Estatísticas de mortalidade são importantes medidas sociais e demográficas que podem refletir a condição social e de saúde de uma determinada população. Elas podem ser aplicadas na academia, na sociedade e em políticas públicas para a tomada de decisão. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1998), as taxas de mortalidade diminuíram em todo o mundo durante o século XX, com melhorias significativas em muitos indicadores de saúde, incluindo a redução da mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida ao nascer.
O Brasil passou por muitas mudanças durante o século XX, incluindo mudanças demográficas iniciadas na década de 1980. O principal fator responsável por essas tendências é a mortalidade, que foi particularmente alta entre 1980 e 1995. Durante esse período, as taxas de mortalidade aumentaram significativamente no Brasil, como evidenciado pelo número de óbitos registrados ao longo de todo o período. Outro fator importante relacionado a essas mudanças é o declínio da fecundidade, que leva ao envelhecimento da população e ao aumento da mortalidade crônica.
Paes (2006) argumenta que as estimativas de mortalidade pelas causas básicas de morte são muito importantes para avaliar o estado de saúde ou as doenças de uma população e compreender as trajetórias da saúde, bem como para identificar fatores relevantes para políticas e programas de saúde. Segundo a OMS (2010), muitos países estão progredindo em direção ao êxito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) relacionados à saúde. No entanto, em muitos países, o progresso é severamente prejudicado por guerras, instabilidade devido a crises econômicas ou humanitárias e escassez de recursos.
Doenças do Aparelho Circulatório (DAC) são uma das principais causas de morte no mundo e no Brasil (LOTUFO, 2000), sendo a doença isquêmica do coração (DIC) e a doença cardiovascular (DCV) as principais causas. No Brasil, a mortalidade por doenças cardiovasculares diminuiu 31% entre 1996 e 2007. Embora tenha havido uma tendência de diminuir nas regiões mais desenvolvidas do país desde a década de 1970 (FARIAS, 2014), a mortalidade no Brasil permanece alta em comparação com outros países desenvolvidos.
Tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, as desigualdades sociais afetam a mortalidade por doenças cardiovasculares entre regiões e grupos populacionais. O impacto de fatores socioeconômicos na mortalidade cardiovascular tem sido avaliado de duas formas: por modelos que consideram o estilo de vida das pessoas como fator de risco, ou por modelos que incluem a densidade populacional e o nível socioeconômico da área geográfica na análise. No Brasil, apesar da diminuição da mortalidade por doenças cardiovasculares, um estudo conduzido por Santos e Paes (2014) nas microrregiões do nordeste do Brasil descobriu que as desvantagens sociais eram maiores em áreas com condições econômicas e sociais precárias. Sendo assim, as mesorregiões do Nordeste apresentam taxas de mortalidade elevadas e diversificadas em comparação com o restante do país.
Nessas regiões do Brasil, há sérios problemas com a qualidade dos indicadores baseados na causa da morte relatada pelos médicos nas declarações de óbito. Portanto, é desafiador compreender como esses mecanismos operam ao delinear cenários que subsidiam a tomada de decisão pelos gestores. Segundo Paes (2006), as deficiências históricas em demografia no Brasil e suas regiões são os maiores problemas do país em termos de cobertura, confiabilidade e até mesmo qualidade da informação. Portanto, os indicadores de desenvolvimento nessas regiões destacam padrões regionais importantes, incluindo diferenças nas taxas de mortalidade, estilos de vida, condições de vida e qualidade dos dados.
Como exposto, as doenças cardiovasculares são uma das principais causas de morbidade e mortalidade no Brasil e permanecem um problema persistente de saúde pública. No contexto da região Nordeste, caracterizada por desigualdades socioeconômicas e distribuição desigual de serviços de saúde, compreender os padrões espaciais da mortalidade por doenças cardiovasculares é importante para o desenvolvimento de políticas eficazes para o melhor direcionamento. A análise espacial pode identificar padrões geográficos, grupos de risco e desigualdades territoriais, o que pode proporcionar acesso a recursos e intervenções de saúde mais eficientes e eficazes para a tomada de decisão. Sendo assim, este estudo tem como objetivo realizar uma análise espacial da mortalidade por doenças cardiovasculares na região Nordeste do Brasil por mesorregiões em 2022, identificar áreas de alto risco e compreender os determinantes espaciais associados à distribuição da mortalidade. Espera-se que esses resultados contribuam para o delineamento de ações de vigilância em saúde e a otimização de estratégias de prevenção e controle dessas doenças, especialmente em ambientes com altas desigualdades.
Realizar análises espaciais relacionadas à mortalidade das doenças cardiovasculares nas mesorregiões do Nordeste em 2022.
- Elaborar mapas temáticos para analisar a distribuição geográfica da mortalidade por Doenças Cardiovasculares (DCVs) nas mesorregiões;
- Identificar padrões espaciais e aglomerados (clusters) com altas taxas de mortalidade;
- Subsidiar a formulação de políticas públicas e apoiar processos de tomada de decisão.
A transição demográfica é um fenômeno de dimensão global, mas fortemente influenciado pelo contexto histórico em que ocorre em diferentes países. Trata-se de uma das tendências mais marcantes que caracterizam a economia e a sociedade brasileiras desde a segunda metade do século passado. Embora distinta da observada em países desenvolvidos, sua semelhança com outras nações em desenvolvimento não a torna menos singular. No Brasil, esse fenômeno é moldado pelas especificidades históricas regionais e intensamente influenciado pelas desigualdades sociais e territoriais.
