na vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré.
Em 1988, o papa João Paulo II comemorou os trezentos anos da
publicação dos Principia, de Newton, patrocinando uma série de eventos
com o título geral de “Perspectivas Cientí cas sobre a Ação Divina”. Essa
série de eventos continuou por quase vinte anos, abrindo algumas questões
importantes sobre como – e se – poderia ser dito, de maneira signi cativa,
que Deus “age” no mundo da natureza. O debate sobre a ação divina especial
ocorre dentro uma estrutura do discurso cientí co, de nida em termos de
“leis da natureza”, que suscitam preocupações signi cativas (muitas vezes
baseadas no lósofo David Hume) sobre a noção de “interferência” divina
nas estruturas regulares do mundo.21 Com o benefício de uma visão
retrospectiva, pode-se agora ver que o importante “Projeto sobre Ação
Divina”, mencionado anteriormente, foi assombrado pelo medo de que
abordagens intervencionistas da ação divina parecessem questionar a
validade das leis da natureza.
A seguir, exploraremos três abordagens amplas para essa importante
questão que foram in uentes nos últimos cem anos, antes de considerar
brevemente algumas abordagens mais recentes baseadas na noção de
indeterminação na mecânica quântica. Começamos com a noção de que
Deus age através das leis da natureza.
Deísmo: Deus age através das leis da natureza
Os historiadores geralmente concordam que o conceito moderno de
“leis da natureza”, entendido como descrições matemáticas de regularidades
sem exceção, surgiu pela primeira vez na cultura ocidental durante o início
do período moderno, principalmente pela in uência de Galileu, Kepler e
Newton. Embora o conceito de regularidade da natureza fosse amplamente
aceito durante a Idade Média, a expressão especí ca “leis da natureza” não
era usada para indicar essa racionalidade, mas em geral era empregada para
fazer referência a leis morais que, se acreditava, eram fundamentadas em
uma ordem divinamente estabelecida. Na época de Newton, no entanto, a
expressão “leis da natureza’” estava se tornando bem estabelecida nos
círculos cientí cos, com o sentido de certos princípios fundamentais,
capazes de serem expressos matematicamente, que capturavam e
expressavam relações estruturais essenciais dentro do mundo da natureza.
A ênfase newtoniana na regularidade da natureza, particularmente
quando associada à crescente tendência de pensar a natureza como análoga
a um mecanismo automático, criava di culdades para qualquer noção de
intervenção divina no mundo natural. A intervenção parecia implicar
rompimento da ordem natural ou subversão das leis da natureza. Isaac
Newton não tinha di culdade com a ideia de que Deus havia estabelecido as
“leis da natureza”; ele estava preocupado, no entanto, com a ideia de que
Deus poderia violar essas leis, no que lhe parecia um ato de potencial
anarquia. As “leis da natureza” foram, portanto, interpretadas como
opondo-se à abertura causal nas estruturas da natureza.
Essa hostilidade em relação à ação divina especial é claramente re etida
nos escritos religiosos de Newton. Ele considerava os relatos de milagres na
igreja primitiva como “ ngidos” e argumentava que os relatos bíblicos de
milagres estavam mais preocupados com a raridade de sua ocorrência do
que com suas supostas origens divinas. Muitos teólogos do século 18 – como
Jonathan Edwards – consideravam que a cosmovisão cientí ca de Newton
minava a crença religiosa tradicional, principalmente por causa de suas
suspeitas e hesitações em relação a qualquer noção de ação divina além do
ato primordial da criação.
A ênfase newtoniana na regularidade mecânica do universo estava
intimamente ligada à ascensão do movimento conhecido como “deísmo”.
Pesquisas recentes sobre a natureza do deísmo enfatizaram que não se
tratava de um movimento coordenado, bem-de nido, mas sim de um amplo
espectro de opiniões individuais caracterizadas por graus variados de
ceticismo quanto à racionalidade e utilidade das crenças religiosas
tradicionais. O deísmo assume muitas formas para ser coberto por uma
única de nição ou história, mesmo que seja útil pensar nele como uma
família de crenças e atitudes.
Apesar dessas di culdades de de nição, o que geralmente é entendido
como uma posição “deísta” pode ser convenientemente resumido da
seguinte forma: Deus criou o mundo de maneira racional e ordenada,
re etindo sua própria natureza racional, e dotou a ordem natural com a
capacidade de se desenvolver e funcionar sem a necessidade de sua presença
ou envolvimento contínuo. Esse ponto de vista, que se tornou especialmente
in uente no século 18, tendia a seguir Kepler ao pensar no mundo como um
relógio e em Deus como um relojoeiro. Deus dotara o mundo com certo
design autossustentável, de modo que pudesse funcionar posteriormente
sem a necessidade de intervenção contínua. Portanto, não é por acaso que
William Paley escolheu usar a imagem de um relógio e de um relojoeiro
como parte de sua célebre defesa da existência de um Deus criador.
Então, como Deus age no mundo, de acordo com o deísmo? A resposta
simples para essa pergunta é que Deus não age no mundo. Ao contrário,
Deus estabeleceu uma estrutura dentro da qual o mundo pode funcionar.
Como um relojoeiro, Deus dotou o universo de regularidade inviolável
(expressa nas “leis da natureza”) e acionou seu mecanismo. Tendo fornecido
ímpeto para pôr o sistema em movimento e estabelecido os princípios que
governam esse movimento, não resta mais nada para Deus fazer. O mundo é
análogo a um relógio em grande escala, que é completamente autônomo e
autossu ciente. Nenhuma ação de Deus é necessária para seu
funcionamento contínuo.
Inevitavelmente, isso levou à questão de saber se Deus poderia ser
completamente eliminado da visão de mundo newtoniana. Se não havia
mais nada para Deus fazer, que necessidade concebível havia para qualquer
tipo de ser divino? Se pudesse ser demonstrado que existem certos
princípios autossustentáveis ativos no mundo, não haveria necessidade da
ideia tradicional de “providência” – ou seja, da mão sustentadora e
reguladora de Deus estar presente e ativa ao longo de toda a existência do
mundo.
A cosmovisão newtoniana encorajou, assim, a perspectiva de que,
embora Deus pudesse ter criado o mundo, não havia mais necessidade de
envolvimento divino. A descoberta das leis de conservação (por exemplo, as
leis de conservação da quantidade de movimento) parecia implicar que
Deus havia dotado a criação de todos os mecanismos necessários para
prosseguir. Esse é o argumento do astrônomo Pierre-Simon Laplace (17491827) em seu famoso comentário ao imperador francês Napoleão Bonaparte
sobre a ideia de Deus como sustentador do movimento planetário: “Não
preciso dessa hipótese”.
Entretanto, como esclarecem os escritos de Agostinho de Hipona e de
Tomás de Aquino, é perfeitamente possível a rmar que Deus age no mundo
através das leis da natureza, sem abandonar a crença na providência divina.
Por exemplo, considere a a rmação de Agostinho de Hipona sobre o papel
das “qualidades determinadas” divinamente criadas no mundo natural para
garantir um processo ordenado de desenvolvimento natural.
O funcionamento normal da natureza está sujeito a suas próprias leis naturais, segundo as quais
todas as criaturas vivas têm suas inclinações determinadas. […] Os elementos das coisas
materiais não vivas também têm suas qualidades e forças determinadas, por meio das quais
funcionam e se desenvolvem como o fazem. [...] A partir desses princípios primordiais, tudo o
que emerge o faz em seu próprio tempo e no devido curso dos eventos.22
Para explorar mais esse ponto, passaremos a considerar o entendimento
mais ativista de como Deus age no mundo, devido a Tomás de Aquino e
autores modernos in uenciados por ele, que se concentram em causas
secundárias dentro da ordem natural.
Tomismo: Deus age por causas secundárias
Uma abordagem um pouco diferente da questão da ação de Deus no
mundo pode ser baseada nos escritos do principal teólogo medieval, Tomás
de Aquino. A concepção de Tomás sobre a ação divina focaliza a distinção
entre causas primárias e secundárias. Segundo Tomás, Deus não trabalha
diretamente no mundo, mas através de causas secundárias. Contudo,
embora possamos distinguir entre causalidade primária e secundária – ou
entre causalidade divina e natural – e argumentar que funcionam em
diferentes níveis, é importante compreender que elas não são absolutamente
independentes uma da outra, porque a causalidade divina é, em última
instância, a causa da causalidade própria das criaturas.
A abordagem de Tomás de Aquino é mais bem-explicada em termos de
analogia. Imagine uma pianista talentosa, que tem a capacidade de tocar
piano lindamente. No entanto, a excelência de sua execução depende em
parte da qualidade de seu piano. Um piano desa nado ou mecanicamente
defeituoso não permitirá que ela faça uma apresentação satisfatória de um
Noturno de Chopin, não importa quão bem ela possa tocar o instrumento.
Nessa analogia, a pianista é a causa primária da performance e, o piano, a
causa secundária. Ambos são necessários; cada um tem um papel
signi cativamente diferente a desempenhar. A capacidade da causa primária
de alcançar o efeito desejado depende da causa secundária usada para esse
m. No entanto, a analogia da pianista e seu piano é de ciente em um
aspecto importante, na medida em que falha em correlacionar as causas
primárias e secundárias como tendo suas origens fundamentais no mesmo
agente.
Tomás de Aquino usa esse apelo a causas secundárias para lidar com
alguns dos problemas relacionados à presença do mal no mundo.
Sofrimento e dor não devem ser atribuídos à ação direta de Deus, mas à
fragilidade e debilidade das causas secundárias através das quais Deus
trabalha. Deus, em outras palavras, deve ser visto como a causa primária e,
as variadas agências no mundo, como causas secundárias associadas.
Tomás de Aquino argumenta, portanto, que Deus é o “motor imóvel”, a
causa primordial de toda ação, sem a qual nada poderia acontecer. Contudo,
ele concede que Deus possa agir indiretamente, através de causas
secundárias. Uma cadeia de causalidade pode ser discernida, colocando
Deus novamente como o criador e o motor primordial de tudo o que
acontece no mundo. Contudo, Deus em geral não age diretamente no
mundo, mas através da cadeia de eventos que Ele inicia e guia.
Para Aristóteles (de quem Tomás de Aquino extrai muitas de suas
ideias), causas secundárias são capazes de atuar por si mesmas. Os objetos
naturais são capazes de agir como causas secundárias em virtude de sua
própria natureza. Essa visão era inaceitável para os lósofos teístas da Idade
Média, fossem cristãos ou muçulmanos. Por exemplo, o notável autor
islâmico Al-Ghazali (1058–1111) sustentava que a natureza está
completamente sujeita a Deus e, portanto, é impróprio falar em causas
secundárias independentes. Deus causa as coisas diretamente. Se um raio
incendeia uma árvore, o fogo não é causado pelo raio, mas por Deus. Deus
deve, portanto, ser visto como a causa primária, que sozinha é capaz de
mover outras causas. Na visão de muitos historiadores da ciência, essa
abordagem da causalidade divina (muitas vezes conhecida como
“ocasionalismo”) não contribuiu positivamente para o desenvolvimento das
ciências naturais, pois minimizava a regularidade das ações e eventos na
natureza e suas características de aparentarem ser “semelhantes a leis”.
Assim, ca claro que a abordagem de Tomás de Aquino leva à ideia de
Deus dando início a um processo que se desenvolve sob a orientação divina.
Deus, por assim dizer, delega a ação divina a causas secundárias dentro da
ordem natural. Por exemplo, Deus poderia mover, a partir de dentro, uma
vontade humana para que alguém que estivesse doente recebesse assistência.
Aqui, uma ação que expressa a vontade de Deus é realizada indiretamente
por Deus – entretanto, de acordo com Tomás de Aquino, ainda podemos
falar que essa ação foi “causada” por Deus de forma signi cativa. A
abordagem de Tomás se mostrou proveitosa e tem sido adotada e adaptada
por aqueles que desejam a rmar o envolvimento divino no “Big Bang” e no
processo de evolução biológica.
Uma abordagem relacionada foi desenvolvida pelo teólogo e lósofo
britânico Austin Farrer (1904-1968). Essa descrição da ação divina é
frequentemente denominada de “agência dupla”. Segundo Farrer, toda ação
que ocorre no mundo inclui um papel causal para um ou mais agentes ou
objetos no mundo (as causas “secundárias”) e um papel distinto para Deus
como causa “primária” do que ocorre. Poderíamos, portanto, falar de um
nexo ordenado de causas e efeitos criados que, em última análise, dependem
da ação divina. Duas ordens diferentes de e cácia podem ser distinguidas:
uma ordem “horizontal” de causas e efeitos criados, e uma ordem “vertical”,
através da qual Deus estabelece e sustenta a primeira.
A noção de operação divina indireta na natureza, através de causas
secundárias governadas pelas “leis da natureza”, desempenhou um papel
importante na construção de respostas teológicas à teoria evolutiva de
Darwin. Autores como Aubrey Moore (1848-1890) perceberam a ênfase de
Darwin nas “leis impressas na matéria pelo Criador”, uma noção que
ganhou um per l signi cativamente mais destacado na segunda edição da
Origem das Espécies do que na primeira. Para Moore, a ação de Deus era
revelada em leis naturais, que não deveriam ser entendidas nos termos do
“quase deísmo” da teologia natural de Paley, mas em termos de uma teologia
imanentista da natureza, que Moore considerava muito mais compatível
com o cristianismo.
A ciência havia empurrado o Deus dos deístas para cada vez mais longe, e no momento em que
parecia que ele seria expulso completamente, o darwinismo apareceu e, sob o disfarce de um
inimigo, fez o trabalho de um amigo. Ele conferiu à loso a e à religião um benefício
inestimável, mostrando-nos que devemos escolher entre duas alternativas. Ou Deus está presente
em toda parte na natureza, ou Ele não está em lugar algum. Ele não pode delegar seu poder a
semideuses chamados de “segunda causa”. Na natureza, tudo deve ser obra dele, ou nada.23
Embora as opiniões de Moore sobre causalidade secundária estejam
sujeitas a críticas (Tomás de Aquino, por exemplo, não trata tais causas
como “semideuses”), sua análise é claramente de interesse neste momento,
particularmente no engajamento com a visão estática da criação, de Paley.
Teologia do Processo: Deus age através da persuasão
Concorda-se, em geral, que as origens da loso a do processo estão nos
escritos do lósofo anglo-americano Alfred North Whitehead (1861-1947),
especialmente em sua importante obra Process and Reality [Processo e
Realidade] (1929). Reagindo contra a visão bastante estática do mundo
associada à metafísica tradicional (expressa em ideias como “substância” e
“essência”), Whitehead concebia a realidade como um processo. O mundo,
como um todo orgânico, é algo dinâmico, não estático; algo que acontece. A
realidade é composta de elementos constitutivos de nidos como “entidades
reais” (actual entities) ou “ocasiões reais” (actual occasions) e, portanto, é
caracterizada por transformação, mudança e evento.
Todas essas “entidades” ou “ocasiões” (para usar os termos originais de
Whitehead) têm certo grau de liberdade para se desenvolver em resposta à
sua circunvizinhança. Talvez seja nesse ponto que a in uência das teorias
biológicas evolucionárias possa ser discernida: como Pierre Teilhard de
Chardin (1881-1955), Whitehead estava preocupado em permitir o
desenvolvimento dentro da criação, sujeito a alguma direção e orientação
gerais. Esse processo de desenvolvimento é, portanto, colocado em um
contexto permanente de ordem, que é visto como um princípio organizador
essencial para o crescimento. Whitehead argumenta que Deus pode ser
identi cado com esse pano de fundo de ordem dentro do processo.
Whitehead trata Deus como uma “entidade”, embora distingua Deus de
outras “entidades” com base na imperecibilidade. Outras entidades existem
por um período nito; Deus existe permanentemente. Cada entidade,
portanto, recebe in uência de duas fontes principais: entidades anteriores e
Deus.
Causação, desse modo, não é uma questão de uma entidade ser
compelida a agir de uma determinada maneira: é uma questão de in uência
e persuasão. As entidades se in uenciam de maneira “dipolar” –
mentalmente e sicamente. Precisamente o mesmo é verdadeiro para Deus e
para outras entidades. Deus só pode agir de maneira persuasiva, dentro dos
limites do próprio processo. Deus “mantém as regras” do processo. Assim
como Deus in uencia outras entidades, também é in uenciado por elas.
Deus, para usar a famosa frase de Whitehead, é “um companheiro sofredor
que entende”. Deus é assim afetado e in uenciado pelo mundo. Esse aspecto
do pensamento de Whitehead foi desenvolvido no contexto da interação
ciência-religião por vários autores, especialmente Ian R. Barbour.
A loso a do processo, portanto, rede ne a onipotência de Deus em
termos de persuasão ou in uência dentro do processo global do mundo.
Esse é um desenvolvimento importante, pois explica a atração desse modo
de entender a relação de Deus com o mundo no que se refere ao problema
do mal. Onde a defesa tradicional do mal moral, baseada em livre-arbítrio,
argumentando que os seres humanos são livres para desobedecer ou ignorar
Deus, a teologia do processo argumenta que os componentes individuais do
mundo são, da mesma forma, livres para ignorar as tentativas divinas de
in uenciá-los ou persuadi-los. Eles não são obrigados a responder a Deus.
Deus é, assim, absolvido de responsabilidade tanto pelo mal moral quanto
pelo natural.
A defesa tradicional de Deus diante do mal, baseada em livre-arbítrio, é
persuasiva (embora a extensão dessa persuasão seja contestada) no caso do
mal moral – ou seja, o mal resultante de decisões e ações humanas. Mas e o
mal natural? E os terremotos, a fome e outros desastres naturais? A loso a
do processo argumenta que Deus não pode forçar a natureza a obedecer à
vontade ou ao propósito divinos por isso. Deus só pode tentar in uenciar o
processo por dentro, por persuasão e atração. Cada entidade desfruta de um
grau de liberdade e criatividade, por cima dos quais Deus não pode passar.
Embora esse entendimento da natureza persuasiva da atividade de Deus
tenha méritos óbvios, principalmente pela maneira como oferece uma
resposta ao problema do mal (como Deus não está no controle, Deus não
pode ser responsabilizado pela maneira como as coisas aconteceram),
críticos da loso a do processo têm sugerido que esse é um preço muito alto
a pagar. A ideia tradicional da transcendência de Deus parece ter sido
abandonada ou radicalmente reinterpretada em termos da primazia e
permanência de Deus como uma entidade dentro do processo. Em outras
palavras, a transcendência divina signi ca pouco mais que o fato de Deus
sobreviver e superar outras entidades.
Anteriormente, observamos a importância de Ian Barbour como uma
in uência formativa sobre o campo da ciência e da religião. Barbour
defendeu o uso da loso a do processo como base intelectual para a
facilitação e consolidação desse diálogo intelectual. Em vez de ver o
surgimento do campo de “ciência e religião” como uma resposta pragmática
à necessidade de duas poderosas forças culturais se engajarem em diálogo,
Barbour argumenta que existe uma ponte intelectual entre as duas, o que
torna esse diálogo necessário e adequado.
O principal aspecto da teologia do processo do qual Barbour se apropria
para facilitar esse diálogo é a rejeição da doutrina clássica da onipotência de
Deus: Deus é um agente entre muitos, e não o soberano Senhor de todos.
Como Barbour aponta, a loso a do processo a rma “um Deus de
persuasão, em vez de compulsão, [...] que in uencia o mundo sem
determiná-lo”.24 A teologia do processo, portanto, situa as origens do
sofrimento e do mal no mundo a uma limitação radical ao poder de Deus.
Deus deixou de lado (ou simplesmente não tem) a capacidade de coagir,
mantendo apenas a capacidade de persuadir. A persuasão é vista como um
meio de exercer poder de maneira que os direitos e a liberdade dos outros
sejam respeitados. Deus é obrigado a persuadir cada aspecto do processo a
agir da melhor maneira possível. Não há, porém, garantia de que a
persuasão benevolente de Deus leve a um resultado favorável. O processo
não tem obrigação de obedecer a Deus. Como comenta Barbour, a teologia
do processo põe em questão “a expectativa tradicional de uma vitória
absoluta sobre o mal”.25
Deus pretende o bem da criação e age em seus melhores interesses. No
entanto, a opção de obrigar tudo a fazer a vontade divina não pode ser
exercida. Como resultado, Deus é incapaz de impedir que certas coisas
aconteçam. Guerras, fome e holocaustos não são coisas que Deus deseja; elas
não são, no entanto, coisas que Deus pode impedir, devido às limitações
radicais impostas ao poder divino. Deus não é, portanto, responsável pelo
mal; nem se pode dizer, de maneira alguma, que Deus deseja ou aceita
tacitamente a existência do mal. Os limites metafísicos impostos a Deus são
tais, que impedem qualquer interferência na ordem natural das coisas.
Barbour considera essa abordagem (especialmente conforme
estabelecido nos escritos do próprio Whitehead) valiosa para iluminar a
maneira por meio do qual a ciência e a religião interagem. Permite que Deus
seja visto como presente e ativo na natureza, trabalhando dentro dos limites
e das restrições da ordem natural. Seria justo, a essa altura, categorizar
Barbour como um “panenteísta” (a visão de que “Deus está presente em
todas as coisas”, que não deve ser confundida com “panteísmo”, a visão de
que todas as coisas são divinas).
Talvez a maneira mais interessante de Barbour usar as ideias distintivas
da loso a do processo esteja relacionada à teoria da evolução. Barbour
argumenta que o processo evolutivo é in uenciado por – mas não dirigido
por – Deus. Isso permite que ele lide com o fato de que o processo evolutivo
parece ter sido longo, complexo e dispendioso. “Houve muitos becos sem
saída, espécies extintas e muito desperdício, sofrimento e mal para atribuir
todos os eventos à vontade especí ca de Deus”. Deus in uencia o processo
para o bem, mas não pode ditar com precisão qual forma ele vai assumir. É
aqui que a in uência de Barbour tem sido particularmente signi cativa, com
muitos trabalhos contemporâneos explorando as implicações religiosas do
sofrimento evolutivo, apelando aos princípios da loso a do processo para
mostrar que Deus não determina diretamente a forma precisa do processo
evolutivo. Ele sofre, junto com outros, dentro desse processo.
As ideias básicas de Whitehead também foram desenvolvidas por vários
autores, principalmente Charles Hartshorne, Schubert Ogden e John B.
Cobb. Hartshorne modi cou a noção de Deus de Whitehead em várias
direções, talvez de maneira mais signi cativa ao sugerir que o Deus da
loso a do processo deveria ser pensado mais como uma pessoa do que
como uma entidade. Isso permite que ele conteste uma das críticas mais
signi cativas à loso a do processo: a de que ela compromete a ideia da
perfeição divina. Se Deus é perfeito, como ele pode mudar? A mudança não
equivale a uma admissão de imperfeição? Hartshorne rede ne “perfeição”
em termos de uma receptividade à mudança que não compromete a
superioridade de Deus. Em outras palavras, a capacidade de Deus de ser
in uenciado por outras entidades não signi ca que Deus é reduzido ao seu
nível. Deus supera outras entidades, mesmo que seja afetado por elas.
A loso a do processo não tem di culdade em falar da “ação de Deus
dentro do mundo”, pois oferece uma estrutura na qual essa ação pode ser
descrita em termos de “in uência dentro do processo”. Contudo, a
abordagem especí ca adotada causa ansiedade ao teísmo tradicional, que é
crítico da noção de Deus associada à teologia do processo. Para os teístas
tradicionais, o Deus da loso a do processo frequentemente parece ter
pouca relação com o Deus descrito no Antigo ou Novo Testamento.
Teoria Quântica: Deus age através da indeterminação
Mais recentemente, uma quarta abordagem emergiu como signi cativa,
em grande parte como resultado do programa “Perspectivas Cientí cas da
Ação Divina”, mencionado anteriormente. As três abordagens descritas
anteriormente são amplamente encontradas nas discussões teológicas e
losó cas sobre agência divina. Nos últimos anos, entretanto, foram
complementadas por outras abordagens. Embora esses entendimentos mais
recentes de agência divina ainda não tenham recebido um amplo grau de
aceitação, eles têm interesse e importância su cientes para serem
mencionados aqui.
Uma abordagem, baseada no modelo de Copenhague da mecânica
quântica, sustenta que a ideia de indeterminação oferece uma maneira de
pensar sobre as ações de Deus no mundo. Eventos que poderiam parecer
como ocorrendo aleatoriamente são realmente causados por agência divina.
O apelo dessa abordagem é óbvio. A maioria dos lósofos quer a rmar que
qualquer crença na liberdade real de agentes, sejam humanos ou divinos,
requer um futuro aberto, e não um futuro que seja predeterminado. A
abordagem de Copenhague à mecânica quântica incorpora essa noção de
indeterminação, sugerindo assim que a agência divina pode operar sem
detecção ou interferência na autonomia das entidades naturais
(particularmente as vivas). Assim, Deus é o “determinador das
indeterminações”.
Essa abordagem é adotada por Robert John Russell em sua proposta
NIODA26 (ação divina objetiva não intervencionista), desenvolvida como
parte do programa “Perspectivas Cientí cas sobre Ação Divina”. Russell está
especi camente preocupado em saber se é possível dizer que Deus age
objetivamente na natureza, embora evitando a violação das leis naturais.
Russell argumenta que a ação especial de Deus “resulta em consequências
especí cas e objetivas na natureza, consequências que não teriam resultado
sem a ação especial de Deus”. Embora isso possa parecer um apelo ao
esquema do “Deus das lacunas”, Russell argumenta que não é esse o caso.
Deus criou o mundo de tal maneira que é capaz de agir de maneiras
especiais sem interferir no uxo dos processos naturais. Os processos físicos
estão abertos à direção ou in uência de Deus porque Deus os criou dessa
maneira. “Deus cria o universo de modo que os eventos quânticos ocorram
sem causas naturais su cientes e atua dentro desses processos naturais e
junto às causas naturais para provocá-los.”27
No entanto, existem problemas com essa posição potencialmente
atraente. Mesmo que uma abordagem indeterminista da teoria quântica seja
favorecida, críticos como Jeffrey Koperski argumentam que o resultado
teológico de tal estratégia está próximo do deísmo. A interpretação
indeterminista de Copenhague quanto à teoria quântica pode muito bem ser
dominante; porém outras – como a desenvolvida por David Bohm – são
deterministas e parecem não oferecer um nexo quântico indeterminado
como forma de salvaguardar a ideia de agência divina. Tampouco há
qualquer indicação de que utuações quânticas possam ter a força
cumulativa necessária para se falar, de modo signi cativo, em Deus “agindo”
no mundo.
Uma das questões signi cativas na discussão da ação divina diz respeito
ao status da noção de “leis da natureza”. Elas devem ser vistas como
princípios invioláveis que governam os processos dentro do universo? Ou
simplesmente como sínteses de observações, sem nenhum sentido de que
sejam reguladoras ou normativas? Philip Clayton e outros têm sustentado
que há boas razões para se pensar que existem sistemas de fenômenos
emergentes dependentes das leis da natureza, mas que apresentam também
potencialidades causais emergentes, que não podem ser previstas por tais
leis.
Outros se voltaram para a noção de “causação descendente”,
frequentemente a rmada de formas ligeiramente vagas e imprecisas. A ideia
básica é que podemos considerar formas de “causação de cima para baixo”
ou “causação descendente” dentro do mundo natural, muito especialmente
quanto ao modo como a mente humana opera sobre vários componentes do
corpo humano. A maneira como a mente humana controla o corpo pode ser
análoga à maneira como Deus governa o universo?
É uma possibilidade fascinante, mas que no momento permanece difícil
de avaliar. A sugestão de que a causação mental possa elucidar a interação
entre a ação divina e o livre-arbítrio humano tem um apelo óbvio. Por
exemplo, ao iniciar processos transmitidos por neurônios, não se pode dizer
que a mente viola ou substitui a natureza ou as propriedades dos neurônios.
Uma das di culdades mais óbvias, por exemplo, é que a relação entre o
conceito de “mente” e o cérebro humano ainda não é completamente
compreendida. Poderíamos eventualmente falar do cérebro – e não da
mente – controlando outras partes do corpo? Isso reduziria seriamente o
valor dessa abordagem.
Uma terceira maneira de pensar sobre agência divina é considerar Deus
como uma fonte de informação. John Polkinghorne e Arthur Peacocke
sustentaram essa hipótese de entender a ação divina como um “input de
informação pura”. Deus pode ser considerado um coreógrafo, que permite a
seus dançarinos certo grau de liberdade em seus movimentos, ou um
compositor, que permite que uma orquestra explore possíveis variações para
uma sinfonia ainda inacabada. A beleza dessa abordagem reside, em parte,
no fato de que, pelo menos à primeira vista, a transferência de informações
parece não exigir violação das leis de conservação. Entretanto, seus críticos
apontam que o input de informações em um sistema implica 0
reorganização de energia ou de matéria, aparentemente dando assim origem
a praticamente as mesmas di culdades encontradas por outras abordagens
mais tradicionais.
MILAGRES E LEIS DA NATUREZA
Como observamos anteriormente, o conceito de “leis da natureza”,
enquanto descrições matemáticas de regularidades que não apresentam
nenhuma exceção, surgiu pela primeira vez durante o período moderno,
principalmente pela in uência de Galileu, Kepler e Newton. Como Peter
Harrison e outros historiadores destacaram, os principais cientistas desse
período, quase sem exceção, tinham um duplo compromisso: por um lado,
com uma ciência baseada em um universo mecânico governado por leis
imutáveis da natureza e, por outro, com um Deus onipotente, que intervinha
na ordem natural de tempos em tempos, violando essas leis da natureza.
Os principais cientistas dessa época não viam isso como problemático.
Robert Boyle, por exemplo, escreveu que, embora Deus tivesse estabelecido
as leis da natureza, “[...] ele não amarrou suas próprias mãos com elas, assim
pode reforçar, suspender, anular e reverter qualquer uma delas como achar
conveniente”. Newton, por sua vez, considerava que dado evento pode
parecer milagroso para um observador e natural para outro, dependendo do
estado de conhecimento do observador.
Os milagres são assim chamados não porque são obras de Deus, mas porque raramente
acontecem e, por esse motivo, geram admiração. Se eles acontecessem constantemente, de
acordo com certas leis impressas na natureza das coisas, não seriam mais milagres maravilhosos,
mas seriam considerados na loso a como parte dos fenômenos da natureza, apesar de a causa
de suas causas ser desconhecida por nós.28
A expressão “leis da natureza” não era usada, de maneira ampla, antes de
1650, embora seja encontrada com frequência após essa data. Esse ponto
histórico é signi cativo, pois as discussões modernas sobre milagres, que se
estabelecem a partir de 1650 são quase invariavelmente formuladas em
termos de “violação das leis da natureza” – expressão particularmente
associada à crítica de milagres por David Hume.
Crítica dos milagres por David Hume
A crítica in uente de David Hume aos milagres depende de
compreendê-los como “violações das leis da natureza” ou “transgressões de
uma lei da natureza por determinada vontade da Deidade ou pela
interposição de algum agente invisível”.29 Há uma inconsistência óbvia aqui
dentro do próprio pensamento de Hume. Uma das contribuições mais
distintivas de Hume à loso a da ciência é um rigoroso ceticismo em
relação ao processo indutivo. Como, perguntava Hume, podemos chegar a
conclusões que vão além dos exemplos passados dos quais tivemos
experiência? Hume argumenta que o raciocínio indutivo se baseia no
princípio “de que exemplos dos quais não tivemos experiência devem se
parecer com aqueles dos quais já tivemos, e que o curso da natureza
continua sempre uniformemente o mesmo”.30 O raciocínio indutivo assume,
assim, sua própria validade ao oferecer uma justi cativa para sua prática.
Uma lei universal da natureza só pode ser estabelecida indutivamente.
Como a possibilidade de uma observação futura que a torne inválida não
pode ser excluída, essas “leis” devem ser vistas como provisórias e parciais,
não universais e necessárias. Pelos próprios critérios de Hume, um “milagre”
pode ser uma violação das leis da natureza – ou a invalidação antecipada da
universalidade dessa lei.
As visões de Hume sobre os processos indutivos que conduzem à
formulação de “leis da natureza” o levam a concluir que a regularidade que
elas expressam não é uma característica do “mundo real”, mas é uma
construção da mente humana, que impõe ordem a ele. O exagero de Hume
não foi bem recebido pela comunidade cientí ca, que geralmente considera
essa regularidade uma característica intrínseca do mundo, descoberta (não
imposta) pela investigação humana. Por exemplo, considere os comentários
do físico Paul Davies, que seriam amplamente endossados pelos cientistas
naturais:
É importante entender que as regularidades da natureza são reais. [...] Creio que qualquer
sugestão de que as leis da natureza sejam projeções similares da mente humana é absurda. A
existência de regularidades na natureza é um fato matemático objetivo. […] Na condução da
ciência, estamos descobrindo regularidades e conexões reais da natureza, não as inscrevendo na
natureza.31
Uma abordagem religiosa (e especialmente cristã) dessa discussão se
concentrará no ordenamento do mundo como algo que existe neste mundo,
independentemente de a mente humana reconhecê-lo ou não, e que esse
ordenamento pode ser entendido como relacionado à doutrina da criação.
Embora muitos cientistas naturais tenham descartado o arcabouço teológico
original que levou seus predecessores dos séculos 17 e 18 a falar em “leis da
natureza”, não há razão para que tal entendimento não deva ser reapropriado
por cientistas naturais sensíveis aos aspectos religiosos do trabalho deles.
Há um segundo ponto que precisa ser mencionado aqui. A de nição de
milagre dada por Hume, como muitas vezes foi apontado, tem a infeliz
consequência de que poucos teriam acreditado em “milagre”, como Hume
de ne, nos primeiros 1.600 anos da história cristã. Por quê? Porque poucos,
se é que havia alguém, acreditavam em “leis da natureza” absolutas com esse
nome antes de 1650. Tomás de Aquino, escrevendo no século 13, descreveu
um milagre como algo que “supera as capacidades da natureza”, não fazendo
referência à violação de leis da natureza. (Uma visão semelhante foi
apresentada pelo papa Bento XIV em 1738: um milagre é um evento cuja
ocorrência excede o poder da natureza física e visível).
O lósofo holandês Baruch Spinoza fez uma crítica importante aos
milagres em 1670. Em sua obra Tractatus eologico-Politicus [Tratado
teológico-político], Spinoza argumentou que os milagres eram impossíveis,
pois as “leis da natureza” são decretos de Deus que são expressões da
necessidade e perfeição da natureza divina. “Nada acontece na natureza que
esteja em contradição com suas leis universais.” Como um milagre
representa uma violação ou contravenção das leis da natureza, qualquer um
que sugerir que Deus realizou milagres teria que aceitar que Deus
contradisse sua própria natureza, o que é claramente absurdo.
Albert Einstein frequentemente indicava seu respeito e dívida para com
Spinoza, observando que “os seguidores de Spinoza veem nosso Deus na
maravilhosa ordem e regularidade de tudo o que existe”.32 Einstein sugere
que a crença em um Deus pessoal era a “principal fonte dos con itos atuais
entre as esferas da religião e da ciência”. Por quê? Porque a “doutrina de um
Deus pessoal que interfere nos eventos” não era consistente com a
“regularidade ordenada” dos processos naturais. Deus não quebra as leis da
natureza. Para Einstein, o conceito de um Deus pessoal implicava um Deus
que não respeitava as leis da natureza – a despeito de tê-las estabelecido em
primeiro lugar. Einstein parece ter acreditado que permitir que Deus fosse
“pessoal” abria caminho para que Deus fosse caprichoso ou extravagante.
Esses pontos históricos são importantes ao estabelecer um contexto para
a discussão de milagres, tanto no meio cientí co quanto no religioso. O
conceito de “lei da natureza” é aqui entendido como uma regra divinamente
estabelecida de que certas coisas devem acontecer e outras não. Contudo,
muitos lósofos da ciência responderiam criticamente a essa abordagem,
vendo-a como uma interpretação exagerada da ideia de “lei da natureza”.
[Consideram que] as leis naturais são melhor entendidas como
generalizações indutivas incompletas, e reduzem qualquer lei natural
universal a uma abordagem estatística semelhante à encontrada na teoria
quântica.
Albert Einstein, conhecido por sua rigorosa busca pelas leis
fundamentais da natureza, cava consternado com a crescente tendência da
teoria quântica de usar abordagens estatísticas. A citação frequentemente
atribuída a Einstein – “Deus não joga dados” – é na verdade uma contração
displicente de uma a rmação mais elaborada: “Parece difícil dar uma
espiada nas cartas de Deus. Mas que ele jogue dados e use métodos
“telepáticos” (como a atual teoria quântica exige dele) é algo que não consigo
acreditar por um único momento”.33 O ponto de Einstein é que a noção de
causalidade se torna complexa no contexto da teoria quântica, levantando
questões sobre o que uma “lei da natureza” poderia ser capaz de estipular
nessa situação. Einstein acreditava que deveria ser possível formular as
ideias da teoria quântica como leis da natureza e não em termos de
probabilidades estatísticas.
A de nição de “milagre” de Hume permanece in uente e é
frequentemente o ponto de partida para discussões contemporâneas dessa
noção. Por exemplo, em seu Concept of Miracle (1970), o lósofo da religião
Richard Swinburne segue Hume ao de nir um milagre como “uma violação
de uma lei da natureza por um deus”. Muitos autores contemporâneos,
incluindo cientistas e lósofos, também resistem à noção de “leis da
natureza” como sendo simplesmente generalizações indutivas que resumem
o comportamento observado de eventos físicos. O físico Paul Davies, por
exemplo, sustenta que as leis da natureza estão embutidas no universo,
levando-o a “apoiar fortemente a ideia platônica de que as leis estão ‘lá fora’,
transcendendo o universo físico”.34
O debate continua. Como o próprio Hume ressaltou, as generalizações
indutivas são necessariamente incompletas e, por esse motivo, não podem
ser consideradas “comprovadas” ou “universais”. Além disso, o avanço da
ciência implica inevitavelmente reavaliação e, às vezes, correção do que as
gerações anteriores consideravam estar rmemente estabelecido. Esse
argumento é apresentado repetidamente por autores que estão alertas ao
perigo de carem presos ao que uma época ou geração considerava
suposições evidentemente verdadeiras sobre o mundo natural. Nosso
conhecimento das leis da natureza se expandirá ao longo do tempo. Uma
das discussões mais in uentes sobre esse ponto é encontrada no livro de F.
R. Tennant, Miracle and Its Philosophical Presuppositions [O milagre e suas
pressuposições losó cas] (1925), no qual ele fez essa a rmação
signi cativa: “até que tenhamos chegado a algo como onisciência quanto à
constituição e às capacidades intrínsecas da natureza, não podemos a rmar
que nenhuma maravilha esteja além delas”.35
Keith Ward sobre milagres
Essa discussão se concentra excessivamente na ideia de milagre como
algo que viola – outros diriam que expande – nossa compreensão das leis da
natureza. E quanto ao seu signi cado religioso, que não é concebido em
termos de violação das leis da natureza, mas em termos de ser um sinal da
presença ou atividade de Deus? O teólogo britânico Keith Ward esclareceu
esse ponto em seu livro Divine Action (1990):
É bastante insatisfatório pensar em milagres apenas como eventos raros, altamente improváveis e
sicamente inexplicáveis. O teísta não tem interesse na alegação de que eventos físicos anômalos
ocorrem. Os eventos nos quais o teísta está interessado são atos de Deus; e os atos divinos não
ocorrem arbitrariamente ou apenas como mudanças anômalas e totalmente inexplicáveis no
mundo.36
Para Ward, os milagres são melhor compreendidos como “epifanias do
Espírito”, que visam revelar que a natureza não deve ser considerada como
um sistema físico fechado. Pelo contrário, a natureza pode ser
interpenetrada e reordenada por Deus, que, antes de tudo, foi quem a criou.
Ward, portanto, situa sua discussão sobre milagres dentro de uma
compreensão mutável do universo, como ele a vê na ciência contemporânea,
que oferece uma imagem de um universo que é muito “mais solta” e mais
aberta do que a revelada pela mecânica newtoniana, um tanto
determinística. “A imagem integral, ‘sem costura’, da natureza como um
sistema causal fechado é muito menos convincente do que poderia
parecer.”37
Ward também critica o entendimento in ado de Hume sobre uma “lei
da natureza” e sua aparente exclusão dos objetivos de Deus em, antes de
tudo, estabelecer o universo:
Se pensarmos que as leis foram criadas por Deus, as próprias leis devem existir por algum
motivo – e se Deus é um agente pessoal, esse motivo poderia muito bem justi car algumas
ocorrências que transcendem princípios gerais semelhantes a leis.38
Ward oferece um exemplo para nos ajudar a entender seu ponto de vista.
Suponha que Deus pretenda que os seres humanos possam conhecer e amar
a Deus e desfrutar da presença divina. Se esse for realmente o caso, esse
objetivo estará re etido nas estruturas causais do universo. O que acontece
para ajudar a criar esse relacionamento não é, então, uma “violação” das leis
da natureza, mas sim o cumprimento teleológico delas. Ward enfatiza esse
ponto da seguinte maneira:
Leis da natureza são princípios gerais da regularidade inteligível que governam o cosmos físico,
mas há razão de sobra para um teísta pensar que existem princípios mais elevados do que leis da
natureza – princípios que atraem pessoas nitas para um relacionamento consciente com o
Criador. Milagres, eventos que transcendem as regularidades da natureza, resultam da aplicação
de tais princípios inteligíveis.39
Wolart Pannenberg sobre milagres
O teólogo alemão Wolart Pannenberg adota uma abordagem mais
teológica da questão dos milagres,40 argumentando que as “leis da natureza”
têm um status puramente provisório, até que sejam colocadas em um
fundamento teórico mais rme pela análise teológica. Então, milagres
representam violações das leis da natureza? Pannenberg admite que eles
podem realmente ser entendidos dessa maneira e que isso levanta algumas
questões cientí cas muito difíceis. “O conceito de ‘milagre’ como uma
violação da lei natural subverte o próprio conceito de lei.” Contudo, essa é
uma declaração moderna da questão, que pode ser corrigida considerandose abordagens anteriores do problema. Pannenberg destaca com particular
aprovação a abordagem de Agostinho de Hipona (354-430), que enfatizava
que eventos desse tipo não ocorrem contrariamente à natureza das coisas.
