- Quem sou? Pedro Markun, hacker e ativista pela transparência e outra forma de fazer politica em tempo integral.
- E estou aqui para contar a história de um Laboratório, um Laboratório Hacker que a gente esta montando dentro do Congresso Nacional. No coração do poder legislativo.
- A minha história com transparência e dados abertos vai começar mais ou menos em Outubro de 2009. Quando 120 pessoas se reuniram na extinta Casa de Cultura Digital - ali na Barra Funda - para realizar o primeiro Transparência Hackday.
- Hoje, você chuta uma árvore e caem 10 hackathons. Estamos planejando inclusive uma segunda edição aqui pra Câmara. Mas naquela época não era bem assim... e eu e a Daniela, minha sócia, tivemos que ouvir do Claudio Abramo - presidente da Transparência Brasil - que isso nunca ia dar certo e que o governo nunca ia abrir os dados.
- Mas enfim, o evento rolou e dele surgiu uma comunidade - a Transparência Hacker - que cresceu e hoje tem 1600 pessoas no Brasil todo.
- Em dezembro, a gente organizou um Hackday em Brasilia, durante o seminário de acesso a informação. É mais ou menos por ai, acho, que a gente conheceu o Cristiano Ferri - um servidor da Câmara responsável por um portal de participação chamado e-Democracia. E é mais ou menos por ai que começa a história do Laboratório.
- O Ferri queria conversar comigo e com a Dani pra gente ajudar a dar um banho de loja no e-Democracia... mas vocês sabem como é o processo de grana pública e 8666. Não dava simplesmente pra ele pagar passagem e levar a gente pra discutir uma quem-sabe possível contratação de dois meninos que mal-e-mal tinham cnpj.
- Ainda assim, lá por Junho de 2010, ele chamou a gente pra dar uma palestra sobre dados abertos na Câmara. Era uma sala pequena, mas estava lotada. E a gente fez ali um primeiro discurso que viriamos a repetir várias e várias vezes ao longo dos anos... propondo mais abertura e transparência nas informações públicas.
- Lembro até hoje de um ex-deputado, com sotaque nordestino carregado, que falava do fundo da sala: 'Tudo isso é muito bonito! Muito legal isso que.. vocês estão propondo... o único problema é que vocês estão falando de democratizar o púder... e político gosta e não quer saber de democratizar o púder.'
- A palestra foi ótima. Já a conversa sobre o e-Democracia não deu em nada... a única possibilidade de contratação era dispensa de licitação - até r$8.000. Já que a gente não tinha 'notória especialização' e a Câmara, pelo jeito, não sabe muito dos macetes do PNUD e contratar via UNESCO.
- Cheguei a perguntar se não rolava fazer em 6 parcelas de 8. Mas, felizmente, não é assim que funciona
- Lá pra Agosto... a gente subiu de novo pra Brasilia, na raça, pra participar do Consegi - Congresso Internacional de Software Livre e Governo Eletrônico (não me perguntem como chegaram nessa sigla). Ficamos pulando de sala em sala perguntando se alguém, em algum lugar, estava minimamente preocupado com essa história de dados abertos...
- Se não me falha a memória esbarramos com o Ferri de novo... que me apresentou o cara que estava com os dados da Câmara na mão. Na época a Câmara já tinha uns 'dados abertos' desde que você mandasse uma carta se identificando que precisava ser aprovada pelo diretor de TI.
- Nessa época eu já estava meio pilhado no processo legislativo e em 2011 eu gastei um bom tempo e tutano escrevendo robozinhos pra ler e compreender os dados pra poder lançar o Jogo da Vida do Processo Legislativo - uma ferramenta que mostrava a tramitação legislativa como se fosse um jogo de tabuleiro e permitia você enviar mensagem diretamente pro representante que estava sentando em cima da tramitação.
- No caso dessa lei ai - a lei de acesso a informação - era o Collor, que ficou sentado sobre a lei por NNN dias, mesmo eu tendo mandado varios emails.
- Demorou de Agosto de 2010 até Dezembro de 2011 pra Câmara Federal finalmente liberar seus dados abertos sem que ninguém tivesse que ser bonzinho e escrever carta pro papai noel.
- Nesse meio tempo eu subi pra Brasilia mais um par de vezes e numa dessas viagens - no Beirute, um restaurante arabe famoso lá em Brasilia, a gente começou a tramar a realização de um Hackday no Congresso Federal. Nesse dia, estava também na mesa, o João Holanda, que é do Senado (o irmão mais sério e mal-humorado da Câmara) e o delírio de grandeza era fazer uma coisa conjunta... ainda chegaremos lá.