Nesse sentido, a transição demográfica se revela como um processo singular: global, por afetar toda a sociedade brasileira, e ao mesmo tempo multidimensional, pois se manifesta de maneiras diversas conforme as disparidades regionais e sociais. Assim, entende-se por transição demográfica o movimento social que envolve não apenas as características comuns das variáveis demográficas, mas também as transformações sociais e econômicas ocorridas no país. Portanto, não se trata de um processo neutro: ele pode tanto criar condições favoráveis ao crescimento econômico e ao bem-estar social quanto aprofundar as já existentes desigualdades (BRITO, 2008).
As mudanças demográficas no Brasil vêm ocorrendo há décadas, como em outros países em desenvolvimento, e observa-se que o ritmo dessas transformações se intensificou à medida que as taxas de fecundidade e de crescimento populacional diminuíram significativamente. No entanto, o crescimento populacional segue contínuo. Essa tendência, relativamente recente, indica que, devido ao rápido crescimento populacional iniciado na década de 1970, as transformações continuarão sendo significativas na primeira metade do século XXI (BRITO, 2008). Nadalín (2004), citando Livi-Bacci (1993), afirma que o termo “transição demográfica” pode ser utilizado para explicar o processo de mudança da desordem para a ordem e do desperdício para a racionalidade na economia. Essa mudança implica uma diminuição das taxas de fecundidade e mortalidade (SILVA, 2013).
A transição epidemiológica refere-se às mudanças nos padrões de morbidade, mortalidade e nas doenças que caracterizam os grupos populacionais, geralmente associadas a transformações demográficas, sociais e econômicas (OMRAN, 2001; SANTOS-PRECIADO, 2003). Três formas de transformação podem ser observadas nesse processo: a substituição de doenças transmissíveis por doenças não transmissíveis, somadas às causas externas de mortalidade; a transferência das doenças e da mortalidade dos grupos mais jovens para os idosos; e a substituição da predominância da mortalidade pela morbidade.
O significado da transição epidemiológica deve ser compreendido dentro de um conceito mais amplo. Para Lerner (1973), a transição em saúde inclui elementos de atitudes e comportamentos sociais que integram o campo da saúde coletiva. Essa mudança pode ser dividida em dois componentes principais: a transformação do estado de saúde — expressa por alterações na frequência, intensidade e distribuição das condições de saúde, refletidas na mortalidade, morbidade e incapacidade — e a resposta social organizada a essas condições, materializada por meio dos sistemas de saúde, os quais se desenvolvem a partir de avanços sociais, econômicos e tecnológicos (FRENK, 1991).
Há uma associação direta entre os processos de transição epidemiológica e demográfica (CHAIMOWICZ, 1997). O declínio da mortalidade, inicialmente concentrado nas doenças transmissíveis, beneficia principalmente os grupos etários mais jovens, que passam a conviver com fatores de risco relacionados a doenças crônicas. Isso resulta no aumento da esperança de vida e na maior prevalência dessas doenças na população idosa. As mudanças no perfil de saúde, dominado por doenças crônicas e suas complicações, alteram os padrões de uso dos serviços de saúde e elevam os custos, exigindo a adoção de novas tecnologias para o tratamento. Esses desafios impõem a necessidade de uma agenda de políticas públicas de saúde voltadas às múltiplas transições em curso.
A competência clínica permanece majoritariamente centrada nos hospitais. A escassez de investimentos na formação médica, sobretudo em áreas como reabilitação e prevenção, aliada à insuficiência de profissionais qualificados e à carência de modelos alternativos de cuidado (além do regime ambulatorial e de internação), motivou a criação de programas de gerenciamento da saúde. Tais programas, bem como os de custo-efetividade, devem ser considerados na formulação de novos modelos de atenção clínica à saúde (GOULART, 1999).
No Brasil, a transição epidemiológica não seguiu o padrão clássico observado nos países desenvolvidos, tampouco em nações latino-americanas como Chile, Cuba e Costa Rica. Há uma sobreposição de estágios, marcada pela prevalência simultânea de doenças infecciosas e crônicas. O ressurgimento de enfermidades como febre amarela, sarampo, caxumba e leishmaniose ilustra um processo desigual denominado “contra-transição”. Esse cenário não se resolve de maneira linear, resultando em elevada morbidade e mortalidade em diferentes contextos epidemiológicos, o que demanda uma transição de longo prazo. Há também uma polarização no acesso e na qualidade da assistência à saúde entre as regiões brasileiras (FRENK, 1991).
Além disso, o envelhecimento populacional no Brasil, iniciado na década de 1960, gerou demandas por serviços de saúde e assistência social anteriormente restritas aos países desenvolvidos. Mesmo ainda enfrentando desafios como o controle de doenças infecciosas e a redução da mortalidade infantil, o país não conseguiu desenvolver políticas públicas eficazes para a prevenção e o tratamento das doenças crônicas e suas consequências. Isso tem implicações diretas sobre a autonomia dos indivíduos e sua qualidade de vida (CHAIMOWICZ, 1997).