Eles podem realmente parecer contrários a essa ordem, mas isso se deve ao
nosso conhecimento limitado do curso da natureza.
Pannenberg defende a rejeição da noção de “milagre” como contra
naturam – isto é, como um evento que contradiz ou viola as leis da natureza.
A abordagem de Agostinho de Hipona, conforme exposto em seu
comentário sobre o Gênesis, baseia-se no reconhecimento de que
experimentamos ou observamos certos eventos como incomuns e
excepcionais, em contraste com os padrões habituais de eventos. “Um
milagre é apenas um evento ou ação incomum, e a interpretação religiosa o
identi ca como um ato de Deus.” O que é realmente milagroso, na visão de
Pannenberg, são as próprias leis da natureza. Por que existe essa ordem em
um mundo radicalmente contingente? “A ordem da natureza pela lei natural
é um dos maiores milagres, tendo em vista a contingência básica dos eventos
e de sua sequência.”
Pannenberg leva essa ênfase à contingência ainda mais longe, ao a rmar
que as contingências são imprevisíveis. Alguns veem a mão de Deus em
certas contingências, interpretando certos eventos como milagres, não
porque violem as leis da natureza, mas porque se destacam como incomuns.
De vez em quando, no entanto, ocorrem contingências que conscientizam as pessoas da
contingência básica que permeia toda a realidade. Uma ocorrência tão incomum pode ser
experimentada como um “milagre” e as pessoas religiosas a interpretarão como um ato de Deus,
um “sinal” da atividade contínua do Criador na criação e, talvez, de coisas novas por vir.41
Por esse motivo, argumenta Pannenberg, a abordagem agostiniana do
milagre deve ser defendida. Não exige nenhuma oposição à ordem da
natureza descrita em termos de lei natural. “Requer apenas que admitamos
que não sabemos tudo sobre como os processos da natureza funcionam.”
ATEOLOGIA NATURAL? ARGUMENTOS EVOLUTIVOS DE DESMISTIFICAÇÃO CONTRA
DEUS
Finalmente, nos voltamos ao surgimento de uma série de argumentos
ligados a interpretações particulares das visões de Darwin sobre a seleção
natural ou a “Síntese Evolucionária Estendida”, segundo a qual um
entendimento evolutivo das origens das capacidades racionais humanas põe
em questão a racionalidade da crença em Deus. O tema fundamental
subjacente ao que veio a ser conhecido como “argumentos evolutivos de
desmisti cação” é que as origens e características da religião podem ser
explicadas em bases evolutivas sem a necessidade de invocar a existência de
Deus.
Existem algumas di culdades signi cativas no que se refere a uma
abordagem tão genérica da religião; talvez a mais notável é que não haja
uma de nição empírica estabelecida de “religião”. Pode ser natural para nós
pensar na religião em termos essencialistas, vendo-a como uma categoria
universal, que compreende exemplos individuais desse universal – como
budismo, cristianismo e hinduísmo –, para que generalizações sumativas
possam ser feitas sobre a “essência da religião”. Entretanto, historicamente, as
visões sobre natureza, função e identidade da religião variaram de um local
histórico para outro, como o fazem hoje. A categoria “religião” é
provavelmente melhor vista como uma construção social útil que tem pouca
ou nenhuma base na investigação cientí ca. O termo é socialmente
importante – por exemplo, em relação à garantia do direito básico de
“liberdade religiosa” (o que claramente exige algum acordo sobre o que
conta como religião). De nições simplistas de religião em termos de uma
crença especí ca em deuses ou seres espirituais – subjacentes à ousada
declaração de Daniel Dennett, ainda que imprecisa, de que “uma religião
sem Deus ou deuses é como um vertebrado sem espinha dorsal”42 – são
tornadas problemáticas pelo budismo, que se recusa obstinadamente a se
conformar a essas de nições.
A maioria dos argumentos evolutivos de desmisti cação se concentra na
utilidade social da religião como um fator que aumenta seu potencial de
sobrevivência, tornando a questão da de nição menos importante. Crenças
que incentivam o surgimento de atitudes pró-sociais provavelmente levarão
a uma maior possibilidade de sobrevivência para as comunidades que as
adotam. Isso, é claro, levanta a questão da distinção entre religião e ética, na
medida em que, embora um sistema ético possa ser derivado de crenças
“religiosas”, ele também pode surgir por razões pragmáticas.
Muitos têm defendido o caráter adaptativo da religião, visto que a
religião encoraja a coesão e a disciplina social, dando a um grupo maior
capacidade de sobreviver e de se reproduzir. Há muito que se reconhece que
uma das principais funções da religião é a promoção desse tipo de
solidariedade de grupo, que muitas vezes é fortalecida por meio de rituais,
expressando tanto os fundamentos da identidade do grupo quanto os
perigos que a acompanham. Esse vínculo social fortalecido dentro de um
grupo não deve ser visto como um m em si mesmo; aumentando a
solidariedade, a religião facilita a cooperação dentro do grupo, melhorando
assim suas perspectivas de sobrevivência.
Mas a capacidade da religião de aumentar as perspectivas de
sobrevivência em grupo é uma consequência de sua verdade ou de sua
utilidade? Uma perspectiva evolutiva das origens da religião mostra que suas
ideias evoluíram, não em resposta à busca pela verdade, mas para aumentar
a capacidade do grupo de orescer e se reproduzir? Essa linha de
investigação está por trás do surgimento de “argumentos evolutivos de
desmisti cação”, alguns dos quais sustentam que o processo evolutivo leva a
uma explicação redutiva das crenças religiosas como acidentais e não
con áveis.
Um conjunto de argumentos evolutivos de desmisti cação baseia-se nas
origens da religião, sustentando que o fenômeno da religião pode ser
explicado em bases evolutivas sem a necessidade de apelar à existência de
um deus ou de outra agência ou entidade transcendente. O lósofo Robert
Nola, por exemplo, argumenta que a religião surge naturalmente e, portanto,
é explicada por fatores naturais – subvertendo implicitamente qualquer
suposição de que a religião seja justi cada ao apelar a qualquer agência ou
entidade sobrenatural. Outros argumentam que isso representa um exemplo
da “falácia genética”, na qual uma teoria das origens sociais de um sistema
ou comunidade é considerada como a explicação de nitiva, excluindo
outras. Diferentes níveis de explicação são possíveis. Uma explicação
evolutiva de como a música se desenvolveu, por exemplo, não esgota a
questão de seu valor atual para os indivíduos ou de sua utilidade social. As
perspectivas evolucionárias também não explicam adequadamente as
crenças justi cadas. Esse argumento evolutivo de desmisti cação claramente
presumiu que explicar as origens da religião equivale a mostrar que as
crenças religiosas são falsas.
Uma descrição evolutiva das origens da religião não exclui outras causas
ou explicações da religião – ou qualquer comunidade de crenças
comparável. Nola parece acreditar que as descrições teológicas e evolutivas
da religião são incompatíveis, talvez re etindo uma dependência
imprudente da metáfora do “con ito” sobre o relacionamento entre elas. Na
realidade, várias explicações sobre as origens da religião, operando em
diferentes níveis, podem ser dadas, e cada uma delas será inadequada para
explicar as especi cidades da religião como um fenômeno em geral ou as
características especí cas de qualquer comunidade religiosa. Como
observou a lósofa de Oxford, Janet Radcliffe-Richards, em suas críticas à
desmisti cação evolutiva do altruísmo, “explicar como o altruísmo veio a
existir não mostra que o altruísmo não é real, assim como explicar como um
bolo foi feito não mostra que o bolo não é real”.43
Uma segunda abordagem propõe que as origens da crença religiosa
residem na falta de con abilidade das faculdades racionais humanas. A
evolução não seleciona de acordo com qualquer capacidade de buscar e
encontrar a verdade, mas sim devido à capacidade de sobreviver e de se
reproduzir. “A seleção natural não se importa com a verdade; ela se importa
apenas com o sucesso reprodutivo.” Embora se possa argumentar que faz
sentido sugerir que a evolução nos projetou para avaliar o mundo com
precisão e formar crenças verdadeiras, permanece a questão de se algumas
falsas crenças, pelo menos, podem ser vantajosas em termos adaptativos?
Essa linha de pensamento leva a um segundo conjunto de argumentos
evolutivos de desmisti cação, segundo os quais a religião é o resultado de
uma capacidade falha de raciocínio, re etindo o fato de que a evolução não
seleciona a verdade das crenças humanas. A religião é, portanto, considerada
o resultado de faculdades racionais humanas imperfeitas, o que nos leva a
sustentar certas crenças que acabam se adaptando devido a seus resultados
pró-sociais. John Wilkins e Paul Griffiths, por exemplo, argumentam que as
crenças empíricas têm uma clara vantagem evolutiva – por exemplo,
ajudando-nos a identi car possíveis estratégias de sobrevivência. Portanto, é
possível argumentar que as faculdades racionais humanas funcionam bem
em um domínio (o empírico), mas não tão bem em outros (como o religioso
ou o moral).
Contudo, não é nada claro para onde isso nos leva. Argumentar que as
faculdades racionais humanas têm uma origem evolutiva não implica que
elas levem a crenças falsas. É sabido que diferentes áreas de engajamento e
interação – como ciências, ética e teologia – usam estratégias e normas
racionais diferentes, adaptadas às suas tarefas e objetivos de pesquisa.
Wilkins e Griffiths têm razão em levantar questões sobre a racionalidade de
nossos julgamentos, decorrentes de nosso passado evolutivo; no entanto, no
nal, eles dependem dessas mesmas faculdades racionais na avaliação da
con abilidade de seus julgamentos introduzindo um grau desconfortável de
circularidade e autorreferência na discussão.
TEOLOGIA NATURAL: É DEUS A “MELHOR EXPLICAÇÃO” DO NOSSO UNIVERSO?
Na seção anterior, consideramos alguns argumentos que sugerem que o
fenômeno da religião ou uma crença especí ca em Deus pode ser
“explicada” pelas ciências naturais. Embora esses argumentos sejam mais
fracos do que muitos acreditam, eles levantam uma questão totalmente
legítima: de que maneira Deus pode ser visto como a “melhor explicação” do
nosso universo? Existe algum caminho intelectual que conecte a observação
do nosso mundo a uma realidade transcendente, como Deus? Essa questão é
frequentemente explorada com referência à noção de “teologia natural”, que
há muito é reconhecida como um tema importante no campo da ciência e
da religião.
Em seu sentido mais geral, a teologia natural sugere que existe um elo
entre o mundo natural e o transcendente. É uma intuição profundamente
humana, compartilhada por artistas e cientistas. G. K. Chesterton foi um dos
muitos a apontar como a imaginação humana ultrapassa os limites da razão,
buscando uma realidade pouco vislumbrada, que parece estar além do
limiar de nossa experiência. “Todo verdadeiro artista”, a rmou Chesterton,
sente “que está tocando as verdades transcendentais; que suas imagens são
sombras de coisas vistas através do véu”.44 Outra maneira de expressar isso é
encontrada nos escritos do lósofo José Ortega y Gasset,45 que admite não
haver um “arco” de evidências que vincule de forma segura e inequívoca o
mundo empírico e a realidade transcendente. No entanto, Ortega nos pede
para imaginar um arco romano, ligando dois pilares. Parte do arco desabou,
mas ainda podemos ver o traço do arco original e fazer a conexão agora
imaginativa, mas antes real, entre os dois pilares.
Embora a expressão “teologia natural” (latim: theologia naturalis) fosse
conhecida pelos primeiros autores cristãos, não era comumente usada por
escritores medievais, como Tomás de Aquino. Como observou, com razão, o
estudioso de Oxford, C. C. J. Webb, no início do século 20, estudos
históricos indicaram que a expressão “teologia natural” raramente foi usada
durante os períodos patrístico e medieval, e só foi mais amplamente
utilizada no século 16, principalmente por causa da in uência do estudioso
catalão do século 15, Raimundo de Sebonde (c. 1385-1436).
Imagina-se que a obra Liber Creaturarum [O Livro das Criaturas], de
Sebonde, tenha sido escrita nos últimos dois anos de sua vida. Uma decisão
editorial póstuma, do século 16, levou à adição do subtítulo theologia
naturalis (ou “teologia natural”) à segunda edição em latim dessta obra – e,
portanto, à adoção do termo “teologia natural” para descrever a forma
ampla do envolvimento teológico com a natureza, que Sebonde louvava.
Entretanto, a expressão em latim theologia naturalis pode ser entendida
tanto como “uma teologia natural” quanto “uma teologia da natureza”. Ela
pode ser entendida tanto como o processo de argumentar da natureza para
Deus como de ver a natureza do ponto de vista da fé. Sebonde tende a adotar
a segunda dessas duas abordagens.
O trabalho de Sebonde foi amplamente imitado, com o aparecimento de
várias publicações de editores franceses e espanhóis no século 16
desenvolvendo seu método e abordagem, moldando as expectativas de como
uma “teologia natural” deveria ser, na teoria e na prática. Contudo, a forma
de “teologia natural” encontrada na obra de Sebonde tem pouca relação com
os entendimentos modernos desse conceito, que surgiram dois séculos
depois. A teologia natural não é entendida como um empreendimento
apologético, mas é mais vista como um engajamento afetivo com a ordem
natural, vista da perspectiva da fé. O tratado de Sebonde, embora inclua
algumas seções catequéticas posteriores, que tratam de teologia dogmática, é
realmente uma obra de espiritualidade, e não de teologia.
Embora os lósofos da religião tendam a de nir “teologia natural” como
o “ramo da loso a que investiga o que a razão humana, sem ajuda da
revelação, pode nos dizer a respeito de Deus”, um exame do
desenvolvimento histórico da teologia natural indica que essa é apenas uma
das várias formas que ela tem assumido durante esse processo. Esse
entendimento especí co da teologia natural emerge principalmente na
Inglaterra do nal do século 17, e é moldado pelo contexto cultural e
intelectual daquele período, particularmente pela crescente sensação de
afastamento entre os modos de pensar cientí co e religioso. A expressão
“físico-teologia” às vezes é usada para se referir a essa abordagem especí ca
da teologia natural.
A “físico-teologia” surgiu como uma ferramenta intelectual que
encorajou a pesquisa cientí ca dentro da cultura persistentemente religiosa
da Inglaterra durante o século 18, além de a rmar o valor e a racionalidade
da religião dentro de uma cultura cada vez mais cientí ca. Sua ênfase na
transparência racional da natureza e na facilidade com que isso era mapeado
em um catálogo religioso de signi cados parecia contornar as grandes
controvérsias teológicas da época, ao mesmo tempo que encorajava o
surgimento das ciências naturais. Em seu auge, no início do século 18, a
“físico-teologia” (do grego: physikos, “natural”) era vista como reveladora e
proclamadora da harmonia fundamental do universo, fundamentada nas
“leis da natureza” estabelecidas por um benevolente criador.
Uma das declarações mais conhecidas dessa visão de um universo
harmonioso é encontrada na famosa “Ode” de Joseph Addison, de 1712 –
um comentário extenso sobre Salmos 19:1, o qual declara que as
regularidades do mundo natural exibem a sabedoria e a racionalidade de seu
Criador. Para Addison, as regularidades do Sol, da Lua e dos planetas eram
uma manifestação publicamente acessível da presença divina dentro do
universo:
O infatigável Sol, dia após dia,
O poder de seu Criador anuncia,
E publica para cada continente
A obra de uma Mão Onipotente.46
A razão humana foi capaz de discernir essa regularidade e expressá-la
matematicamente. Para Addison e seus contemporâneos, a racionalidade e a
elegância dessa visão de harmonia cósmica eram uma garantia da perfeição
de Deus na criação:
No ouvido da Razão, todos rejubilam,
E uma voz gloriosa domina,
Para sempre cantando, enquanto brilham,
A Mão que nos criou é Divina.47
Atualmente, existe amplo reconhecimento da diversidade de
perspectivas possíveis com respeito à teologia natural, incluindo abordagens
intelectuais com duas direções bastante diferentes: da natureza para Deus e
de Deus para a natureza. Na sequência, descrevemos brevemente quatro
perspectivas de teologia natural, duas das quais representam o primeiro tipo
de abordagem e, duas outras, o segundo:
1. A teologia natural refere-se a uma forma de raciocínio, independente
da revelação, que re ete sobre as implicações teístas da beleza ou da
complexidade do mundo natural. Como observamos anteriormente,
esse entendimento especí co da teologia natural é amplamente
referido como “físico-teologia” e emergiu como uma presença
intelectual signi cativa na Inglaterra do século 18. A trajetória do
pensamento aqui é da observação do mundo natural à inferência da
existência de Deus, sem pressupor ou estabelecer uma relação de
dependência com relação a ideias reveladas. Essa abordagem pode
se basear na ordem ou na beleza do mundo natural, ambas
consideradas como tendo implicações apologéticas.
2. A teologia natural designa uma teologia que vem “naturalmente” à
mente humana – isto é, sem o auxílio da revelação divina. Pode ser
considerada como uma demonstração da racionalidade intrínseca
da fé cristã, usando formas naturais de raciocínio. O chamado
“argumento ontológico” de Anselmo para a existência de Deus é um
bom exemplo dessa abordagem. No Proslógio, Anselmo não apela à
revelação para justi car a racionalidade da fé e não se envolve com
o mundo natural, concentrando-se nos padrões de raciocínio
humano, apontando para suas implicações.
Ambas as perspectivas de teologia natural esboçadas acima assentam
seus pontos de partida no mundo da natureza e apontam para uma
divindade genérica, que então demanda correlação com uma compreensão
mais especí ca da divindade, como o conceito cristão de Deus.
E quanto às perspectivas de teologia natural que se originam dentro de
uma comunidade de fé e são informadas por suas crenças distintas? Vamos
considerar duas abordagens desse tipo.
3. A teologia natural deve ser entendida primordialmente como uma
“teologia da natureza” – isto é, como uma maneira especi camente
cristã de ver ou entender o mundo natural, re etindo as suposições
centrais da fé cristã, para contrastar ou mesmo opor-se a descrições
naturalistas ou seculares da natureza. O movimento do pensamento
aqui é de dentro da tradição cristã em direção à natureza, e não da
natureza em direção à fé (como na segunda abordagem,
mencionada acima). Essa abordagem pressupõe a revelação divina e
re ete o entendimento especí co da natureza que resulta quando a
natureza é vista dessa perspectiva. Ela se origina da tradição cristã e
estabelece um modo especi camente cristão de ver a ordem natural.
4. A teologia natural é o resultado intelectual da tendência natural da
mente humana de desejar ou de se inclinar para Deus.
Tradicionalmente, essa abordagem faz um apelo ao “desejo natural
de ver Deus”, desenvolvido por Tomás de Aquino e outros, embora
possa ser formulada de várias maneiras – como a a rmação de
Bernard Lonergan de que há uma tendência inata do intelecto
humano para entender a existência. Nessa abordagem, é natural que
a mente humana busque por Deus; a teologia natural é o resultado
dessa busca, fundamentada em uma espécie de “instinto de voltar
para casa”48 intelectual ou imaginativo, que existiria na humanidade.
Outras abordagens podem, é claro, ser discernidas e desenvolvidas. O
ponto a ser apreciado aqui é que “teologia natural” designa um
empreendimento intelectual multifacetado, que resiste à de nição, mas é
rico em aplicações e explora possíveis conexões entre o mundo da natureza e
uma realidade transcendente – como o conceito cristão de Deus. Essas
conexões são múltiplas e complexas. Tradicionalmente, elas se concentram
na re exão sobre Deus como uma explicação para a beleza e a regularidade
da natureza, usando modos de argumentação indutivo, abdutivo e dedutivo.
No entanto, outras abordagens devem ser observadas, particularmente a
clássica metáfora renascentista sobre os “Dois Livros de Deus”, cujas origens
podem ser rastreadas até o início do período medieval. Essa metáfora
fortemente visual nos convida a ver Deus como o autor ou criador de dois
“livros” distintos, mas relacionados – o “Livro da Natureza” e o “Livro das
Escrituras” – e, assim, imaginar a natureza como um texto legível que requer
interpretação de maneira comparável à interpretação cristã da Bíblia.
Os pontos fortes e os limites dessa abordagem podem ser vistos nos
escritos do físico e teólogo John Polkinghorne. Seu ponto de partida é que,
embora a teologia e as ciências naturais divirjam em seus métodos de
pesquisa, elas compartilham a visão de uma compreensão aprofundada do
nosso mundo. “Teologia e ciência diferem muito quanto à natureza do
objeto de que tratam. No entanto, cada uma delas tenta compreender
aspectos da forma como o mundo é.”49 Ciente dos limites e de ciências da
“físico-teologia”, Polkinghorne argumentou em favor de uma “nova teologia
natural” que fosse reavivada e revisada. Esta abordagem da teologia natural
se vê como um suplemento às explicações das ciências naturais, em vez de se
considerar uma rival ou concorrente da explicação cientí ca. “O Deus da
físico-teologia, consequentemente, era o Deus das lacunas, uma
pseudodivindade que pretendia complementar a explicação cientí ca
quando esta estivesse em falta, mas estava, portanto, sempre sujeita a ser
declarada redundante quando novos avanços cientí cos fornecessem sua
própria explicação.”50
A “nova” teologia natural de Polkinghorne não reivindica a existência de
Deus, mas argumenta que sua abordagem oferece insights sobre um
envolvimento mais amplo com o mundo natural, na medida em que
propicia uma explicação mais satisfatória da natureza do que suas
alternativas ateias ou naturalistas. Embora a própria ciência não pareça
precisar de nenhuma suplementação teológica em seu próprio domínio
distinto, ela levanta questões que não pode responder com base em seus
próprios métodos de trabalho. “Existem metaquestões que surgem da nossa
experiência e entendimento cientí cos, mas que nos apontam para além do
que a ciência por si só pode presumir falar.” Essas “metaquestões” são
abordadas pela nova teologia natural.
Veja bons exemplo de tais metaquestões:
• Antes de mais nada, por que a ciência, em sua forma moderna e
desenvolvida, é possível?
• Por que o universo físico é tão racionalmente transparente para nós,
tal que possamos discernir seu padrão e estrutura, mesmo no
mundo quântico, que tem pouca relação com nossa experiência
cotidiana?
• Por que alguns dos padrões mais belos propostos pela matemática
pura são realmente encontrados na estrutura do mundo físico?
A teologia natural oferece uma estrutura explicativa que suplementa – e
não substitui – a das ciências naturais, permitindo uma compreensão mais
ampla e profunda de seu potencial e limites. Polkinghorne sugere que outro
exemplo de metaquestão surge da observação do ajuste no do universo,
geralmente expresso em termos do “princípio antrópico”. Por que o universo
aparentemente é “ideal” para a vida? Essa nova teologia natural oferece a
percepção de que nosso universo pode ser visto como uma “criação que foi
dotada por seu Criador com as condições exatas necessárias para sua
história frutífera”.
Polkinghorne, portanto, rejeita a ideia de teologia natural como um
meio independente de demonstrar a existência de Deus. Seu argumento é
que a teologia natural pertence justamente à “investigação teológica geral” e
que visa oferecer uma visão aprimorada da maneira como o mundo é,
complementando ou suplementando as ciências, em vez de tentar substituílas.
Existem vários usos aos quais uma teologia natural pode ser aplicada.
Um deles, como vimos, é a rmar a legitimidade intelectual de um diálogo
entre ciência e religião – talvez vendo cada uma como oferecendo
perspectivas diferentes, mas potencialmente complementares, de um mundo
complexo. A teologia natural pode também servir para uma função
adicional – levantar questões sobre a legitimidade do “cienti cismo”,
destacando particularmente a visão empobrecida da natureza que surge da
perspectiva de que apenas a ciência determina nossa compreensão e nossas
atitudes em relação ao mundo natural.
Essa ansiedade sobre os limites das ciências naturais em nossa busca de
signi cado é ecoada em “Lamia”, o poema de John Keats, de 1820, que
levanta preocupações sobre o efeito potencialmente empobrecedor de
reduzir os belos e impressionantes fenômenos da natureza – como um arcoíris – à lógica abstrata da teoria cientí ca. Essa estratégia reducionista é
esteticamente empobrecedora, esvaziando a natureza de sua beleza e
mistério e reduzindo-a a algo frio e clínico:
Os encantos todos não voam
Com o simples toque da fria loso a?
Uma vez, houve um espantoso arco-íris no céu:
Nós conhecemos sua trama, sua textura; ela é dada
No enfadonho catálogo de coisas comuns.
A loso a cortará as asas de um anjo …51
A chave para a preocupação de Keats está em sua referência a “cortar” as
asas de um anjo. Para Keats, o mundo natural é – e deve ser – uma porta de
entrada para o reino do transcendente. A razão humana pode compreender
algo do mundo real; suas ideias são complementadas pela capacidade da
imaginação humana de re etir sobre o que está além do alcance do método
empírico. Keats, como muitos outros poetas românticos, valorizava a
imaginação humana, vendo-a como uma faculdade que permitia insights
sobre o transcendente e sublime. A razão, em contraste, manteve a
humanidade rmemente ancorada ao solo e ameaçou impedir que ela
descobrisse suas dimensões espirituais mais profundas.
Para Keats, um arco-íris é destinado a elevar o coração e a imaginação
humana, sugerindo a existência de um mundo além dos limites da
experiência. Para autores cientí cos, como Richard Dawkins, o arco-íris
permanece rmemente localizado no mundo da experiência humana, não
tendo dimensão ou capacidade transcendente. O fato de poder ser explicado
em termos puramente naturais pressupõe que não tenha nenhum
signi cado como sinal de algo que esteja além dele. O “anjo” que, para Keats,
pretendia elevar nossos pensamentos para o céu, teve suas asas cortadas; não
pode mais fazer nada, a não ser espelhar o mundo dos eventos e aparências
terrestres, na medida em que qualquer vínculo com um possível mundo
transcendente foi rompido.
Para os teístas, esse entendimento imaginativamente de ciente e
racionalmente truncado do mundo natural pode ser contestado e corrigido
através de uma teologia natural. Essa teologia natural é capaz de enriquecer
uma narrativa cientí ca, impedindo-a de colapsar naquilo que Keats
censurou como um “enfadonho catálogo de coisas comuns”. Uma teologia
natural fornece estrutura para um engajamento imaginativo informado com
a natureza, permitindo que ela seja apreciada por sua beleza e não
simplesmente tratada como um objeto de dissecação racional. Uma das
características mais perturbadoras do cienti cismo é o racionalismo
excessivo, que impede qualquer envolvimento sério com níveis mais
profundos do mundo natural, incluindo seu impacto afetivo sobre nós.
UMA METAQUESTÃO: CRIAÇÃO E UNIFORMIDADE DA NATUREZA
John Polkinghorne desenvolveu a ideia de “metaquestão” ao considerar a
relação entre ciência e religião. “Existem metaquestões que surgem de nossa
experiência e entendimento cientí cos, mas que nos apontam para além do
que a ciência por si só pode presumir falar.”52 Um excelente exemplo de
metaquestão diz respeito à uniformidade da natureza, que as ciências
naturais devem assumir, mas que não podem provar.
Em sua obra de 1912, e Problems of Philosophy, o lósofo britânico
Bertrand Russell levantou algumas questões difíceis sobre o método
cientí co, observando que o empreendimento cientí co aparentemente
dependia de certas suposições injusti cáveis. A di culdade essencial
observada por Russell é que o método cientí co é obrigado a assumir a
uniformidade da natureza para os seus procedimentos, mas não pode, por si
só, substanciar essa suposição implícita. “A crença na uniformidade da
natureza é a crença de que tudo o que aconteceu ou acontecerá é um
exemplo de alguma lei geral para a qual não há exceções.”53 Mas quais são os
fundamentos dessa crença, que é indiscutivelmente fundamental para o
método cientí co?
A ciência pode descobrir regularidades e uniformidades; no entanto, os
padrões passados de regularidade não podem ser considerados conducentes
a qualquer grau de certeza. “O homem que alimentou a galinha todos os dias
ao longo de sua vida torce o seu pescoço a certa altura, mostrando que
visões mais re nadas sobre a uniformidade da natureza teriam sido úteis
para a galinha.”54 A questão aqui diz respeito aos limites do raciocínio
indutivo – uma questão levantada por David Hume, mas desenvolvida mais
rigorosamente por Russell:
Assim, nosso princípio indutivo não pode, de qualquer forma, ser refutado por um apelo à
experiência. O princípio indutivo, no entanto, não pode igualmente ser provado por um apelo à
experiência. [...] Assim, todo conhecimento que, com base na experiência, nos diz algo sobre o
que não é experimentado é baseado em uma crença que a experiência não pode con rmar nem
refutar, mas que, pelo menos em suas aplicações mais concretas, parece estar tão rmemente
enraizada em nós quanto muitos dos fatos da experiência.55
Russell argumenta, portanto, que a investigação empírica não pode
fornecer uma justi cativa da indução (ou de conceitos associados, como a
uniformidade da natureza), pois qualquer justi cativa indutiva ou empírica
da indução seria simplesmente posta em questão. Quanto a esse ponto, “o
próprio princípio não pode, sem circularidade, ser inferido a partir das
uniformidades observadas, uma vez que é necessário justi car tal
inferência”, conforme Russell colocou em uma obra posterior.56
A relevância losó ca da doutrina da criação para as ciências naturais
foi explorada em um artigo clássico, porém negligenciado, do lósofo de
Oxford, Michael Foster, publicado em 1934, intitulado e Christian
Doctrine of Creation and the Rise of Modern Science [A doutrina cristã da
criação e o surgimento da ciência moderna]. Nesse artigo, Foster estabeleceu
a maneira pela qual a crença de que a ordem natural foi criada teve grandes
consequências para a investigação cientí ca. Embora Foster tenha
concentrado sua atenção particularmente nos desenvolvimentos dos séculos
17 e 18, cará claro que sua análise continua a ter relevância para
desenvolvimentos subsequentes.
Foster argumenta que as “implicações metafísicas do dogma cristão”, 57
especialmente em relação à noção de criação, forneceram uma base
intelectual para uma análise cientí ca da natureza. Os métodos das ciências
naturais re etem uma série de suposições sobre a natureza que se apoiavam
nas crenças cristãs sobre Deus e a criação. Como parte de sua análise, Foster
faz a observação de que a substituição de ideias pagãs da criação
(especialmente aquelas que repousam na ideia de um “demiurgo”) por ideias
cristãs foi uma condição prévia essencial para o surgimento das ciências
naturais.
Foster sugeriu que a doutrina cristã da criação tornava possível uma
visão especí ca da natureza que encorajava o surgimento das ciências
naturais. A doutrina da criação ex nihilo permitiu ao cientista abordar a
natureza com a expectativa de que a racionalidade divina se re etisse em
suas estruturas e funcionamento:
Derivam daí dois pressupostos que serão facilmente reconhecidos como fundamentais para o
método cientí co moderno: primeiro, o pressuposto de que o cientista não deve olhar para lugar
algum além do mundo da própria natureza material para encontrar os objetos próprios de sua
ciência; segundo (na verdade, um corolário do primeiro), que as leis inteligíveis que ele descobre
ali não admitem exceção. Ambos são consequências da doutrina de que o mundo material é
obra, não de um Demiurgo, mas de um criador onipotente. [...] Um Criador divino, que não é
limitado por um material recalcitrante, pode incorporar suas ideias na natureza com a mesma
perfeição com que estão presentes ao seu intelecto.58
Foster compara essa noção cristã de Deus com as que encontrou em sua
leitura da loso a grega clássica, e sugere que somente a primeira poderia
oferecer uma base intelectual para os métodos das ciências naturais. Foster
procurou distinguir as visões cristã e grega de natureza e identi car sua
importância para o cientista natural. Ele situou a distinção mais
fundamental entre as concepções grega e cristã de natureza no conceito de
“criação”. A rmar que o mundo foi criado é fazer uma série de declarações
signi cativas sobre a natureza:
A natureza, na visão grega, inclui tudo. Inclui homens e deuses (homens e deuses são
concidadãos do universo, diz Cícero, reproduzindo uma visão estoica); homens e deuses nascem
de uma origem comum, disse Hesíodo. [...] A ciência da natureza é um estudo contemplativo; ela
procede da contemplação sensorial das aparências de divindade à contemplação intelectual do
divino em si. [...] Na concepção cristã, por outro lado, a natureza é feita por Deus, mas não é
Deus. Há uma ruptura abrupta entre natureza e Deus. A adoração divina deve ser prestada
somente a Deus, que é totalmente diferente da natureza. A natureza não é divina.59
Embora a abordagem de Foster exija algumas quali cações, ela destaca a
importância do argumento de Polkinghorne de que a ciência depende de
certos pressupostos críticos que ela mesma não pode fornecer, mas que são
providos com equilíbrio intelectual por um enquadramento teológico.
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2 omas H. Huxley, in Francis Darwin, ed. e Life and Letters of Charles Darwin [A vida e as cartas
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3 Richard Dawkins, A Devil’s Chaplain: Selected Writings. Londres: Weidenfeld & Nicholson, 2003, p.
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4 William Lane Craig e Quentin Smith, eism, Atheism, and Big Bang Cosmology [Teísmo, ateísmo e
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5 William Paley, Natural eology: Or Evidences of the Existence and Attributes of the Deity, 12. ed.
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1809, p. 1.
6 O termo original é contrivance, que em algumas ocasiões também pode ser traduzido por
“engenhosidade” [N. E.].
7 Ibidem, p. 3.
8 Ibidem, p. 378.
9 Ibidem, p. 379.
10 Ibidem.
11 Ibidem, pp. 18-19.
12 Ibidem, pp. 17-18
13 David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion [Diálogos sobre religião natural]. Nova York:
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14 Charles Kingsley, ‘e Natural eology of the Future,’ in Westminster Sermons. Londres:
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15 Richard Dawkins, e Blind Watchmaker: Why the Evidence of Evolution Reveals a Universe without
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16 Alvin Plantinga, Where the Con ict Really Lies: Science, Religion, and Naturalism. Oxford: Oxford
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17 Richard Dawkins, e Sel sh Gene, 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 1989, p. 330. [ed. Bras.:
O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.]
18 John Polkinghorne, eology in the Context of Science [Teologia no contexto da ciência]. London:
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19 Laurence Bonjour e Ernest Sosa, Epistemic Justi cation: Internalism vs. Externalism, Foundations
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Oxford: Blackwell, 2003, p. 174 (ênfase no original).
20 Stanley Fish, “Evidence in Science and Religion, Part Two.” New York Times, 9 April 2012.
21 David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion [Diálogos sobre a religião natural]. Nova
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22 Agostinho de Hipona, De Genesi ad litteram [Comentário literal de Gênesis], IX.17.
23 Aubrey Moore, “e Christian Doctrine of God,” in Lux Mundi: A Series of Studies in the Religion
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Charles Gore. Londres: John Murray, 1890, pp. 57–109; citação na p. 99.
24 Ian G. Barbour, Religion in an Age of Science [Religião na era da ciência]. São Francisco:
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25 Ibidem, p. 224.
26 Sigla para a expressão em inglês Non-Interventionist Objective Divine Action. [N. T.]
27 Robert John Russell, ‘Divine Action and Quantum Mechanics: A Fresh Assessment,’ in Quantum
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293–328; citação na p. 295.
28 Newton, citado por Richard Westfall, Science and Religion in Seventeenth Century England [Ciência
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29 David Hume, An Enquiry Concerning Human Understanding. Oxford: Clarendon Press, 2007, p. 62.
[Ed. Bras.: Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo:
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30 Ibidem.
31 Paul Davies, e Mind of God: e Scienti c Basis for a Rational World. Nova York: Simon &
Schuster, 2005, p. 81-82. [Ed. Bras.: A mente de Deus: a ciência e a busca do sentido último. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1994.]
32 Albert Einstein, Ideas and Opinions. Nova York: Crown Publishers, 1954, pp. 47–48.
33 Albert Einstein, carta a Cornelius Lanczos, 12 de março de 1942; in H. Dukas e B. Hoffmann, eds.,
Albert Einstein: e Human Side [Albert Einstein: o lado humano]. Princeton, NJ: Princeton
University Press, 1979, p. 68.
34 Paul Davies (2005), p. 86.
35 F. R. Tennant, Miracle and Its Philosophical Presuppositions [O milagre e suas pressuposições
losó cas]. Cambridge: Cambridge University Press, 1925, p. 33.
36 Keith Ward, Divine Action [Ação divina]. Londres: Collins, 1990, p. 196.
37 Ibidem, pp. 177-178.
38 Keith Ward, “Believing in Miracles.” Zygon, 37, n. 3 (2002), 741–750; citação na p. 743.
39 Ididem, p. 746.
40 Wolart Pannenberg, “e Concept of Miracle.” Zygon, 37, n. 3 (2002), 759–762.
41 Ibidem, p. 761.
42 Daniel C. Dennett, Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon [Quebrando o feitiço: a
religião como um fenômeno natural]. Nova York: Viking Penguin, 2006, p. 9.
43 Janet Radcliffe‐Richards, Human Nature aer Darwin: A Philosophical Introduction [A natureza
humana depois de Darwin: uma introdução losó ca]. Londres: Routledge, 2000, p. 180.
44 G. K. Chesterton, e Everlasting Man. San Francisco: Ignatius Press, 1993, p. 105. [Ed. Bras.: O
homem eterno. Cajamar, SP: Mundo Cristão, 2010.]
45 José Ortega y Gasset, ‘El origen deportivo del estado.’ Citius, Altius, Fortius, 9, n. 1–4(1967): 259–
276.
46 Joseph Addison, “Ode”, in Christopher Ricks, ed., e Oxford Book of English Verse. Oxford: Oxford
University Press, 1999, p. 246.
47 Ibidem.
48 A expressão usada no original, homing instinct, refere-se à capacidade que certos animais e aves
têm de encontrar o caminho de volta para casa, depois de viajar longas distâncias. [N. T.]
49 John Polkinghorne, One World: e Interaction of Faith and Science [Um único mundo: a interação
entre a fé e a ciência]. Londres: SPCK, 1986, p. 36.
50 Para o que se segue, veja John Polkinghorne, “e New Natural eology”. Studies in World
Christianity, 1, n. 1 (1995): 43–44.
51 John Keats, Complete Poems [Poemas completos], 3. ed. Londres: Penguin, 1988, p. 395.
52 John Polkinghorne, “e New Natural eology”. Studies in World Christianity, 1, n. 1 (1995): 41–
50; citação na p. 43.
53 Bertrand Russell, e Problems of Philosophy [Os problemas da
University Press, 1912, p. 98.
loso a]. Londres: Oxford
54 Ibidem.
55 Ibidem, p. 99.
56 Bertrand Russell, History of Western Philosophy. Londres: George Allen & Unwin, 1946, pp. 673–
674. [Ed. Bras.: História da loso a ocidental. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1982.]
57 Michael B. Foster, “e Christian Doctrine of Creation and the Rise of Modern Science.” Mind, 43
(1934): 446–468.
58 Michael B. Foster, “Christian eology and Modern Science of Nature (II).” Mind, 45 (1936): 1–27;
citação nas pp. 14–15.
59 Michael B. Foster, “Greek and Christian Ideas of Nature”. e Free University Quarterly, 6 (1959):
122–127; citação nas pp. 123–124 (ênfase no original).
C
omo visualizamos sistemas complexos? Como formamos imagens
mentais de entidades não observáveis ao tentarmos entendê-las e
descobrir maneiras de explorá-las ainda mais? Um dos aspectos mais
intrigantes da interface entre ciência e religião é o uso de “modelos”
ou “analogias” como recursos visuais para representar entidades complexas
– seja a entidade em questão um núcleo atômico ou Deus. O lósofo da
ciência Ernan McMullin indica os modelos cientí cos como uma forma de
representar e organizar as observações do mundo, ao chamar a atenção para
suas estruturas ocultas que estão subjacentes a essas observações:
Os cientistas constroem teorias que explicam as características observadas do mundo físico
postulando modelos para a estrutura oculta das entidades que são estudadas. Essa estrutura é
relacionada causalmente aos fenômenos observáveis, e o modelo teórico fornece uma
aproximação dos fenômenos a partir dos quais o poder explicativo do modelo deriva.1
Um argumento semelhante é apresentado pelo lósofo da ciência Peter
Godfrey-Smith, ao ressaltar que o uso cientí co de modelos geralmente
envolve o desenvolvimento de simpli cações deliberadas, projetadas para
tornar os problemas mais tratáveis:
Um modelo é uma estrutura imaginada ou hipotética que descrevemos e investigamos na
esperança de usá-lo para entender algum sistema ou domínio mais “complexo” do mundo real. O
entendimento é obtido por meio de uma relação de semelhança, ou seja, alguma similaridade
relevante entre o modelo e o sistema-alvo do mundo real.2
O argumento de Godfrey-Smith é que modelos não devem ser
representações exatas de uma entidade ou sistema complexos; eles se
assemelham a esse sistema em alguns pontos e, portanto, são capazes de
estimular a formulação de perguntas e métodos de pesquisa planejados para
permitir uma compreensão mais profunda da realidade mais complexa – e,
consequentemente, o desenvolvimento de modelos mais con áveis. No
entanto, esses modelos não precisam ser analogias físicas – como o famoso
modelo do átomo como um “sistema solar”, desenvolvido por Ernest
Rutherford no início do século 20, pois alguns modelos cientí cos assumem
a forma de representações matemáticas.
Neste capítulo, vamos explorar as diferentes maneiras pelas quais esses
“recursos visuais” são desenvolvidos e empregados em ciência e religião. São
eles simplesmente maneiras úteis de visualizar o invisível e o inacessível?