- Mas as coisas demoram e tomam rumos inesperados nesse mundo do poder público... a coisa perdeu tração lá dentro da Câmara Federal e ao mesmo tempo começou a ganhar força aqui na Câmara Municipal.
- Corta o filme.
- Aqui na Câmara Municipal a gente também estava botando uma pressão pra descolar uns dados abertos - essa é, afinal, a nossa cidade e dado aberto funciona MUITO melhor no escopo local.
- O Tom, hoje presidente da Open Knowledge Foundation BR, estava trabalhando com o Pesaro - que era o vereador vigiado dele no 'Adote um Vereador' e sabe como é, né? SunTzu.
- O Pesaro chamou a gente lá - sempre que estou falando 'a gente' estou falando da THacker, esse bando amorfo de gente de todo tipo - pra escrever um projeto de lei de dados abertos.
- Escrito e publicado... uns tempos depois apareceu o Tião Farias dizendo que também tinha escrito e publicado um projeto sobre o assunto.
- Em defesa do Tião, o projeto dele era mesmo mais antigo. Ai começou um puxa-empurra que pra gente não fez muito sentido... a gente desceu do cavalo e falou 'resolvam-se ai crianças, o nosso interesse são dados abertos e não apoiar fulano ou beltrano'.
- No meio dessa história apareceu o Police Neto, que era o presidente na época. Pelo que entendi ele tirou a bola dos meninos, disse que isso não era coisa pra lei e que podia ser resolvido mais facilmente com um ato da mesa.
- Não deu nem muito tempo de reclamar. Em coisa de 15 dias o decreto estava assinado e criou-se uma sessão de dados abertos no site onde publicaram uma porção de dados - num formato que continua até hoje meio gambiarrado - mas pelo menos esta lá.
- Pra mim, pelo menos, isso virou uma puta referencia e uma compreensão de que pra fazer qualquer coisa com o poder público você precisa de um encontro muito fortuito... alguém que de a canetada - o Police no caso - mas também uma galera na base que entre de cabeça e tope executar - a galera de TI que na época era pilotada pelo Eduardo Myashiro.
- Voltou pra cena a ideia de organizar um hackday legislativo - agora não mais na Câmara Federal - levamos um tempo organizando e aos trancos e barrancos em maio rolou o primeiro Hackathon dentro de uma casa legislativa que eu tenho notícia. Foi foda.
- Foi aqui nesse Plenário. Não tinha muita gente, na real, por uma questão simbólica a gente resolveu fazer a abertura oficial meia-noite, uma galera saiu pra jantar e nunca mais voltou... outra se inscreveu e nem deu o ar da graça.
- Mas foi MUITO foda. Eu nunca tinha entrado em um Plenário antes... isso ajuda a tangibilizar e dessacralizar a política (apesar do crucifixo ali em cima e da biblia em cima da mesa) de um jeito muito bom.
- Minha memória esta meio embaralhada, entre outras coisas pq a gente virou a madrugada programando e porque - na paralela - o Ônibus Hacker (que foi a minha primeira experiência de construção de um laboratório hacker) tava engatinhando pra uma de suas primeiras viagens nesse mesmo dia... quebrado no meio da estrada como viria a ficar muitas outras vezes.
- Mas eu me lembro claramente de uma cena em particular que me arrepia até hoje. Era tipo umas 3am... uma boa parte já tinha desistido e estava sentado nessas enormes poltronas de vereador com o olhar perdido de peixe morto... e tinha um moleque que devia ter uns 16 anos conversando energicamente com a Ella, que era secretaria geral da Mesa e o Myashiro me falou esses dias que se aposentou sobre processo legislativo. Ele estava tentando entender porque diabos a consulta SQL que ele estava fazendo por um tipo de proposição legislativa estava dando resultados diferentes do que ele esperava... e ela estava explicando pra ele que em alguns momentos a realidade e a teoria legislativa se separam e só mesmo que vive por ali pra entender porque.
- Flagra a cena? 3am, uma servidora pública estava ali pilhada conversando sobre política de alto nível com um moleque de 16 anos. E eu pensando 'porra, tai. Esse é o jeito. Esse é o encontro e essa é a forma de fazer política que eu acredito. Isso foi Maio de 2012.
- Levou um ano e meio pra gente conseguir desenrolar o Hackathon da Câmara Federal depois disso.
- Nesse ano e meio, eu fechei minha empresa e viajei o Brasil inteiro (e fora dele) com o Ônibus Hacker fazendo oficinas e me aprofundando no entendimento do processo legislativo até um ponto que me perdi... e me peguei falando inciso, alínea e caput com uma naturalidade que começou a me afastar da ideia original... de reconectar as pessoas com a política e criar uma nova maneira de fazer política longe dos velhos vícios e velhos jargões.