Precisamos ser capazes de imaginar coisas como elétrons, prótons e núcleos
atômicos – e Deus. Ou eles também geram um programa de pesquisa,
abrindo assim novas linhas de investigação, exploração e compreensão?
Os modelos desempenham uma função psicológica importante, na
medida em que permitem aos seres humanos discernir um senso racional
dentro do que muitas vezes parece ser um mundo sem forma e desordenado.
Em 1897, o psicólogo William James destacou a necessidade humana de
encontrar uma maneira de superar a confusão e a uidez conceitual do
mundo pelo uso de modelos e teorias, a m de trazer a sua (presumida)
racionalidade para um foco mais nítido:
Todas as magní cas conquistas das ciências físicas e matemáticas – nossas doutrinas da
evolução, da uniformidade das leis e todo o resto – procedem de nosso desejo indomável de
representar o mundo de uma forma mais racional em nossas mentes do que na forma em que ele
é percebido pela ordem grosseira de nossa experiência. O mundo tem se mostrado, em grande
medida, plástico a essa nossa demanda por racionalidade.3
Contudo, James sugere que essa percepção de ordem, reforçada pelo uso
seletivo de modelos, pode originar-se tanto em nosso desejo de encontrar
estruturas racionais quanto naquilo que o próprio universo revela.
A representação da realidade em ciência e religião é frequentemente
concebida em termos de modelos, metáforas e analogias. Sendo assim, essas
três categorias de representação constituem pontos diferentes em um
espectro essencialmente contínuo de possibilidades intelectuais ou são
abordagens distintas do processo de representação imaginativa? Não
poderiam cientistas ou teólogos estarem enganados em suas concepções,
confundindo as categorias de metáfora e analogia – supondo, antes de mais
nada, que haja uma diferença genuína entre elas? Vários estudiosos tentaram
explicar as diferentes características entre modelos, metáforas e analogias, e
como elas poderiam afetar o uso dessas categorias em ciência e religião. A
lósofa da ciência Daniela Bailer-Jones, por exemplo, aponta como essas três
categorias são empregadas em todas as disciplinas, tornando difícil
estabelecer, de forma precisa, sua natureza e função. Bailer-Jones sugere que
um modelo pode ser pensado como “uma descrição interpretativa de um
fenômeno que facilita o acesso a esse fenômeno”.4 Isso destaca a função
heurística de um modelo e nos ajuda a entender que, ao focar apenas em
certos aspectos do fenômeno, ele produz, na melhor das hipóteses, acesso
parcial ao fenômeno.
Bailer-Jones considera uma metáfora como “uma expressão linguística
na qual pelo menos uma parte da expressão é transferida de um domínio de
aplicação (domínio-fonte), no qual é ela comum, para outro (domínio-alvo)
no qual é incomum, ou provavelmente era incomum em um momento
anterior, quando teria sido nova”.5 Isso enfatiza os aspectos criativos e
imaginativos de uma metáfora e também nos permite entender como as
metáforas podem perder sua força inovadora ao longo do tempo. No caso de
uma analogia, Bailer-Jones aponta para a importância de uma semelhança
entre relações em dois domínios diferentes, ajudando a fazer a transição de
um fenômeno desconhecido ou novo para um conceito familiar ou mais
facilmente compreendido.
Neste capítulo, vamos considerar o uso de modelos, metáforas e
analogias em ciência e religião. É preciso deixar claro desde o início que não
há acordo geral sobre o signi cado dos termos “modelo”, “metáfora” e
“analogia”, e como eles devem ser distinguidos uns dos outros. Para explorar
esta questão, vamos considerar como modelos, metáforas e analogias são
desenvolvidos e usados tanto em ciência quanto em teologia, antes de
explorar como Ian Barbour os aplicou ao caso especí co da ciência e da
religião.
O USO DE MODELOS NAS CIÊNCIAS NATURAIS
Os modelos são geralmente entendidos como formas de pensar ou
representar sistemas complexos, que auxiliam na visualização do sistema e
também fornecem uma maneira provisória de entendê-lo, baseado em algo
que já nos é conhecido. Isso nos permite extrair inferências provisórias e
formular hipóteses testáveis sobre o sistema mais complexo com base em
um modelo mais simples ou mais conhecido.
Como deve ser evidente, a partir da breve análise apresentada acima, a
lósofa da ciência Daniela Bailer-Jones desenvolveu um entendimento
coerente de modelos, metáforas e analogias, embora existam claras zonas de
superposição entre essas categorias. No entanto, os pontos de vista dela
podem não ser compartilhados por cientistas e teólogos, dado o grau
signi cativo de “imprecisão” nas de nições. Em uma série de entrevistas
com cientistas ativos em pesquisa no Reino Unido, Bailer-Jones os convidou
a de nir o que entendiam por modelos cientí cos e como consideravam a
sua função em programas de pesquisa cientí ca. Essas entrevistas apontam
para uma variedade considerável no uso do conceito de modelo.
Em termos gerais, Bailer-Jones descobriu que os cientistas tendem a
pensar em modelos como “simpli cações” do sistema que está sendo
modelado. Para a biogeoquímica Nancy Dise, este é um elemento central de
sua compreensão de um modelo cientí co:
Geralmente, eu consideraria um modelo uma simpli cação do sistema, incorporando os
elementos mais importantes – o que você considera os mais importantes – desse sistema. Assim,
você descreve o sistema, mas não o descreve em todos os detalhes.6
As entrevistas de Bailer-Jones com cientistas atuantes levaram-na a tirar
cinco conclusões gerais sobre como eles entendiam o papel dos modelos em
suas pesquisas, como se segue:7
1. A modelagem é amplamente considerada como central para se fazer
ciência. Trata-se de um afastamento relativamente recente da
preocupação com teorias.
2. Existe uma diversidade considerável em como os modelos são
entendidos, sendo adotadas várias de nições e descrições de
modelos cientí cos.
3. Os modelos são comumente caracterizados por simpli cações e
omissões com o objetivo de “capturar a essência” do que está sendo
modelado.
4. Os modelos são concebidos para propiciar insights, e não fazem isso
por simplesmente descrever dados.
5. Embora os modelos tenham uma variedade de aspectos já
especi cados, espera-se também que sejam submetidos a testes
empíricos.
Como as entrevistas de Bailer-Jones deixam claro, os cientistas naturais
desenvolvem e usam regularmente modelos para representar, pelo menos,
certos aspectos de sistemas complexos. Um modelo é entendido como uma
maneira simpli cada, desenvolvida por pesquisadores com o objetivo
especí co de representar um sistema complexo, permitindo que seus
usuários obtenham uma compreensão maior de, pelo menos, alguns de seus
múltiplos aspectos. Esses modelos são inventados, deliberadamente
construídos para permitir que seus usuários visualizem e interpretem,
mesmo que em parte, um sistema complexo e façam previsões sobre seu
comportamento.
Um dos modelos mais conhecidos é o modelo “planetário” do átomo,
desenvolvido em dezembro de 1910 pelo físico de Cambridge, Ernest
Rutherford. Em vista da importância desse modelo, vamos considerar as
circunstâncias que levaram Rutherford a desenvolvê-lo. A descoberta inicial
que motivou Rutherford a desenvolver seu modelo “planetário” do átomo foi
feita por seus colaboradores Hans Geiger e Ernest Marsden, em 1909. Para
entender esse experimento, precisamos colocá-lo em seu próprio contexto.
O salto conceitual de Rutherford surgiu através de seus estudos de
radioatividade – o processo pelo qual núcleos atômicos instáveis se
decompõem espontaneamente para formar núcleos mais estáveis pela
liberação de energia e partículas subatômicas. Uma das descobertas mais
importantes de Rutherford ocorreu em 1899, quando ele mostrou que
elementos radioativos – como o rádio – emitiam o que ele chamava de “raios
alfa”, “raios beta” e “raios gama”. Mais tarde, compreendeu-se que os
chamados “raios alfa”, na realidade, eram núcleos de hélio com carga
positiva, os “raios beta” eram elétrons com carga negativa e os “raios gama”
eram radiação eletromagnética de alta energia.
Em 1904, após a descoberta do elétron, o físico britânico J. J. omson
propôs o que cou conhecido como o modelo “pudim de passas” do átomo.
omson sugeriu que os átomos eram análogos à conhecida iguaria inglesa,
o “pudim de passas”, no qual os elétrons carregados negativamente (as
passas) estariam espalhados através de uma matriz esférica positiva (o
pudim como um todo). O modelo de omson acomodava com sucesso as
duas descobertas empíricas sobre átomos que eram conhecidas no
momento: que os elétrons são partículas com carga negativa e que os átomos
não têm carga elétrica efetiva. O conceito de um “núcleo atômico” denso e
central não era conhecido por omson. Para omson, o átomo consistia
num volume sólido redondo, que era carregado positivamente. Os elétrons
estavam embutidos nesse volume sólido. A carga negativa geral dos elétrons
era balanceada com precisão pela carga positiva total do volume sólido, de
modo que o próprio átomo não carga efetiva.
Em uma série de experimentos entre 1908 e 1913, Rutherford e seus
jovens colegas, Hans Geiger e Ernest Marsden, analisaram como partículas
alfa carregadas positivamente (a esta altura, o termo “raios” havia sido
eliminado) eram de etidas quando impactavam átomos de ouro. Um feixe
de partículas alfa era projetado sobre tiras de folhas de ouro, com apenas
alguns átomos de espessura, medindo-se a amplitude da de exão do feixe
em relação à direção original. Com base no modelo de átomo de omson,
era previsto que o uxo de partículas alfa seria consistentemente desviado de
alguns graus da sua trajetória original. As partículas alfa e o núcleo atômico
eram carregados positivamente. Quando uma partícula alfa se aproximava
do núcleo, experimentava repulsão eletrostática e, portanto, era de etida.
Geiger e Marsden, no entanto, descobriram que a maioria das partículas
alfa passava pela folha de ouro sem quase nenhuma de exão, embora um
número pequeno (cerca de 1 em 8.000) fosse desviado de ângulos muito
grandes. Rutherford cou surpreso com esse resultado e percebeu que era
necessária uma nova maneira de pensar sobre a estrutura do átomo.
Foi o evento mais incrível que já aconteceu comigo em minha vida. Era quase tão incrível quanto
se você disparasse uma bomba de 15 polegadas sobre um pedaço de papel de seda e ela voltasse e
atingisse você. [...] Vi que era impossível obter algo dessa ordem de magnitude, a menos que
você adotasse um sistema no qual a maior parte da massa do átomo estivesse concentrada em
um minúsculo núcleo. Foi então que tive a ideia de um átomo com um centro massivo diminuto,
carregando uma carga.8
Rutherford percebeu que esse resultado completamente inesperado
signi cava que a massa do átomo não estava uniformemente dispersa pelo
átomo, mas estava altamente concentrada em uma região extremamente
pequena de carga positiva (o núcleo), cercada por elétrons. O átomo não
consistia numa substância uniformemente densa, mas tinha um núcleo
superdenso cercado por espaço vazio. Era, portanto, necessária uma nova
maneira de visualizar o átomo, o que ajudaria a criar experimentos para
esclarecer melhor sua estrutura e propriedades.
O novo modelo de átomo de Rutherford retratava o núcleo como seu
centro de massa, com elétrons dispersos no espaço ao seu redor – de certa
forma análogo ao Sol como o centro do sistema solar. Imaginar um átomo
como um sistema solar em miniatura ajudou a visualizar a estrutura do
átomo, pois era isso o que estava sendo revelado pela de exão das partículas
alfa. O átomo consiste num corpo central (o núcleo), no qual está
concentrada praticamente toda a sua massa. Os elétrons orbitam esse núcleo
da mesma maneira que os planetas orbitam o Sol. Embora as órbitas dos
planetas fossem determinadas pela atração gravitacional do Sol, Rutherford
argumentava que as órbitas dos elétrons eram determinadas pela atração
eletrostática entre os elétrons carregados negativamente e o núcleo
carregado positivamente. O modelo era visualmente simples, fácil de
entender e oferecia uma estrutura teórica que explicava pelo menos parte do
comportamento conhecido dos átomos naquele momento.
Depois que um modelo é construído e testado, ele pode ser desenvolvido
de forma a incluir algumas características mais complicadas do sistema, que
foram inicialmente ignoradas em sua construção. Para nos ajudar a re etir
sobre esse assunto, vamos considerar agora um dos mais simples e mais
conhecidos modelos cientí cos – o “modelo cinético” dos gases.
O MODELO CINÉTICO DOS GASES
O comportamento dos gases foi estudado em detalhes a partir do século
17, particularmente pelo físico inglês Robert Boyle e pelo físico e inventor
francês Jacques Charles (cujas invenções incluíram o balão de hidrogênio,
em 1783). Uma série de experimentos examinava a maneira como os gases
se comportavam quando tinham pressão, volume e temperatura alterados.
Em termos gerais, o volume de um gás é inversamente proporcional à sua
pressão e diretamente proporcional à sua temperatura, expressa em kelvin.
Os experimentos detalhados de Boyle e Charles mostraram que o
comportamento dos gases poderia ser descrito em termos de uma série de
leis que se aplicavam a todos os gases a baixas pressões, independentemente
de sua identidade química. As duas leis mais famosas são conhecidas como
“Lei de Boyle” e “Lei de Charles”, podendo ser formuladas do seguinte
modo:
Lei de Boyle: pV = constante
Lei de Charles: V = constante × T
Onde p é a pressão do gás, V seu volume e T sua temperatura, expressa
em termos da escala de temperatura criada por Lord Kelvin, segundo a qual
0° centígrado é 273,15 kelvin. (Essa escala identi ca a temperatura de “zero
absoluto” como -273,15 °C.) A “equação do gás perfeito”, que combina essas
duas leis e outras observações, pode ser formulada como:
pV = nRT
Onde R é a constante dos gases (8,31446 J K−1 mol−1) e n o número de
moles de gás presente. Essa equação é válida universalmente,
independentemente da identidade do gás em questão.
Então, como esse comportamento pode ser explicado? O “modelo
cinético” dos gases oferece uma maneira de visualizar um gás ideal,
permitindo que seu comportamento seja previsto e compreendido. O termo
“cinético” vem do vocábulo grego kinesis (“movimento”) e refere-se à
característica principal desse modelo de gás – isto é, que as moléculas de gás
se movem e, portanto, não são estáticas. O “modelo cinético” é baseado em
três suposições básicas:
1. Um gás consiste em moléculas em movimento aleatório incessante,
que não interagem de maneira alguma (por exemplo, sendo atraídas
uma pela outra por sua massa ou repelidas uma da outra por uma
carga eletrostática).
2. O tamanho das moléculas é desprezível, pois seu diâmetro é
considerado insigni cante em comparação com a distância média
percorrida pela molécula entre as colisões.
3. Ao atingir as paredes de seu recipiente, as moléculas do gás sofrem
colisões perfeitamente elásticas, nas quais a energia cinética
translacional da molécula permanece inalterada. Em outras
palavras, supõe-se que as moléculas do gás não se tornem mais
lentas como resultado das colisões com as paredes do recipiente.
De fato, o modelo sugere que pensemos nas moléculas de gás como
bolas de sinuca ou bilhar, movendo-se dentro de um recipiente e colidindo
constantemente com suas paredes. É bastante fácil usar esse modelo para
prever como a pressão, o volume e a temperatura estão relacionados. Por
exemplo, a pressão no recipiente pode ser calculada em termos da taxa de
variação de momentum das moléculas de gás. As leis dos gases mencionadas
acima podem ser derivadas teoricamente com base nesse modelo de gases,
sugerindo que a teoria cinética é um bom modelo básico para esses sistemas.
O modelo é muito simples e, portanto, não leva em consideração
algumas características mais complexas do comportamento dos gases. Por
exemplo, ele presume que o volume ocupado por moléculas de gás seja
desprezível, de modo que a parte do volume total de gás ocupado por essas
moléculas possa ser desconsiderada nos cálculos. Embora isso seja verdade a
baixas pressões, torna-se uma complicação mais séria a pressões mais altas.
O modelo também ignora colisões e forças intermoleculares (que são
insigni cantes à baixa pressão) e se concentra na maneira como essas
moléculas impactam as paredes do recipiente. Os termos “gás perfeito” ou
“gás ideal” são usados para deixar claro que essa simplicidade teórica não é
realmente observada em gases reais!
Esse modelo pode ser mais so sticado, para permitir que os aspectos
mais complicados do sistema sejam modelados. Como observado, o modelo
não leva em conta o fato de que as moléculas de gás têm um tamanho
de nido. Este fato pode ser ignorado em baixas pressões; a altas pressões, no
entanto, o volume ocupado pelas moléculas de gás começa a se tornar
signi cativo. Isso pode ser incorporado à modelagem matemática do
sistema da seguinte maneira. Anteriormente, vimos como o comportamento
dos gases poderia ser previsto usando a seguinte fórmula:
pV = nRT
Essa fórmula assume que as moléculas de gás são de tamanho
desprezível. Um pequeno ajuste na fórmula permite levar em consideração o
tamanho nito das moléculas. Se b é o volume real ocupado pelas moléculas
de gás, então o comportamento desse gás é dado pela fórmula:
P(V-b) = nRT
Esse padrão é uma característica básica do desenvolvimento e da
aplicação de modelos cientí cos. Os aspectos básicos do padrão que
emergem podem ser de nidos da seguinte maneira:
1. O comportamento de um sistema é investigado e alguns padrões são
observados – por exemplo, que a compressão de um gás leva a um
aumento de sua temperatura.
2. É desenvolvido um modelo, que visa explicar as observações mais
importantes sobre o modo como o sistema se comporta.
3. O modelo apresenta fragilidades em vários pontos, geralmente
devido à sua simplicidade.
4. O modelo pode então se tornar mais complexo, a m de levar em
conta essas fragilidades.
Os modelos são formas claramente úteis de visualizar ou entender
sistemas complexos. No entanto, eles podem ser mal interpretados. Dois
mal-entendidos podem surgir através do uso de modelos nas ciências
naturais. Primeiro, alguns assumem que os modelos são idênticos aos
sistemas aos quais estão associados. O modelo atômico de Rutherford nos
ajuda a entender algumas das características dos átomos – como a
concentração de massa em um espaço muito pequeno – se pensarmos neles
como sistemas solares em miniatura, com elétrons orbitando um núcleo
central como planetas orbitando o Sol. No entanto, isso é simplesmente uma
representação visual útil de um átomo, que auxilia na explicação e na
interpretação. Isso deve ser levado a sério (na medida em que claramente
tem alguma relação com o sistema que está sendo modelado); não é, no
entanto, para ser tomado literalmente.
O segundo erro que pode ser cometido é assumir que todos os aspectos
do modelo estão necessariamente presentes no sistema que está sendo
modelado. O modelo e o sistema que está sendo modelado se parecerão de
algumas maneiras, mas não de outras. Para nos ajudar a entender esse
segundo ponto, vamos considerar um excelente exemplo desse problema – a
suposição de que, como o som parecia ser uma analogia útil para a luz e o
som exigia um meio pelo qual viajar, isso também se aplicaria à luz.
COMPLEMENTARIDADE: LUZ ENQUANTO ONDA E PARTÍCULA
Os físicos do século 18 discordavam sobre a natureza da luz. Alguns
consideraram que eram feixes de pequenas partículas; outros consideravam
a luz uma forma de movimento ondulatório. Em sua obra Óptica (1704),
Newton considerava que um feixe de luz consistia numa série de pequenas
partículas movendo-se rapidamente, ou “corpúsculos” (do termo latino
corpuscula, “pequenos corpos”). O re exo da luz por um espelho era
análogo a atirar bolas contra uma parede e observá-las quicar de volta. O
físico holandês Christiaan Huygens discordava, argumentando que a luz era
composta de ondas e que alguns aspectos de seu comportamento eram mais
bem-explicados com base nesse modelo.
A teoria corpuscular da luz, de Newton, passou a dominar a física
durante o século 18. Isso levou a duas previsões importantes. A primeira
dessas previsões foi feita pelo cientista natural inglês John Mitchell em um
artigo apresentado à Sociedade Real, em 1783. Como a luz consistia num
feixe de partículas que seria atraído pela força gravitacional de uma estrela,
Mitchell argumentou que algumas estrelas poderiam ser tão massivas, que
suas forças gravitacionais impediriam que os feixes de luz deixassem suas
superfícies. Como a famosa maçã de Newton, essas partículas de luz
simplesmente cairiam no chão. Mitchell propôs, assim, a existência de
“estrelas escuras”, que não podiam ser vistas porque a luz seria incapaz de se
libertar da força de sua gravidade. Os cálculos de Mitchell sugeriram que
isso aconteceria se a estrela tivesse 500 vezes a massa do nosso Sol. Hoje,
essas estrelas escuras são conhecidas como “buracos negros”.
Segunda, se a luz consistisse num feixe de partículas, a teoria da
gravitação de Newton previa que essas partículas viajariam em linha reta, a
menos que fossem desviadas pela gravidade. Em 1804, o matemático alemão
Johann Georg von Soldner publicou um artigo calculando a quantidade pela
qual um feixe de luz seria desviado pelo campo gravitacional de uma estrela
– como o Sol. Von Soldner concluiu que o efeito previsto era pequeno
demais para ser observado pelos instrumentos de seu tempo; assim,
ninguém levou adiante esse assunto.
Porém, durante o século 19, um crescente corpo de evidências
experimentais sugeriu que a luz era melhor compreendida como um
movimento de onda. Em 1801, o físico inglês omas Young concebeu o
experimento da “dupla fenda”, sugerindo que a luz se comporta como
ondulações ou ondas em um lago de água. Em meados do século 19, esse
modo de pensar sobre a luz ganhou ascendência. A luz, como o som, era
entendida como uma forma de movimento ondulatório.
Muitos físicos passaram a enfatizar a analogia entre luz e som e tirar
disso conclusões que hoje são consideradas arriscadas e
superdimensionadas. O som requer um meio – como ar ou metal – pelo
qual viajar. Se uma fonte de som – como uma campainha – for colocada em
um recipiente de vidro e o ar for bombeado para fora, a intensidade do som
diminuirá gradualmente e nalmente desaparecerá. O som precisa se
propagar através de algo e não pode viajar no vácuo. Muitos físicos
concluíram que, como o som precisava de um meio para ser transmitido e a
luz era análoga ao som, a luz também precisava de um meio para ser
transmitida. Mas o quê? O termo “éter luminífero” (“luminífero” signi ca
“que dá suporte à luz”) foi usado para se referir a essa substância invisível
que, segundo se acreditava, preenchia o espaço vazio e, portanto, permitia
que a luz viajasse através do espaço.
Entretanto, esse aspecto da analogia acabou revelando-se incorreto. A
luz não precisa viajar através de nenhum meio. Não existe nenhum “éter”. O
experimento de Michelson-Morley, de 1887, foi projetado para detectar o
“vento etéreo” – isto é, o resultado do movimento do éter em relação à Terra,
à medida que a Terra se movia pelo espaço. Esse experimento falhou,
embora tenha levado algum tempo para que a implicação do resultado
negativo fosse totalmente aceita e compreendida pela comunidade cientí ca.
Ou o éter estava totalmente em repouso com relação ao movimento da Terra
ou não existia. Ao nal, foi preciso aceitar que não havia suporte
experimental para a existência do “éter luminífero”. Pelo menos a esse
respeito, havia uma distinção fundamental entre luz e som.
Tudo mudou em 1905, quando Albert Einstein propôs uma explicação
teórica brilhante para o efeito fotoelétrico, ao sugerir que, sob certas
condições, a luz se comportava como um feixe de partículas. Einstein teve o
cuidado de dar a essa ideia um caráter instrumental – em outras palavras,
era uma maneira útil de pensar sobre a luz. No entanto, ela rapidamente se
transformou em uma descrição realista da luz como um uxo do que mais
tarde passou a ser conhecido como “fótons”.
O “efeito fotoelétrico” foi observado pela primeira vez em 1887 pelo
físico alemão Heinrich Hertz e investigado detalhadamente mais tarde pelo
colega de Hertz, Philipp Lenard. Em um artigo de 1902, Lenard mostrou
que, se um feixe de luz fosse projetado sobre certos metais, ele era capaz de
ejetar elétrons da superfície de alguns deles. Os experimentos de Lenard
revelaram que a taxa de emissão de elétrons da superfície do metal era
diretamente proporcional à intensidade da luz projetada sobre ele. Quanto
mais brilhante a luz, mais elétrons eram deslocados da superfície do metal.
Porém, Lenard descobriu também que o brilho ou a intensidade do feixe de
luz projetado na superfície do metal parecia não afetar a energia desses
elétrons emitidos. Os elétrons emitidos pela exposição a uma luz muito
brilhante apresentavam a mesma energia que os emitidos pela exposição a
uma luz muito fraca. Além disso, os fotoelétrons eram emitidos apenas se a
frequência da luz excedesse um limiar de frequência, que variava de um
metal para outro.
Essas observações não faziam sentido dentro dos entendimentos então
existentes sobre a natureza da luz. Einstein argumentou que o efeito
fotoelétrico era melhor entendido em termos de uma colisão entre um
pacote de energia semelhante a uma partícula incidente (isto é, luz) e um
elétron próximo à superfície do metal. O elétron só poderia ser ejetado do
metal se os pacotes de luz incidentes (ou feixes de energia semelhantes a
partículas, agora conhecidos como “fótons”) tivessem energia su ciente para
desalojar esse elétron. O fator crítico que determina se um elétron é ejetado
não é a intensidade da luz, mas sua frequência. Além disso, se a energia do
pacote de luz que chega é menor que certa quantidade (a “função trabalho”
do metal em questão), nenhum elétron será emitido, independentemente da
intensidade do bombardeio com a luz. Foi uma peça de análise brilhante e
levou Einstein a receber o Prêmio Nobel de Física em 1921 “por seus
serviços à Física Teórica e, especialmente, por sua descoberta da Lei do
Efeito Fotoelétrico”.
A sugestão de Einstein enfrentou intensa oposição antes da Primeira
Guerra Mundial, principalmente porque parecia envolver o abandono do
entendimento clássico predominante de exclusividade total entre ondas e
partículas: algo poderia ser uma ou outra coisa – mas não ambas.
Gradualmente, a visão de Einstein ganhou aceitação, de modo que a luz
agora é pensada em termos de “fótons”, que apresentam tanto as
propriedades de ondas quanto de partículas. O comportamento da luz, às
vezes, é melhor explicado como uma partícula e, outras vezes, como uma
onda. Então, como o comportamento da luz deve ser expresso em termos de
sua ontologia? Em outras palavras, qual é a natureza da luz?
Na década de 1920, cou claro que o comportamento da luz era tal, que
precisava ser explicado através de um modelo ondulatório quanto a alguns
aspectos e através de um modelo corpuscular quanto a outros. O trabalho de
Louis de Broglie sugeriu que até mesmo a matéria deveria ser considerada
como uma onda sob algumas circunstâncias. Essas teorias levaram o físico
teórico dinamarquês Niels Bohr a desenvolver o seu conceito de
“complementaridade”. Para Bohr, os modelos clássicos de “ondas” e
“partículas” eram ambos necessários para explicar o comportamento da luz
e da matéria. Isso não signi ca que os elétrons “são” partículas ou que “são”
ondas; signi ca que, o quer que sejam em última instância, seu
comportamento pode ser descrito com base em modelos de ondas ou de
partículas, e que uma descrição completa desse comportamento requer que
sejam usadas duas maneiras mutuamente exclusivas de representá-los.
Não se trata aqui de um expediente intelectualmente super cial e
preguiçoso de a rmar duas opções mutuamente exclusivas em vez de tentar
determinar qual é a superior. Como já foi enfatizado, trata-se – para Bohr –
do resultado inevitável de uma série de teorias e experimentos críticos que
demonstraram a impossibilidade de representar a situação de qualquer outra
maneira. Em outras palavras, Bohr sustentava que os dados experimentais à
sua disposição o forçaram a concluir que uma situação complexa (o
comportamento da luz e da matéria) tinha que ser representada usando dois
modelos aparentemente contraditórios e incompatíveis. Esse princípio de
reunir dois modelos aparentemente inconciliáveis de um fenômeno
complexo a m de explicar seu comportamento é conhecido como o
“princípio da complementaridade”.
RACIOCÍNIO ANALÓGICO: GALILEU E AS MONTANHAS DA LUA
Galileu Galilei é amplamente considerado – e com razão – um dos mais
importantes pesquisadores cientí cos do início da Era Moderna, e está
particularmente associado às principais descobertas astronômicas através do
uso do então recém-inventado telescópio. Galileu foi o primeiro a observar
as quatro principais luas do planeta Júpiter durante o inverno de 1609-1610,
a densa estrutura estrelada da Via Láctea e as montanhas da Lua.
No entanto, essas declarações familiares precisam de uma exploração
mais aprofundada. Galileu realmente observou montanhas na Lua? A nal,
seu telescópio só lhe permitia estudar a superfície da Lua em duas
dimensões. O que Galileu realmente observou através de seu telescópio foi a
mudança nos padrões de claro e escuro na superfície da Lua, que
posteriormente interpretou como evidência da existência de montanhas,
análogas às encontradas na Terra. Ele interpretou suas observações sobre os
padrões variáveis de claro e escuro na face da Lua como resultado da
mudança da posição do Sol enquanto a Lua orbitava ao redor da Terra, de
modo que as sombras lançadas pelas montanhas lunares variavam em
extensão e intensidade durante o período da órbita da Lua ao redor da Terra.
Em um estudo cuidadoso da estrutura lógica da conclusão de Galileu, de
que ele estava observando montanhas na superfície da Lua e não
simplesmente mudanças nos padrões de claro e escuro, a historiadora e
lósofa da ciência Marta Spranzi identi cou os elementos centrais do
argumento analógico que o levou a essas conclusões:9
1. Estamos familiarizados com o fenômeno terrestre de montanhas e
planícies iluminadas pelo Sol de diferentes maneiras, levando a
diferentes padrões de luz e sombra.
2. Suponha que fôssemos capazes de nos colocar a alguma distância da
Terra – por exemplo, na superfície da Lua. O que veríamos se
observássemos esses padrões de mudança na face da Terra? Como
eles seriam se os desenhássemos em duas dimensões? Sabe-se que
Galileu fez isso, usando seu conhecimento do uso de perspectiva na
arte. Embora essa imagem represente uma realidade imaginada,
Galileu estava seguro de que a teoria renascentista da perspectiva
era su cientemente con ável para permitir que isso fosse feito.
3. Agora, suponha que devêssemos desenhar as diferentes imagens das
sombras e manchas de luz que observamos na Lua usando um
telescópio em momentos diferentes durante sua órbita ao redor da
Terra. Novamente, sabe-se que Galileu fez isso.
4. Agora, imagine que esses dois desenhos – uma representação real da
superfície da Lua vista através de um telescópio e uma
representação imaginada de montanhas terrestres vistas à distância
– fossem comparados. Eles não seriam signi cativamente
semelhantes, se não idênticos?
5. Por raciocínio analógico, podemos concluir que os desenhos que
zemos da Lua indicam que estamos realmente observando a
presença de montanhas e vales na superfície lunar.
Galileu expõe esse argumento em detalhes em sua obra Mensageiro
Sideral (1610), observando como os padrões vistos na superfície da Lua
parecem ser cumes, iluminados de diferentes maneiras pela luz do Sol.
Um grande número de pequenos pontos escuros, totalmente separados da parte escura, está
distribuído por toda parte em quase toda a região [da Lua] já banhada pela luz do Sol. [...] Todos
esses pequenos pontos que acabamos de mencionar sempre concordam com isso: eles têm uma
parte escura no lado direcionado ao Sol, enquanto no lado oposto ao Sol são coroados com
bordas mais resplandecentes, como cumes brilhantes.10
Galileu argumenta que esse padrão já é conhecido das montanhas
terrestres.
Temos uma visão quase inteiramente semelhante na Terra, próximo ao nascer do Sol, quando os
vales ainda não estão banhados pela luz, mas as montanhas ao redor do Sol já são vistas
brilhando com a luz. [...] Assim como as sombras dos vales terrestres diminuem à medida que o
Sol se eleva, essas manchas lunares perdem a escuridão à medida que a parte luminosa cresce.
[...] Ora, na Terra, antes do amanhecer, os picos das montanhas mais altas não são iluminados
pelos raios de Sol enquanto as sombras ainda cobrem a planície?11
Galileu se referia às áreas planas da superfície lunar como “mares”.
Novamente, seu processo de argumentação é analógico. Na Terra, as coisas
mais próximas a essas características lunares são os oceanos. No entanto,
Galileu deixou claros os limites dessa analogia: não havia razão para supor
que esses “mares” lunares contivessem água. As analogias funcionam dentro
de limites; é importante identi cá-los e respeitá-los.
Esse argumento da analogia é parte integrante do método cientí co.
Padrões intrigantes no mundo natural podem ser explicados, pelo menos
em parte, propondo uma analogia com um conjunto conhecido de
observações. Esse processo é subjacente à proposta de Darwin de um
processo de “seleção natural” dentro do campo biológico, de alguma forma
paralelo ao processo de “seleção arti cial” que foi amplamente utilizado na
agricultura britânica na década de 1850. Em vista de sua importância, vamos
explorar isso com mais detalhes na seção a seguir.
USANDO MODELOS CIENTÍFICOS DE FORMA CRÍTICA: O PRINCÍPIO DA SELEÇÃO
NATURAL, DE DARWIN
Em sua obra Origem das Espécies (1859), Charles Darwin propôs a
“seleção natural” como o processo subjacente que explicava o fenômeno da
evolução biológica. O gênio de Darwin não estava em mostrar que a
evolução biológica ocorreu, mas em sugerir um mecanismo por trás dela. O
modo como Darwin desenvolveu a noção de “seleção natural” é de
particular interesse, pois ilustra claramente algumas das questões que
surgem pelo uso de analogias ou metáforas no desenvolvimento de teorias
cientí cas. Darwin viu sua tarefa como a de entender a desconcertante
diversidade de plantas e animais, vivos e extintos, que geralmente eram uma
fonte de mistério para aqueles que o precederam.
O primeiro capítulo de Origem das Espécies examina a “seleção arti cial”
– a maneira pela qual criadores pro ssionais e jardineiros criam novas
formas de gado e de plantas domésticas. Darwin argumenta que esse
processo de “seleção arti cial”, familiar aos seus leitores, era análogo a um
processo de “seleção natural” que acreditava estar ocorrendo dentro da
própria natureza por longos períodos de tempo. (O termo “seleção natural”
aparece pela primeira vez nos escritos de Darwin após março de 1840,
quando ele leu um manual padrão de manejo de gado, intitulado Cattle:
eir Breeds, Management and Diseases [Gado: suas raças, manejo e
doenças], que explicava os métodos e resultados da seleção arti cial.)
Darwin introduziu o termo “seleção natural” como um meio metafórico
e não literal de se referir a um processo que acreditava ser o meio mais
convincente de explicar os padrões de diversidade observados por ele na
natureza.
Todas as minhas noções sobre como as espécies mudaram derivam de um longo e continuado
estudo dos trabalhos de agricultores e horticultores; e creio que vejo meu método com muita
clareza nos meios utilizados pela natureza para modi car suas espécies e adaptá-las às
maravilhosas e requintadamente belas contingências às quais todos os seres vivos estão
expostos.12
Essa passagem é signi cativa por dois motivos. Primeiro, ela deixa claro
que Darwin via claramente uma analogia entre o conhecido processo de
“seleção arti cial” e o processo inferido ou proposto – mas não observado e
intrinsecamente inobservável – de seleção natural. Segundo, ela implica
também a noção de um processo consciente de seleção. Em alguns
momentos, Darwin fala explicitamente da natureza modi cando sua espécie
e adaptando-a. Aparentemente, é permitido que a analogia implique que a
seleção ativa do criador de animais ou plantas, de alguma maneira, encontre
paralelo dentro da própria natureza. Isso é certamente sugerido por suas
frequentes referências à “natureza” como um agente que “seleciona”
ativamente boas variantes.
Mas essa analogia não está sendo levada longe demais? Pode-se falar de
a natureza “selecionar” alguma coisa, quando “seleção” parece implicar
propósito, escolha e inteligência? O colega de Darwin, Alfred Russell
Wallace, foi um dos muitos que caram alarmados com a aparente sugestão
de Darwin de um processo ativo de seleção por parte de uma natureza
personi cada, que fosse então entendida como tendo poderes de análise
racional e um objetivo intencional.
A analogia da “seleção natural” desenvolvida por Darwin transfere
noções de intenção, seleção ativa e propósito nal do modelo (os
procedimentos estabelecidos de seleção arti cial) para aquilo que o modelo
pretende explicar ou iluminar (a ordem natural). Tanto no nível verbal
quanto no conceitual, o conceito antropomór co de “propósito” é mantido,
apesar da aparente intenção de Darwin de eliminar qualquer noção de
propósito ou design deliberado. O próprio Darwin percebeu os perigos de
sua maneira um tanto antropomór ca de falar sobre “natureza” e
acrescentou um prefácio à terceira edição da Origem das Espécies (1861), no
qual enfatizou que a ideia de “seleção natural” não implicava que a natureza
escolhesse o que desejava produzir.
O uso de Darwin da analogia da “seleção natural” ilustra
adequadamente os aspectos positivos e negativos de um argumento a partir
da analogia. Positivos, porque a analogia permite que uma situação
complexa seja iluminada ou parcialmente compreendida por um apelo a um
evento, processo ou ação conhecido e compreendido. Mas também
negativos, porque pode levar à transferência de aspectos inadequados do
modelo para aquilo que o modelo pretende explicar. Darwin claramente não
pretendia que seus leitores entendessem que a natureza agia intencional e
racionalmente na “seleção” de variantes. No entanto, como Darwin veio a
descobrir, era precisamente isso que a analogia sugeria a muitos de seus
leitores.
Uma analogia vívida pode facilmente ser mal compreendida. As
evidências sugerem que pelo menos alguns dos leitores de Darwin não
perceberam que a “seleção natural” era uma metáfora e a viam como uma
verdade literal, implicando que a natureza escolhia ativamente seus
resultados preferidos. Sabemos como Darwin queria que seus leitores
interpretassem a metáfora da “seleção natural”. Como observamos
anteriormente, Darwin adicionou um prefácio explicativo à terceira e
subsequente edição de Origem das Espécies, esclarecendo – e, portanto,
restringindo – o signi cado de “seleção natural”. Suas palavras merecem um
estudo atento neste momento:
Vários autores compreenderam mal ou se opuseram ao termo Seleção Natural. [...] Outros
objetaram que o termo seleção implica em escolha consciente dentre os animais que são
modi cados; e até se insistiu que, como as plantas não têm vontade, a seleção natural não lhes é
aplicável! No sentido literal da palavra, sem dúvida, seleção natural é um termo falso; mas quem
já se opôs aos químicos falando das a nidades eletivas dos vários elementos? E também não se
pode dizer estritamente que um ácido elege a base com a qual preferencialmente se combina. Foi
dito que falo da seleção natural como um poder ativo ou Deidade; mas quem se opõe a um autor
que fala da atração da gravidade como governando o movimento dos planetas? Todo mundo
sabe o que signi ca e está implícito em tais expressões metafóricas; e elas são quase necessárias
por brevidade. Então, novamente, é difícil evitar personi car a palavra Natureza; mas, por
Natureza, quero dizer apenas a ação e o produto agregados de muitas leis naturais, e por leis a
sequência de eventos, conforme apurado por nós.
Esta passagem é de considerável importância, devido à sua a rmação
explícita da natureza analógica ou metafórica do termo “seleção natural”. É
um “termo falso” – isto é, um termo que não pode ser forçado para seus
limites literais de signi cado. Darwin deixa claro que, embora a metáfora
pareça endossar e abraçar as ideias de “escolha ativa” e certa personi cação
do agente de seleção (que poderia ser considerado essencial para a noção de
“seleção”), ele não pretendia a rmar essas coisas ao usar o termo “seleção
natural”.
Então, o que acontece se nos for apresentada uma analogia para algo que
não podemos ver diretamente – como Deus ou salvação – e tivermos que
descobrir como interpretá-la por conta própria? Darwin teve oportunidade
de interpretar sua própria analogia em benefício de seus leitores. Porém, no
caso das analogias religiosas, para as quais nos voltamos agora, não há
intérprete com autoridade que possa nos dizer com precisão como a
analogia de Deus como “pastor” ou a de salvação como “adoção” deve ser
interpretada. Como cará claro, isso nos ajuda a entender por que modelos,
metáforas e analogias religiosos são tão poderosos em seu apelo à
imaginação, mas resistentes a permitir interpretações rígidas.
O USO DE MODELOS E METÁFORAS NA TEOLOGIA CRISTÃ
O cristianismo, como a maioria das religiões, usa linguagem analógica
ou metafórica para falar sobre Deus e temas relacionados – como a natureza
da salvação. Por quê? Porque essas realidades excedem a capacidade da
mente humana de compreendê-las. Por esse motivo, essas realidades
precisam ser adaptadas às habilidades humanas – um processo conhecido
como “acomodação”. A Bíblia cristã e a longa tradição de re exão sobre esse
texto fazem uso extensivo de analogias e modelos, claramente destinados a
transmitir ideias sobre Deus de maneiras simples e acessíveis. Isso tem dois
resultados signi cativos, ambos importantes para qualquer entendimento do
uso religioso de modelos ou analogias. Primeiro, essas analogias são vistas
como formas con áveis, mas incompletas de pensar sobre Deus ou sobre a
transcendência. Segundo, há muito mais em Deus ou na transcendência do
que essas analogias são capazes de transmitir. A mente humana é incapaz de
compreender Deus completamente e apenas parcialmente consegue alcançar
a realidade de Deus, de maneira que seja informada e guiada pelo uso
apropriado de modelos, analogias e metáforas.
Isso imediatamente coloca a questão do “mistério” – aqui entendido não
como algo enigmático, mas algo tão vasto ou complexo, que a mente
humana luta para concebê-lo. Quando confrontados com essa situação,
tendemos a reduzir o mistério para algo com o qual podemos lidar,
limitando efetivamente Deus ao nível de nossas concepções, ao invés de
expandir nossas concepções para que elas possam apresentar a natureza de
Deus mais efetivamente. O teólogo suíço Emil Brunner estava atento à
tendência humana de reduzir Deus ao que consideramos intelectualmente
administrável. Ele defendia, por exemplo, que a doutrina da Trindade
deveria ser vista como uma “doutrina de segurança”, pensada para nos
impedir de diluir ou distorcer a majestade e a glória de Deus por meio de
nossas tentativas bem-intencionadas de tornar Deus inteligível. Voltaremos
a este ponto mais adiante neste capítulo.
Contudo, o uso de analogias e metáforas na teologia também destaca a
importância da imaginação humana na re exão religiosa. Imagens de
quaisquer tipos nos convidam ao engajamento, tornando a re exão mais
aberta, ao invés de fechá-la. Muitos autores do Iluminismo que endossavam
a busca da Era da Razão por respostas objetivas e concisas às perguntas
resistiram ao uso de metáforas, preocupados com sua uidez conceitual. O
lósofo político do século 17, omas Hobbes, por exemplo, falava das
metáforas como “palavras sem sentido e ambíguas”, de modo que “raciocinar
sobre elas é perambular entre inúmeros absurdos”.13 O que Hobbes via como
vício, outros viam como virtude – uma capacidade de permitir a exploração
imaginativa de uma imagem, identi cando seus múltiplos signi cados
possíveis e explorando como eles poderiam ser avaliados e aplicados.
Então as analogias são apenas ilustrações úteis, sem conexão ontológica
com o que são usadas para explicar? Ou há algo mais profundo
acontecendo, de modo que analogias ou metáforas devem ter alguma
conexão com o que signi cam? Muitos teólogos argumentam que o uso
especi camente cristão de metáforas está enraizado em uma doutrina da
criação que confere a certos aspectos do mundo natural e social a
capacidade de expressar Deus como seu criador. A seguir, exploraremos essa
ideia, que é frequentemente denominada “analogia do ser” (do latim
analogia entis). Sua formulação mais conhecida é encontrada nos escritos do
teólogo do século 13, Tomás de Aquino.
Tomás de Aquino sobre a Analogia Entis (“Analogia do Ser”)
Como podemos descrever Deus usando termos humanos? Muitos
argumentam que isso limita Deus ao reino do humano ou do natural e deixa
de levar em conta a transcendência de Deus em relação à ordem natural. Se
eu dissesse “Deus é bom”, correria o risco de descrever ou mesmo de nir
Deus em termos de concepções humanas de bondade, que geralmente são
falhas e egoístas. Por esse motivo, Tomás de Aquino argumentou que os
termos aplicados a Deus não podem signi car exatamente o mesmo que se
fossem aplicados às coisas no mundo da experiência humana. Por esse
motivo, Tomás argumenta que as palavras que usamos para nos referir a
Deus devem ser analógicas, usadas em sentidos diferentes, mas relacionados
aos encontrados na vida cotidiana.
Tomás, dessa forma, a rmou a natureza analógica da linguagem
teológica. Quando digo que “Deus é bom”, não estou de nindo Deus pelos
padrões humanos de bondade, como se houvesse uma correspondência
direta entre a bondade divina e a humana. Estou dizendo que há uma
relação analógica – uma similaridade, mas não uma identidade – entre essas
noções. Isso nos permite evitar duas maneiras inadequadas de falar sobre
Deus – a univocidade, na qual pensamos que nossas palavras signi cam
exatamente a mesma coisa quando são usadas para nos referirmos a Deus ou
a criaturas; e a equivocidade, na qual pensamos que nossas palavras são tão
indeterminadas, que de forma alguma podemos falar sobre Deus de maneira
signi cativa.
Entretanto, talvez a contribuição mais signi cativa de Tomás de Aquino
para a discussão de analogias entre Deus e o mundo da criação seja
encontrada em seus escritos posteriores, como a Suma Contra os Gentios e a
Suma Teológica. Tomás de Aquino liga aqui a natureza análoga de Deus e da
ordem criada com uma doutrina de similaridade causal, enfatizando a
transmissão ativa de propriedades de Deus para as criaturas. Criação é um
ato de causação, que leva a ordem criada a ter uma semelhança com seu
criador.
Deus é, portanto, uma causa analógica. Em outras palavras, a criação do
mundo por Deus envolve a criação de uma esfera que é análoga ao criador, e
essa correspondência analógica intrínseca entre Deus e a ordem natural está
subjacente ao uso legítimo da linguagem analógica. O lósofo católico
alemão Erich Przywara descreveu a “analogia do ser” como a “metafísica a
priori do catolicismo” e estendeu a abordagem de Tomás para incluir
questões mais amplas do que a linguagem teológica. Nossa preocupação
nesta seção, no entanto, está na descrição da ideia de Tomás, e não na forma
mais desenvolvida associada ao Przywara.
A abordagem de Tomás dá legitimidade teológica ao uso de analogias
extraídas do mundo da criação para nos ajudar a pensar em Deus. A
utilidade dessa abordagem não é um feliz acidente; está fundamentada em
uma característica distinta do mundo da natureza – ou seja, que é criação de
Deus e, portanto, carrega, de alguma maneira e até certo ponto, a impressão
de Deus.
Esse entendimento teológico, no entanto, não resolve a questão de como
as analogias teológicas como, por exemplo, “Deus como pastor”, devem ser
interpretadas. Ele estabelece as bases para esse processo, mas ele mesmo não
determina seus resultados. Há duas tarefas interpretativas principais que
precisam ser realizadas:
1. A interpretação de analogias individuais, particularmente à luz do
contexto cultural em que foram originalmente usadas – por
exemplo, a analogia de “adoção”, usada nas cartas paulinas como
uma imagem de salvação, que é fundamentada no direito de família
romano.
2. A correlação e interconexão de grupos de analogias para entender
como elas se relacionam e qual é o cenário maior que resulta de sua
combinação. Isso geralmente envolve resolver tensões entre essas
analogias.
Ian T. Ramsey sobre o modelo da economia divina
No início deste capítulo, observamos como, em 1910, Ernest Rutherford
expôs seu in uente modelo de átomo como um sistema solar em miniatura.
Rutherford observou padrões de de exão de partículas alfa disparadas sobre
nas folhas de ouro, que não eram consistentes com o modelo de átomo
então geralmente aceito – o modelo de pudim de passas de J. J. omson, de
1904. Os elementos básicos do entendimento emergente de Rutherford
sobre o átomo combinaram com o resultado desse experimento – a massa
do átomo sendo concentrada em um “minúsculo centro massivo”, os
elétrons orbitando esse núcleo central e o restante do átomo consistindo em
espaço vazio. No entanto, Rutherford sabia que precisava desenvolver uma
representação visual desse novo entendimento.
Ele, portanto, tomou um modelo desenvolvido para um propósito
completamente diferente – o modelo copernicano do sistema solar – e o
adaptou. O modelo de Copérnico para o sistema solar ofereceu a Rutherford
um padrão conceitual existente, uma imagem visual cienti camente
conhecida, com três elementos principais: um objeto massivo no centro,
vastas áreas de espaço e corpos menores que orbitam essa massa central.
Havia di culdades – por exemplo, os elétrons realmente orbitavam o núcleo?
Mas era bom o su ciente para o propósito de Rutherford. Seu novo modelo
teórico do átomo podia ser representado visualmente usando uma analogia
conhecida.
Então, esse processo de construção de modelos é também encontrado na
teologia cristã? Pode parecer, à primeira vista, que a resposta seja “não”. A
maioria dos modelos teológicos é extraído da Bíblia cristã. Há, porém,
exemplos de modelos teológicos que são emprestados de outros contextos,
geralmente para correlacionar insights bíblicos usando uma imagem ou
conceito familiar extraído do contexto cultural de um teólogo. A seguir,
vamos considerar as re exões do teólogo e lósofo de Oxford, Ian T.
Ramsey, sobre a ideia de “economia divina” – um modelo de atividade
divina que encontrou ampla aceitação nas igrejas cristãs de língua grega dos
primeiros cinco séculos.
Durante a década de 1960, Ramsey escreveu uma série de obras sobre o
problema da linguagem religiosa e a relação entre ciência e religião, muitas
vezes focando em questões originadas do predomínio do positivismo lógico,
que colocavam objeções à legitimidade da linguagem religiosa. Ramsey
dedicou dois trabalhos a esses tópicos: Religious Language (1957) e Models
and Mystery (1964). A religião, argumenta ele, é como qualquer outra
disciplina – ela desenvolve sua própria linguagem em resposta à sua área de
discurso e usa modelos para ajudar a compreender aspectos de uma
realidade complexa:
Várias disciplinas, apesar de suas diferenças necessárias e características, têm, no entanto, uma
característica comum de grande signi cado, uma característica que muitas vezes é negligenciada
e frequentemente mal compreendida: o uso que fazem de modelos. É pelo uso de modelos que
cada disciplina fornece sua compreensão de um mistério que confronta todas elas.14
A defesa de Ramsey quanto à legitimidade da linguagem teológica é
importante por si só; entretanto, nossa preocupação aqui é com a maneira
como ele resolve a questão de como correlacionar múltiplos modelos de
Deus.
As re exões nais de Ramsey sobre esse tópico foram publicadas
postumamente em Models for Divine Activity [Modelos para a atividade
divina] (1973). Depois de observar como a Bíblia faz uso extensivo de
“modelos” de Deus – como o Espírito Santo, Ramsey explora como os
primeiros teólogos cristãos adotaram um conceito puramente secular e o
desenvolveram como um modelo de atividade divina. O termo grego
oikonomia – talvez melhor traduzido como uma “administração ordenada” –
era amplamente usado na cultura secular para se referir à organização e
administração das sociedades. Os teólogos logo perceberam que isso
fornecia uma estrutura para o desenvolvimento de uma descrição
interconectada da ação de Deus no mundo, particularmente em relação à
salvação. A expressão “economia da salvação” começou a ser usada para se
referir aos padrões ordenados de atividade divina – incluindo a criação, o
ato de redenção em Cristo e o ministério subsequente da igreja cristã. O
modelo da “economia divina” não era bíblico, mas era um esquema secular
que permitia aos primeiros teólogos cristãos mostrar a coerência do padrão
bíblico de ação divina na criação e redenção. Contudo, com a passagem do
contexto cultural desse modelo na Antiguidade Clássica tardia, o modelo
perdeu sua plausibilidade e parece que deixou de ser usado no discurso
teológico cristão.
Observe que Ramsey não estava sugerindo que os primeiros teólogos
cristãos inventaram certas crenças sobre Deus com referência a ideias
seculares. Seu argumento é muito mais sutil e interessante. Ramsey
argumenta que os primeiros teólogos cristãos tinham um entendimento
bem desenvolvido quanto à ação de Deus na criação, quanto à natureza da
redenção do mundo realizada por Deus em Cristo e uma crescente
compreensão do papel da igreja na manutenção da vida de fé. O que eles
precisavam – e o que encontraram no modelo secular da oikonomia – era
uma estrutura conceitual que lhes permitia manter tudo isso unido, como
três elementos de um todo maior, distintos, porém interconectados. Essa
capacidade integradora de modelos ou analogias é importante tanto na
ciência quanto na teologia. Os elementos básicos já eram conhecidos; o que
era novo era a estrutura que permitia vê-los como parte de um todo integral.
Arthur Peacocke sobre a aplicação teológica de modelos e analogias
Arthur Robert Peacocke foi para o Exeter College, na Universidade de
Oxford, em 1942, para estudar Química. A essa altura, o curso de Química
da Universidade de Oxford durava quatro anos. Após os três anos iniciais de
ensino, o último ano consistia num projeto substancial de pesquisa.
Peacocke foi supervisionado, durante seu último ano de graduação, pelo
ganhador do prêmio Nobel Sir Cyril Hinshelwood (1897–1967) no
Laboratório de Físico-Química, e permaneceu com ele para sua subsequente
pesquisa de doutorado. Em 1973, ele aceitou o cargo de decano do Clare
College, em Cambridge, o que lhe permitiu desenvolver seu interesse na
interface entre ciência e religião. De 1985 a 1999, ele atuou como diretor do
Ian Ramsey Centre, em Oxford, que tem interesse especial em promover o
estudo de questões relacionadas à interação entre ciência e religião.
Em comum com muitos dos que trabalham na interface entre ciência e
religião, Peacocke defende uma forma de “realismo crítico”, em que os
modelos desempenham um papel importante como intermediários no
processo de produção de conhecimento. Tanto a ciência quanto a teologia
usam imagens na tentativa de oferecer uma descrição con ável e responsável
do mundo como ele realmente é.
Penso que a ciência e a teologia visam retratar a realidade; que ambas o fazem em linguagem
metafórica com o uso de modelos; e que suas metáforas e modelos são passíveis de correção no
contexto das comunidades contínuas que os geraram. Essa loso a da ciência (“realismo
crítico”) tem a virtude de ser a loso a de trabalho implícita, embora muitas vezes não
articulada, de cientistas atuantes que visam descrever a realidade, mas conhecem muito bem sua
falibilidade ao fazê-lo.15
Tendo a rmado que alguma forma de realismo crítico é parte integrante
do método cientí co, Peacocke argumenta que a teologia também visa
representar a realidade usando modelos ou analogias. As imagens usadas
para visualizar a realidade podem, no entanto, ser culturalmente
condicionadas e, portanto, podem exigir revisão ou modi cação para
garantir o uso contínuo. Contudo, a compreensão do caráter provisório de
nossas representações da realidade não nos obriga a abandonar a ideia de um
mundo real que de alguma forma seja representado dessa maneira.
A teologia, a formulação intelectual das experiências e crenças religiosas também emprega
modelos que podem ser descritos de maneira semelhante. Insisto que um realismo crítico seja
também a loso a mais apropriada e adequada a respeito da linguagem religiosa e das
proposições teológicas. Os conceitos e modelos teológicos devem ser considerados parciais,
adequados e corrigíveis, mas necessários e, de fato, as únicas maneiras de fazer referência à
realidade denominada “Deus” e as relações de Deus com a humanidade.16
Embora reconheça a diversidade de tipos de realismo cientí co,
Peacocke defendia um “núcleo comum” de proposições – principalmente,
que a renovação cientí ca é progressiva e acumulativa e que o objetivo da
ciência é descrever a realidade. Peacocke defende também o realismo crítico
em teologia. Como na ciência, os conceitos e modelos teológicos são
parciais, inadequados e revisáveis. No entanto, ao contrário daqueles da
ciência, eles incluem uma função afetiva forte, envolvendo as emoções tanto
quanto a mente. Para Peacocke, tanto a ciência quanto a religião operam
com base em um “realismo crítico”, que reconhece que os modelos são
“meios parciais, adequados, revisáveis e necessários” para representar a
realidade. Cada um desses termos merece um pouco mais de exploração:17
• Parcial. Os modelos teológicos podem permitir o acesso a apenas
parte da realidade maior que representam. Peacocke reconhece,
portanto, que há limites para o que se pode saber da realidade,
cientí ca ou religiosa, devido ao modo de representação que deve
ser usado no processo de descrição.
• Adequado. Peacocke chama aqui a atenção para o fato de que esses
modelos são bons o su ciente para nos permitir conhecer a
realidade retratada. O fato de que esse conhecimento não deriva
diretamente da realidade não deve ser visto como implicando que
ele seja, de alguma forma, abaixo do padrão ou de segunda
categoria.
• Revisável. Peacocke argumenta aqui que os modelos precisam ser
revisados continuamente e devem ser vistos como provisórios e não
de nitivos. Talvez esse seja um dos aspectos mais controversos de
sua análise, na medida em que muitos pensadores religiosos mais
tradicionais sustentariam que os modelos religiosos são “dados”.
John Polkinghorne, por exemplo, admite a necessidade de revisão
em certos pontos, mas sustenta que o que requer revisão é a
interpretação que damos a esses modelos, não os modelos em si.
• Necessário. Geralmente, é feita uma distinção entre “realismo
ingênuo” e “realismo crítico”, com o primeiro sustentando que é
possível conhecer a realidade diretamente e o segundo dizendo que
é necessário conhecê-la indiretamente, por meio de modelos. Essa é
fundamentalmente uma questão sobre como a mente humana
confere sentido às coisas. Peacocke sustenta que é apropriado
permitir à mente humana um papel ativo e construtivo na
representação da realidade. Longe de ser uma observadora passiva
das coisas, a mente humana constrói ativamente suas representações
do mundo externo. Esse aspecto do realismo crítico não é visto
como controverso e é compartilhado por outros pensadores dentro
do círculo que trata de ciência e religião, incluindo Ian Barbour e
John Polkinghorne.
Sallie McFague sobre metáforas na teologia
Uma das discussões mais in uentes sobre o papel da metáfora em uma
teologia cristã construtiva e crítica é a de Sallie McFague, que atuou como
professora na cátedra Carpenter de teologia na Vanderbilt Divinity School,
antes de se tornar teóloga emérita residente na Vancouver School of
eology. Para McFague, precisamos chegar a um acordo com a
inevitabilidade de abordagens metafóricas na teologia, permanecer em um
relacionamento “tenso” com metáforas teológicas que não podem ser
diretamente identi cadas com o que elas apontam e envolver a imaginação
crítica em vez da razão discursiva.
Em um importante estudo de 1975, McFague deixou clara sua
insatisfação com o racionalismo ingênuo do Iluminismo, que valorizava a
aquisição de “ideias claras e distintas”, mas era incapaz de avaliar as
di culdades para assegurar isso, dados os limites impostos à situação
humana:
Os dias de supor que estamos livres de limitações nitas, de supor que temos alguma forma de
acesso direto à “Verdade”, que possa haver palavras que correspondam a “o que é”, que “ideias
claras e distintas” podem ser muitas ou muito interessantes – esse tempo acabou (se é que
alguma vez existiu, exceto nos círculos mais racionalistas). [...] O que temos, e tudo o que temos,
é a grade ou tela18 fornecida por essa ou aquela metáfora. A metáfora é a coisa, ou pelo menos o
único acesso que nós, seres altamente relativos e limitados, temos a ela.19
McFague argumenta que uma apreciação do papel central e inevitável do
conceito de “metáfora” na teologia nos afasta decisivamente da precisão
teológica favorecida pelos autores do Iluminismo, nos convidando a abraçar
um encontro “aberto, tentativo e indireto” com a realidade que nunca
poderia ser capturado ou totalmente expresso em termos de ideias bemde nidas. A teologia é assim chamada a “entender a centralidade dos
modelos na religião e dos modelos particulares na tradição cristã”, a criticar
“modelos literalizados e exclusivos” e a “mapear as relações entre metáforas,
modelos e conceitos”.20 Curiosamente, para McFague, “modelos cientí cos se
referem à dimensão quantitativa do mundo, enquanto modelos teológicos se
referem à dimensão qualitativa”.21
Tendo explorado alguns aspectos da função e do uso de modelos e
metáforas na religião, precisamos agora considerar um estudo de caso com
mais detalhes, para que os pontos em questão possam ser mais bemavaliados. Portanto, voltamos a dois aspectos da teologia cristã para explorar
isso mais completamente. Veremos a doutrina da criação e o que é
frequentemente conhecido como “teorias da expiação” – entendimentos do
signi cado e da importância da morte de Cristo.
Usando modelos religiosos de forma crítica: criação
A ideia de que o mundo foi criado é de fundamental importância para
muitas religiões, especialmente para o cristianismo e o judaísmo. O tema
“Deus como criador” é de grande importância dentro do Antigo Testamento
e acredita-se que tenha se tornado particularmente signi cativo para o
entendimento de Israel durante o período de exílio na Babilônia. De
particular interesse para nossos propósitos é o tema do Antigo Testamento
de “criação enquanto ordenamento” e a maneira pela qual o tema
criticamente importante da “ordem” é estabelecido e justi cado com
referência a fundamentos cosmológicos.
O Antigo Testamento geralmente descreve a criação em termos da
vitória de Deus sobre as forças do caos, entendida como uma imposição de
ordem sobre um caos amorfo ou como con ito com uma série de forças
caóticas, muitas vezes retratadas como um dragão ou outro monstro.
Embora existam paralelos entre a narrativa do Antigo Testamento de que
Deus se envolve com as forças do caos e as mitologias ugarítica e cananeia,
há divergências signi cativas em pontos de importância, como a insistência
de que a criação não deve ser entendida em termos de diferentes deuses
guerreando uns contra os outros pelo domínio de um (futuro) universo, mas
em termos do domínio de Deus sobre o caos e o ordenamento do mundo.
Os teólogos da igreja primitiva a rmavam que a ordem natural tinha
bondade, racionalidade e ordem estável que resultavam diretamente de sua
criação por Deus. A verdade, a bondade e a beleza de Deus (para usar a
“tríade platônica” de categorias que in uenciaram muitos autores desse
período) podiam ser discernidas dentro da ordem natural, em consequência
dessa ordem ter sido estabelecida por Deus. No terceiro século, Orígenes
argumentava que foi a criação do mundo por Deus que estruturou a ordem
natural de tal maneira que pudesse ser compreendida pela mente humana,
conferindo a esse ordenamento racionalidade e ordem intrínsecas, que
derivavam e re etiam a própria natureza divina.
Esse entendimento é de importância central para a interação entre a
teologia cristã e as ciências naturais, destacando a relevância da doutrina
cristã da criação para fundamentar tanto a racionalidade do cosmos quanto
a capacidade da mente humana de discernir essa racionalidade. Por
exemplo, Atanásio de Alexandria e Agostinho de Hipona sustentam que um
Deus racional criou um universo coerente e racional (logikos), cujas
estruturas re etem o caráter de seu criador e são capazes de ser apreendidas
pela mente humana e seu signi cado ser apreciado, ainda que apenas parcial
e vagamente. Esse sistema de crença a rma que o ser do universo, em última
análise, deriva do ser de Deus, e que a humanidade, como portadora da
imagem de Deus, tem uma capacidade criada de envolver-se com,
interpretar e entender o universo. Muitos estudiosos acreditam que esse
sistema para lidar com a natureza pode ajudar a explicar por que a teologia
cristã foi tão intelectualmente acolhedora em relação às ciências naturais
emergentes na época do Renascimento.
A ideia de criação é, portanto, importante teologicamente, bem como
em relação ao campo de ciência e religião. Mas como a criação deve ser
entendida? Quais modelos podem ser usados para nos ajudar a visualizar
esse conceito e, assim, revelar uma compreensão mais profunda de seu
signi cado? Na sequência, vamos considerar três modelos que foram
empregados em vários pontos da tradição cristã e examinar questões que
provêm deles, indicando a necessidade de uma abordagem crítica a esses
modelos.
1. Expressão Artística. Muitos autores cristãos, de vários períodos da
história da igreja, falam da criação como “obra de Deus”,
comparando-a a uma obra de arte que é bela por si só, além de
expressar a personalidade de seu criador. Esse modelo de criação
como “expressão artística” de Deus enquanto criador é encontrado
nos escritos do teólogo norte-americano Jonathan Edwards do
século 18, bem como no in uente trabalho de Dorothy L. Sayers,
e Mind of the Maker [A mente do criador] (1941). Esse modelo de
criação se encaixa bem na cultura contemporânea e fornece uma
maneira importante de visualizar a autoexpressão de Deus dentro
da ordem criada.
2. Construção. Muitas passagens bíblicas retratam Deus como um
mestre de obras, deliberadamente construindo o mundo (por
exemplo, Salmo 127:1). As imagens são poderosas, transmitindo as
ideias de propósito, planejamento e intenção deliberada de criar. A
imagem é importante, pois chama a atenção tanto para o criador
quanto para a criação. Além de trazer à tona a habilidade do
criador, permite também que a beleza e a ordem da criação
resultante sejam apreciadas tanto pelo que ela é quanto por seu
testemunho da criatividade e zelo de seu criador.
3. Emanação. Muitos autores cristãos primitivos que simpatizavam
com as várias formas de platonismo populares naquela época, viam
a imagem da “emanação” como uma maneira útil e apropriada de
visualizar a criação. A imagem que domina essa representação é a
da luz ou do calor que irradia do Sol ou de uma fonte feita pelo
homem, como um fogo. Essa imagem da criação (insinuada na
expressão “luz de luz”, do Credo Niceno) sugere que a criação do
mundo pode ser considerada como um transbordamento da energia
criativa de Deus. Assim como a luz deriva do Sol e re ete sua
natureza, a ordem criada deriva de Deus e expressa a natureza
divina. Esse modelo a rma, assim, uma conexão natural ou
orgânica entre Deus e a criação.
Cada um desses modelos deve ser entendido como uma analogia, e não
uma identidade. Existem claras continuidades e descontinuidades entre o
modelo e o que está sendo modelado. Cada modelo oferece uma descrição
parcial de alguns aspectos do conceito de criação do mundo por Deus,
deixando de esclarecer outros aspectos e, ocasionalmente, introduzindo
ideias que são contrárias a alguns conceitos cristãos fundamentais. Dois
desses conceitos são de particular importância: primeiro, que Deus deve ser
considerado como um agente pessoal; e segundo, que criação signi ca trazer
coisas à existência ex nihilo (“do nada”), em vez de representar uma
reordenação ou rearranjo de matéria preexistente.
Esse segundo ponto requer mais discussão. O prólogo do evangelho de
João (João 1:1-14) fala que tudo foi criado por Deus, do nada, através de
Cristo. No entanto, esse conceito contraria a ideia helenística claramente
expressa no diálogo de Platão, Timeu, de que o mundo foi feito de matéria
preexistente, tendo sido moldada na forma atual do mundo. Essa ideia foi
adotada por autores gnósticos, especialmente no segundo século. Entretanto,
quando os primeiros autores cristãos se tornaram cada vez mais conscientes
das de ciências do gnosticismo, adotaram leituras mais so sticadas das
narrativas da criação do Antigo Testamento e ensinaram que “criação”
signi cava trazer coisas à existência do nada.
Cada um dos três modelos mencionados acima tem pontos de valor,
embora exijam também uma interpretação crítica. É necessário excluir
determinadas leituras de dado modelo em questão para que este seja
genuinamente esclarecedor. A ideia de criação como emanação, por
exemplo, sugere desnecessariamente um processo constante de produção
natural, em vez de uma decisão divina proposital de criar. A imagem do Sol
irradiando luz implica uma emanação involuntária – algo que acontece
naturalmente. A tradição cristã enfatizava consistentemente que o ato de
criação repousa em uma decisão anterior da parte de Deus em criar, o que
esse modelo não consegue expressar adequadamente. De fato, esse modelo
de criação – como todos esses modelos – precisa ser abordado através de um
ltro teológico.
O mesmo problema surge quando se pensa em criação como construção
ou expressão artística. Nesse caso, a criação pode ser entendida como dando
aparência e forma a algo que já existe – uma ideia que está em tensão com a
doutrina cristã da criação ex nihilo. A imagem de Deus como construtor
parece implicar a montagem do mundo a partir de material que já existe. O
modelo de expressão artística pode ser associado à ideia de criação a partir
de matéria preexistente, como no caso de um escultor com uma estátua
esculpida em um bloco de pedra já existente. Contudo, esse modelo expressa
a percepção de que o caráter do criador é, de alguma forma, expresso no
mundo natural, assim como o de um artista é comunicado ou incorporado
ao seu trabalho. Essa debilidade pode, entretanto, ser resolvida. Um dos
muitos méritos da obra Mind of the Maker, de Dorothy L. Sayer, é que ela
consegue acomodar a ideia de criação a partir do nada, como na analogia do
autor que escreve um romance ou do compositor que cria uma melodia e
harmonia.
Usando modelos religiosos de forma crítica: teorias da expiação
A necessidade de adotar uma abordagem crítica para os modelos
teológicos também é evidente no caso de interpretações do signi cado da
morte de Cristo – uma área da teologia tradicionalmente conhecida como
“teorias da expiação” ou “da obra de Cristo”. O Novo Testamento emprega
uma rica variedade de imagens visuais para permitir um entendimento
completo das consequências da obra de Cristo – como justi cação, salvação,
reconciliação e adoção.
A mensagem cristã da salvação foi contextualizada em linguagem acessível às pessoas comuns.
Imagens, metáforas e comparações que esses primeiros cristãos podiam entender e relacionar se
tornaram ferramentas importantes nas mãos dos evangelistas para explicar a esses novos
convertidos o que lhes havia acontecido.22
Contudo, a questão de até que ponto essas analogias podem ser
estendidas permanece importante, pois qualquer analogia soteriológica não
indica os limites de seu escopo ou seu modo próprio de interpretação. Para
ilustrar esse ponto, podemos considerar a seguinte imagem: a noção de que
Cristo deu a vida como “resgate” pelos pecadores (Marcos 10:45; 1Timóteo
2:6).
Então, o que essa analogia signi ca? Como deve ser interpretada? O uso
comum da palavra “resgate” sugere quatro ideias:
1. Sendo mantido em cativeiro. Um resgate é uma forma de pagamento
que obtém a liberdade de uma pessoa mantida em cativeiro ou em
escravidão.
2. Um pagamento. Um resgate é uma soma de dinheiro que é paga aos
captores para obter a libertação de um indivíduo.
3. Alguém a quem o resgate é pago. Um resgate geralmente é pago ao
captor de um indivíduo ou a um intermediário.
4. Libertação. O estado de ser libertado da servidão ou prisão como
resultado do pagamento do resgate.
Todas essas quatro ideias parecem estar implícitas ao se falar da morte
de Cristo como um “resgate” pelos pecadores. Mas devemos interpretar essa
analogia dessa maneira? A analogia não poderia estar sendo forçada demais
em certos pontos?
Não há dúvida de que o Novo Testamento proclama que fomos libertos
do cativeiro através da morte e ressurreição de Cristo. Fomos libertos do
cativeiro do pecado e do medo da morte (Romanos 8:21; Hebreus 2:15).
Também está claro que o Novo Testamento entende a morte de Cristo como
o preço a ser pago para alcançar nossa libertação (1Coríntios 6:20; 7:23).
Nossa libertação é uma questão cara e preciosa. Em três desses quatro
aspectos, o uso bíblico de “resgate” corresponde amplamente ao uso diário
da palavra. Mas e a ideia de que a morte de Cristo foi um resgate pago a
alguém? Quem foi pago dessa maneira?
O Novo Testamento silencia sobre qualquer sugestão de que a morte de
Cristo foi o preço pago a alguém para alcançar nossa libertação. Alguns dos
escritores dos primeiros quatro séculos, entretanto, assumiram que
poderiam estender essa analogia até seus limites. Para Orígenes, talvez o
mais especulativo dos primeiros autores patrísticos, uma vez que a morte de
Cristo foi um resgate, esse resgate deve ter sido pago a alguém. Mas para
quem? Não poderia ter sido pago a Deus, pois Deus não estava prendendo
pecadores para serem resgatados. Orígenes concluiu que tinha que ser pago
ao diabo.
Autores posteriores – como Ru no de Aquileia e Gregório Magno –
desenvolveram ainda mais essa ideia. O diabo tinha adquirido direitos sobre
a humanidade caída, que Deus foi obrigado a respeitar. O único meio pelo
qual a humanidade poderia ser liberta desse domínio e opressão satânicos
era através de o diabo exceder os limites de sua autoridade e, portanto, ser
obrigado a desistir de seus direitos. Então, como isso podia ser alcançado?
Gregório sugere que isso poderia acontecer se uma pessoa sem pecado
entrasse no mundo, ainda que na forma de uma pessoa pecaminosa normal.
O diabo não notaria até que fosse tarde demais: ao reivindicar autoridade
sobre essa pessoa sem pecado, o diabo teria ultrapassado os limites de sua
autoridade e, portanto, seria obrigado a desistir de seus direitos sobre a
humanidade. Ru no sugere a imagem de um anzol com isca: a humanidade
de Cristo é a isca e sua divindade é o anzol. O aspecto dessa abordagem para
o signi cado da cruz que causou a maior inquietação subsequente foi a
aparente implicação de que Deus era culpado de enganar o diabo.
Após a penetrante crítica teológica dessa ideia por Anselmo de
Cantuária, no século 11, essa teoria foi de modo geral abandonada pelos
teólogos acadêmicos, embora tenha retido considerável apelo popular. Essa
teoria insatisfatória resultou claramente de uma analogia ser estendida
muito além dos limites pretendidos. Mas como sabemos se uma analogia
teológica foi levada longe demais? Como os limites dessas analogias podem
ser testados? Tais questões foram debatidas ao longo da história cristã. Uma
importante discussão sobre esse ponto, no século 20, pode ser encontrada
nos escritos do lósofo Ian T. Ramsey, que observamos anteriormente neste
capítulo. Em sua obra Christian Discourse: Some Logical Explorations
[Discurso cristão: algumas explorações lógicas] (1965), Ramsey expôs a
ideia de que modelos ou analogias não são independentes e autônomos, mas
interagem entre si e quali cam um ao outro.
Ramsey argumenta que as Escrituras não nos dão uma única analogia
(ou “modelo”) para Deus ou para a salvação, mas usam uma série de
analogias. Cada uma delas lança luz sobre certos aspectos de nosso
entendimento de Deus ou da natureza da salvação – mas não todos.
Entretanto, essas analogias também interagem entre si. Elas se modi cam.
Elas nos ajudam a entender os limites de outras analogias. Nenhuma
analogia ou parábola é exaustiva em si mesma; tomadas em conjunto, no
entanto, uma série de analogias e parábolas se acumula para fornecer uma
compreensão abrangente e consistente de Deus e da salvação.
MODELOS E MISTÉRIO: OS LIMITES DA REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE
Como representamos uma realidade complexa, tal como o mundo
estranho e desconcertante que nos rodeia? Existe um desejo humano
profundo de poder visualizar as coisas, em um processo que se baseia mais
na imaginação do que na razão. Quando tentamos “imaginar” algo que está
além da nossa capacidade de ver completamente, naturalmente tentamos
reduzi-lo a algo que possa ser administrado. Isso está subjacente ao uso
cientí co de modelos como mecanismos heurísticos para nos ajudar a
entender os principais aspectos de sistemas complicados.
Neste capítulo, exploramos como modelos e analogias podem nos ajudar
a visualizar pelo menos alguns aspectos de uma realidade complexa.
Observamos alguns de seus limites, particularmente aqueles que surgem ao
confundir um modelo com o que está sendo modelado. Mas existe uma
preocupação adicional: e se modelos e analogias forem fundamentalmente
incapazes de representar a complexidade do nosso universo? Já
mencionamos o conceito de “mistério” neste capítulo; esse tema claramente
requer mais discussão.
Qualquer discussão sobre a tentativa humana de investigar e representar
a realidade precisa levar em conta a capacidade limitada dos seres humanos
de compreender entidades complexas. O físico teórico Werner Heisenberg –
mais conhecido por ter formulado o princípio da incerteza – argumentou
que, embora uma boa teoria cientí ca faça justiça a “todos os domínios
acessíveis do mundo”, ainda permanecem certos “fenômenos que desa am a
formulação em [termos de] linguagem”. O pensamento cientí co “sempre
paira sobre uma profundidade insondável”, sendo confrontado pelos limites
impostos à compreensão humana:
Toda vez que ocorre a compreensão de uma nova realidade, sua esfera de validade parece ser
empurrada um passo a mais na impenetrável escuridão que está por trás das ideias que a
linguagem é capaz de expressar.23
Richard Dawkins também apreciou claramente a importância desse
ponto e a necessidade de se reconhecer a validade, em ciência, da categoria
mistério:
A física moderna nos ensina que a verdade não se limita ao que os nossos olhos podem ver, ou
ao que pode ver a limitada mente humana, desenvolvida como ela foi para dar conta de objetos
de tamanho médio movimentando-se a velocidades médias ao longo de distâncias médias na
África. Em face desses profundos e sublimes mistérios, os arroubos intelectuais equivocados dos
pedantes da pseudo loso a simplesmente não se mostram merecedores de nossa atenção.24
Alguns cientistas usam a palavra “mistério” querendo dizer algo que
atualmente não é entendido, mas que se tornará resolvido e inteligível
através do avanço cientí co. Por exemplo, Charles Darwin comentou que a
questão da origem histórica das espécies era o “mistério dos mistérios”,
tomando emprestada uma expressão do astrônomo Sir John Herschel. Para
Darwin, um mistério poderia ser resolvido descobrindo uma teoria de
ordem superior que permita ver de uma nova maneira o que atualmente
parece incompreensível ou incoerente. A resposta de Darwin ao enigma de
Herschel foi encontrar uma teoria que tornasse inteligível o que de outro
modo poderia parecer misterioso – a teoria da descendência com
modi cação pela seleção natural. Certos “mistérios” deixam de ser
misteriosos assim que são explicados pela descoberta de uma estrutura
intelectual na qual eles são tornados inteligíveis ou previsíveis.
Outros cientistas, no entanto, consideram um mistério algo que está
além do escopo da explicação redutiva. Albert Einstein, por exemplo,
enfatizava constantemente os limites da compreensão humana quanto à
racionalidade do universo e à importância de manter um senso de mistério e
admiração diante de sua vastidão. Embora ele não fosse um místico em
nenhum sentido signi cativo do termo, Einstein estava seguro de que uma
percepção do “misterioso” era a fonte de toda a verdadeira arte e ciência,
assim como uma “experiência do mistério” estava no coração da religião. “O
que vejo na natureza é uma estrutura magní ca que só podemos
compreender de maneira imperfeita”.25
Outra questão precisa ser registrada neste momento. Uma suposição
comum subjacente à biologia evolutiva contemporânea é que as capacidades
cognitivas humanas evoluíram principalmente para os propósitos de
sobrevivência, não para a busca e aquisição da verdade. Contudo, as
capacidades cognitivas humanas excedem em muito as exigidas para a mera
sobrevivência – como é evidente, por exemplo, nos notáveis sucessos da
matemática. Ainda assim, o argumento de Dawkins permanece. A “limitada
mente humana” está bem adaptada a cenários simples. Mas e aqueles que
são vastos e complexos demais para serem apreendidos por essa limitada
mente humana? O uso de modelos e analogias pode nos ajudar a entender
algo que está além da nossa compreensão total?
Para teólogos cristãos como Máximo, o Confessor, o termo “mistério”
refere-se fundamentalmente à imensidão conceitual ou vastidão ontológica
de Deus. Um mistério é resistente ao fechamento interpretativo ou à redução
intelectual, transcendendo nalmente qualquer tentativa de uma de nição
limitadora – precisamente porque isso limita o que deve ser permitido
permanecer aberto. O teólogo inglês Charles Gore também destacou a
importância desse ponto, observando os limites da linguagem para
compreender o mistério do divino:
A linguagem humana nunca pode expressar adequadamente realidades divinas. Uma constante
tendência de pedir desculpas pela fala humana, um grande elemento de agnosticismo, um
terrível senso de profundidade insondável além do pouco que é conhecido está sempre presente
na mente dos teólogos que sabem com o que estão lidando, ao conceber ou expressar Deus.26
A famosa declaração de Agostinho de Hipona, si comprehendis non est
Deus27 (“se você pode compreendê-lo, não é Deus”), destaca que qualquer
coisa que a humanidade possa compreender plena e completamente não
pode ser Deus, justamente porque seria tão limitada e empobrecida a ponto
de poder ser totalmente compreendida pela mente humana.
A potencial importância da questão para a religião pode ser vista em
Idea of the Holy [Ideia do sagrado] (1917), de Rudolf Otto, que desenvolveu
o conceito de “numinoso” como um meio de expressar o que ele considerava
fundamental para a experiência e existência religiosas. Para Otto, o
numinoso pode ser entendido como uma experiência de terror e admiração
misteriosos (mysterium tremendum et fascinans) na presença daquele que é
“totalmente outro” e, portanto, não pode ser expresso diretamente usando
linguagem ou analogias humanas. A concepção de Otto de um aspecto
irracional ou numinoso da religião, que está além da descrição conceitual e é
acessível apenas através da experiência, provou ser signi cativa no estudo da
religião; ela é, entretanto, de particular importância para qualquer tentativa
séria de re etir sobre a categoria religiosa do mistério. Otto não usa o termo
“irracional” com o signi cado de “racionalmente de ciente”; na verdade, seu
uso de termos complementares, como “não racional” ou “transracional”,
deixa claro que o mistério no coração da religião é algo que subjuga e satura
as capacidades racionais humanas.
O teólogo e lósofo francês Gabriel Marcel (1889-1973) distinguiu entre
os usos cientí cos e religiosos do termo “mistério” usando as categorias
“problemas” e “mistérios”. Para Marcel, as ciências naturais lidam com o
mundo dos problemas. Um problema é algo que pode ser visto
objetivamente e para o qual podemos encontrar uma solução possível. Um
mistério, no entanto, é algo que não podemos ver objetivamente,
precisamente porque não podemos nos separar dele. Embora os problemas
possam ser resolvidos por meio de soluções universais ou generalizadas, os
mistérios não podem. A vida, segundo Marcel, não é, portanto, um
problema a ser resolvido, mas um mistério a ser vivido. A existência do
sofrimento, por exemplo, deve ser vista como um mistério que nunca pode
ser totalmente compreendido, e não como um problema intelectual que
pode ser dominado e subjugado.
Um argumento semelhante foi apresentado pelo grande físico alemão
Max Planck, amplamente considerado o fundador da mecânica quântica.