- Mas enfim... numa dessas idas pra Brasilia encontrei o Ferri de novo, que falou que a coisa tinha andado - que o presidente tinha topado comprar a briga - e que o Hackathon ia rolar. Perguntou se eu preferia ficar na organização ou tentar participar. Como não tinha um puto pra mim, eu não tenho diploma então é ainda mais difícil me contratar pra qualquer coisa, eu achei melhor ficar só com a diversão e me inscrevi no edital de convocação como todo mundo. Dai que eu não sei tanto dos bastidores desse ai como dos outros.
- Esses espaços de encontro, de troca, são sempre foda. Pelo menos pra quem troca. Os hackathons estão num momento engraçado... tem uma onda de euforia por parte dos governos achando que isso é o novo Tono Bungay. O remédio pra todos os males. E do outro, tem uma galera com uma crítica pesada sobre a real utilidade desses eventos...
- Acho que estou em cima do muro. Minha linha de argumentação, meio infantil e possivelmente contestável no princípio público da eficiência... é que hackathon tem que ser divertido.
- Ele não é um evento pra gerar produto. É um encontro pra pensar processos e mudar culturas.
- E ai vou fazer aqui um salve especial pra Dani, minha ex-sócia e que aceitou a bucha de desorganizar o hackathon... ela salvou o evento ao fazer uma mudança muito simples na programação: Não tem palestra. Quem vier falar, vai falar enquanto a galera trabalha... no mesmo espaço.
- Isso valeu pros Assessores Legislativos, valeu pro Diretor de TI e valeu também pro Presidente. Todo mundo chegou lá e deu seu recado pra uma plateia que, na sua maioria, olhava compenetrados pra tela dos seus computadores e não para o palco.
- Um pouco antes do presidente falar, o Ferri apareceu do meu lado e cochichou 'vem ai o Presidente, agora é a hora de vocês pedirem tudo que vocês querem'.
- Ele deu a brecha, eu entrei.
- O vídeo é meio longo e eu dou uma volta danada pra falar o óbvio. Eventos - como esse aqui - são divertidos e servem pra gente celebrar tudo que a gente realizou e pirar junto em tudo que vamos realizar. Mas amanhã a banda volta a tocar normalmente e se a gente não tiver um espaço permanente de encontro e troca, que funcione nessa outra lógica, com essas outras regras de colaboração... não se segura.
- A gente precisa - além do nosso Hackday anual - de um Laboratório Hacker. Um espaço físico onde as leis da burrocracia não se aplicam. Onde, por um momento pelo menos, os vereadores, servidores e cidadãos podem tirar seus crachás e conversar como gente e trabalhar juntos.
- O Presidente topou. E ai de novo a gente teve aquele desenho mágico, alguém com a caneta e o poder de decisão suportado por uma equipe - o Ferri, o Daniel, o Pedro e mais uma série de outros pra fazer a coisa andar.
- Agora a gente tem um laboratório. Permanente. Nosso. De vocês. É foda! É único no mundo. E ninguém faz a menor ideia de se vai dar certo. Mas já deu certo, né?
- Essa é uma história com começo e meio... ainda é cedo pra contar todas as histórias incríveis das coisas fantásticas que rolaram no Laboratório Hacker da Câmara Federal. Talvez no próximo TEDx.
- O que eu posso dizer é que esses processos demoram... mais do que eu gostaria... mas eles estão andando.
- No final de 2012 ficou na mesa do Police um termo de cooperação técnica com a Transparência Hacker pra assinar. O Police sumiu pra cuidar da eleição. Se reelegeu, mas quem virou presidente da Mesa foi o Zé Américo.
- Levei um ano pra conseguir conversar com o Zé Américo. Ele pediu desculpas e disse que isso deveria ser mais fácil... é, deveria ser mais fácil. Mais são reflexos das velhas formas de fazer política, das brigas entre partidos.
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Tarda mais não falha. A gente continua por aqui. O Zé Américo deu sinal verde pra retomar e melhorar o projeto de Dados Abertos, pra realizar um Hackday - que deve rolar lá pro começo de junho - antes da copa e pra buscar um lugar pro nosso Laboratório Hacker. Esse espaço aberto pra experimentação política, onde se tudo der certo a gente vai poder ver sempre uma garotada de 16 anos discutindo regimento interno com servidores e vereadores... até o momento que a gente não vai mais saber quem é quem.
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Obrigado :)