Como Einstein, Planck sustentava que havia limites para a capacidade da
ciência de entender completamente nosso universo. “A ciência não pode
resolver o mistério nal da natureza. Isso porque, em última análise, nós
mesmos somos parte da natureza e, portanto, parte do mistério que estamos
tentando resolver.”28
As ideias de Marcel foram desenvolvidas de maneira mais explicitamente
teológica pelo teólogo e lósofo inglês Austin Farrer, que de niu o domínio
da problemática como o campo em que existem respostas corretas. O
domínio do mistério, no entanto, envolve o engajamento com a realidade em
um nível que não pode ser investigado em termos de “problemas
determinados e solúveis”. O teólogo, argumenta Farrer, não se depara com a
relação limitada e gerenciável que surge entre um instrumento conceitual e
objetos físicos. Somos, na verdade, confrontados com o “objeto em si, em
toda a sua plenitude”, consistindo não em “um conjunto de problemas”, cada
um dos quais pode ser resolvido cienti camente ou racionalmente, mas de
um “único, embora múltiplo, mistério”. É tentador aplicar-se em reduzir um
mistério a um conjunto de problemas com base na crença equivocada de que
o mistério é a mera soma dos problemas individuais (solúveis).
A análise apresentada por Marcel e Farrer ilumina a tarefa teológica,
pois cada geração é chamada a lutar com um mistério, sabendo que ele tem
certa inesgotabilidade, que não pode ser alcançada ou totalmente
compreendida por nenhum autor ou época. O teólogo católico omas
Weinandy diz o seguinte: “Como Deus, que nunca pode ser totalmente
compreendido, está no centro de toda investigação teológica, a teologia por
natureza não é um empreendimento de solução de problemas, mas um
empreendimento que discerne o mistério.”29 A problemática é o domínio da
ciência e da investigação racional. Depois que um problema é resolvido, não
há mais interesse nele.
Um mistério, entretanto, desa a, atualiza e revigora a tarefa teológica,
sobretudo pela expectativa de que uma nova luz esteja ainda para irromper
dos mistérios que foram atacados pelas gerações anteriores. O processo de
lutar com um mistério permanece, portanto, aberto, não fechado. O que
uma geração herda da outra não são tanto respostas de nitivas, mas o
compromisso partilhado com o processo de lutar.
Uma resposta teológica à categoria do mistério é desenvolver modelos
que tentem representar ou permitir a visualização de certos aspectos de uma
realidade maior, embora admitam que essa realidade como um todo
permanece resistente à redução por essa via. Os teólogos podem, assim, falar
de diferentes “modelos” da Trindade. Embora exista uma clara diferença
entre modelagem teológica e modelagem nas ciências naturais, alguns
modelos analíticos de Deus buscam compreender seu objetivo
“cienti camente” – em outras palavras, total e completamente.
Um bom exemplo de um modelo teológico da Trindade é o
desenvolvido por Jeffrey Brower e Michael Rea, com base na noção
aristotélica de “igualdade numérica sem identidade”. Esse modelo sugere que
podemos entender um aspecto fundamental da doutrina da Trindade – a
relação entre as três pessoas divinas e uma única natureza divina – como
análoga à relação entre uma estátua de bronze e o metal bronze do qual ela é
construída. A estátua e o bronze contam exatamente como um objeto (eles
são numericamente iguais). No entanto, a estátua não é estritamente idêntica
ao bronze, pois não tem exatamente as mesmas propriedades ou condições
de persistência. Por exemplo, é possível derreter a estátua sem destruir o
bronze. Da mesma maneira, podemos pensar na essência divina como
desempenhando o papel da matéria em um composto forma-matéria, de
modo que as pessoas da Trindade podem ser entendidas como seres
numericamente distintos constituídos por três formas numericamente
distintas.
Contudo, alguns teólogos têm expresso preocupação com as tentativas
de modelar Deus, observando como isso tende a reduzir Deus a algo
existente no mundo, deixando de fazer justiça à transcendência de Deus. O
lósofo da religião William Wood salienta essas preocupações, destacando a
importância de considerações “apofáticas” – em outras palavras,
reconhecendo os limites de nossas tentativas de falar de Deus. Os seres
humanos, por causa de sua nitude e pecaminosidade, não podem
compreender a essência ou o ser de Deus. Deus é “incognoscível” no sentido
de estar além das categorias humanas e de métodos investigativos:
Nas últimas décadas, teólogos acadêmicos contemporâneos têm rea rmado a transcendência
absoluta e a incognoscibilidade de Deus, que caminham lado a lado com um renovado respeito
pela teologia apofática. Quanto mais insistimos que Deus é incognoscível, mais problemática é a
prática de modelar Deus. A literatura existente sobre modelagem teológica realmente não chegou
a um acordo com essa renovação do pensamento apofático.30
O ponto de Wood é importante, pois levanta a questão de saber se a
prática cientí ca de desenvolver modelos como recursos heurísticos visando
à inteligibilidade pode ser aplicada legitimamente dentro da teologia. Como
observa o lósofo da ciência Peter Godfrey-Smith, as ciências naturais
geralmente desenvolvem modelos que representam uma “simpli cação
deliberada ou outra modi cação imaginativa da realidade, a m de tornar
visíveis algumas relações ou tornar tratáveis alguns problemas”.31 Muitos
teólogos clássicos sugerem que tornar Deus “tratável” provavelmente trará
distorção e diminuição.
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IAN BARBOUR SOBRE MODELOS EM CIÊNCIA E RELIGIÃO
Ian Barbour teve um impacto signi cativo no campo de ciência e
religião, principalmente através de seus trabalhos inovadores em Issues in
Science and Religion [Questões em ciência e religião] (1966) e os posteriores
em Myths, Models, and Paradigms [Mitos, modelos e paradigmas] (1974).
Barbour deu uma atenção considerável ao desenvolvimento de uma base
intelectual para facilitar e consolidar uma interação positiva e construtiva
entre a ciência e a religião. Longe de ser uma resposta pragmática à
necessidade de duas poderosas forças culturais entrarem em diálogo,
Barbour argumenta que existe uma ponte intelectual entre as duas, o que
torna o diálogo necessário e adequado.
Segundo Barbour, existem continuidades importantes (embora não
identidades) em termos de epistemologia (os tipos de conhecimento que
temos), metodologia (como esse conhecimento é obtido e justi cado) e
linguagem (como esse conhecimento é expresso). Juntos, esses pontos em
comum fornecem uma ponte entre a ciência e a religião capaz de sustentar
um tráfego intelectual signi cativo entre elas. Embora alguns considerem
que a realização bem-sucedida de Barbour em estabelecer uma ponte sobre
essas disciplinas seja baseada principalmente em sua noção de “realismo
crítico”, outros sugerem que ela reside no uso das categorias modelos,
metáforas e analogias – em outras palavras, na maneira pela qual
visualizamos nosso mundo.
A discussão de Barbour sobre a categoria “modelo” mostra tanto uma
percepção do potencial de elucidação desse conceito quanto a geração de
programas de pesquisa, ao mesmo tempo que ele observa diferenças
importantes entre as maneiras pelas quais os modelos são entendidos em
ciência e religião. Modelos cientí cos, sugere ele, não são “imagens literais
da realidade” nem “ cções úteis”, mas formas parciais e provisórias de
imaginar o que não é observável; são representações simbólicas de aspectos
do mundo que não são diretamente acessíveis a nós. Eles cumprem uma
função heurística, na medida em que são “construções mentais criadas para
explicar os fenômenos observados no mundo natural”. Barbour enfatiza que
esses modelos são construídos pelas comunidades cientí cas como
ferramentas interpretativas; não são conceitos a priori que derivam sua
plausibilidade de algo além da prática cientí ca.
Janet Martin Soskice argumenta que é importante distinguir “modelo”
de “metáfora”, e critica Barbour por confundir esses dois – na verdade,
considerando sua diferença apenas como uma questão de grau. Para Soskice,
“diz-se que um objeto ou estado de coisas é um modelo quando é visto em
termos de algum outro objeto ou estado de coisas. Um modelo não precisa
ser uma metáfora, pois não precisa de forma alguma ser linguístico”.32
Modelos religiosos, segundo Barbour, também não são imagens literais
da realidade nem cções úteis; eles têm uma função adicional, no entanto,
de servir como imagens organizadoras para interpretar padrões de
experiência humana, especialmente aqueles associados a uma variedade de
emoções religiosas – como temor e reverência.
Modelos em religião são também analógicos. Eles organizam as imagens usadas para ordenar e
interpretar padrões de experiência na vida humana. Como os modelos cientí cos, eles não são
imagens literais da realidade, nem cções úteis. Uma das principais funções dos modelos
religiosos é a interpretação de tipos distintos de experiência: temor e reverência, obrigação
moral, reorientação e reconciliação, relacionamentos interpessoais, eventos históricos
importantes, e ordem e criatividade no mundo.33
Entretanto, esses modelos são frequentemente dados à comunidade
religiosa de interpretação por meio da tradição, levantando a questão de se
eles podem ser revisados ou substituídos – ou se a renovação e o uso
contínuo dependem de sua constante reinterpretação. Como vimos
anteriormente neste capítulo, Arthur Peacocke assume essa posição.
Barbour apontou três semelhanças entre o uso cientí co e religioso de
modelos:34
1. Tanto na ciência quanto na religião, os modelos são analógicos em
suas origens, podem ser estendidos para lidar com novas situações e
são compreensíveis como unidades individuais.
2. Modelos, sejam cientí cos ou religiosos, não devem ser tomados
como representações literais da realidade, mas como
“representações simbólicas, para ns particulares, de aspectos da
realidade que não são diretamente acessíveis a nós”.
3. Os modelos funcionam como imagens organizadoras, permitindonos estruturar e interpretar padrões de eventos em nossas vidas
pessoais e no mundo. Nas ciências, os modelos se relacionam com
dados observacionais; nas religiões, com a experiência de
indivíduos e comunidades.
Barbour também observou três áreas de divergência entre o uso de
modelos em contextos cientí cos e religiosos. Nesse ponto, certo grau de
generalização sobre a natureza da religião talvez leve a algumas conclusões
incautas, embora não haja dúvida de que, pelo menos em alguns casos, os
pontos que Barbour ressalta são válidos.
1. Os modelos religiosos cumprem funções não cognitivas, que não
têm paralelo na ciência.
2. Os modelos religiosos evocam um envolvimento pessoal mais total
do que os seus correspondentes cientí cos.
3. Os modelos religiosos parecem ter maior apelo imaginativo do que
as crenças e doutrinas formais derivadas deles, ao passo que os
modelos cientí cos são subservientes às teorias.
Outro ponto de importância nessa comparação diz respeito à maneira
pela qual as analogias ou modelos são escolhidos. Nas ciências, analogias ou
modelos são escolhidos e validados parcialmente com base em certos
critérios de delidade – por exemplo, se oferecem um bom ajuste empírico
com o objetivo da representação, compartilhando o máximo possível de suas
características signi cativas. Esses dois temas – seleção e validação – são de
considerável importância, principalmente porque destacam uma diferença
signi cativa entre as ciências naturais e a religião. Analogias são geradas
dentro da comunidade cientí ca; se forem insatisfatórias, serão descartadas
e substituídas por novas.
Esses temas-chave de formulação e validação não têm paralelo direto no
pensamento cristão clássico. O cristianismo tradicionalmente sustenta que
as analogias dominantes ou os modelos generativos em questão são “dados”,
não escolhidos; as duas tarefas que desa am o teólogo são as de estabelecer
os limites de uma analogia e de correlacioná-la com outras dessas analogias
dadas. Nem todos os teólogos apoiariam essa visão tradicional; alguns
argumentariam que temos liberdade para desenvolver novos modelos que
evitem certas características dos modelos tradicionais, consideradas
insatisfatórias.
SUGESTÕES DE LEITURA
Temas Gerais
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Notas
1 Ernan McMullin, “A Case for Scienti c Realism” [Um caso pelo realismo cientí co] in Scienti c
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citação nas pp. 26–27.
2 Peter Godfrey‐Smith, “eories and Models in Metaphysics.” Harvard Review of Philosophy, 14
(2006): 4–19; citação na p. 7.
3 William James, e Will to Believe, and Other Essays in Popular Philosophy [A vontade de acreditar e
outros ensaios de loso a popular]. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1979, p. 67.
4 Daniela M. Bailer‐Jones, Scienti c Models in Philosophy of Science [Modelos cientí cos em loso a
da ciência]. Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press, 2013, p. 206.
5 Ibidem, p. 111.
6 Daniela M. Bailer‐Jones, “Scientists’ oughts on Scienti c Models.” Perspectives on Science, 10, n. 3
(2002): 275–301; citação na p. 284.
7 Ibidem, p. 291.
8 Rutherford, citado em E. N. da C. Andrade, Rutherford and the Nature of the Atom [Rutherford e a
natureza do átomo]. Londres: Heinemann, 1965, p. 111.
9 Marta Spranzi, “Galileo and the Mountains of the Moon: Analogical Reasoning, Models and
Metaphors in Scienti c Discovery.” Journal of Cognition and Culture, 4, n. 3–4 (2004): 451–483,
especialmente p. 461.
10 Ibidem, pp. 466-467.
11 Galileo Galilei, Sidereus Nunceus [Mensageiro Sideral]. Chicago: University of Chicago Press, 1989,
p. 41.
12 Charles Darwin. Origin of Species [A origem das espécies], 6th ed. Londres: John Murray, 1866, pp.
91–92.
13 omas Hobbes, Leviathan [Leviatã]. Londres: Andrew Crooke, 1651, p. 28.
14 Ian T. Ramsey, Models and Mystery [Modelos e mistério]. Londres: Oxford University Press, 1964,
p. 1.
15 Arthur Peacocke, Paths from Science Towards God: e End of All Our Exploring [Caminhos da
ciência em direção a Deus: o m de todas as nossas explorações]. Oxford: Oneworld, 2001, p. 9.
16 Arthur Peacocke, eology for a Scienti c Age: Being and Becoming Divine and Human [Teologia
para uma era cientí ca: ser e tornar-se divino e humano]. Londres: SCM Press, 1993, p. 14.
17 Arthur Peacocke, “Science and the Future of eology: Critical Issues.” Zygon, 35 (2000): 119–40.
18 Ao usar as expressões “grade ou tela”, a autora quer referir-se a algum artefato através do qual
podemos enxergar, mas cuja perspectiva é limitada e condicionada pelo padrão das frestas pelas quais
podemos olhar. (N. T.)
19 Sallie McFague, Speaking in Parables: A Study in Metaphor and eology [Falando em parábolas:
um estudo em metáfora e teologia]. Filadél a: Fortress Press, 1975, p. 29.
20 Sallie McFague, Metaphorical eology: Models of God in Religious Language [Teologia metafórica:
modelos de Deus em linguagem religiosa]. Filadél a: Fortress Press, 1982, p. 28.
21 Ibidem, p. 106.
22 Jan G. van der Watt (ed.), Salvation in the New Testament: Perspectives on Soteriology [Salvação no
Novo Testamento: perspectivas em soteriologia]. Leiden/Boston: Brill (2005), p. 1.
23 Werner Heisenberg, Die Ordnung der Wirklichkeit [A ordem da realidade]. Munique: Piper Verlag,
1989, p. 44.
24 Richard Dawkins, A Devil’s Chaplain: Selected Writings. Londres: Weidenfeld & Nicholson, 2003, p.
19. [Ed. Bras.: O capelão do diabo: ensaios escolhidos. [São Paulo: Companhia das Letras, 2005]
25 Citado em Max Jammer, Einstein and Religion: Physics and eology [Einstein e a religião: física e
teologia]. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1999, pp. 125–127.
26 Charles Gore, e Incarnation of the Son of God [A encarnação do lho de Deus]. Londres: John
Murray, 1922, pp. 105–106.
27 Augustine, Sermon, 117.3.5.
28 Max Planck, Where is Science Going? [Para onde está indo a ciência?] Nova York: W.W. Norton,
1932, p. 217.
29 omas G. Weinandy, Does God Suffer? [Deus sofre?] Notre Dame, IN: University of Notre Dame
Press, 2000, p. 32.
30 Wood, William. “Modeling Mystery.” Scientia et Fides, 4, n. 1 (2016): 39–59; citação na p. 43.
31 Peter Godfrey‐Smith, “Metaphysics and the Philosophical Imagination.” Philosophical Studies, 160
(2012): 97–113; citação na p. 98.
32 Janet Martin Soskice, Metaphor and Religious Language [Metáfora e linguagem religiosa]. Oxford:
Clarendon Press, 1985, p. 55.
33 Ian Barbour, Myths, Models, and Paradigms [Mitos, modelos e paradigmas]. Nova York: Harper &
Row, 1974, pp. 6–7.
34 Ibidem, p. 7.
N
os capítulos anteriores, consideramos alguns temas gerais
relacionados à ciência e à religião. O presente capítulo adota uma
abordagem diferente, considerando nove debates contemporâneos
nesse amplo campo. Cada um deles é interessante por si só, mas
também ilustra alguns aspectos especí cos do campo de ciência e religião. O
primeiro debate diz respeito a se a ciência tem capacidade de estabelecer
valores morais. Essa é uma questão importante, que geralmente aparece em
debates culturais mais amplos sobre se os valores morais humanos
dependem de algum fundamento transcendente – como os tradicionalmente
associados à religião.
FILOSOFIA MORAL: AS CIÊNCIAS NATURAIS PODEM ESTABELECER VALORES MORAIS?
A relação entre as ciências naturais e a ética tem sido frequentemente
estudada. Atualmente, existe um amplo consenso na literatura de que as
ciências podem informar a tomada de decisões éticas, mas não servem como
base da ética. Os pontos de vista de Albert Einstein sobre esse assunto
encontraram ampla aceitação. Einstein argumentava que as ciências naturais
não podem criar objetivos morais, embora possam fornecer meios pelos
quais esses poderiam ser alcançados. “A ciência não pode criar ns e, menos
ainda, incuti-los nos seres humanos; a ciência, no máximo, pode fornecer os
meios pelos quais se atinjam determinados ns.”1 Os objetivos ou valores
morais não surgem como resultado de uma investigação cientí ca, embora a
ciência possa ajudar a implementar sua aplicação – por exemplo, no campo
da medicina.
Einstein deixou claro que “essas convicções necessárias e determinantes
para nossa conduta e julgamentos” estão além do escopo das ciências
naturais:
O método cientí co não pode nos ensinar nada além de como os fatos estão relacionados e
condicionados um pelo outro. [...] O conhecimento do que é não abre a porta diretamente para o
que deve ser. Pode-se ter o conhecimento mais claro e completo do que é, e ainda assim não estar
habilitado a deduzir disso qual deve ser o objetivo de nossas aspirações humanas.2
Einstein deixa claro que tanto a identidade desse objetivo quanto a
motivação para alcançá-lo “devem vir de outra fonte”.
O lósofo do século 18, David Hume, é amplamente reconhecido como
tendo estabelecido a disjunção entre “é” e “dever ser”. Em sua obra Treatise of
Human Nature [Tratado da natureza humana], Hume considera a questão
das “distinções morais não derivadas da razão”. Ele aponta que há uma
diferença signi cativa entre declarações positivas sobre o que é e declarações
prescritivas ou normativas sobre o que deve ser. Hume não disse que isso
não poderia ser feito; mas observou com razão que esse não era um processo
simples e direto.
Para Hume, parecia não haver argumentos logicamente válidos, indo da
observação não moral para a prescrição moral. A força do argumento de
Hume é um pouco reduzida pelo fato de que, em vários pontos de seus
escritos, ele mesmo tira conclusões morais particulares, pelas quais é
pessoalmente solidário, por inferência de premissas causais e factuais.
Contudo, seu argumento permanece signi cativo: é difícil passar de
declarações descritivas para declarações prescritivas.
O argumento de Hume, como seria de se esperar, foi submetido a um
exame minucioso e é frequentemente o ponto de partida para discussões
sobre a relação entre ciência e moralidade. Como a análise cientí ca de
nosso mundo – que trata de sua descrição e interpretação – pode ser
conectada a a rmações sobre como devemos agir dentro dele? Para explorar
essa questão, vamos considerar duas grandes áreas de discussão: primeiro, se
a teoria da seleção natural de Darwin pode atuar como base para valores
morais humanos; e segundo, se a noção de “bem-estar” pode servir como
base para a ética.
Evolução e ética: o debate sobre darwinismo e moralidade
omas H. Huxley foi um dos defensores mais notáveis da teoria da
seleção natural de Darwin, na Inglaterra, durante o período vitoriano.
Embora seu debate de 1860, em Oxford, com Samuel Wilberforce tenha sido
seriamente deturpado em obras de ciência popular, não há dúvida de sua
rme compreensão intelectual da teoria da seleção natural, nem de suas
razões para acreditar que ela era cienti camente con ável. Mas qual era sua
relevância para a loso a moral?
Em sua Romanes Lecture,3 em 1893, na Universidade de Oxford,
intitulada “Evolução e Ética”, Huxley deixou claro que considerava a ética e a
teoria evolutiva darwiniana radicalmente incompatíveis. Embora as
preocupações de Hume sobre a relação entre “é” e “dever ser” possam ser
identi cadas na análise de Huxley, seu ponto principal é que os seres
humanos são fundamentalmente animais que triunfaram na “luta pela
existência” por causa de sua “destrutividade implacável e feroz”. Entretanto,
essa capacidade de violência e destruição, outrora uma virtude, torna-se um
vício com o surgimento da cultura social. Como resultado, as características
morais que permitiram aos seres humanos triunfar na “luta pela existência”
não são mais vistas como “reconciliáveis com sólidos princípios éticos”.
Para Huxley, portanto, a ética é uma resistência, baseada em princípios, a
exatamente aquelas qualidades animais que asseguraram a dominação
humana sobre o mundo vivo e aos processos darwinianos que as sustentam.
Devemos aprender a conquistar e subjugar os instintos animais naturais que
permanecem dentro de nós. Nossa história hereditária continua a moldar
nosso presente – e deve ser rechaçada, mesmo que não possa ser erradicada.
“A prática daquilo que é eticamente melhor – o que chamamos de “bondade”
ou “virtude” – envolve uma linha de conduta que, em todos os aspectos, se
opõe ao que leva ao sucesso na luta cósmica pela existência.”4 Embora a
evolução possa explicar as origens da ética, não pode funcionar como o
fundamento da ética:
A evolução pode nos ensinar como as tendências boas e más do homem podem ter surgido; mas,
por si só, ela é incompetente para nos dar uma boa razão para que o que chamamos de “bem”
seja preferível ao que chamamos de “mal”, em vez do que tínhamos antes.5
Isso leva Huxley a concluir que, se a civilização e a cultura entrassem em
colapso, a humanidade retornaria aos seus antigos modos violentos. Huxley
convidou seu público de Oxford a imaginar um pedaço de terra em seu
estado natural e, então, comparar isso ao que seria se alguém transformasse
essa paisagem em um jardim. Contudo, o jardim precisa ser mantido. Se
seus jardineiros deixassem de cultivá-lo, ele retornaria ao seu estado natural.
Para Huxley, o colapso da cultura humana levaria à reversão da humanidade
ao seu estado animal natural.
Outros, no entanto, discordaram da avaliação de Huxley – incluindo seu
neto, o famoso biólogo Julian Huxley. Em 1943 – cinquenta anos após a
palestra de seu avô em Oxford – Julian Huxley defendeu que a compreensão
do processo evolutivo nos permite entender como o “dever ser” emerge do
“ser”. A evolução caminhava para um objetivo de nido e o surgimento da
ética fazia parte desse objetivo. O livro Sociobiology [Sociobiologia] (1975),
de Edward O. Wilson, concordou com Julian Huxley que a ética surge do
processo evolutivo, mas rejeitou a ideia de que a evolução é direcionada ou
conscientemente se move em direção a algum objetivo. Embora Wilson não
pudesse ver nenhuma base biológica para as questões de Julian Huxley, ele
foi muito claro quanto à importância da biologia na explicação das origens
dos valores morais. “Cientistas e humanistas devem considerar juntos a
possibilidade de que a ética seja temporariamente removida das mãos dos
lósofos e biologizada”.6 As origens das intuições morais humanas deveriam
ser explicadas em termos da história evolutiva da humanidade.
Wilson não propôs sua própria ética “biologizada”, mas examinou
algumas das questões que imaginava demandar exploração adicional no
campo mais amplo da ética. Por exemplo, nossos instintos morais são
herdados do passado, re etindo contextos históricos de muito tempo atrás?
Quando vista de uma perspectiva estritamente cientí ca, a abordagem de
Wilson levantou questões importantes. A capacidade humana de orientação
normativa deve ser vista como uma adaptação biológica, que pode ter
conferido uma vantagem seletiva no passado – embora não necessariamente
no presente – ao melhorar a coesão social e a cooperação dentro de grupos?
E, se sim, isso invalida ou con rma tais normas de comportamento e
sentimentos? Richard Alexander propõe uma re exão útil sobre os
problemas que enfrentamos ao tentar re etir sobre a complexa relação entre
evolução e ética:
A análise evolutiva pode nos dizer muito sobre a nossa história e os sistemas de leis e normas
existentes, e também sobre como alcançar quaisquer objetivos considerados desejáveis; mas não
tem essencialmente nada a dizer sobre quais objetivos são desejáveis ou sobre as direções nas
quais leis e normas devem ser modi cadas no futuro.7
Neurociência e ética: Sam Harris sobre a paisagem moral
Nos últimos anos, apareceram muitos trabalhos propondo descrições
cientí cas sobre por que a moralidade é importante ou por que os seres
humanos consideram signi cativos determinados valores morais. Um bom
exemplo é o livro e Righteous Mind: Why Good People Are Divided by
Politics and Religion [A mente moralista: por que pessoas boas são separadas
pela política e pela religião] (2013), de Jonathan Haidt, que propõe algumas
ideias importantes extraídas da psicologia, sociologia e antropologia.
Entretanto, é importante notar que a análise de Haidt não está preocupada
com a determinação cientí ca dos valores morais. Sua preocupação é ajudar
seus leitores a contornar questões que surgem de intuições e debates morais.
O próprio Haidt não se posiciona quanto ao que deve ser considerado bom
ou ruim, mas está interessado em explorar o que indivíduos e sociedades
realmente assim consideram, estejam eles certos ou não.
Alguns têm argumentado, porém, que a ciência é capaz de determinar e
de nir valores morais objetivos. Em 2011, Sam Harris publicou e Moral
Landscape [A paisagem moral], uma pequena obra defendendo a
objetividade dos valores morais, que ele considerava estar rmemente
fundamentada nas ciências naturais, particularmente na neurociência.
Harris foi crítico quanto às re exões de E. O. Wilson sobre a relação entre
evolução e ética, argumentando que, embora a evolução não nos tenha
projetado para “levar vidas profundamente grati cantes”, a re exão ética
humana deve claramente levar em conta esse objetivo. A abordagem de
Harris à ética vai muito além daquela de Albert Einstein, que reconhecia e
acolhia uma perspectiva cientí ca informativa sobre questões morais. Para
Harris, a ciência pode e deve determinar nossos valores – um tema
explicitamente declarado no subtítulo da obra: “Como a ciência pode
determinar os valores humanos”.
A defesa feita por Harris de uma moralidade cientí ca objetiva tem três
elementos principais, todos focados na determinação objetiva do “bem-estar
das criaturas conscientes”:8
1. A moralidade diz respeito à melhoria do “bem-estar das criaturas
conscientes” e à identi cação de “princípios de comportamento que
permitam que as pessoas oresçam”.
2. Fatos sobre o que promove e prejudica o “bem-estar de criaturas
conscientes” são acessíveis à ciência.
3. Portanto, a ciência pode determinar o que é objetivamente “moral”,
na medida em que pode determinar se algo aumenta ou diminui o
“bem-estar das criaturas conscientes”.
Entretanto, é provável que leitores críticos de Harris concluam que ele
apenas a rma a hipótese não testada e inerentemente não testável de que a
moralidade deve ser considerada equivalente a manter ou melhorar o “bemestar de criaturas conscientes”. Esse pressuposto básico não parece derivar de
nenhuma forma de investigação empírica, por mais provisória que seja. É
uma suposição metafísica e sem evidência, não uma conclusão cientí ca.
Então, que razões cientí cas poderiam ser dadas para preferir as de nições
dos termos morais de Harris em lugar das versões rivais propostas por
teóricos do contrato social, eticistas da virtude ou por qualquer outra das
muitas escolas de teoria moral atualmente em voga?
Uma das críticas mais signi cativas a Harris deve-se ao biólogo e lósofo
americano Massimo Pigliucci, que defende a necessidade de distinguir entre
julgamentos de valor e questões de fato. Pigliucci assinalou que Harris
parece estar cometendo um equívoco fundamental quanto às categorias: “O
que ele chama de valores são, na realidade, fatos empíricos sobre como
alcançar o bem-estar humano”.9 Por exemplo, Harris critica o castigo
corporal de crianças. Pigliucci compartilha dessa opinião, mas ressalta como
Harris se torna vulnerável nessa questão:
E se um estudo cientí co demonstrasse que, de fato, bater em crianças tem um efeito mensurável
de melhorar aquelas características desejáveis? Harris então teria que admitir que o castigo
corporal é moral, embora de alguma forma duvido que ele o zesse. Eu certamente não
admitiria, porque minha intuição moral (sim, é assim que vou chamá-la, lide com isso) me diz
que in igir propositadamente dor em crianças está errado, independentemente do que a
evidência empírica diz.10
George Ellis desenvolve ainda mais esse ponto, destacando a in uência
de fatores culturais para determinar se é de maior importância o bem-estar
de indivíduos ou de comunidades.11 Não poderia a visão de Harris estar
simplesmente re etindo os pressupostos centrais de uma cultura WEIRD12
(ocidental, educada, industrializada, rica e democrática), que são dados
como certos por aqueles que vivem em tais culturas, mas não em outros
lugares? Muitas culturas asiáticas, por exemplo, consideram que o bem-estar
de um grupo é mais importante que o bem-estar de indivíduos. Harris não
está simplesmente assumindo como autoevidentes algumas visões que têm
aceitação assegurada em setores da cultura ocidental, mas que não são
aceitas em nenhum outro lugar?
No nal das contas, a ênfase de Harris na “maximização do bem-estar” o
leva a adotar a posição ética geralmente conhecida como “utilitarismo”
(embora o próprio Harris não descreva sua posição dessa maneira). No
entanto, essa abordagem da moralidade deixa de explicar por que a
maximização do “bem-estar de criaturas conscientes” é de importância
moral. O lósofo Whitley Kaufman aponta um problema com a estratégia de
Harris:
Ela torna o termo “bem-estar” tão completamente vazio que não temos mais nenhuma teoria
moral, pois agora precisamos de uma teoria para nos dizer o que constitui bem-estar e de que
maneira valores como justiça e felicidade devem ser avaliados um em relação outro.13
Kaufman destaca ainda o fato de que a defesa realizada por Harris de seu
método ético é na verdade losó ca, não cientí ca. Embora Harris apele
continuamente à “ciência”, ele está de fato apresentando uma loso a moral
controversa e bastante implausível:
Uma das peculiaridades desse livro é que a única descoberta concreta que Harris a rma ter feito
no livro, de que o utilitarismo é a teoria moral correta (o resto são meras notas promissórias
sobre uma futura ciência da ética), não é em nenhum sentido razoável uma descoberta
“cientí ca”.14
Para Kaufman, não há sentido signi cativo em que o “método cientí co”
se aplique a essas questões morais. Harris, argumenta ele, não traz nenhuma
expertise especial ao debate como neurocientista, nem se baseia em novas
descobertas dramáticas e convincentes do campo da ciência para defender
sua posição.
O argumento de Harris para a autoridade moral da ciência, em última
análise, repousa em princípios losó cos fundamentais não declarados.
Muitos sugerem que sua abordagem representa uma forma de cienti cismo
que busca estender o escopo da ciência através de uma trivialização retórica
da autoridade moral de suas óbvias alternativas culturais, como loso a e
religião. A loso a e a teologia moral têm uma longa história de re exão
sobre os temas clássicos da ética e sua aplicação na vida cotidiana. Como
destaca Pigliucci, a sugestão de uma analogia entre saúde física e bem-estar
(ou orescimento) não é nova, e é um aspecto importante da re exão
losó ca neoaristotélica.
As opiniões de Harris sobre a capacidade da ciência de determinar
valores morais naturalmente nos levam a re etir ainda mais sobre questões
relacionadas ao escopo da ciência, particularmente em relação à religião. A
seguir, vamos considerar a questão altamente contestada de se a realidade é
limitada ao que pode ser descoberto ou revelado pelo método cientí co.
FILOSOFIA DA CIÊNCIA: A REALIDADE ESTÁ LIMITADA AO QUE AS CIÊNCIAS PODEM
REVELAR?
Usamos muitas ferramentas para entender nosso mundo e nosso lugar
nele e para explorar a questão de como devemos viver de maneira autêntica
e signi cativa. Ciência, ética, poesia e religião contribuem para essa
discussão. As ciências naturais alcançaram um sucesso considerável na
explicação de aspectos da estrutura e do comportamento do universo. Então,
como as ciências naturais se relacionam com outras fontes de
conhecimento?
Existem duas questões centrais aqui. A primeira é identi car os
diferentes métodos que são característicos das ciências naturais e considerar
como eles se relacionam com outras formas de investigação – como a
loso a ou a teologia. A segunda é perguntar se o próprio método cientí co
ou os resultados de sua aplicação têm alguma autoridade privilegiada ou
mesmo exclusiva na determinação do que é o conhecimento verdadeiro.
Alguns se referem a essa abordagem como um “naturalismo metodológico
forte”, segundo o qual “a única fonte válida de conhecimento do mundo
natural são as ciências naturais”. Outros, como Massimo Pigliucci, usam o
termo “cienti cismo” para designar a “atitude totalizante que considera a
ciência como padrão e árbitro nal de todas as questões interessantes; ou,
alternativamente, que busca expandir a própria de nição e escopo da ciência
para abranger todos os aspectos do conhecimento e entendimento
humanos.”15
Um bom exemplo dessa abordagem pode ser visto nos escritos do
geneticista de Harvard, Richard Lewontin, para o qual uma ontologia
materialista – que ele considera fundamental para o método cientí co –
implica compromisso com o cienti cismo. Apesar de todas as suas falhas e
contradições, a ciência é a única maneira con ável de entender nosso
mundo:
Quando a ciência fala às pessoas do público em geral, o problema é levá-las a rejeitar explicações
irracionais e sobrenaturais do mundo, os demônios que existem apenas em sua imaginação, e a
aceitar um aparato social intelectual, a Ciência, como a única geradora de verdade. […] Nós
assumimos o lado da ciência, apesar do absurdo patente de alguns de seus construtos, apesar de
não ter cumprido muitas de suas extravagantes promessas de saúde e vida, apesar da tolerância
da comunidade cientí ca com histórias ctícias e infundadas, porque temos um compromisso
prévio, um compromisso com o materialismo.16
No entanto, Lewontin parece não querer enfrentar o fato de que o que
ele defende aqui não é ciência, mas uma posição metafísica especí ca que
está além do escopo da ciência con rmar. Lewontin apenas equipara a
ciência a um naturalismo ou materialismo losó co, aparentemente
deixando de perceber que existe um abismo metafísico substancial entre o
naturalismo metodológico e o naturalismo losó co. Assim, é razoável
perguntar: por que um cientista precisa se identi car com o “materialismo”?
O lósofo americano Alex Rosenberg apresenta-se como um excelente
exemplo de um autode nido autor “cienti cista” ao insistir que a realidade é
limitada ao que as ciências – especi camente a física – podem revelar. No
seu Atheist’s Guide to Reality [Guia do ateu para a realidade], Rosenberg
argumenta que a única realidade é aquela que pode ser revelada pela
aplicação do método cientí co:
A ciência fornece todas as verdades signi cativas sobre a realidade, e conhecer essas verdades é o
que realmente importa. [...] Ser cientista signi ca tratar a ciência como nosso guia exclusivo da
realidade, da natureza – tanto da nossa própria natureza quanto de tudo o mais.17
Rosenberg admite que o cienti cismo se vê preso a um argumento
viciosamente circular do qual nenhum experimento pode libertá-lo, pois
teria que assumir sua própria autoridade para con rmá-lo. Tendo adotado
uma epistemologia que limita a realidade ao que a ciência pode revelar, o
cienti cismo faz a a rmação ontológica de que a realidade é limitada ao que
a ciência pode revelar. Por esse motivo, Rosenberg argumenta que não
podemos de modo válido sustentar valores morais, pois eles não podem ser
estabelecidos com segurança pelo método cientí co. “Temos que ser niilistas
sobre o propósito das coisas em geral, sobre o propósito da vida biológica
em particular e o propósito da vida em geral”.18 Ele declara que não há
diferença fundamental entre certo e errado, bom e ruim. Teria ele, então,
razão em argumentar dessa maneira?
Considera-se amplamente que as ciências naturais são caracterizadas
pelo “naturalismo metodológico” – uma tentativa de identi car os processos
e padrões que podem ser discernidos no mundo natural e de formular
teorias que parecem capazes de explicar essas regularidades. Trata-se
fundamentalmente de uma tentativa de oferecer uma compreensão coerente
da própria natureza, que nos permita posicionar eventos e observações
dentro de um contexto explanatório mais amplo e mais profundo. Esse
método de pesquisa varia de uma disciplina cientí ca para outra, pois sua
formulação e aplicação dependem do objeto preciso de estudo e dos limites
que este impõe à sua investigação. A ontologia, por assim dizer, determina a
epistemologia; a natureza do objeto sob investigação determina como ele é
conhecido e até que ponto ele pode ser conhecido.
As ciências naturais são, portanto, uma maneira de entender o mundo
natural com base nas forças e nos processos naturais que podem ser
observados nele ou inferidos como existindo a partir do que é observado. O
conceito de gravidade de Newton é um bom exemplo de uma força não
observada cuja existência foi indicada por observações do mundo natural. O
naturalismo metodológico é o método de investigação que é característico
das ciências naturais; no entanto, isso não exclui outros métodos de pesquisa
ou abordagens da realidade. Eles podem estar certos – mas não são
cientí cos.
A ciência estabeleceu um conjunto de regras e métodos testados e
con áveis pelos quais investiga a realidade, e o “materialismo metodológico”
é um deles. Contudo, trata-se de desenvolver regras con áveis e viáveis para
explorar a realidade, não limitando a realidade ao que pode ser explorado
dessa maneira. Isso não signi ca que a ciência esteja comprometida com
algum tipo de materialismo losó co. Embora seja verdade que alguns
materialistas defendem que os sucessos explicativos da ciência parecem
endossar um materialismo ontológico subjacente, essa é simplesmente uma
das várias maneiras de interpretar essa abordagem, mas há outras com
amplo apoio dentro da comunidade cientí ca. Eugenie Scott, então diretora
do Centro Nacional de Educação Cientí ca, a rmou claramente esse ponto
em 1993: “A ciência não nega nem se opõe ao sobrenatural, mas ignora o
sobrenatural por razões metodológicas.”19 A ciência é uma forma não teísta,
e não antiteísta, de abordar a realidade.
É importante notar que o compromisso cientí co com um naturalismo
metodológico signi ca que as ciências são inaptas para discutir questões
teológicas de maneira signi cativa. O método de trabalho consensual das
ciências naturais funciona como se o mundo natural devesse ser investigado
e explicado usando categorias puramente naturais. Isso signi ca que as
respostas cientí cas são determinadas por essa metodologia; na medida em
que, através desse método, entidades ou teorias teístas ou “sobrenaturais” são
excluídas por uma questão de princípio, a ciência não pode discutir questões
teológicas. Elas não são passíveis de investigação por métodos cientí cos.
Alguns autores têm sugerido que uma visão ampliada das ciências
naturais poderia incluir pressupostos teístas. O lósofo Alvin Plantinga, por
exemplo, argumentou que os cristãos deveriam incluir ideias cristãs, como
ação divina especial, em sua re exão cientí ca. Outros resistiram a essa
proposta, ressaltando que esses são pressupostos não cientí cos, os quais
podem, contudo, ser compreendidos numa visão maior da realidade do que
as ciências naturais sozinhas são capazes de propor. Como Ernan McMullin
aponta: “O naturalismo metodológico não restringe nosso estudo da
natureza; apenas estabelece que tipo de estudo se quali ca como cientí co.”20
Outros métodos de pesquisa além das ciências naturais podem
complementar suas ideias.
Onde Plantinga propõe envolver o teísmo dentro de uma visão ampliada
da ciência – que muitos, é preciso dizer, não reconheceriam como ciência! –
McMullin propõe tecer insights cientí cos com insights teológicos fora de
um contexto ou método especi camente cientí co. Para McMullin, o uso do
naturalismo metodológico como ferramenta de pesquisa nas ciências
naturais não compromete o cristão com o naturalismo metafísico, que exclui
Deus de sua visão de realidade. A ciência é uma das várias maneiras de
explicar e explorar nosso mundo; pode ser complementado por outros
métodos e abordagens.21
Alguns cientistas e lósofos argumentam, entretanto, que a ciência
sozinha pode responder a todas as questões importantes da vida e, assim,
reivindicam autoridade exclusiva para as ciências naturais de respondê-las.
O lósofo Ian Kidd sustenta que três “impulsos” ou “ímpetos” básicos
podem ser vistos por trás do surgimento do cienti cismo:22
1 Um ímpeto imperialista – uma compulsão de estender os conceitos,
métodos e práticas de investigação cientí ca para áreas nas quais
sua competência é, na melhor das hipóteses, inapropriada e quase
certamente problemática.
2 Um ímpeto salví co – uma insistência na ideia de que a ciência, ou o
que algumas pessoas consideram ciência, pode satisfazer nossas
preocupações e necessidades éticas, espirituais e existenciais.
3 Um ímpeto absolutista – uma compulsão de atribuir à ciência a tarefa
exclusiva de fornecer interpretações completas, absolutas e
“totalizantes” da vida, do universo e de tudo.
Tais formas de cienti cismo estão, entretanto, abertas a algumas críticas
signi cativas. Já observamos como o cienti cismo se vê preso a um
argumento viciosamente circular do qual nenhum experimento pode
libertá-lo, na medida em que deveria assumir sua própria autoridade para
con rmá-lo. Na verdade, o cienti cismo é uma loso a naturalista um tanto
agressiva, que foi enxertada nas ciências naturais. Formas in acionadas de
cienti cismo, que tratam a ciência como o “padrão e árbitro nal de todas as
questões interessantes”, na verdade fazem a rmações losó cas de segunda
ordem sobre a ciência que não podem ser veri cadas empiricamente; uma
refutação desse ponto deve, portanto, repousar em argumentos losó cos, e
não cientí cos. Como argumenta o lósofo americano Edward C. Feser, o
preço para sair desse círculo vicioso parece ser con scar tais pretensões
espúrias de privilégio intelectual:
Romper com esse círculo requer “colocar-se fora” da ciência completamente e descobrir, a partir
desse ponto de vista extracientí co, que a ciência transmite uma imagem precisa da realidade –
e, se for para o cienti cismo ser justi cado, que somente a ciência faz isso. Mas daí a própria
existência desse ponto de vista extracientí co falsi caria a a rmação de que só a ciência nos dá
um meio racional de investigar a realidade objetiva.23
Essas alegações por parte do cienti cismo são, como esperado, vistas
como arrogantes por não cientistas. Considere, por exemplo, as opiniões do
lósofo de Oxford, Timothy Williamson, ao ressaltar que a abordagem de
Rosenberg tem di culdade para explicar o sucesso da matemática – um
ponto ao qual retornaremos mais tarde. “O naturalismo privilegia o método
cientí co sobre todos os outros e a matemática é uma das histórias de
sucesso mais espetaculares da história do conhecimento humano”.24 No
entanto, a matemática não usa métodos experimentais ou empíricos, mas
prova seus resultados por raciocínio puro. Isso não se encaixa na descrição
drasticamente empobrecida de Rosenberg sobre como investigamos a
realidade. A prova matemática é um caminho para o conhecimento tão
e caz quanto os métodos experimentais ou observacionais.
Talvez mais signi cativamente, Williamson contesta a validade da
“alegação naturalista extremada de que todas as verdades são descobertas
pela ciência”. Por que devemos acreditar que isso seja verdade? Qual é a sua
base evidencial? É difícil refutar o argumento de Williamson:
Se é verdadeiro que todas as verdades são descobríveis pelas ciências exatas, então é descobrível
pelas ciências exatas que todas as verdades são descobríveis pelas ciências exatas. Mas não é
possível descobrir pelas ciências exatas que todas as verdades são descobríveis pelas ciências
exatas. “Todas as verdades são descobríveis pelas ciências exatas?” não é uma questão de ciências
exatas. Portanto, a alegação naturalista extremada não é verdadeira.25
Para a lósofa Mary Midgley, “o erro do cienti cismo não consiste em
elogiar excessivamente um modo de [conhecimento], mas em separá-lo do
restante do pensamento, em tratá-lo como um vencedor que eliminou todos
os competidores.”26 No entanto, o verdadeiro problema é que a rica
variedade de discursos e de experiências humanas se mostra resistente,
mesmo às demandas mais persistentes, de que devam ser reduzidas a um
único vocabulário, seja cientí co ou qualquer outro. Midgley insiste que a
maioria das questões importantes da vida humana exige várias ferramentas
conceituais diferentes, que precisavam ser usadas em conjunto. Se uma
única perspectiva da realidade puder se tornar normativa, o resultado é
inevitavelmente uma “visão bizarramente restritiva de signi cado”.27 A
abordagem de Midgley reconhece a necessidade de “vários mapas” de uma
realidade complexa. Nenhuma abordagem única é adequada; diferentes
ângulos de abordagem e metodologias de pesquisa são necessários para que
a mente humana garanta uma compreensão máxima do universo.
A análise apresentada nesta seção sugere que as ciências naturais são
melhor vistas como reveladoras de importantes – embora limitadas –
percepções sobre o nosso universo, que podem ser suplementadas ou
enriquecidas por outras fontes, como a loso a moral ou a religião.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO: TEODICEIA EM UM MUNDO DARWINIANO
A questão de por que o sofrimento ou a dor existem no mundo tem sido
objeto de muita discussão. Como Richard Dawkins e outros ressaltaram, do
ponto de vista biológico, sofrimento e morte são elementos inevitáveis do
processo evolutivo. É assim que as coisas são. Outros, no entanto, veem que
o sofrimento suscita potenciais di culdades para suas formas de pensar
sobre o mundo. A existência contínua de sofrimento causa problemas para
pelo menos duas narrativas que, segundo o sociólogo Christian Smith,
desempenham um papel importante na cultura ocidental: os que
comprometidos com uma “narrativa de progresso” se veem incomodados
com a aparente incapacidade dos seres humanos de eliminar o sofrimento –
um problema agravado pelo desenvolvimento de tecnologia
deliberadamente planejada para causar dor e morte, como o napalm e os
patógenos projetados; os que são comprometidos com uma “narrativa cristã”
experimentam pelo menos algum grau de desconforto intelectual. Se Deus é
bom ou perfeito, certamente a criação deveria ser melhor que isso, não?
A teoria da seleção natural de Darwin levantou muitas questões para o
pensamento religioso, incluindo a questão criticamente importante do status
da humanidade na ordem natural como um todo. Contudo, o próprio
Darwin estava ciente do problema do desperdício do processo evolutivo e do
sofrimento que ele pressupunha. Sua carta a Asa Gray, de maio de 1860,
enfatiza esse ponto com força considerável:
Mas reconheço que não consigo ver tão claramente quanto outros, e como eu deveria desejar,
evidências de design e benevolência por todos os lados. Parece-me muita miséria no mundo.
Não consigo me convencer de que um Deus benévolo e onipotente teria criado planejadamente a
[vespa Ichneumonidae] com a intenção expressa de que se alimentasse dentro dos corpos vivos
de lagartas ou que um gato deveria brincar com ratos.28
O modelo de Darwin para a evolução prevê que o surgimento do reino
animal ocorreu ao longo de um período de tempo extremamente extenso,
envolvendo sofrimento e aparente desperdício que vão muito além das
abordagens tradicionais à teodiceia. Como aponta, através de uma série de
importantes intervenções recentes,29 a teóloga de Oxford, Bethany
Sollereder, os seres humanos não se envolveram de maneira alguma nesse
sofrimento, pois o sofrimento gratuito que observamos no mundo natural
antecede a existência humana em centenas de milhões de anos. Pode-se ver
a teoria da evolução de Darwin como enfatizando um problema existente, ao
ressaltar a extensão do sofrimento ao longo do período da história evolutiva.
A questão da teodiceia – a proposta de uma explicação ou justi cação da
existência de dor e sofrimento em um mundo criado por Deus – tornou-se
assim cada vez mais importante.
É importante evitar enquadrar essas discussões em termos de “mal
natural”. O julgamento de que qualquer processo natural é “mau” é
insustentável do ponto de vista evolutivo. Essa avaliação moral não se baseia
em critérios naturais, mas na imposição de uma perspectiva moral humana.
Podemos considerar que o deslocamento de uma placa tectônica é “mau”, à
luz da nossa percepção de suas implicações. No entanto, o deslocamento de
placas tectônicas é natural. O julgamento adicional de que ele é mau ou leva
ao mal não pode ser defendido de uma perspectiva cientí ca. É apenas
porque observamos a natureza através de uma lente moral especí ca que
podemos falar de sofrimento natural como sendo “mau”.
Ainda assim, é perfeitamente adequado perguntar por que sofrimento e
dor parecem ser aspectos inerentes ao mundo natural e re etir sobre seu
signi cado religioso. William Paley estava ciente da existência de sofrimento
e dor na natureza, e acreditava que isso poderia ser satisfatoriamente
acomodada dentro da noção de “invenção” divina do mundo. A dor no
mundo natural pode representar “um defeito na invenção: mas não é o
objeto dela”.30 A criação é, portanto, realizada para re etir os propósitos
benevolentes de Deus, mesmo onde estes são imperfeitamente executados.
Uma das discussões recentes mais importantes sobre o problema do
sofrimento na perspectiva evolutiva se deve ao teólogo britânico
Christopher Southgate. Em seu livro Groaning of Creation [Gemido da
criação] (2008), Southgate propõe um engajamento teologicamente rigoroso
com o problema do sofrimento na evolução. Reconhecendo corretamente as
severas limitações das abordagens não trinitárias à questão, como a loso a
do processo, Southgate desenvolve uma abordagem baseada no motivo
paulino do “gemido da criação” (Romanos 8). A preocupação de Southgate
de permanecer el aos temas centrais da tradição cristã também o leva a
rejeitar a abordagem de Pierre Teilhard de Chardin, para o qual Deus usava
a “centralização evolutiva” a m de produzir convergência para uma gloriosa
culminação nal da evolução, centrada em Deus. Para Southgate, o tema
bíblico do “poderoso ato redentor de Deus inaugurado na Cruz de Cristo”
parece oferecer uma base para tais re exões muito mais segura
teologicamente.
O problema do sofrimento evolutivo é assim visto através de uma lente
teológica moldada pela maioria dos principais temas de uma visão trinitária
da realidade – como a noção de criação ex nihilo e a consumação nal,
embora exclua especi camente a noção de queda histórica, como
tradicionalmente interpretada. Para Southgate, a teologia trinitária da
criação se estende para incluir a noção de que o amor autoesvaziador de
Deus é expresso na kenosis encarnacional. Sua abordagem une os cinco
temas seguintes:
1. Dor, sofrimento, morte e extinção são consequências inevitáveis para
uma criação que está evoluindo de acordo com os princípios
darwinianos.
2. Uma criação em evolução é o único meio pelo qual Deus poderia dar
origem a toda beleza, diversidade, senciência e so sticação que
observamos à nossa volta na biosfera.
3. Deus sofre junto com todo ser sensível na criação. A cruz de Cristo é
interpretada como um momento histórico de manifestação e
personi cação da compaixão divina, pela qual Deus assume a
responsabilidade suprema pelo sofrimento e pela dor da ordem
criada que “geme”.
4. A cruz e a ressurreição inauguram a transformação da criação, que
culmina na extinção nal do gemido da criação na renovação
escatológica.
5. Deus não considera nenhuma criatura como um mero expediente
evolutivo ou intermediário, mas providencia um cumprimento
escatológico para cada criatura. A criação não humana será
representada no céu.
A abordagem de Southgate é rica em ideias. Um exemplo é a dialética
entre desvalor e valor dentro do processo evolutivo, que contrapõe o
desvalor do sofrimento de animais individuais ao valor da sobrevivência de
suas espécies, que esse sofrimento ajuda a tornar possível. Trata-se de um
argumento apresentado anteriormente pelo especialista em ética ambiental
Holmes Rolston, segundo o qual processos intrínsecos ao desenvolvimento
evolutivo podem, de fato, causar dor e sofrimento, mas também podem ser
instrumentais ao promover valores, dando origem a novas formas de
existência. Rolston expressa esse argumento geral usando um aforismo
frequentemente citado: “A presa do puma aguça a visão do cervo, a agilidade
do cervo torna a leoa mais exível”.31
Pontos semelhantes são apresentados pela teóloga de Oxford, Bethany
Sollereder, ao observar que a intenção de Deus não é o mal ou o sofrimento,
mas tornar possíveis novas e melhores formas de existência dentro do
processo evolutivo. Partindo das preocupações de Darwin quanto à vespa
Ichneumonidae, ela propõe uma leitura teológica alternativa dessa
observação:
Deus não projetou a vespa parasita Ichneumonidae para pôr ovos dentro de um hospedeiro vivo,
mas o amor de Deus criou um campo aberto de possibilidades em que a Ichneumonidae teria
liberdade para desenvolver esta técnica de sobrevivência ao buscar seus desejos.32
Em geral, três temas distintos surgiram como característicos das recentes
re exões cristãs quanto às preocupações apologéticas decorrentes do
sofrimento evolutivo, sejam entrelaçadas em uma tapeçaria coerente, sejam
a rmadas individualmente como signi cativas por si mesmas:
1. Deus sofre dentro da ordem criada, experimentando a dor da
criação. Esse tema se tornou signi cativo na teologia cristã durante
a década de 1970, em parte como resultado da in uência do livro de
Jürgen Moltmann, Cruci ed God [O Deus cruci cado] (1974). O
tema do sofrimento de Deus dentro do processo evolutivo, até então
con nado ao domínio da loso a do processo, tornou-se agora uma
opção para a teologia ortodoxa. Pode-se dizer que Deus sofre com
os processos criativos mas custosos do mundo à medida que eles se
desenvolvem ao longo de vastos períodos de tempo. Sollereder
captura esse ponto da seguinte forma: “Deus é vulnerável à criação
em amor, o que signi ca que Deus sofre com a criação e, portanto,
participa e acompanha a dor do mundo não humano”.33
2. Para que o mundo gere a rica diversidade de vida que conhecemos
atualmente, incluindo os seres humanos, é preciso haver dor,
sofrimento e morte. Para Bethany Sollereder, a evolução é “o
processo de criação de Deus, e é cheio de sofrimento, extinção,
morte prematura e desvalorização”.34 Não há outro caminho para a
diversidade biológica a não ser através de processos de
desenvolvimento e competição nos quais algumas espécies morrem
para serem substituídas por outras. Se Deus é a fonte última de
novidade na evolução, Deus também deve ser a causa da
instabilidade e desordem, condições essenciais para a vida. Como
observadores limitados desse processo evolutivo, não estamos em
posição de sugerir que a dor, o sofrimento e os “desvalores”
associados ao processo evolutivo não sejam justi cados em termos
dos valores que ele cria.
3. O universo deve ser visto de uma perspectiva escatológica, olhando
para sua consumação e transformação nais. A importância da
escatologia em relação ao problema do sofrimento e do mal é
reconhecida há muito tempo. Muitos argumentam que somos
capazes de lidar com o sofrimento pela esperança de sua
transformação nal na Nova Jerusalém. Torna-se natural aplicar tal
perspectiva à questão do sofrimento no processo evolutivo. Esse é
um tema importante na abordagem de Southgate, para quem o
mundo animal fará parte do resultado da renovação cósmica, que é
tradicionalmente chamada de “paraíso”. Podemos olhar o mundo
através de um tríptico de três lentes que vê as trevas à luz da glória
da criação, da glória da cruz e da glória da redenção escatológica.
As três glórias formam [...] um tríptico com uma perspectiva escatológica, a criação
como ela será, em seu estado transformado. Gloria mundi, aquilo que o mundo ainda
não completamente redimido revela de seu criador, deve ser apropriado e entendido no
contexto da Gloria crucis, de tudo o que vemos de Deus na paixão de Cristo – e isso,
por sua vez, se abre e é informado pelo que se poderia chamar de Gloria in excelsis, a
canção escatológica da nova criação, na qual o orescimento da criação será alcançado
sem luta na criação.35
TEOLOGIA: TRANSUMANISMO, “IMAGEM DE DEUS” E IDENTIDADE HUMANA
As formas clássicas de humanismo, expressas em obras como a Oração à
Dignidade do Homem, de Giovanni Pico della Mirandola, enfatizavam a
beleza e a elegância da natureza humana, deleitando-se com a complexidade
do corpo humano e a multiplicidade de realizações humanas.
Mais recentemente, no entanto, surgiram escolas de pensamento que
veem a natureza humana como um “projeto em andamento, um começo
incompleto que podemos aprender a remodelar de maneira desejável”. O
termo “transumanismo” foi cunhado por Julian Huxley, em 1957, para
designar a visão de que a ciência poderia permitir que os seres humanos
transcendessem seus limites atuais e, assim, realizassem seu potencial nal.
O termo relacionado “pós-humano” passou a ser usado para designar aquilo
em que os humanos podem se tornar se os objetivos transumanistas forem
alcançados.36
O movimento “transumanista” defende fundamentalmente a melhoria
da condição humana por meio da tecnologia, eliminando o envelhecimento
e melhorando as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas humanas.
Argumenta-se que o aprimoramento tecnológico permitirá que os seres
humanos transcendam seus limites biológicos. Um exemplo desse tipo de
aprimoramento tecnológico é o desenvolvimento futuro de glóbulos
vermelhos arti ciais, capazes de transportar oxigênio e dióxido de carbono
com mais e ciência no sangue humano. Essas células arti ciais não seriam
limitadas pelos materiais e pelas pressões que ocorrem naturalmente,
permitindo assim um desempenho muito além do alcance dos glóbulos
vermelhos naturais.
Alguns verão essa intervenção no ser humano como “brincar de Deus”.
Entretanto, é justo ressaltar que os seres humanos já dependem
extensivamente de intervenções cientí cas – como remédios e cirurgias –
para promover a qualidade e ampliar a duração da vida. A verdadeira
questão é se o transumanismo representa uma extensão das práticas
existentes ou uma nova abordagem, que estaria nos levando para um
território ético e social pouco conhecido e perturbador.
Os transumanistas em geral presumem que a ampliação tecnológica das
capacidades cognitivas humanas naturais levará à excelência moral,
considerando efetivamente o egoísmo e nossas tendências inatas para
padrões destrutivos de pensamento e ação como decorrentes dos nossos
limites cognitivos atuais, que podem ser remediados aumentando nossas
capacidades cognitivas. É uma sugestão interessante.
No entanto, alguns argumentam que esse desenvolvimento é
ambivalente e pode levar ao surgimento de problemas mais profundos. Nick
Bostrom, um dos lósofos transumanistas mais importantes e in uentes,
questiona corretamente qualquer equação simplista de avanços tecnológicos
com a noção de progresso em si:
Pode ser tentador referir-se à expansão das capacidades tecnológicas como “progresso”. Mas esse
termo tem conotações avaliativas – de que as coisas estão melhorando – e está longe de ser uma
verdade conceitual que a expansão de capacidades tecnológicas faça as coisas melhorarem.37
Bostrom alude aqui a preocupações levantadas na década de 1960 por
Victor Ferkiss. E se esses aprimoramentos levassem a uma distopia
tecnológica? Da mesma maneira que a maioria das previsões quanto à forma
do futuro, que datam das décadas de 1950 e 1960, as projeções de Ferkiss
sobre o futuro humano parecem um pouco ingênuas hoje; no entanto, seu
interesse real não reside em prever a direção futura da tecnologia, mas se os
seres humanos têm, dentre suas habilidades, caráter moral e capacidade de
sabedoria para lidar com esses novos desenvolvimentos:
E se o novo homem combinar a irracionalidade animal do homem primitivo com a cobiça
calculada e a luxúria pelo poder do homem industrial, e ao mesmo tempo possuir poderes
semelhantes aos divinos, concedidos a ele pela tecnologia? Isso seria o horror de nitivo.38
Alguns autores cristãos, como o teólogo luterano Ted Peters, estão
preocupados com o fato de os transumanistas seculares não levarem a sério
a pecaminosidade da natureza humana e não estarem su cientemente
alertas para a fragilidade da visão humana de moralidade.
A ascensão e o desenvolvimento do transumanismo levanta algumas
questões fundamentais sobre a natureza humana, algumas das quais são
claramente de natureza religiosa. No caso do cristianismo, a identidade e a
singularidade humanas são parcialmente moldadas em termos de a
humanidade ser portadora da “imagem de Deus” (Gênesis 1:26–27). Essa
noção não é elaborada em nenhum lugar nos textos bíblicos, portanto há
um debate sobre o que esse conceito realmente signi ca e quais podem ser
suas implicações. Para nossos propósitos nesta seção, a questão é: permitir
ou impor uma mudança radical na natureza humana compromete a
identidade humana como criaturas feitas à imagem de Deus?
Uma questão central aqui é se a noção teológica de ser criado à “imagem
de Deus” implica imutabilidade da identidade humana ou se ela cria a
possibilidade de transformação humana por meio do exercício das
faculdades que são entendidas como parte dos dons humanos criados.
Poucos, entretanto, têm sugerido que alterações físicas, culturais ou mentais
na pessoa humana equivalem à violação de algo sagrado. Para explorar este
ponto mais a fundo, vamos considerar quatro entendimentos centrais da
noção de “imagem de Deus” que surgiram durante o desenvolvimento da
teologia cristã:
1 A soberania de Deus. O estudioso do Antigo Testamento, Gerhard
von Rad, argumentou que havia um entendimento antigo e
especí co do Oriente Próximo da palavra hebraica para imagem –
selem – em termos da representação pública da autoridade de um
governante: por exemplo, ao ser usada para se referir a imagens ou
estátuas que simbolizavam o domínio de um rei sobre uma região
(veja, por exemplo, a estátua de ouro de Nabucodonosor, descrita
em Daniel 3:1–7). A “imagem de Deus” pode assim servir como um
lembrete da autoridade de Deus sobre a humanidade. Ser criado à
“imagem de Deus” poderia, portanto, ser entendido como ser
responsável perante Deus.
2 Correspondência humana com Deus. A ideia da “imagem de Deus”
pode ser usada para se referir a algum tipo de correspondência
entre a razão humana e a racionalidade de Deus como criador.
Nessa visão, há uma ressonância intrínseca entre as estruturas do
mundo e a racionalidade humana. Essa abordagem é apresentada
com particular clareza em um dos principais textos teológicos de
Agostinho, De Trinitate [Sobre a Trindade]:
A imagem do criador deve ser encontrada na alma racional ou intelectual da
humanidade [...] [A alma humana] foi criada de acordo com a imagem de Deus para
que possa usar a razão e o intelecto para apreender e contemplar Deus.
Para Agostinho, fomos criados com os recursos intelectuais que
podem nos colocar no caminho de encontrar Deus, re etindo sobre
a criação. Embora Agostinho tenha focado nos aspectos racionais
da “imagem de Deus”, outros autores – como Reinhold Niebuhr –
entenderam que ela envolvia a capacidade humana de se
autotranscender.
3 Imagem e relacionalidade. Uma terceira abordagem sustenta que a
“imagem de Deus” é sobre a capacidade de nos relacionarmos com
Ele. Ser criado à “imagem de Deus” é possuir o potencial de entrar
em relacionamento com Deus. O termo “imagem”, aqui, expressa a
ideia de que Deus criou a humanidade com um objetivo especí co
– ou seja, se relacionar com Deus. Esse tema teve um papel
importante na espiritualidade cristã. Nós fomos feitos para existir
em relacionamento com nosso criador e redentor.
4 Imagem e narrativa. Um dos aspectos mais característicos dos seres
humanos é que eles contam histórias para preservar memórias,
salvaguardar a identidade pessoal e comunitária e dar sentido ao
mundo ao seu redor. J. R. R. Tolkien (1892–1973) sustentava que
havia uma base teológica para essa capacidade: somos criados com
algum modelo narrativo dentro de nós e isso signi ca que a imagem
de Deus está impressa e re etida nas histórias que criamos. O
instinto humano de contar histórias signi cativas está
fundamentado em uma doutrina cristã da criação e oferece uma
explicação teológica para o nosso amor à narração. Talvez o mais
importante seja que essa abordagem enfatiza a importância da
criatividade humana – uma ideia que Tolkien expressou em termos
de os humanos serem “cocriadores” com Deus na construção de
mundos reais e imaginários.
Então, como esse amplo conceito de portador da “imagem de Deus”
entra em re exões sobre a relação de aprimoramento tecnológico humano e
abordagens religiosas da identidade humana? A seguir, vamos considerar as
perspectivas de dois teólogos luteranos com interesses especí cos no campo
de ciência e religião: Philip Hefner, professor emérito de teologia sistemática
da Lutheran School of eology, de Chicago, e ex-diretor do Zygon Center
for Religion and Science, e Ted Peters, professor de teologia sistemática no
Paci c Lutheran eological Seminary (Berkeley, Califórnia).
Em sua in uente obra e Human Factor [O fator humano] (1993),
Philip Hefner estabelece as bases de uma antropologia cristã enraizada na
ideia do ser humano como um “cocriador criado”. Para Hefner, uma teoria
contemporânea viável da pessoa humana deve ser fundamentada na noção
de um Deus que cria os seres humanos como cocriadores. Deus não apenas
propiciou seres humanos, mas os chamou e capacitou para escolher e criar
sua própria liberdade. O processo de seleção natural continha em si mesmo,
desde o início, o potencial para a futura liberdade de criação, e a chegada da
humanidade representa o ponto em que se pode dizer que a criação escolheu
ser livre.
Ted Peters desenvolve ainda mais esse conceito, principalmente por
meio de sua visão “proléptica” da teologia. Peters argumenta que a natureza
deve ser vista como creatio continua de Deus. A criação é tanto um evento
quanto um processo, de forma que o processo de criação está ocorrendo
ainda hoje. Ao desenvolver esse ponto, Peters faz distinção entre duas
maneiras de entender a “criação”: criação “arcônica”,39 na qual tudo é criado
desde o início e se move em direção ao seu objetivo nal predeterminado, e
criação “epigenética”, na qual o processo de criação tem capacidade de
novidade genuína, levando a um futuro aberto – e não predeterminado. A
humanidade está envolvida nesse processo de moldar o futuro da criação –
incluindo o seu próprio futuro. Peters sugere, desse modo, que nos tornamos
mais humanos ao nos unirmos à obra de Cristo dentro do processo
evolutivo para, assim, crescermos na semelhança com Deus.
A tecnologia tem um claro papel a desempenhar nesse processo de
desenvolvimento e aprimoramento. Hefner, por exemplo, argumenta que
Deus nos dotou de capacidade e desejo de autotranscendência, pois somos
capazes de imaginar novos futuros e estabelecê-los. Hefner e Peters, no
entanto, estão cientes de como a tecnologia pode ser abusada. Hefner admite
a importância de reconhecer o aspecto decaído da natureza humana e o
impacto que isso tem sobre as capacidades morais humanas e os objetivos de
suas aspirações. Os processos criativos humanos nem sempre estão
alinhados com os propósitos de Deus, de modo que as atitudes culturais
humanas e sua capacidade tecnológica foram fundamentais para levar o
planeta a um ponto de crise. A capacidade humana de criatividade é apenas
um aspecto ou elemento da “imagem de Deus”; essa ideia também envolve
viver e agir de acordo com os propósitos de Deus, à medida que estes são
revelados e incorporados em Cristo.
Não obstante Hefner e Peters expressarem preocupações sobre aspectos
do transumanismo, seu entendimento da “imagem de Deus” cria espaço
para o cristianismo e o transumanismo convergirem em alguns pontos,
particularmente em sua visão de que a humanidade precisa se mover em
direção ao futuro, usando a criatividade para melhorar a criação e a
condição humana – mas, no entanto, permanecendo humana ao fazê-lo.
MATEMÁTICA: A CIÊNCIA E A LINGUAGEM DE DEUS
O universo é algo que podemos entender parcialmente e representar
matematicamente. Esse entendimento é fundamental para as ciências
naturais, embora, em grande medida, seja um resultado surpreendente. O
universo não é apenas governado por leis; essas leis são compreensíveis para
nós. Como observa o lósofo Roger Scruton,40 a ideia de que um universo
deixado por conta própria “produzirá seres conscientes, capazes de procurar
a razão e o signi cado das coisas” é extraordinária e exige algum tipo de
explicação fundamentada. John Polkinghorne, físico teórico britânico
conhecido por seu trabalho em teoria quântica, é um dos muitos que
enfatiza a curiosidade dessa observação e suas possíveis implicações. Os
cientistas estão tão familiarizados com a capacidade de entender o mundo,
que na maioria das vezes tomam isso como dado, a nal, é o que torna a
ciência possível. No entanto, observa Polkinghorne, as coisas poderiam ter
sido muito diferentes. “O universo poderia ter sido um caos desordenado e
não um cosmos ordenado. Ou poderia ter tido uma racionalidade
inacessível para nós.”41
Algo particularmente enigmático é por que as estruturas profundas do
universo podem ser representadas matematicamente. Como poderia o
grande oceano indomável do universo ser representado na calma e rasa
piscina da matemática? Esse ponto foi colocado em um ensaio clássico do
físico teórico e ganhador do Nobel, Eugene Wigner, intitulado e
Unreasonable Effectiveness of Mathematics [A irrazoável e cácia da
matemática].42 Uma de suas frases nais destaca as implicações desse
“milagre” – ou seja, a “adequação da linguagem da matemática para a
formulação das leis da física”. Para Wigner, este é um “presente maravilhoso
que não entendemos, nem merecemos”, um mistério que clama por
explicação.
Quando os cientistas tentam entender as complexidades do nosso
mundo, eles usam a matemática como sua tocha. Às vezes, teorias
matemáticas abstratas que foram originalmente desenvolvidas sem
nenhuma aplicação prática em mente mais tarde se tornam modelos físicos
poderosamente preditivos. Entretanto, nossa familiaridade com esse fato
embotou nossa consciência de que isso é realmente muito estranho. Para
Polkinghorne, é profundamente intrigante o fato de haver uma tão
signi cativa “congruência entre nossas mentes e o universo”. Por que a
matemática (uma racionalidade que experimentamos dentro de nós
mesmos) corresponde tão intimamente às estruturas profundas do universo
(uma racionalidade observada além de nós mesmos)? Que explicações
podem ser oferecidas para essa estranha observação?
Uma possibilidade é que isso poderia ser resultado de uma sorte
extraordinária – até um milagre. Por que a matemática, resultado de uma
exploração livre da mente humana, tem alguma relação com a estrutura do
mundo físico ao nosso redor? Ora, alguns chegam a sugerir que podemos
deixar isso para lá. Funciona, e é tudo o que precisamos saber. A maioria, no
entanto, sentirá que esse mistério exige uma explicação. Como Albert
Einstein observou certa vez: “A coisa mais incompreensível do universo é
que ele é compreensível”.43 Einstein acreditava que, embora a questão da
inteligibilidade do mundo tenha sido levantada pela ciência, ela vai muito
além da capacidade de resposta da ciência.
Esse é um bom exemplo da di culdade observada pelo lósofo Ludwig
Wittgenstein, ao apontar corretamente que o signi cado de um sistema não
será encontrado dentro do próprio sistema. A ciência é muito boa em
levantar questões profundas, cujas respostas estão além do escopo do
método cientí co. Assim, acaso existiria o que o próprio Eugene Wigner
chamou de “uma imagem que seja uma fusão consistente de pequenas
imagens em uma única unidade” que possa acomodar essa observação?
Alguns contestariam que há algo a ser explicado. Eles argumentariam
que o papel da matemática na teoria física fundamental é simplesmente
organizacional, na medida em que nós impomos signi cado e estrutura ao
mundo. Portanto, não existe uma ordem matemática especí ca dentro do
próprio universo. A mente humana gosta de organizar as coisas, levandonos a impor nossa própria ordem à realidade, lançando uma rede
matemática sobre ela. Essa rede cria e impõe ordem, mas a ordem é
inventada, não real.
Contudo, como Roger Penrose e outros observaram, essa noção de
imposição de uma ordem inventada não consegue explicar a extraordinária
precisão na concordância entre as melhores teorias físicas que nós temos e o
comportamento de nosso universo material em seus níveis mais
fundamentais. Penrose aponta para a teoria da relatividade geral, de
Einstein, que é ainda melhor que a já incrivelmente precisa teoria da
gravidade newtoniana. A teoria de Newton tinha precisão de algo como uma
parte em cem na descrição do comportamento do sistema solar. No entanto,
a teoria de Einstein não é apenas muito mais precisa; ela também prevê
efeitos completamente novos, como buracos negros e ondas gravitacionais.
Nossas mentes podem desenvolver teorias que não explicam
simplesmente o que já é conhecido, mas podem prever coisas que ainda não
descobrimos. Esse é um ponto particularmente importante quando visto à
luz dos tipos de darwinismo metafísico que autores como Daniel Dennett e
Richard Dawkins consideram tão persuasivos. Dennett argumenta que o
pensamento humano – incluindo nossa moralidade e religião – foi moldado
pelo nosso passado evolutivo. Sem perceber, somos os prisioneiros de nossa
história genética, presos a modos de pensar que foram moldados por nossa
necessidade de sobreviver. Dennett vê o darwinismo como um “ácido
universal”, uma loso a naturalista que corrói a religião e a ética, expondoas como relíquias de um passado que não têm lugar no presente. Os críticos
de Dennett, é claro, apontaram que isso também tem implicações negativas
para a loso a. Se a racionalidade humana está fundamentada em nosso
passado evolutivo, por que con ar nela loso camente?
Se a narrativa darwiniana in ada de Dennett for correta, a mente
humana evoluiu em resposta à necessidade de sobrevivência. Assim, que
razão existe para pensar que ela pode adquirir um conhecimento profundo
da realidade – como a estrutura fundamental do universo – quando tudo o
que é necessário para que os humanos reproduzam seus genes é evitar
cometer erros fatais com muita frequência? Não há razão evolutiva
convincente para nossa capacidade de desenvolver as teorias matemáticas
ricas e complexas de nossos dias, de especular sobre as origens do universo
ou de poder representar matematicamente as estruturas profundas da
realidade.
Durante o século 17, muitos cientistas importantes começaram a pensar
na matemática como uma “linguagem natural” ou a “linguagem da
natureza”. A ideia pode ser vista claramente nos escritos de Johannes Kepler
(1571-1630), que considerava a geometria como o arquétipo do cosmos,
coeterna com Deus como seu criador. Em sua obra Harmonices Mundi
[Harmonia do mundo] (1619), Kepler argumentou que, como a geometria
tinha suas origens na mente de Deus, era de se esperar que a ordem criada
estivesse em conformidade com seus padrões:
Na medida em que a geometria é parte da mente divina desde as origens do tempo, mesmo antes
das origens do tempo (pois o que há em Deus que também não é de Deus?), ela forneceu a Deus
os padrões para a criação do mundo e foi transferida para a humanidade com a imagem de
Deus.44
Um tema semelhante é encontrado nos escritos de Galileu, que falaram
do universo como um livro escrito usando a linguagem da matemática:
A loso a está escrita naquele grande livro que se abre continuamente diante de nossos olhos
(estou falando do Universo), mas não pode ser entendido sem aprender a entender a linguagem
e interpretar os caracteres em que está escrita. Ela está escrita na linguagem da matemática e seus
caracteres são triângulos, círculos e outras guras geométricas, sem as quais é humanamente
impossível entender uma única palavra.45
A tendência crescente em direção à “matematização da natureza”,
evidente nessa passagem, re ete essa crença de que a matemática é a
linguagem na qual o “livro da natureza” está escrito.
Muitos cientistas pioneiros da Renascença viam a teologia como um
modelo imaginativo que lhes permitia entender o mundo. Em particular,
eles consideravam que a noção da humanidade como portadora da “imagem
de Deus” tinha importantes consequências epistêmicas, incluindo uma
propensão ou capacidade de discernir Deus dentro da criação. A ideia
bíblica da “imagem de Deus” foi desenvolvida de maneiras signi cativas
dentro da tradição teológica cristã, que muitas vezes a concebeu como um
modelo racional ou imaginativo, apontando para uma explicação teísta do
mundo.
Uma visão semelhante foi adotada pelo grande lósofo empírico
vitoriano William Whewell, cujo método cientí co indutivo re etia sua
crença de que as “Ideias Fundamentais” que usamos para organizar nossas
ciências se assemelham às ideias usadas por Deus na criação do universo
físico. Para Whewell, Deus criou nossas mentes para que elas contenham
essas ideias (ou seus “germes”), tal que “elas possam e devam concordar com
o mundo”.46
A capacidade de uma teoria – uma maneira de ver as coisas – de
“encaixar as coisas”, de mostrar que elas são uma parte interconectada de um
todo maior é amplamente aceita como uma indicação de sua veracidade.
Agora, isso não equivale a uma prova de tal teoria, no sentido estrito lógico
ou matemático do termo. No entanto, uma das questões mais fundamentais
da explicação cientí ca é se uma observação pode ser satisfatoriamente
acomodada dentro de certa maneira de pensar. Isso não prova que uma
visão teísta esteja certa. A nal, várias formas de platonismo também
oferecem uma estrutura para explicar essa notável e até mágica capacidade
da matemática de mapear as estruturas mais profundas da mente humana.
Talvez não seja surpreendente que essa seja frequentemente considerada a
posição metafísica padrão para os matemáticos. No entanto, todo cientista
sabe que existem múltiplas interpretações teóricas para cada observação; a
questão é qual delas deve ser vista como a melhor. Para muitos, a ideia de
Deus continua sendo uma das maneiras mais simples, elegantes e
satisfatórias de ver o nosso mundo e entender o lugar da matemática nele.
FÍSICA: O “PRINCÍPIO ANTRÓPICO” TEM SIGNIFICADO RELIGIOSO?
Considera-se, em geral, que a física e a cosmologia modernas oferecem
algumas das possibilidades mais importantes e frutíferas de diálogo entre as
ciências e a religião. Nesta seção, focaremos em duas questões relevantes que
estão interconectadas: o “Big Bang” e o chamado “princípio antrópico”.
Vamos considerá-los a seguir.
Como vimos anteriormente nesta obra, hoje é amplamente aceito que o
universo teve um início. Isso imediatamente aponta para, pelo menos,
algum nível de a nidade ou consonância com a ideia cristã de que o
universo foi criado. Embora o reconhecimento de que o universo tenha tido
um “começo” não implique necessariamente que ele tenha sido “criado”, um
grande número de autores, como o lósofo e padre húngaro Stanley L. Jaki,
argumentou que essa é a implicação mais óbvia da noção de origem. Um dos
fatores que têm sido de particular importância para focalizar esse debate é o
“princípio antrópico”, ao qual nos voltamos agora.
A expressão “princípio antrópico” é usada de várias maneiras por
diferentes autores; mas, em geral, é empregada para fazer referência ao
notável grau de “ajuste no” observado na ordem natural. O físico
americano Paul Davies propõe que a notável convergência de certas
constantes fundamentais é carregada de signi cado religioso. “A
concordância aparentemente milagrosa de valores numéricos que a natureza
atribuiu a suas constantes fundamentais deve permanecer a evidência mais
convincente de um elemento de design cósmico.”
É amplamente aceito que a introdução mais acessível ao princípio
antrópico seja o estudo de John D. Barrow e Frank J. Tipler, de 1986,
intitulado e Anthropic Cosmological Principle [O princípio cosmológico
antrópico]. A observação básica subjacente ao princípio pode ser
apresentada da seguinte forma:
Um dos resultados mais importantes da física do século 20 foi a percepção gradual de que
existem propriedades invariantes do mundo natural e seus componentes elementares que tornam
inevitável o tamanho e a estrutura macroscópicos de praticamente todos os seus constituintes. O
tamanho de estrelas e planetas, e até mesmo das pessoas, não é aleatório, nem resultado de
qualquer processo de seleção darwiniano a partir de uma in nidade de possibilidades. Essas e
outras características macroscópicas do Universo são as consequências da necessidade; são
manifestações dos possíveis estados de equilíbrio entre forças concorrentes de atração e repulsão.
Os níveis intrínsecos dessas forças controladoras da Natureza são determinados por uma
misteriosa coleção de números puros que chamamos de constantes da Natureza.
A importância desse ponto foi destacada em um importante artigo de
revisão, publicado em 1979 no principal periódico cientí co britânico,
Nature, por B. J. Carr e M. J. Rees. Eles destacaram como a maioria das
escalas naturais – em particular as escalas de massa e comprimento – é
determinada por algumas constantes físicas. Concluíram que: “A
possibilidade de a vida como a conhecemos evoluir no Universo depende
dos valores de algumas constantes físicas – e ela é, em alguns aspectos,
notavelmente sensível aos seus valores numéricos”. As constantes que
assumiram um papel particularmente signi cativo foram a constante de
estrutura na eletromagnética, a constante gravitacional e a razão entre a
massa do elétron e a massa do próton.
Exemplos do “ajuste no” de constantes cosmológicas fundamentais
incluem:
1. Se a constante de acoplamento forte fosse um pouco menor, o
hidrogênio seria o único elemento no universo. Uma vez que a
evolução da vida como a conhecemos é fundamentalmente
dependente das propriedades químicas do carbono, essa vida não
poderia ter surgido sem que parte do hidrogênio fosse convertido
em carbono por fusão nuclear. Por outro lado, se a constante de
acoplamento forte fosse um pouco maior (até 2%), o hidrogênio
seria convertido em hélio, com o resultado de que nenhuma estrela
de vida longa seria formada. Como essas estrelas são consideradas
essenciais para o surgimento da vida, essa conversão teria feito com
que a vida, como a conhecemos, não pudesse emergir.
2. Se a constante de acoplamento fraca fosse um pouco menor, nenhum
hidrogênio teria se formado durante os primórdios da história do
universo. Consequentemente, nenhuma estrela teria sido formada.
Por outro lado, se ela fosse um pouco maior, as supernovas seriam
incapazes de ejetar os elementos mais pesados necessários para a
vida. Em ambos os casos, a vida como a conhecemos não poderia
ter emergido.
3. Se a constante de estrutura na eletromagnética fosse ligeiramente
maior, as estrelas não seriam quentes o su ciente para aquecer os
planetas a uma temperatura su ciente para manter a vida na forma
em que a conhecemos. Se fosse menor, as estrelas teriam queimado
muito rapidamente para permitir que a vida evoluísse nesses
planetas.
4. Se a constante gravitacional fosse um pouco menor, estrelas e
planetas não seriam capazes de se formar, devido às restrições
gravitacionais necessárias para a coalescência de seu material
constituinte. Se fosse mais forte, as estrelas assim formadas teriam
queimado muito rapidamente para permitir a evolução da vida
(como no caso da constante de estrutura na eletromagnética).
O signi cado dessa evidência de “ajuste no” tem sido objeto de
considerável discussão entre cientistas, lósofos e teólogos. Não há dúvida
de que essas coincidências são imensamente interessantes e instigantes,
levando pelo menos alguns cientistas naturais a postular uma possível
explicação religiosa para essas observações. “Quando olhamos para o
universo e identi camos os muitos acidentes de física e astronomia que
trabalharam juntos em nosso benefício, quase parece que o universo, em
certo sentido, soubesse que estávamos chegando” (Freeman Dyson). Deve-se
enfatizar, no entanto, que a visão de Dyson não tem consenso universal
dentro da comunidade cientí ca, a despeito de sua óbvia atratividade para
um subconjunto signi cativo dessa comunidade, que endossa a noção de
um Deus criador.
Certamente é verdade que o princípio antrópico, na sua forma fraca ou
forte, é muito consistente com uma perspectiva teísta. Um teísta (por
exemplo, um cristão), com um rme compromisso com uma doutrina da
criação, julgará o “ajuste no” do universo uma adorável con rmação
antecipada de suas crenças religiosas. Isso não constituiria uma prova da
existência de Deus, mas seria um elemento importante em uma série
cumulativa de considerações no mínimo consistentes com a existência de
um Deus criador. Esse é o tipo de argumento apresentado por F. R. Tennant
(1886-1957) em seu importante estudo Philosophical eology [Teologia
losó ca] (1930), que muitos acreditam ter usado o termo “antrópico” pela
primeira vez para designar esse tipo especí co de argumento teleológico:
A força da sugestão da Natureza de que ela é o resultado de um design inteligente não reside em
casos particulares de adaptabilidade no mundo, nem mesmo na multiplicidade deles [...] [mas]
consiste antes na conspiração de inúmeras causas para produzir, seja por ação conjunta ou
recíproca, e manter uma ordem geral da Natureza. Tipos mais restritos de argumentos
teleológicos, baseados em pesquisas de esferas restritas de fato, são muito mais precários do que
aqueles para os quais o nome de “teleologia mais ampla” pode ser apropriado, no sentido de que
o argumento de design abrangente é o resultado de sinopse ou conspecção do mundo conhecível.
Isso não signi ca que os fatores mencionados acima constituam
evidência irrefutável da existência ou caráter de um Deus criador; poucos
pensadores religiosos sugeririam que esse é o caso. O que seria a rmado, no
entanto, é que eles são consistentes com uma visão de mundo teísta; que eles
podem ser acomodados com maior facilidade dentro dessa visão de mundo;
que reforçam a plausibilidade de uma visão de mundo para aqueles que já
estão comprometidos com uma; e que eles oferecem possibilidades
apologéticas para aqueles que ainda não mantêm uma posição teísta.
Mas e aqueles que não têm um ponto de vista religioso? Que status o
“princípio antrópico” pode ter em relação ao debate de longa data sobre a
existência e a natureza de Deus, ou o design divino do universo? Peter
Atkins, um químico-físico com visões estritamente antirreligiosas, observa
que o “ajuste no” do mundo pode parecer milagroso; no entanto, ele
argumenta que, sob inspeção mais minuciosa, pode-se propor uma
explicação puramente naturalista.
E o que dizer da noção de “multiverso”? Esse debate continua, sem sinais
óbvios de resolução. O ponto crucial do debate é se existe um universo
singular ou uma multiplicidade de universos. A possibilidade de múltiplos
universos deriva da ideia de um universo in acionário, proposta pela
primeira vez por Alan Guth, em 1981. Uma maneira de entender
teoricamente as propriedades observadas do universo é sugerir que ele
sofreu in ação massiva no primeiro instante – menos de um trilionésimo de
segundo – de sua existência. Isso envolveu o surgimento de uma
multiplicidade de universos.
Nessa abordagem, vivemos em um universo com propriedades
biologicamente amigáveis. Não habitamos ou observamos outros universos,
onde essas condições não ocorrem. Nossas ideias são restringidas por efeitos
de seleção de observação, o que signi ca que nossa localização dentro de um
universo biofílico nos inclina a propor que todo o cosmos possua essas
propriedades, quando, de fato, existirão outros universos que são hostis à
vida. De fato, alguns argumentam que esses universos biofóbicos são
previstos como sendo a norma. Por acaso existimos em um universo
excepcional e generalizamos a partir de suas propriedades. Nosso universo
pode ter propriedades antrópicas. Mas outros não. O debate continuará e
seu resultado é incerto.
BIOLOGIA EVOLUTIVA: PODEMOS FALAR EM “DESIGN” NA NATUREZA?
Um dos debates mais interessantes da biologia evolutiva contemporânea
diz respeito à noção de “teleologia”. Essa expressão, que deriva da palavra
grega telos (“ nalidade” ou “objetivo”), geralmente é interpretada como
“uma teoria de que um processo é direcionado para um objetivo ou
resultado especí co”. Essa ideia está subjacente à obra célebre Teologia
Natural, de William Paley (1802), segundo a qual a natureza demonstra
certas características que indicam ter sido “inventada” – isto é, projetada e
construída – por Deus à luz de certas nalidades ou objetivos muito
especí cos.
É uma ideia que permanece atraente. O lósofo Henri Bergson e o
paleontólogo evolutivo Pierre Teilhard de Chardin desenvolveram loso as
da vida que eram fundadas na aceitação da evolução biológica, embora a
interpretassem como tendo algum tipo de propósito ou objetivo. Nesta
seção, vamos considerar por que a ideia de teleologia em biologia se tornou
tão controversa e por que ela tem implicações religiosas signi cativas.
No início desta obra, consideramos as características básicas do
entendimento neodarwiniano de evolução. Essa abordagem combina a
ênfase de Charles Darwin no papel da seleção natural e a teoria genética de
Gregor Mendel. Um dos aspectos mais discutidos dessa abordagem da
evolução é a rejeição implícita de qualquer “propósito” no processo
evolutivo. Ele pode ter direção; no entanto não tem um objetivo. Isso levanta
claramente uma série de questões signi cativas.
Em seu in uente e amplamente discutido livro e Blind Watchmaker
[O relojoeiro cego] (1986), o zoólogo ateu Richard Dawkins lida com a
aparência de design no mundo, o que levou muitos a tirar disso conclusões
religiosas. Para Dawkins, embora essas conclusões possam ser
compreensíveis, elas permanecem equivocadas e infundadas:
Essa [aparência de design] é provavelmente a razão mais importante para a crença, mantida pela
grande maioria das pessoas que já viveu, em algum tipo de divindade sobrenatural. Foi preciso
um grande salto de imaginação para Darwin e Wallace perceberem que, ao contrário de toda
intuição, existe outro caminho e, uma vez que você o compreenda, um caminho muito mais
plausível para o “design” complexo surgir da simplicidade primordial.
Como vimos anteriormente, o título do livro de Dawkins é inspirado em
uma analogia usada por William Paley, um dos mais notáveis defensores do
“argumento do design”. Paley propõe que o mundo é como um relógio, que
mostra evidências de projeto e construção. Assim como a existência de um
relógio aponta para um relojoeiro, a aparência de design na natureza
(evidente, por exemplo, no olho humano) aponta para um designer.
Dawkins, embora aprecie as imagens de Paley, as considera fatalmente
defeituosas. Toda a ideia de “design” ou “ nalidade” está fora de lugar:
Paley sustenta seu argumento com descrições belas e reverentes da maquinaria dissecada da
vida, começando pelo olho humano [...] O argumento de Paley é feito com sinceridade
apaixonada e é informado pelo melhor conhecimento biológico de sua época, mas está errado,
gloriosa e totalmente errado [...] A seleção natural, o processo cego inconsciente e automático
que Darwin descobriu, e que agora sabemos ser a explicação para a existência e forma
aparentemente intencionais de toda a vida, não tem um objetivo em mente. Ele não tem mente,
nem olho da mente. Não planeja o futuro. Não tem visão, nem previsão, nem perspectiva
alguma. Se pode-se dizer que ele desempenha o papel de relojoeiro na natureza, ele é o relojoeiro
cego.
O processo de seleção natural é, portanto, visto como não guiado e não
direcionado, e “seleciona” apenas no sentido de que certas forças naturais
tendem a fazer com que certas espécies deixem de se estabelecer diante da
intensa competição com outras, na luta pela existência no mesmo ambiente.
Esse tom fortemente antiteleológico pode ser encontrado em vários
trabalhos anteriores de notáveis biólogos moleculares, talvez mais
signi cativamente Jacques Monod (1910-1976) em seu livro Chance and
Necessity [Acaso e necessidade] (1971). Nesse livro, Monod argumenta que a
mudança evolutiva ocorreu por acaso e foi perpetuada pela necessidade. O
termo “teleonomia” foi introduzido no uso biológico, em 1958, pelo biólogo
C. S. Pittendrigh (1918-1996), de Princeton, a m de enfatizar que o
“reconhecimento e a descrição de direcionalidade” não acarretam nenhum
compromisso com teleologia. Essa ideia foi desenvolvida ainda mais por
Monod, ao defender que a teleonomia havia substituído a teleologia na
biologia evolutiva. Ao usar esse termo, Monod quis destacar que a biologia
evolutiva estava preocupada em identi car e esclarecer os mecanismos
subjacentes ao processo evolutivo. Embora os mecanismos que governavam
a evolução fossem de interesse, eles não tinham objetivo. Portanto, não é
possível falar seriamente em “propósito” na evolução.
Ou é possível? O biólogo e lósofo Francisco Ayala (nascido em 1934)
argumenta que alguma noção de explicação teleológica é realmente
fundamental para a biologia moderna. É necessário dar conta dos papéis
funcionais conhecidos desempenhados por partes de organismos vivos e
descrever o objetivo da aptidão reprodutiva, que desempenha um papel tão
central nas descrições da seleção natural:
Uma explicação teleológica implica que o sistema em consideração é organizado
direcionalmente. Por esse motivo, explicações teleológicas são apropriadas na biologia e no
domínio da cibernética, mas não fazem sentido quando usadas nas ciências físicas para
descrever fenômenos como a queda de uma pedra. Além disso, e mais importante, as explicações
teleológicas implicam que o resultado nal é a razão explicativa da existência do objeto ou
processo que serve ou leva a ele. Uma descrição teleológica das brânquias de peixes implica que
as brânquias vieram à existência precisamente porque servem à respiração. Se o raciocínio acima
estiver correto, o uso de explicações teleológicas na biologia não é apenas aceitável, mas
indispensável.
A própria seleção natural, a principal fonte de explicação em biologia, é
para Ayala um processo teleológico por duas razões. Primeiro, porque é
direcionado ao objetivo de aumentar a e ciência reprodutiva; e segundo,
porque produz os órgãos e processos direcionados para esse objetivo e que
são necessários para isso.
Ernst Mayr (1904–2005), amplamente creditado por criar a loso a
moderna da biologia, especialmente da biologia evolutiva, expõe quatro
objeções tradicionais ao uso da linguagem teleológica na biologia:
1 Declarações ou explicações teleológicas implicam o endosso de
doutrinas teológicas ou metafísicas não veri cáveis nas ciências.
Mayr tem em mente o élan vital de Bergson ou a noção de
“enteléquia”, formulada por Hans Driesch (1867-1941).
2 A crença de que a aceitação de explicações para fenômenos
biológicos que não são igualmente aplicáveis à natureza inanimada
constitui rejeição de uma explicação físico-química.
3 A suposição de que objetivos futuros fossem a causa de eventos atuais
parecia incompatível com as noções aceitas de causalidade.
4 A linguagem teleológica parecia corresponder a um
antropomor smo censurável. O uso de termos como “intencional”
ou “direcionado a objetivo” parece representar a transferência de
qualidades humanas – como propósito e planejamento – para
estruturas orgânicas.
Conforme observa Mayr, como resultado dessas e de outras objeções,
acreditava-se amplamente que as explicações teleológicas em biologia eram
“uma forma de obscurantismo”. Contudo, paradoxalmente, os biólogos
continuam usando linguagem teleológica, insistindo que é metodológica e
heuristicamente apropriada e útil.
No entanto, como Mayr observa corretamente, a natureza é abundante
em processos e atividades que levam a um m ou objetivo.
Independentemente de como escolhemos interpretá-los, exemplos de
comportamento direcionado a objetivos são comuns no mundo natural; de
fato, “a ocorrência de processos direcionados para objetivos é talvez o
aspecto mais característico do mundo dos sistemas vivos”. A evasão de
declarações teleológicas através de sua rea rmação em formas não
teleológicas invariavelmente leva a “chavões sem sentido”. Embora envolva
sua conclusão em um emaranhado de quali cações, Mayr insiste que é
apropriado concluir que “o uso da chamada linguagem ‘teleológica’ por
biólogos é legítimo; não implica uma rejeição da explicação físico-química,
nem implica uma explicação não causal.”
Não há dúvida de que objeções sérias podem ser, e foram levantadas,
sobre a noção de evolução como um agente consciente, planejando
ativamente seus objetivos e resultados ou atraída para um objetivo
predeterminado por alguma força misteriosa. No entanto é preciso salientar
que essas formas antropomór cas de falar (e pensar) são evidentes em
algumas seções da biologia contemporânea. Um excelente exemplo é dado
pela visão de evolução “centrada no gene”, popularizada por Richard
Dawkins, que implica a visualização do gene como um agente ativo. Apesar
de advertir com razão que “não devemos pensar nos genes como agentes
conscientes e propositais”, Dawkins argumenta que o processo de seleção
natural “os faz se comportarem como se fossem propositais”. Essa maneira
antropomór ca de falar envolve a atribuição de ação e intencionalidade a
uma entidade que é, em última análise, uma participante passiva no
processo de replicação, em vez de sua diretora ativa.
A questão da direcionalidade no processo evolutivo foi reaberta em 2003
pelo biólogo evolutivo de Cambridge, Simon Conway Morris (nascido em
1951). Em seu livro Life’s Solution [A solução da vida], Conway Morris
argumenta que o número de destinos evolutivos é limitado. “Rode
novamente a ta da vida quantas vezes quiser e o resultado nal será o
mesmo.” Em Life’s Solution é dado um forte argumento para a previsibilidade
dos resultados evolutivos. Seu argumento é baseado no fenômeno da
evolução convergente, no qual duas ou mais linhagens desenvolveram
independentemente estruturas e funções semelhantes. Os exemplos de
Conway Morris vão desde a aerodinâmica de mariposas e beija- ores até o
uso de seda por aranhas e alguns insetos para capturar presas.
A evolução parece regularmente “convergir” para um número
relativamente pequeno de resultados possíveis. A convergência é
generalizada, apesar da in nidade de possibilidades genéticas, porque “as
rotas evolutivas são muitas, mas os destinos são limitados”. Certos destinos
são impedidos pelas “vastidões selvagens dos mal-adaptativos”. A história
biológica mostra uma acentuada tendência a se repetir, com a vida
demonstrando uma capacidade quase misteriosa de encontrar o caminho
para a solução correta, repetidamente. “A vida tem uma propensão peculiar
de ‘navegar’ para soluções bastante precisas em resposta a desa os
adaptativos”.
Ao enfatizar essa importante questão, Conway Morris propõe uma
analogia não biológica para ajudar seus leitores a entender seu ponto. Ele
recorre à descoberta da Ilha de Páscoa pelos polinésios, talvez 1.200 anos
atrás. A Ilha de Páscoa é um dos lugares mais remotos do mundo, a pelo
menos 3 mil quilômetros dos centros populacionais mais próximos, Taiti e
Chile. No entanto, embora cercada pela vastidão vazia e deserta do Oceano
Pací co, foi descoberta pelos polinésios. Isso, pergunta Conway Morris, é
para ser atribuído ao acaso e à sorte? Possivelmente. Mas provavelmente
não. Conway Morris aponta para a “so sticada estratégia de busca dos
polinésios”, que tornou sua descoberta inevitável. O mesmo, diz ele, acontece
no processo evolutivo: “Ilhas ‘isoladas’ oferecem refúgios de possibilidade
biológica em um oceano de má adaptação.” Essas “ilhas de estabilidade” dão
origem ao fenômeno da evolução convergente.
Qual é o signi cado teológico dessas re exões? A maioria das objeções
tradicionais ao apelo à noção de teleologia em biologia observada por Mayr
re ete a crença de que um sistema metafísico a priori, muitas vezes teísta, é
imposto ao processo de observação e re exão cientí ca, prejudicando seu
caráter cientí co. Do ponto de vista do método cientí co, pode-se de fato
protestar contra a imposição de noções a priori de objetivos e causas, como
as associadas a muitas abordagens tradicionais de teleologia. As ciências
naturais protestam corretamente sobre o contrabando de esquemas
teleológicos preconcebidos para a análise cientí ca. Mas e se eles surgirem
do processo de re exão sobre a observação? E se forem inferências a
posteriori, em vez de suposições dogmáticas a priori? A análise de Conway
Morris sugere que uma forma de teleologia pode realmente ser inferida a
posteriori, como a “melhor explicação” do que é observado. Isso pode não
estar diretamente relacionado à doutrina cristã tradicional da providência;
contudo, há alguma sobreposição conceitual e ressonância.
Deve-se notar, isso não é necessariamente uma questão de discernir
“propósito” – uma noção fortemente carregada do ponto de vista metafísico
– dentro da sequência evolutiva e inferir disso que Deus existe. Na verdade,
isso equivale a a rmar uma ressonância entre teoria religiosa e observação,
semelhante à a rmada na observação de John Henry Newman: “Eu acredito
em design porque acredito em Deus; não em Deus porque vejo o design”.
Além disso, a noção de “criar” não precisa ser interpretada como um evento
único, isolado no tempo, mas pode igualmente – e muitos diriam
corretamente – ser entendida como um processo direcionado. Essa é a visão
de criação apresentada por Agostinho de Hipona (354-430), que falou de
Deus criando um mundo com uma capacidade inerente de se desenvolver e
evoluir. Uma observação semelhante foi feita pelo clérigo inglês Charles
Kingsley (1819-1875), em 1871: “Sabíamos antigamente que Deus era tão
sábio, que Ele podia fazer todas as coisas: mas observe, Ele é muito mais
sábio do que isso; Ele pode fazer com que todas as coisas se façam a si
mesmas”. Mais uma vez, é claro que estamos lidando com um debate que
ainda tem um longo caminho a percorrer.
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO: O QUE É RELIGIÃO, AFINAL?
A psicologia da religião está se tornando um campo cada vez mais
importante, principalmente por causa de uma série de estudos empíricos
recentes sugerindo que a crença religiosa pode desempenhar um papel
positivo signi cativo em relação ao bem-estar. A disciplina tradicionalmente
explora questões tais como o modo pelo qual a fé religiosa se desenvolve e
amadurece, as maneiras pelas quais a fé religiosa pode ser bené ca ou
nociva, as diferentes respostas religiosas associadas a vários tipos de
personalidade e os mecanismos cerebrais subjacentes à experiência religiosa.
O estudo psicológico da religião tem encontrado alguma resistência
dentro das comunidades religiosas, principalmente devido à preocupação de
que a psicologia vise o reducionismo explicativo – em outras palavras, que
as crenças religiosas sejam reduzidas à psicologia ou minimizadas por ela.
Não há dúvida de que parte dessa agenda pode ser vista em algumas
abordagens fortemente reducionistas da religião – como a de Sigmund
Freud (1856–1939), que vamos considerar na sequência. De qualquer forma,
esse não é necessariamente o caso. Muitos psicólogos, incluindo William
James (1842–1910), tratam a religião como um fenômeno com sua própria
integridade e características distintas, que devem ser reconhecidas e
respeitadas. Onde Freud estava convencido de que as origens da crença
religiosa estavam em certos delírios profundamente enraizados, James
propôs uma abordagem mais apreciativa e positiva da religião.
Pode-se notar também que a psicologia e a religião podem ser vistas
como oferecendo diferentes níveis de explicação. Certamente é possível
argumentar que alguns aspectos dos processos cognitivos humanos podem
ajudar a explicar como as ideias religiosas são geradas ou sustentadas. No
entanto, como ressalta o psicólogo Fraser Watts, é necessário reconhecer
uma multiplicidade de causas nessas áreas. Alguns cientistas adotaram o
hábito de perguntar: “O que causou A? Foi X ou Y?” Mas, nas ciências
humanas, múltiplas causas são a norma. Por exemplo, considere a pergunta:
“A depressão é causada por fatores físicos ou sociais?” A resposta é que ela é
causada por ambos. Como Watts salienta, a história de tais pesquisas
“deveria nos tornar cautelosos ao perguntar se uma aparente revelação de
Deus é realmente tal, ou se tem alguma outra explicação natural em termos
de processos mentais ou processos cerebrais das pessoas”. Para colocá-lo de
forma direta, Deus, os processos do cérebro humano, o contexto cultural e
os processos psicológicos podem ser fatores causais na experiência religiosa
humana.
A seguir, vamos explorar algumas abordagens psicológicas da religião e
destacar sua importância para o nosso tema. Vamos nos concentrar em dois
dos autores mais importantes e interessantes nesse campo – William James e
Sigmund Freud.
William James estudou na Universidade de Harvard, onde
posteriormente se tornou professor de psicologia (1887-1897) e, depois, de
loso a (1897-1907). Seu trabalho mais in uente foi baseado nas Gifford
Lectures da Universidade de Edimburgo, publicadas sob o título e
Varieties of Religious Experience [As variedades da experiência religiosa]
(1902). Nesse estudo de referência, James se baseou extensivamente em uma
ampla gama de obras publicadas e testemunhos pessoais, envolvendo-se
com a experiência religiosa em seus próprios termos e levando em conta tais
experiências conforme apresentadas. A discussão de James sobre o
misticismo identi ca quatro características dessas experiências religiosas:
1 Inefabilidade: a experiência “desa a a expressão”; não pode ser
descrita adequadamente em palavras. “Sua qualidade deve ser
experimentada diretamente; ela não pode ser comunicada ou
transferida para outras pessoas.”
2 Qualidade noética: tal experiência é vista como tendo autoridade,
fornecendo insights e conhecimentos sobre verdades profundas, que
são sustentadas ao longo do tempo. Esses “estados de percepção em
profundezas de verdade insondável pelo intelecto discursivo” são
entendidos como “iluminações, revelações cheias de signi cado e
importância, todas inarticuladas, embora permaneçam”.
3 Transitoriedade: “Os estados místicos não podem ser mantidos por
muito tempo”. Geralmente eles duram de alguns segundos a
minutos, e suas qualidades não podem ser lembradas com precisão,
embora a experiência seja reconhecida se ela se repete. “Quando
esmaecida, suas qualidades podem ser reproduzidas na memória
apenas imperfeitamente”.
4 Passividade: “Embora a iminência de estados místicos possa ser
facilitada por operações voluntárias preliminares”, uma vez
iniciadas, o místico se sente fora de controle, como se ele ou ela
“tivesse sido apreendido e mantido por um poder superior”.
Apesar de James observar que as duas últimas características são “menos
marcantes” que as outras, ele as considera parte integrante de qualquer
fenomenologia da experiência religiosa.
Embora outros autores, como F. D. E. Schleiermacher (1768-1834),
tenham abordado a questão da experiência religiosa antes dele, James trouxe
para o seu trabalho uma maneira de pensar analítica e empírica mais
rigorosa. No entanto, James está ciente de que a experiência é um assunto
privado, que não é facilmente aberto à descrição pública. O esforço pioneiro
de James para construir um estudo empírico do fenômeno da experiência
religiosa ainda é amplamente considerado como um estudo competente,
equilibrado e primorosamente observado da experiência religiosa.
James deixa claro que seu principal interesse é a experiência religiosa
pessoal, e não o tipo de experiência religiosa associada às instituições. “Ao
julgar criticamente o valor dos fenômenos religiosos, é muito importante
insistir na distinção entre religião como uma função pessoal individual e
religião como um produto institucional, corporativo ou tribal.” Então, o que
há nessas “experiências” que determina se elas são religiosas ou não? James
responde a essa pergunta criticamente importante a rmando que a
experiência religiosa se distingue qualitativamente de outros modos de
experiência: “A essência das experiências religiosas, a coisa pela qual
nalmente devemos julgá-las, deve ser aquele elemento ou qualidade nelas
que não podemos encontrar em nenhum outro lugar”. James considera que a
experiência religiosa comunica uma nova qualidade de vida. Ele fala da
experiência religiosa como elevando “nosso centro de energia pessoal” e
dando origem a “efeitos regenerativos inatingíveis de outras maneiras”. Deus
deve ser concebido como “o poder mais profundo do universo” que pode ser
“concebido sob a forma de uma personalidade mental”.
Seu livro, e Varieties of Religious Experience [As variedades de
experiência religiosa], é frequentemente visto como tendo estabelecido a
ciência da psicologia da religião. Embora não tenha o rigor analítico que
alguns poderiam esperar hoje, a obra-prima de James é baseada em dois
princípios fundamentais. Primeiro, que uma experiência de “Deus” ou do
“divino” é existencialmente transformadora, levando à renovação ou
regeneração de indivíduos. Segundo, que qualquer tentativa de codi car ou
formular essas experiências deixará de fazer justiça a elas. Várias respostas
intelectuais são certamente possíveis; nenhuma delas, no entanto, é
adequada.
Desse modo, qual é o signi cado mais amplo de James para ciência e
religião? Um tema importante que emerge de seu estudo é que a religião
organizada tem relativamente pouco a oferecer aos interessados em
experiência religiosa. Ela opera na experiência de “segunda mão”, quando o
que precisa ser estudado é o novo e vital, frequentemente percebido como
uma ameaça às formas estabelecidas da religião organizada:
Uma genuína experiência religiosa em primeira mão [...] está fadada a ser uma heterodoxia para
suas testemunhas, o profeta parecendo um louco solitário. Se sua doutrina se mostra contagiosa
o su ciente para se espalhar para outras pessoas, torna-se uma heresia de nida e rotulada. Mas
se, entretanto, for contagiosa o su ciente para triunfar sobre a perseguição, ela se torna uma
ortodoxia; e quando a religião se tornou uma ortodoxia, seu dia de interioridade acabou; a
primavera está seca; os éis vivem exclusivamente de segunda mão e, por sua vez, apedrejam os
profetas.
Isso sugere que o estudo empírico da experiência religiosa é melhor
realizado fora da esfera da religião organizada – uma a rmação que teve um
impacto considerável no estudo cientí co do fenômeno da experiência
religiosa. Estudos empíricos subsequentes não forneceram fundamentação
para essa sugestão; no entanto, é importante entender que a abordagem de
James foi um estímulo importante para se trabalhar nessa área.
Um dos aspectos mais signi cativos do trabalho de James é que ele não
tenta reduzir a experiência religiosa a categorias sociais ou psicológicas, mas
tenta descrever os fenômenos de uma maneira que respeita sua integridade.
Isso aumenta o contraste entre James e Freud, a quem agora nos voltamos.
É amplamente aceito que a discussão de Sigmund Freud sobre religião é
uma de suas contribuições mais signi cativas ao debate sobre ciência e
religião. Como observamos anteriormente, Freud falou de três grandes
“feridas narcísicas” in igidas pelo avanço cientí co à autoestima humana. A
revolução copernicana demoliu a noção de que os seres humanos estavam
no centro do universo; Charles Darwin demonstrou que a humanidade nem
sequer tinha um lugar único no planeta Terra, sendo o resultado de um
processo natural; a terceira ferida, declarou Freud, foi sua própria
demonstração de que os seres humanos nem sequer eram senhores de seu
próprio destino, mas eram aprisionados e moldados por forças psicológicas
ocultas, localizadas no inconsciente humano.
Freud desenvolveu a ideia de a humanidade ser prisioneira de seus
próprios demônios internos, propondo que a religião poderia ser
considerada psicanaliticamente. A religião é uma criação humana, resultado
de uma obsessão pelo ritual e pela veneração de uma gura paterna. A
descrição de Freud sobre a “psicogênese da religião” tinha um tom
totalmente antipático, carecia de fundamentos probatórios empíricos
rigorosos e sua abordagem era fortemente reducionista. Em Totem e Tabu
(1913), ele considera como a religião tem suas origens na sociedade em
geral; em O Futuro de uma Ilusão (1927), ele lida com as origens
psicológicas (Freud costuma usar o termo “psicogênese”) da religião no
indivíduo. Para Freud, ideias religiosas são “ilusões, realizações dos desejos
mais antigos, mais fortes e mais urgentes da humanidade”. Ideias
semelhantes foram desenvolvidas em uma obra posterior, Moisés e o
Monoteísmo (1939), publicada no nal de sua vida.
Para entender Freud neste ponto, precisamos examinar sua teoria da
repressão. Essas perspectivas foram tornadas conhecidas pela primeira vez
em A Interpretação dos Sonhos (1900), um livro que foi ignorado pelos
críticos e pelo público em geral. A tese de Freud aqui é a de que os sonhos
são realizações de desejos, realizações disfarçadas de desejos que são
reprimidos pela consciência (o ego) e, assim, são deslocados para a
inconsciência. Em A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1904), Freud
argumentou que esses desejos reprimidos invadem a vida cotidiana em
vários pontos. Certos sintomas neuróticos, sonhos ou até pequenos deslizes
de língua – os chamados “atos falhos” – revelam processos inconscientes.
A tarefa do psicoterapeuta é expor essas repressões que têm um efeito
tão negativo na vida. A psicanálise (um termo cunhado por Freud) visa
expor as experiências traumáticas inconscientes e não tratadas, ajudando o
paciente a elevá-las à consciência. Através de questionamentos persistentes,
o analista pode identi car traumas reprimidos que têm um efeito muito
negativo sobre o paciente, e permitir que o paciente lide com eles, trazendoos à tona.
Como observamos anteriormente, as visões de Freud sobre a origem da
religião precisam ser consideradas em dois estágios: primeiro, suas origens
no desenvolvimento da história humana em geral, e segundo, suas origens
no caso de uma pessoa individual. Podemos começar tratando de sua
descrição para a psicogênese da religião na espécie humana em geral, como
é apresentado em Totem e Tabu.
Desenvolvendo sua observação anterior de que os ritos religiosos são
semelhantes às ações obsessivas de seus pacientes neuróticos, Freud
declarou que a religião era basicamente uma forma distorcida de neurose
obsessiva. Seus estudos com pacientes obsessivos (como o “Homem-Lobo”)
o levaram a argumentar que esses distúrbios eram consequência de
problemas de desenvolvimento não resolvidos, como a associação de “culpa”
e “ser impuro”, que ele relacionava à fase “anal” do desenvolvimento infantil.
Ele sugeriu que aspectos do comportamento religioso (como as cerimônias
rituais de limpeza do judaísmo) poderiam surgir através de obsessões
semelhantes.
Freud argumentou que os elementos-chave em todas as religiões
incluíam a veneração de uma gura paterna e a preocupação com rituais
apropriados, e traçou as origens da religião ao complexo de Édipo. Em
algum momento da história da raça humana, Freud argumenta (sem
fundamentação), que a gura paterna tinha direitos sexuais exclusivos sobre
as mulheres de sua tribo. Os lhos, infelizes com esse estado de coisas,
derrubaram a gura paterna e o mataram. Desde então, eles são
assombrados pelo segredo do parricídio e pelo sentimento de culpa
associado. A religião, segundo Freud, tem suas origens nesse evento
parricida pré-histórico e, por esse motivo, tem a culpa como um dos
principais fatores motivadores. Essa culpa requer purgação ou expiação,
para as quais vários rituais foram concebidos.
A ênfase no cristianismo sobre a morte de Cristo e a veneração do Cristo
ressuscitado parecia para Freud uma excelente ilustração desse princípio
geral. “O cristianismo, tendo surgido de uma religião-pai, tornou-se uma
religião- lho. Não escapou ao destino de ter que se livrar do pai.” A “refeição
do totem”, dizia Freud, tinha sua contrapartida direta na celebração cristã da
comunhão.
A descrição de Freud sobre as origens sociais da religião não é encarada
com muita seriedade e é frequentemente considerada uma “peça de época”,
em testemunho às teorias altamente otimistas e um tanto simplistas que
surgiram na esteira da aceitação geral da teoria darwiniana da evolução.
Entretanto, sua explicação para as origens da religião no indivíduo é mais
signi cativa. Mais uma vez, o tema da veneração de uma “ gura paterna”
surge como signi cativo. Curiosamente, a explicação de Freud para o
desenvolvimento da religião nos indivíduos parece não se basear em um
estudo cuidadoso do desenvolvimento real de tais visões em crianças, mas
em uma observação de similaridades (muitas vezes super ciais, é preciso
dizer) entre algumas neuroses de adultos e algumas crenças e práticas
religiosas, particularmente as do judaísmo e do catolicismo romano.
Em um ensaio sobre a memória de infância de Leonardo da Vinci
(1910), Freud expõe sua explicação da religião individual:
A psicanálise nos familiarizou com a conexão íntima entre o complexo paterno e a crença em
Deus; nos mostrou que um Deus pessoal é, psicologicamente, nada mais que um pai exaltado, e
nos traz evidências todos os dias de como os jovens perdem suas crenças religiosas assim que a
autoridade de seu pai é rompida. Assim, reconhecemos que as raízes da necessidade de religião
estão no complexo parental.
A veneração da gura paterna tem origem na infância. Ao atravessar sua
fase edipiana, argumenta Freud, a criança precisa lidar com a ansiedade pela
possibilidade de ser punida pelo pai. A resposta da criança a essa ameaça é
venerar o pai, identi car-se com ele e projetar o que sabe da vontade do pai
na forma do superego.
Freud explorou as origens dessa projeção de uma gura paterna ideal em
O Futuro de uma Ilusão. A religião representa a perpetuação de um
comportamento infantil na vida adulta, e é simplesmente uma resposta
imatura à consciência do desamparo, pela volta às experiências de infância
de cuidados paternos: “meu pai vai me proteger; ele está no controle”. A
crença em um Deus pessoal é, portanto, pouco mais que uma ilusão infantil,
a projeção de uma gura paterna idealizada.
Contudo, a abordagem altamente negativa de Freud à religião não foi a
única visão sobre o assunto que emergiu dos primeiros círculos
psicanalíticos. Carl Gustav Jung (1875–1961) era lho de um pastor suíço e
esteve intimamente associado a Freud desde 1907. Em 1914, Jung renunciou
ao cargo de presidente da Sociedade Internacional de Psicanálise, uma ação
que sinalizava seu crescente distanciamento de Freud em vários assuntos,
particularmente em sua ênfase na libido. Como observamos anteriormente,
Freud é conhecido por uma abordagem hostil e reducionista da religião.
Jung é geralmente considerado mais simpático à religião do que Freud, e
claramente desejava se distanciar do reducionismo de Freud. Embora Jung
permanecesse simpatizante da crença de Freud de que a “imagem de Deus” é
essencialmente uma projeção humana, ele localizou suas origens cada vez
mais no “inconsciente coletivo”. Os seres humanos são naturalmente
religiosos; não é algo que eles “inventam”. Talvez de maneira mais
signi cativa, ele enfatizou os aspectos positivos da religião, particularmente
em relação ao progresso de um indivíduo em direção à plenitude e
realização.
Até este ponto, consideramos duas contribuições importantes para a
psicologia da religião. Mas e as tendências mais amplas dentro da disciplina?
Ralph W. Hood, amplamente considerado uma gura importante na
psicologia americana da religião, distingue seis escolas de pensamento
psicológico sobre religião. A seguir, vamos identi car cada uma delas e
oferecer alguns comentários.
1. As escolas psicanalíticas recorrem ao trabalho de Freud, observado
acima, e tentam revelar e identi car motivos inconscientes da
crença religiosa. Embora Freud tenha reduzido a crença religiosa a
uma tentativa natural, se em última instância, mal orientada, de
lidar com o estresse da vida, as interpretações psicanalíticas
contemporâneas não são necessariamente hostis à fé religiosa. Por
exemplo, é cada vez mais reconhecido que a observação de que
processos ilusórios podem estar envolvidos na crença religiosa não
sustenta a a rmação ontológica muito mais profunda de que a
religião seja uma ilusão.
2. As escolas analíticas estão enraizadas na descrição de Carl Jung sobre
a vida espiritual, mencionada acima. Embora as abordagens
analíticas geralmente careçam de apoio empírico rigoroso, elas
foram consideradas úteis por aqueles que se preocupam com o
aconselhamento pastoral. Essas abordagens tendem a ser
interpretativas, e não causais, com o objetivo de iluminar a situação
religiosa, em vez de explicar suas origens.
3. As escolas de relações objetais também se baseiam na psicanálise, mas
concentram seus esforços nas in uências maternas sobre a criança.
Como resultado, muitas autoras feministas acharam essa uma área
particularmente produtiva para explorar. Como as abordagens
psicanalíticas e analíticas, essa escola tende a con ar em estudos de
casos clínicos e outros métodos descritivos baseados em pequenas
amostras.
4. As escolas transpessoais tentam confrontar experiências espirituais ou
transcendentes de maneira não redutiva, usando uma variedade de
métodos, cientí cos e religiosos. A maioria trabalha no pressuposto
de que essas experiências re etem uma realidade ontológica. Alguns
estudiosos sugerem que essa abordagem talvez seja mais bemclassi cada como uma “psicologia religiosa” do que como
“psicologia da religião”.
5. As escolas fenomenológicas enfocam os pressupostos subjacentes à
experiência religiosa e os pontos em comum dessa experiência. Elas
enfatizam a descrição e a re exão crítica em relação à
experimentação e à medição. Isso contrasta com a abordagem mais
empírica das escolas de medição, para a qual nos voltamos agora.
6. As escolas de medição usam os métodos psicológicos usuais para
estudar a experiência religiosa. Áreas signi cativas de pesquisa
incluem o desenvolvimento de escalas apropriadas para permitir a
medição de fenômenos religiosos. Essa abordagem geralmente
envolve a correlação de fenômenos, e não sua explicação.
Essa discussão de possíveis explicações psicológicas para a crença
religiosa levanta algumas questões importantes, uma das quais é se os seres
humanos são naturalmente inclinados a acreditar em Deus. Essa questão
tem sido abordada em seus pormenores pela disciplina relativamente nova
da ciência cognitiva da religião, portanto vamos considerar essas discussões
de maneira mais detalhada na seção nal deste capítulo.
CIÊNCIA COGNITIVA DA RELIGIÃO: A RELIGIÃO É “NATURAL”?
A disciplina da ciência cognitiva da religião desenvolve abordagens
cientí cas para o estudo da religião que combinam métodos e teoria
extraídos das psicologias cognitiva, desenvolvimental e evolutiva para
explorar explicações causais dos fenômenos religiosos entre povos e
populações. Essa abordagem traz teorias das ciências cognitivas para a
questão de por que o pensamento e a ação religiosos são tão comuns nos
seres humanos e por que os fenômenos religiosos assumem as formas
observadas. Deixando as a rmações metafísicas da religião de lado, o que é
observado como “religião” pode ser considerado como um amálgama
complexo de fenômenos essencialmente humanos, que são comunicados e
regulados pela percepção e cognição humanas naturais.
Esse importante campo de pesquisa enfoca o papel de processos
cognitivos humanos na crença e na ação religiosas. Para seus críticos, isso
corre o risco de ignorar ou subestimar a importância de outros fatores.
Armin Geertz, por exemplo, tem argumentado que essa abordagem deixa de
tratar adequadamente os problemas que surgem da incorporação física e da
localização cultural. Geertz defende “uma visão ampliada da cognição,
ancorada no cérebro e no corpo (encerebrada e incorporada),
profundamente dependente da cultura (inculturada) e estendida e
distribuída além das fronteiras dos cérebros individuais”.47
A ciência cognitiva da religião trata a religião como um fenômeno
essencialmente natural, que surge através – não a despeito – dos modos
humanos naturais de pensar. Isso representa um desa o signi cativo para
algumas maneiras de avaliar a religião, muitas vezes inspiradas na agenda do
racionalismo iluminista, segundo a qual a religião surgiu através do “sono da
razão” – em outras palavras, através da suspensão das faculdades críticas e
racionais humanas normais. Atualmente, a discussão dessa tese da
“naturalidade da religião” concentra-se em três questões principais:
1. Como os seres humanos representam conceitos de agentes
sobrenaturais.
2. Como as pessoas adquirem esses conceitos religiosos e
3. Como elas respondem a esses conceitos religiosos por meio de ações
religiosas, como rituais religiosos.
A ciência cognitiva da religião não depende de uma de nição rigorosa
de “religião” para ir adiante. De fato, alguns argumentariam que o
surgimento dessa nova abordagem foi motivado pela insatisfação com a
imprecisão das teorias anteriores da religião e por sua incapacidade de
serem empiricamente testadas. Como Justin Barrett observa:
Em vez de especi car o que é a religião e tentar explicá-la por inteiro, os estudiosos desse campo
geralmente optam por abordar a “religião” de maneira incremental, parcelada, identi cando o
pensamento humano ou padrões de comportamento que podem ser considerados “religiosos” e
tentando então explicar por que esses padrões são interculturalmente recorrentes. Se as
explicações acabam fazendo parte de uma explicação maior sobre “religião”, que assim seja. Caso
contrário, fenômenos humanos signi cativos foram, entretanto, rigorosamente abordados.48
Ann Taves e outros têm defendido essa abordagem, que é sensível às
críticas de que a religião não é uma “espécie natural”. A religião é um
construto social, não um conceito empírico. A religião pode ser um conceito
socialmente construído; ela é, contudo, composta de uma ampla gama de
fenômenos constituintes abertos ao estudo empírico. O método de
“fracionamento” é proposto como um meio de “engenharia reversa” da
construção social da religião, decompondo-a em fenômenos distintos ou
“blocos de construção” que estão abertos à investigação empírica. Jonathan
Jong tem salientado como a estratégia cognitiva de fracionar a crença
permite que ela seja resolvida em fenômenos distintos, cada um com seus
conjuntos distintos de causas e efeitos, abertos à avaliação cientí ca.
Outro elemento de importância é o reconhecimento de que a religião
não é primordialmente sobre o que pode ser chamado de noções
“teológicas” – como a onipotência de Deus ou a doutrina da Trindade. As
percepções religiosas tendem a ser muito mais simples e mais “naturais” do
que suas contrapartes teológicas. Enquanto alguns argumentam que as
crenças religiosas são imposições sobre os seres humanos, a ciência
cognitiva da religião sugere que existem predisposições naturais para crer
em Deus. Dois temas de particular importância no desenvolvimento dessa
perspectiva são a noção de “conceitos minimamente contraintuitivos”
[minimally counterintuitive concepts] e de “dispositivo hiperativo de detecção
de agência” [hyperactive agency detection device] (HADD),49 os quais
discutiremos mais adiante.
Pascal Boyer tem defendido que as crenças religiosas pertencem a uma
classe de ideias que poderia ser chamada de “conceitos minimamente
contraintuitivos”. Com isso, ele quer dizer que, por um lado, eles cumprem
certas suposições intuitivas sobre qualquer classe de objetos (como pessoas
ou objetos), mas, por outro lado, violam algumas dessas suposições de
maneiras que tornam os conceitos resultantes particularmente emocionantes
ou memoráveis. Em outras palavras, as noções religiosas são tanto plausíveis
quanto memoráveis. Ambas pertencem ao mundo cotidiano, embora se
destaquem dele. Elas são facilmente representadas e altamente memoráveis.
Não é claro, porém, se Boyer está argumentando que a contraintuição é uma
característica universal de toda religião ou se é simplesmente um critério
adequado para uma crença “religiosa”.
Vários autores que trabalham no campo da ciência cognitiva da religião
propuseram que a humanidade geralmente é caracterizada por ter um
“dispositivo hiperativo de detecção de agência” (HADD). Uma exposição
inicial dessa ideia pode ser encontrada em Faces in the Clouds [Rostos nas
nuvens] (1993), de Stewart Guthrie, que estabeleceu a ideia de “detecção de
agência” como uma função perceptiva humana. A ideia, no entanto, é
desenvolvida em termos mais cognitivos por autores como Justin Barrett:
Parte da razão pela qual as pessoas acreditam em deuses, fantasmas e duendes também vem da
maneira como nossas mentes, particularmente nosso dispositivo de detecção de agências (DDA),
funciona. Nosso DDA sofre de alguma hiperatividade, tornando-se mais propenso a encontrar
agentes à nossa volta, incluindo os sobrenaturais, dadas evidências bastante modestas de sua
presença. Essa tendência incentiva a geração e a disseminação dos conceitos de deus.50
O argumento aqui, derivado da psicologia evolutiva, é que os seres
humanos têm um sistema de detecção de agência naturalmente selecionado,
que é preparado para responder a informações fragmentadas no ambiente,
que podem apontar para a ameaça iminente de um agente – como um
mamífero predador ou um ser humano hostil. A função evolutiva original
do dispositivo hiperativo de detecção de agência era, portanto, detectar e
escapar de predadores; o subproduto evolutivo é uma suscetibilidade de
inferir seres sobre-humanos a partir de ruídos e movimentos no ambiente.
No entanto, alguns questionaram sobretudo a base empírica de tal
dispositivo hiperativo de detecção de agência. Neil van Leeuwen e Michiel
van Elk chamaram a atenção para sua carência de evidências e propuseram,
em seu lugar, uma descrição alternativa do processo de formação de crenças
religiosas. Seu “modelo interativo de experiência religiosa” defende que as
intuições de agência não são a principal causa da crença religiosa; ao
contrário, uma crença geral em agentes sobrenaturais leva as pessoas a
procurar situações que despertam intuições de agência e experiências
relacionadas.
Assim, para onde essas re exões nos levam? Uma pergunta óbvia diz
respeito à questão de saber se a abordagem de “contraintuição mínima” das
crenças religiosas implica ou acarreta a inexistência dos referentes desses
conceitos e crenças. Embora a maioria dos cientistas cognitivos da religião
a rme que isso não deve ser considerado uma implicação da teoria, é claro
que alguns estudiosos da área (como Scott Atran e Pascal Boyer) tendem a
sugerir que essa teoria da “contraintuição mínima” exclui ou impede uma
interpretação sobrenatural dos dados, enquanto outros (como Justin Barrett)
sustentam que não. Isso levanta uma questão que remonta a Sigmund Freud,
cujo pré-compromisso com o ateísmo notoriamente levou a suas
“explicações” da religião: os cientistas cognitivos da religião estão
permitindo que suas visões de mundo moldem sua interpretação dos dados?
Desse modo, como a teologia cristã pode responder à sugestão de que
estamos predispostos a acreditar em Deus? Para muitos teólogos, isso é
simplesmente uma descrição cientí ca do que há muito se considera
teologicamente verdadeiro. A ideia de que a humanidade está inclinada a
buscar a Deus está profundamente enraizada em muitas tradições
teológicas. A máxima bíblica de que “Ele [Deus] pôs a eternidade em nossos
corações” (Eclesiastes 3:11) é uma maneira de expressar isso. Outros podem
apontar para a famosa oração de Agostinho de Hipona: “Tu nos criaste para
ti, e o nosso coração vive inquieto até que encontre repouso em ti”. Existem
claramente algumas possibilidades intrigantes para uma exploração mais
aprofundada aqui.
Entretanto, há também questões embaraçosas que precisam ser
consideradas. Muitos autores religiosos parecem assumir que a ciência
cognitiva da religião oferece pelo menos algum apoio implícito à crença
teísta. Contudo, outros questionaram isso. Jonathan Jong, Christopher
Kavanagh e Aku Visala tem ressaltado que os processos cognitivos em
questão indiscutivelmente levam tanto à idolatria quanto ao teísmo,
legitimando a dei cação de entidades no mundo:
A tragédia do teólogo clássico é precisamente que a idolatria é mais fácil para a mente do que a
ortodoxia. Figuras humanoides poderosas que podem ser aplacadas ou evocadas por essa ou
aquela razão prática – deuses – fazem muito mais sentido para a maioria das pessoas do que o
Deus das tradições teológicas teístas clássicas, judaicas, cristãs e muçulmanas.51
O argumento apresentado aqui é que existe um caminho longo e um
tanto problemático da ciência cognitiva da religião para o teísmo clássico – e
que o caminho para o politeísmo ou a idolatria é intelectualmente mais
simples e mais intuitivo. Esse argumento foi defendido pelo teólogo João
Calvino no século 16, para quem os instintos naturais humanos precisavam
ser informados e redirecionados pelas estruturas básicas da fé cristã – caso
contrário, sua trajetória terminava na adoração da ordem natural, e não do
Deus que está por trás dela.
Então, a ciência cognitiva da religião lança alguma luz sobre o diálogo
entre ciência e religião? Existem boas razões para pensar que essa nova
disciplina pode ajudar a esclarecer esse relacionamento. Em um importante
estudo recente, Robert N. McCauley (Universidade de Emory, Atlanta)
defendeu que a crença religiosa é natural. McCauley argumenta que uma
crença ou ação deve ser pensada como “natural” quando é “familiar, óbvia,
autoevidente, intuitiva, realizada ou feita sem re exão” – em outras palavras,
quando “parece parte do curso normal dos eventos”.
Portanto, a crença em Deus ou em agentes sobrenaturais parece,
argumenta McCauley, inteiramente natural. No entanto, enfatiza que,
quando se trata de propor explicações detalhadas sobre o que se acredita
sobre esses agentes sobrenaturais, emergem rapidamente modos de pensar
que parecem muito antinaturais. Embora McCauley não o expresse
exatamente dessa maneira, fundamentalmente seu argumento é que uma
crença básica em Deus ou agência divina é muito mais natural do que as
descrições teológicas que surgem dessa crença. Em outras palavras, o
empreendimento tradicionalmente conhecido como “teologia sistemática”
parece relativamente não natural, pois envolve uma série de etapas
aparentemente contraintuitivas. A doutrina da Trindade seria um bom
exemplo de uma crença contraintuitiva ou “antinatural”, que contrasta com
uma crença muito natural na agência divina.
O que dizer, então, das ciências naturais? McCauley argumenta que, de
certa maneira, as ciências naturais são experienciadas como não naturais, na
medida em que envolvem métodos, suposições e resultados que muitas
vezes – embora de maneira alguma invariavelmente – não parecem naturais,
no sentido daquilo que é “familiar, óbvio, autoevidente, intuitivo, realizado
ou feito sem re exão”. McCauley ilustra esse ponto de várias maneiras,
principalmente observando o caráter contraintuitivo das teorias cientí cas
inovadoras:
A ciência desa a nossas intuições e bom senso repetidamente. Com o triunfo de novas teorias,
cientistas e às vezes até o público amplo, precisam reajustar seu pensamento. Quando avançamos
pela primeira vez, as sugestões de que a Terra se move, de que organismos microscópicos podem
matar seres humanos e de que objetos sólidos são em grande parte espaços vazios não eram
menos contrárias à intuição e ao senso comum do que as consequências mais contraintuitivas da
mecânica quântica se mostraram para nós no século 20.52
Como McCauley sugere, o argumento será familiar para qualquer um
que tenha lutado com as noções profundamente contraintuitivas da
mecânica quântica. No entanto, mesmo as noções físicas clássicas – como a
ideia de “ação a distância”, que tanto incomodava Isaac Newton – parecem
contradizer o senso comum.
Há ainda outro nível em que a ciência parece não natural. McCauley
argumenta que o empreendimento cientí co exige treinamento e preparação
extensivos, envolvendo geralmente hábitos de pensamento e prática, que
parecem distantes do mundo comum:
O conhecimento cientí co não é apenas algo que os seres humanos não adquirem naturalmente;
o domínio dele nem mesmo garante que alguém saberá fazer ciência. Após quatro séculos de
realizações surpreendentes, a ciência continua sendo predominantemente uma atividade
desconhecida, mesmo para a maioria do público instruído e mesmo naquelas culturas em que sua
in uência é substancial.53
Ao sugerir que, em alguns aspectos, as ciências naturais são “não
naturais”, McCauley não está sugerindo que elas estejam erradas. Ele está
simplesmente a rmando que elas exigem o desenvolvimento de certas
maneiras de pensar que não são autoevidentemente verdadeiras e, muitas
vezes, parecem ir contra a experiência cotidiana ou o senso comum.
Quais são as implicações dessas ideias para o diálogo entre ciência e
religião? A análise de McCauley sugere que o diálogo não é realmente entre
ciência e religião, mas entre ciência e teologia. Tanto a ciência quanto a
teologia representam modos de pensar que estão, pelo menos, um passo
afastados dos hábitos de pensamento cotidianos e naturais, típicos da
religião. Esse ponto também foi defendido, embora em bases ligeiramente
diferentes, por omas F. Torrance, que desejava enfatizar a especi cidade
da visão cristã de realidade, sublinhando suas raízes trinitárias e
encarnacionais, em vez do caráter “religioso” da fé cristã.
CONCLUSÃO
Este livro teve como objetivo apresentar o vasto campo de ciência e
religião, oferecendo uma visão geral de alguns de seus principais temas e
concentrando-se em uma série limitada de tópicos de interesse particular.
Inevitavelmente, isso signi ca que muito foi deixado de fora. No capítulo
inicial, apresentei a analogia do tabuleiro de xadrez, a rmando que teríamos
espaço su ciente para examinar apenas algumas de suas posições. Espera-se,
no entanto, que as questões discutidas nesta obra ajudem você a se orientar
nesse amplo campo. Esta obra concentrou-se em questões gerais,
particularmente aquelas decorrentes da loso a da religião e da loso a da
ciência, e tendeu a discutir questões religiosas principalmente de uma
perspectiva cristã. Entretanto, os limites deste volume seriam facilmente
ultrapassados se ele envolvesse outras tradições religiosas – como o
islamismo e o judaísmo – e uma gama maior de questões das ciências
naturais do que as discutidas aqui.
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2011.
Notas
1 Albert Einstein, Ideas and Opinions [Ideias e opiniões]. Nova York: Crown Publishers, 1954, p. 152.
2 Ibidem, pp. 41-42.
3 omas H. Huxley, Evolution and Ethics and Other Essays [Evolução e ética e outros ensaios].
Londres: Macmillan, 1905, pp. 46–116.
4 Ibidem, p. 53.
5 Ibidem, p. 81-82.
6 E. O. Wilson, Sociobiology: e New Synthesis [Sociobiologia: a nova síntese]. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 2000, p. 562.
7 Richard D. Alexander, Darwinism and Human Affairs [Darwinismo e questões humanas]. Seattle:
University of Washington Press, 1979, p. 20.
8 Sam Harris, e Moral Landscape: How Science Can Determine Human Values [A paisagem moral:
como a ciência pode determinar os valores humanos]. Nova York: Free Press, 2010, p. 19.
9 http://rationallyspeaking.blogspot.com/2010/04/about‐sam‐harris‐claim‐that‐science‐can.html
10 Ibidem.
11 George Ellis, “Can Science Bridge the Is–Ought Gap? A Response to Michael Shermer.” eology
and Science, 16, n. 1 (2018): 1–5, especialmente pp. 3–4.
12 Acrônimo formado pelas iniciais dos adjetivos western, educated, industrialized, rich e democratic.
[N.T.]
13 Whitley R. P. Kaufman, “Can Science Determine Moral Values? A Reply to Sam Harris.”
Neuroethics, 5 (2012): 55–65; citação na p. 59.
14 Ibidem.
15 Massimo Pigliucci, “New Atheism and the Scientistic Turn in the Atheism Movement.” Midwest
Studies in Philosophy, 37, n. 1 (2013): 142–153; citação na p. 144.
16 Richard Lewontin, resenha de “e Demon–Haunted World”, de Carl Sagan, na New York Review
of Books, 9 de Janeiro de 1997.
17 Alexander Rosenberg, e Atheist’s Guide to Reality: Enjoying Life without Illusions [Guia do ateu
para a realidade: aproveitando a vida sem ilusões]. Nova York: W.W. Norton, 2011, pp. 7–8.
18 Ibidem, p. 92.
19 Eugenie C. Scott, “Darwin Prosecuted: Review of Johnson’s Darwin on Trial.” Creation/Evolution
Journal, 13, n. 2 (1993): 36–47; citação na p. 43 (ênfase no original).
20 Ernan McMullin, “Plantinga’s Defense of Special Creation,” Christian Scholar’s Review, 21, n. 1
(1991): 168.
21 Ernan McMullin, “Varieties of Methodological Naturalism [Variedade de naturalismo
medotológico],” in e Nature of Nature: Examining the Role of Naturalism in Science, editado por
Bruce L. Gordon e William A. Dembski. Wilmington, DE: ISI Books, 2011, p. 83.
22 Ian James Kidd, “Doing Science an Injustice: Midgley on Scientism” [Fazendo à ciência uma
injustiça: Midgly sobre o cienti cismo] In Science and the Self: Animals, Evolution, and Ethics: Essays
in Honour of Mary Midgley, editado por Ian James Kidd e Liz McKinnell. Nova York: Routledge,
Taylor & Francis Group, 2016, pp. 151–167.
23 Edward H. Feser, Scholastic Metaphysics: A Contemporary Introduction [Metafísica escolástica: uma
introdução contemporânea]. Heusenstamm: Editiones Scholasticae, 2014, pp. 10–11.
24 Timothy Williamson, “What Is Naturalism?” New York Times, 4 de Setembro de 2011.
25 Ibidem.
26 Mary Midgley, Are You an Illusion? [Você é uma ilusão?] Durham: Acumen, 2014, p. 5.
27 Mary Midgley, Wisdom, Information, and Wonder: What Is Knowledge For? [Sabedoria, informação
e admiração: para que serve o conhecimento?] Londres: Routledge, 1995, p. 199.
28 Francis Darwin, ed., e Life and Letters of Charles Darwin [A vida e as cartas de Charles Darwin]
(3 vols.). Londres: John Murray, 1887, vol. 2, p. 49.
29 Bethany Sollereder, God, Evolution, and Animal Suffering [Deus, evolução e sofrimento animal].
Londres: Routledge, 2018, pp. 116–117.
30 William Paley, Natural eology: Or, Evidences of the Existence and Attributes of the Deity, 12th ed.
[Teologia Natural: ou evidências da existência da divindade e seus atributos, 12ª ed.] Londres: Faulder,
1809, p. 467.
31 Holmes Rolston III, “Perpetual Perishing, Perpetual Renewal.” Northern Review, n. 28 (2008), 111–
123; citação na p. 111.
32 Bethany Sollereder, God, Evolution, and Animal Suffering [Deus, evolução e sofrimento animal].
Londres: Routledge, 2018, p. 117.
33 Ibidem, p. 185
34 Ibidem.
35 Christopher Southgate, eology in a Suffering World: Glory and Longing [Teologia em um mundo
sofredor: glória e anseio]. Cambridge: Cambridge University Press, 2018, pp. 14–15.
36 http://www.nickbostrom.com/ethics/values.html
37 http://www.nickbostrom.com/papers/future.pdf
38 Victor C. Ferkiss, Technological Man: e Myth and the Reality [Homem Tecnológico: o mito e a
realidade]. Nova York: New American Library, 1970, p. 34.
39 Deve-se pensar aqui em um neologismo formado a partir da expressão grega arkhé (começo,
origem, o que vem no começo), que está presente como pre xo, por exemplo, em arcaico, arqueologia
e arquivo. [N.T.]
40 Roger Scruton, e Face of God [A face de Deus]. Londres: Bloomsbury, 2014, p. 8.
41 John Polkinghorne, Science and Creation: e Search for Understanding [Ciência e criação: a busca
pelo entendimento]. London: SPCK, 1988, p. 20.
42 Eugene Wigner, “e Unreasonable Effectiveness of Mathematics.” Communications on Pure and
Applied Mathematics, 13 (1960): 1–14.
43 Albert Einstein, “Physics and Reality” (1936) [Física e a realidade] In Ideas and Opinions. Nova
York: Crown Publishers, 1954, p. 292.
44 Johann Kepler, Gesammelte Werke [Obras Coletadas] (22 vols). Munique: C. H. Beck, 1937–83, vol.
6, p. 233.
45 Galileo Galilei, Opere [Obras] (20 vols). Florença: G. Barbèra, 1929, vol. 6, p. 232.
46 William Whewell, On the Philosophy of Discovery: Chapters Historical and Critical [Sobre a loso a
da descoberta: capítulos históricos e críticos]. Londres: John W. Parker, 1860, p. 359.
47 Armin W. Geertz, “Brain, Body and Culture: A Biocultural eory of Religion.” Method & eory
in the Study of Religion, 22, n. 4 (2010): 304–321; citação na p. 304.
48 Justin Barrett, “Cognitive Science of Religion: What Is It and Why Is It?” Religion Compass, 1
(2007): 1–19; citação na p. 1.
49 Acrônimo da expressão em inglês hyperactive agency detection device.
50 Justin L. Barrett, Why Would Anyone Believe in God? [Por que alguém acreditaria em Deus?]
Lanham, MD: AltaMira Press, 2004, p. 31.
51 Jonathan Jong, Christopher Kavanagh e Aku Visala, “Born Idolaters: e Limits of the
Philosophical Implications of the Cognitive Science of Religion.” Neue Zeitschri für systematische
eologie und Religionsphilosophie, 57, n. 2 (2015): 244–266.
52 Robert N. McCauley, “e Naturalness of Religion and the Unnaturalness of Science [A
naturalidade da religião e a não naturalidade da ciência]”, in Explanation and Cognition, editado por F.
Keil e R. Wilson. Cambridge, MA: MIT Press, 2000, pp. 61–85; citação nas pp. 69–70.
53 Ibidem.
ÍNDICE
Academia Nacional Americana de Ciências
ação divina, conceito de
através das leis da natureza
e o “motor imóvel”
e o problema do mal
indeterminação
newtoniano
processo, ver loso a do processo
relatos bíblicos
tomista
Addison, Joseph, “Ode”
Adler, Alfred
Agostinho de Hipona
desa o para Aristóteles
De Trinitate
sobre a criação divina
al-Ghazali, Abu Hamid
Alexander, Richard
alma, conceito de
Alpher, Ralph
analogia do ser
analogias, uso de
cientí cas
e a doutrina da criação
escolha
interpretação
limitações
religiosas
soteriológicas
ver também analogia do ser
Anselmo de Cantuária
Proslógio
Anthropic Cosmological Principle, e (Barrow e Tipler)
Aquino, ver Tomás de Aquino
árabes, intelectuais medievais
argumento do movimento
argumento ontológico
argumento teleológico
e Newton
e Paley
argumentos evolutivos de desmisti cação
críticas de
Aristóteles
críticas cristãs de
in uência nas ciências naturais
redescoberta de
Arrhenius, August, Worlds in the Making
Ásia
Associação Britânica para o Progresso da Ciência
debate de Oxford (1860)
astronomia,
e a teoria do ‘big bang’
e mecânica celeste
ver também telescópios
Atanásio de Alexandria
ateísmo
apologistas
cientí co
crenças não racionais
Atkins, Peter
Atran, Scott
Ayala, Francisco
Ayer, Alfred J., Language, Truth and Logic
Bacon, Francis
Bailer-Jones, Daniela
Barbour, Ian G.
e loso a do processo
obras
Issues in Science and Religion
Myths, Models and Paradigms
Religion in an Age of Science
realismo crítico
sobre modelos
Barrett, Justin
Barth, Karl
Baumeister, Roy, Meanings of Life
Behe, Michael, A Caixa Preta de Darwin
Bento XIV, papa
Bergson, Henri
Bhaskar, Roy
biologia evolutiva
e teleologia
metodologia
biotecnologia, ética da
ver também transumanismo
Bohm, David
Bohr, Niels
Bonjour, Laurence
Bossuet, Jacques-Bénigne
Bostrom, Nick
Boyer, Pascal
Boyle, Robert
Brahe, Tycho
BBC
Broglie, Louis de
Brooke, John Hedley
Brower, Jeffrey
Brunner, Emil
Budismo
Buffon, Georges
buracos negros
Calvino, João
contribuição para as ciências naturais
Institutas da Religião Cristã
Cantor, Geoffrey
Cantwell Smith, Wilfred
Carnap, Rudolph, e Logical Construction of the World
Carr, Bernard J.
causação
divina, ver causalidade divina
de cima para baixo
e ciente, ver causalidade e ciente
primária e secundária
causação todo-parte, ver causação de cima para baixo
causalidade descendente
causalidade divina
causalidade e ciente
Chalmers, omas
Charles, Jacques
Chesterton, G. K.
Ciampoli, Giovanni
ciência cognitiva da religião
modelos
ciência medieval
visão de mundo geocêntrica
ver também loso a natural
ciência-religião, abordagens à interface
analogias/metáforas
criacionismo, ver criacionismo
e interpretação bíblica
estereótipos
falácia essencialista
histórico
modelo de con ito
modelo de diálogo
modelo de independência
modelo de integração
ver também metáfora dos Dois Livros de Deus
realismo crítico
teologia natural
ver também loso a da religião; loso a da ciência; e cientistas e teólogos individuais
ciência, de nição de
ciências naturais
biologia, ver biologia evolutiva
e explicação, ver explicação cientí ca
física, ver física
metodologia, ver método cientí co, natureza do
revoluções nas, ver revoluções cientí cas
ver também ciência, natureza da
cienti cismo
enquanto loso a
racionalismo excessivo
uso do termo
“Cinco Vias” de Tomás de Aquino
críticas das
Círculo de Viena
Clayton, Philip
Explanation from Physics to eology
complementaridade, princípio da
complexidade, como argumento para a existência de Deus
ver também Design Inteligente, movimento do; argumento teleológico
complexo edipiano
Conway Morris, Simon, Life’s Solution
Copérnico, Nicolau
On the Revolutions of the Heavenly Bodies
Copleston, Frederick
cosmologia
abordagem indutiva para
ateística
e argumentos para a existência de Deus
e diálogo ciência-religião
e visão cristã tradicional da criação
multiverso, ver multiverso, conceito de
ver também sistema solar, modelos de
Coulson, Charles A.
Science and Christian Belief
Coyne, Jerry
Craig, William Lane
criação bíblica, relatos da
conceito de imagem de Deus
e Darwinismo
criação, doutrina cristã da
como causação
como ordenação da natureza
e narrativa
em contraste com o pensamento grego
ex nihilo
in uência nas ciências naturais
modelos de
papel humano na
trinitária
ver também relatos bíblicos da criação
criacionismo
con ito com a ciência
criacionismo da Terra antiga
cristianismo católico
analogia do ser
doutrina da imutabilidade
nos Estados Unidos
cristianismo protestante
interpretação bíblica
ver também Reforma Protestante
cristianismo, divisões internas
Crombie, Ian M.
Cupitt, Don
Davidson, Donald
Darwin, Charles
crítica de Paley
obras
Descent of Man, A Descendência do Homem
Origem das Espécies, ver Origem das Espécies (Darwin)
preocupações acerca do sofrimento evolutivo
sobre a raça humana
sobre mistério
uso de analogia
viagem no HMS Beagle
Darwin, Erasmus, Zoönomia
darwinismo
controvérsia do século
e relatos bíblicos da criação
metafísico
darwinismo universal
Davies, Paul
Deus e a Nova Física
Dawkins, Richard
cienti cismo
crítica de Paley
e darwinismo
obras,
Blind Watchmaker, e
Sel sh Gene, e
oposição entre ciência e religião
positivismo
sobre mistério
sobre sofrimento
Dear, Peter
deísmo
cosmovisão estática
e a mecânica newtoniana
noção de ação divina
propagação do
demarcação, critérios de
Dembski, William A., Intelligent Design
Dennett, Daniel
Design Inteligente, movimento do
design, argumento do, ver argumento teleológico
determinismo
ver também reducionismo
Devitt, Michael
dilúvio de Noé, história bíblica do
Dirac, Paul
Dise, Nancy
Dixon, omas
Dois Livros de Deus, metáfora dos
Draper, John William, History of the Con ict between Religion and Science
Driesch, Hans
Duhem, Pierre
Dunn, James D. G.
Dyson, Freeman, “O cientista como rebelde”
economia divina, conceito de
Edwards, Jonathan
efeito fotoelétrico
Einstein, Albert
crença religiosa
e a teoria quântica
ética
modelo de efeito fotoelétrico
sobre mistério
teoria da relatividade, ver relatividade geral, teoria da
teorias gravitacionais
elétrons, comportamento dos
e luz
inferência de
Ellis, George
empirismo construtivo
epistemologia
e ontologia
e suposições
pluralismo
universal
Era da Razão
escatologia
especismo
Estados Unidos da América
movimento de Design Inteligente
normas culturais
protestantismo do século
Estrasburgo, relógio da catedral de
ética
biotecnologia
e especismo
fatores culturais
neurociência da
Everett, Hugh
evidência, natureza de
evolução convergente
evolução, teoria da
como base para a ética
desenvolvimento por Darwin
e loso a do processo
e sofrimento
fraquezas
Lamarck sobre a
previsibilidade
resposta cristã a ver também teísmo evolucionário
visão da humanidade
ver também biologia evolutiva; argumentos evolutivos de desmisti cação; seleção natural, teoria da
evolucionismo
ver também darwinismo
existência de Deus, argumentos para a
como melhor explicação
complexidade
e darwinismo
e teologia natural
ontológico
tradicional
experiência religiosa, fenômeno de
e religião organizada
medição
expiação, doutrina cristã da
explicação cientí ca
abordagens epistêmicas
abordagens ônticas
e causalidade
ver também ontologia; realismo; método cientí co, natureza de
explicação religiosa
e experiência religiosa
tomista
explicação, teorias de
cientí cas, ver explicação cientí ca
religiosas, ver explicação religiosa
extinções
evidência fóssil para
signi cância para a seleção natural
falsi cacionismo
Farrer, Austin
fé, racionalidade da
e o numinoso
ver também teologia natural; teísmo
fenomenalismo
Ferkiss, Victor
Feser, Edward G.
Fílon de Alexandria
loso a da ciência
e realidade
temas de
loso a da religião
ação divina, ver ação divina, conceito de
de nição
existência de Deus, ver a existência de Deus, argumentos para
ver também deísmo; teodicéia; tomismo; e lósofos individuais
loso a do processo
loso a natural
medieval
Fish, Stanley
física
clássica
e matemática
e mistério
experimental
loso as da
leis da
princípio antrópico, ver princípio antrópico
reducionismo
subatômica
teórica
sicalismo não redutivo
sico-teologia
Flew, Anthony, “Teologia e Falsi cação”
Foscarini, Paolo Antonio, Letter on the Opinion of the Pythagoreans and Copernicus
fósseis
Foster, Michael, e Christian Doctrine of Creation and the Rise of Modern Science
França, ateísmo cientí co na
Frazer, Sir James, e Golden Bough
Freud, Sigmund
ateísmo
e psicogênese
estudo da obsessão
obras
A Interpretação dos Sonhos
Moisés e o Monoteísmo
O Futuro de uma Ilusão
Psicopatologia da Vida Cotidiana
Totem e Tabu
teoria da repressão
Friedman, Alexander
fundamentalismo
ver também criacionismo
Galileu Galilei
e ideias aristotélicas
sobre matemática
e montanhas da Lua
obras,
Letter to the Grand Countess Christina, 66
Mensageiro Sideral
controvérsia com o papado
Geertz, Armin
Geiger, Hans
generalizações indutivas
Gilkey, Langdon, Maker of Heaven and Earth
gnosticismo
Godfrey-Smith, Peter
Gore, Charles
Gould, Stephen Jay
‘Nonmoral Nature’
Grant, Edward
Gregório Magno
Griffiths, Paul
Guerra dos Trinta Anos
Guth, Alan
Guthrie, Stewart, Faces in the Clouds
Haidt, Jonathan, e Righteous Mind
Hanson, N. R.
Harman, Gilbert
Harris, Sam, e Moral Landscape
Harrison, Peter
Hartshorne, Charles
Hefner, Philip
e Human Factor
Heisenberg, Werner
Herman, Robert
hermenêutica
ver também interpretação bíblica, desenvolvimentos em
Herschel, John
Herschel, William
Hertz, Heinrich
Hinshelwood, Cyril
Hobbes, omas
Hood, Ralph W.
Hoyle, Fred
Hubble, Edwin
Hume, David
crítica de milagres
in uência de
raciocínio indutivo
sobre causalidade
sobre Paley
Treatise of Human Nature
Hutton, James
Huxley, Julian
Huxley, omas H.
palestra “Evolução e Ética”
Huygens, Christiaan
Ian Ramsey Centre, Oxford
idade moderna, início da
ciência
conceito de leis da natureza
matemática
visão de milagres
idealismo
idolatria
Ilha de Páscoa
Ilhas Galápagos
Iluminismo
aversão a metáforas
como mudança de paradigma
racionalismo
inferência
a posteriori
abdutiva
da existência de Deus
de entidades teóricas
e complexidade
e veri cacionismo
inconsciente
moral
ver também inferência à melhor explicação
inferência à melhor explicação
e a teoria da seleção natural
e religião
teleológica
Institute for Creation Research
instrumentalismo
interpretação bíblica, desenvolvimentos na
acomodação
alegórica
criação, ver relatos bíblicos da criação
dilúvio de Noé
e a controvérsia copernicana
e a controvérsia de Galileu
literal
modelos teóricos
protestante, ver sob cristianismo protestante
Terra jovem
Jaki, Stanley L.
James, William
Varieties of Religious Experience, e
Jastrow, Robert
João Paulo II, papa
Jong, Jonathan
judaísmo
Jung, Carl Gustav
Kalam, argumento
Kant, Immanuel
Kaufmann, Whitley
Kavanagh, Christopher
Keats, John, “Lamia”
Kekulé, August
Kelvin, ver omson, William, 1º Barão Kelvin
Kenny, Chris
Kepler, Johann
descoberta das órbitas elípticas
Harmonies of the World
Khayyam, Omar
Kidd, Ian
Kingsley, Charles
Kitamori, Kazoh, A eology of the Pain of God
Kitcher, Philip
Koperski, Jeffrey
Kuhn, omas S., Structure of Scienti c Revolutions
Laplace, Pierre-Simon
Le Verrier, Urbain
leis da natureza
e evolução
e milagres
entendimentos históricos
Leland, John, e Principal Deistic Writers
Lenard, Philipp
lente gravitacional
Lenzen Victor F., “Procedures of Empirical Science”
Leonardo da Vinci
Lewontin, Richard
linguagem
antropomór ca
aspectos culturais
limitações da
metafórica
religiosa
ver também metáfora, uso de
Linnaeus, Carl
Linné, Carl von, ver Linnaeus, Carl
Livingstone, David
Locke, John, Ensaio sobre o Entendimento Humano
Lonergan, Bernard
Lovell, Bernard
luz, natureza da
analogia com som
como onda
como partícula
fótons
Lyell, Charles
Principles of Geology
Mach, Ernst
mal natural, problema do
mal, problema do
defesa do livre arbítrio
e escatologia
natural
ver também teodiceia
Marcel, Gabriel
Marsden, Ernst
matemática
como linguagem
geometria
prova
ver também princípio antrópico
materialismo
ver também naturalismo losó co
Máximo, o Confessor
Mayr, Ernst
McCauley, Robert N.
McFague, Sallie
McGrath, Alister E.
Enriching Our Vision of Reality
Territories of Human Reason
McMullin, Ernan
Mendel, Gregor
metáforas, uso de
cristãs
interface ciência-religião
ver também analogias, uso de
método cientí co, natureza do
avaliação/modi cação de teoria
contraintuitividade
e mistério
e teleologia
e valores morais
geração de hipótese
inferência, ver sob inferência
lógica da descoberta
lógica da justi cação
modelos, ver modelos cientí cos, uso de
mudanças de paradigma
observação, objetividade da
pressupostos
raciocínio indutivo
realismo, ver realismo cientí co
ver também prova, ambiguidade da
Michelson-Morley, experimento de
Midgley, Mary
milagres
e as leis da natureza
Hume sobre
Pannenberg sobre
visão moderna de
Ward sobre
mistério, resposta humana ao
misticismo
ver também a experiência religiosa, fenômeno de
Mitchell, John
modelo cinético dos gases
modelo cosmológico padrão
modelo de guerra da ciência e religião
e positivismo
invenção do
na Inglaterra vitoriana
nos Estados Unidos
questões
modelo de magistérios não interferentes (NOMA)
modelos cientí cos, uso de
como simpli cação
comparação com modelos religiosos
escolha
limitações
risco de mal-entendido
ver também modelos cientí cos individuais
modelos, uso de
cientí cos, ver modelos cientí cos, uso de
distintos de metáforas
escolha
teológicos
ver também analogias, uso de
Moltmann, Jürgen, Cruci ed God
Monod, Jacques, Chance and Necessity
Moore, Aubrey
mal moral, problema do
Morris, Henry Madison
e Long War against God
movimento browniano
multiverso, conceito de
Murphy, Nancey
Nagel, Ernest
naturalismo losó co
naturalismo metodológico
natureza humana, visões sobre
“caída”
como cocriador
cristã
darwiniana
humanista
transumanista
natureza, teologia da, ver teologia da natureza
Netuno
neurociência
Newman, John Henry
Newton, Isaac
e o argumento do design
determinismo
teorias gravitacionais
e as leis da natureza
teologia
obras
Óptica
Principia
mecânica celeste
Niebuhr, Reinhold
Nola, Robert
ocasionalismo
Ockham, Guilherme de
ontologia
da luz
e epistemologia
materialista
Origem das Espécies (Darwin)
críticas
debate em Oxford
edições posteriores
resposta cristã a
seleção natural
uso de analogia
ver também seleção natural, teoria da
Orígenes
Ortega y Gasset, José
Osiander, Andreas
Otto, Rudolf, Idea of the Holy
Paley, William
analogia do relojoeiro
crítica de Darwin a
crítica de Dawkins a
in uência de
Teologia Natural
sobre astronomia
sobre dor e sofrimento
panenteísmo
Pannenberg, Wolart
paradigma, mudanças de
cientí co
teológico
partículas subatômicas
elétrons, ver elétrons, comportamento de
ver também teoria atômica
Peacocke, Arthur
realismo crítico
sobre ação divina
sobre causalidade descendente
sobre evolução
sobre modelos
Peirce, Charles
Penrose, Roger
Penzias, Arno
Peters, Ted
Phillips, Dewi Z.
Picard, Jean
Pico della Mirandola, Giovanni, Oração à Dignidade do Homem
Pigliucci, Massimo
Pittendrigh, Colin S.
Planck, Max
Plantinga, Alvin
Platão, Timeu
Platonismo
interface com o cristianismo
Polanyi, Michael
politeísmo
Polkinghorne, John
epistemologia
metaquestões cientí cas
realismo crítico
sobre ação divina
sobre modelos teológicos
teologia natural
Pope, Alexandre
Popper, Karl
A Lógica da Pesquisa Cientí ca
positivismo
ver também positivismo lógico
positivismo lógico
ver também veri cismo
princípio antrópico
exemplos
fenômenos
prova, ambiguidade da
Przywara, Erich
pseudociências
psicanálise
dos sonhos
ver também Freud, Sigmund
psicologia da religião
escolas de pensamento
feminista
freudiana, ver Freud, Sigmund
junguiana, ver Carl Gustav Jung
Ptolomeu, Claudius
Almagesto
Putnam, Hilary
Radcliffe-Richards, Janet
radioatividade, descoberta da
Ramsey, Ian T.
Christian Discourse
Models and Mystery
Religious Language
Raven, Charles, Natural Religion and Christian eology
Ray, John, Wisdom of God Manifested in the Works of Creation
Rea, Michael
realismo
alternativas ao
e o sucesso da ciência
e teologia
ver também realismo crítico; realismo cientí co
realismo cientí co
realismo crítico
ver também realismo cientí co
Redhead, Michael
reducionismo
causal
explicativo
metodológico
ontológico
psicológico
Rees, Martin J.
Reforma Protestante
como paradigma
controvérsias teológicas
e ciências naturais
relatividade geral, teoria da
capacidade preditiva
e falsi cacionismo
religião, de nição de
como construção social
ver também argumentos desmisti cadores evolutivos
relojoeiro, Deus como
e deísmo
Renascimento
e a revolução cientí ca
interpretação bíblica
teologia
ver também o início da idade moderna
revolução copernicana
revoluções cientí cas
início da era moderna
ver também teoria quântica; relatividade geral, teoria geral da
Rheticus, G. J., Treatise on Holy Scripture and the Motion of the Earth
Rolston, Holmes
Rose, Steven
Rosenberg, Alex
An Atheist’s Guide to Reality
Royal Society de Londres
Ru no de Aquileia
Russell, Bertrand
Problems of Philosophy, e
Russell, Colin
Russell, Robert John
Rutherford, Ernest
Ryder, Richard
Salmon, Wesley
Sayers, Dorothy L., e Mind of the Maker
Schleiermacher, Friedrich D. E.
Schlick, Moritz
Scholz, Heinrich
Sco eld, Bíblia de Estudo
Scott, Eugenie
Scruton, Roger
Sebonde, Raimundo de
Liber Creaturarum
seleção natural, teoria da
críticas
desenvolvimento da
e seleção arti cial
e teleologia
inferência à melhor explicação
in uências ambientais
respostas cristãs a
Sidgewick, Isabella
Singer, Peter
sistema solar, modelos de
adaptação à teoria atômica
geocêntrico
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Smith, Christian
Sollereder, Bethany
Soskice, Janet Martin
Southgate, Christopher, Groaning of Creation
Spinoza, Baruch, Tractatus eologico-Politicus
Spranzi, Marta
superveniência
Swinburne, Richard
Concept of Miracle
tecnologia, função de
ver também biotecnologia
Teilhard de Chardin, Pierre
teísmo clássico
capacidade explicativa
teísmo evolutivo
teísmo islâmico
medieval
teleologia
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e seleção natural
em biologia
teleonomia
telescópios
em comparação com o olho humano
importância dos
limitações
observações da Lua
Tennant, F. R.,
Miracle and Its Philosophical Presuppositions
Philosophical eology
teodiceia
teologia, cristã
enquanto estrutura intelectual
epistemologia
linguagem da
medieval
métodos de pesquisa
natural, ver teologia natural
papel explanatório
sistemática
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ver também teólogos individuais
teologia natural
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e realismo
modelos
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teoria das cordas
Teoria do “Big Bang”
desenvolvimento da
e narrativas cristãs da criação
e o argumento kalam
e o multiverso
teoria do “estado estacionário”
teoria quântica
abordagens deterministas
e complexidade
modelo de Copenhague
teorias de “catástrofe”
omson, J. J.
omson, William, 1º Barão Kelvin
Tindal, Matthew, Christianity as Old as Creation
Tolkein, J. R. R.
Tomás de Aquino
analogia do ser
“Cinco Vias”, ver “Cinco Vias” de Tomás de Aquino
in uência de, ver tomismo
sobre milagres
obras
Suma Contra os Gentios
Suma Teológica
tomismo
Torrance, omas F.
eological Science
Toulmin, Stephen
transumanismo
Trindade, doutrina da
Turner, Frank
Tycho, supernova de
uniformidade da natureza
uniformitarismo
Universidade de Pádua
universidades, medievais
universo, idade do
Modelo Lambda-CDM
Urano
utilitarismo
van Elk, Michiel
van Fraassen, Bas
van Leeuwen, Neil
van Till, Howard
veri cacionismo
escatológico
Visala, Aku
visão de mundo mecanicista, ascenção da
von Rad, Gerhard
von Soldner, Johann Georg
Wallace, Alfred Russell
Ward, Keith, Divine Action
Watts, Fraser
Webb, C. C. J.
Weinandy, omas
Weinberg, Steven
Whewell, William
Philosophy of the Inductive Sciences
White, Andrew Dickson, History of the Warfare of Science with eology in Christendom
Whitehead, Alfred North, Process and Reality
in uência de
Wigner, Eugene, e Unreasonable Effectiveness of Mathematics
Wilberforce, Samuel
demonização de
resenha de Origem das Espécies
Wilkins, John
Williamson, Timothy
Wilson, Edward O., Sociobiology
Wilson, Robert
Wittgenstein, Ludwig
Wood, William
Wright, Edward
Wright, N. T.
Yandell, Keith
Young, omas
ALISTER MCGRATH,
um ex-ateu, é fascinado pela interação entre fé, ciência e
ateísmo. Possui doutorados em biofísica molecular e em teologia pela
Universidade de Oxford, é professor da cadeira Andreas Ideos de Ciência e
Religião e diretor do Centro Ian Ramsey para Ciência e Religião, em Oxford.
Autor consagrado de muitos livros importantes, incluindo A Ciência de Deus,
O Ajuste fino do Universo, e Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica.
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